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EMBARGOS DE TERCEIRO
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário
I. A lei processual configura os embargos de terceiro como um incidente de intervenção em ação pendente, determinando que os mesmo são processados “por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante” (cfr. n.º 1 do artigo 344.º). II. Estabelece assim a lei uma competência por conexão, sendo competente para a preparação e julgamento dos embargos, ainda que com valor superior a € 50.000,00, o tribunal por onde corre a ação executiva de que dependem, sem que haja lugar a distribuição (cfr. n.º 2 do artigo 206.º do CPC), extensão de competência que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 91.º do mesmo diploma legal. III. Os embargos de terceiro, enquanto meio de oposição à execução, destinam-se à defesa da posse ou do direito do embargante atingido pela diligência, não sendo meio processualmente adequado a obter o reconhecimento do direito a ser indemnizado pela realização de benfeitorias e consequente condenação no pagamento da indemnização correspondente. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Processo244/24.0T8PSR-D.E1[1] Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sor - Juiz 1
I. Relatório
Inconformada com a decisão proferida em 22 de Abril de 2025 [Ref.ª 244/24.0T8PSR-D], que indeferiu liminarmente os embargos de terceiro que deduziu por apenso aos autos de ação executiva para entrega de coisa certa que (…), Lda. move a (…) e (…), Lda., veio a embargante (…) apresentar o presente recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:
“1.ª Em primeiro lugar, verifica-se que os embargos foram deduzidos contra duas pessoas coletivas e contra uma pessoa singular, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida, pelo que a mesma afigura-se ilegal e deve ser revogada. 2.ª Os Embargos visam salvaguardar a posse, nada têm a ver com o direito de propriedade. No presente processo, no dia 24 de Março de 2025, a Embargante, que sempre teve a posse da casa de morada de família, o presente processo nada tem a ver com os processos judiciais anteriores. 3.ª Assim, é manifesto que não só tem legitimidade como terceiro, pois que não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução, como a instauração é tempestiva, pois que entre a data do conhecimento do propósito da retirada da posse e a instauração dos embargos medeiam menos de 15 dias! Quando a lei confere, pelo menos, um prazo de 15 dias. 4.ª Dispõe o artigo 860.º, n.º 1, do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no n.º 3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas». 5.ª Supletivamente, sempre se dirá que a embargante e ora recorrente é terceira em relação ao julgado em execução, porquanto não figurou como Ré em sede declarativa cuja decisão aqui se executa, sendo-lhe lícito, pois, em tese, usar do meio processual aludido no artigo 342.º do CPCivil, ou seja, o Tribunal recorrido, se considerava que nunca deveria ter chamado a Recorrente ao processo, sempre deveria ter admitido os embargos como embargos de terceiro visto que sempre esteve excluída a dedução de Oposição. 6.ª No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que os embargos assemelham-se em tudo ao pedido reconvencional, emergem do fato jurídico que serve de fundamento à defesa. 7.ª A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo. 8.ª 1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. 9.ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 10.ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente. 11.ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto. 12.ª Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 13.ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica. 14.ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL de 16 de Maio 1996, processo n.º 0012472, sumário em dgsi.pt). 15.ª No que respeita ao resumo das declarações prestadas pela embargante e pelas testemunhas, tal como foi dado como assente, nada há que sindicar, sendo certo que o ponto n.º 7 que não teria havido conhecimento dos proprietários da fracção, a verdade é que quem adquiriu a fração não contactou a embargante, tal como quem a vendeu também não comunicou o direito de preferência, afigurando-se até inusitado o processo principal na medida em que: 16.ª No dia 2 de Dezembro de 2024, a ora Recorrente tomou conhecimento de um alegado aviso, da Exma. AE de que iria ser efetuado o despejo no dia 16 de Dezembro de 2024. 17.ª No dia 3 de Dezembro de 2024, foram apresentados, de forma legítima e tempestiva, os competentes embargos de terceiro, com efeito suspensivo, quer automático, quer por ter sido requerido com dispensa de prestação de caução. 18.ª As 6 petições de embargos de terceiro contêm como indicação de valor a quantia de € 50.570,00, o que desde logo, tem efeitos sobre a competência em razão do valor, sendo que o Tribunal não conheceu desta concreta questão quando estava obrigado a fazê-lo antes sequer de realizar qualquer diligência no âmbito dos embargos. 19.ª Assim, as diligências efetuadas padecem de nulidade pois que foram presididas por quem não tinha poderes para tal, sendo certo que, nas várias diligências já levadas a cabo sempre tal questão foi colocada, ou seja, nenhum dos embargantes prescindiu do conhecimento dessa nulidade e muito menos se pronunciou sobre a mesma, no sentido de tal nulidade não ser conhecida. 20.ª O presente processo de insolvência reveste naturalmente interesse e ordem pública na medida em que uma vez requerida a insolvência não pode o requerente desistir e muito menos efetuar qualquer transação pois que quem é insolvente não deixa de o ser de uma hora para a outra, afigurando-se ainda que no processo de insolvência era obrigatória a nomeação de um administrador de insolvência o qual teria de ser nomeado de imediato e a declaração de insolvência devia ter sido objeto de publicação no Diário da República. 21.ª Não se compreende como foi possível que o Tribunal não tenha diligenciado pela nomeação do Administrador de Insolvência pois que ficou precludida a elaboração do Apenso de Apreensão de Bens. 22.ª Nalgum momento o processo de insolvência esteve pendente e apesar das graves omissões da alta de nomeação de administrador e da publicitação da insolvência, verificou-se ainda algo mais estranho que corresponde ao facto de o processo de insolvência não ter absorvido todos os outros processos tal como a lei impõe e nem sequer foi decretada a suspensão dos demais processos, tal como deveria ter acontecido no processo de execução nos próprios autos. 23.ª Consultado o processo principal, verifica-se que se trata de um requerimento de execução de decisão judicial condenatória verifica-se que da factualidade alegada, a mesma se baseia numa decisão judicial condenatória e lida a exposição factual, da mesma resulta que a 22/06/2024, foi instaurado um processo de insolvência de pessoa coletiva na qual se peticiona a quantia de € 15.500,00. 24.ª Consta ainda que no dia 16/08/2024 a requerente da insolvência, recorde-se dois meses depois de requerida a Insolvência, que é um processo urgente, e que teria de em poucos dias, dar origem à nomeação de um Administrador de Insolvência e à publicação em Diário da República do aviso de Reclamação de Créditos, algo que se encontra completamente omitido. 25.ª Mais, alude-se a uma transação que se afigura como algo proibido uma vez que o interesse público não permite que numa transação de insolvência passe a constar que para pagar a dívida à exequente se faça constar que a executada, que recorde-se, não é proprietária do imóvel, pois que o proprietário é (…), Lda. em 90% e o sr. (…) em 10% e muito menos que dessa transação consta que a executada se compromete a entregar as chaves das frações correspondentes ao R/C-Esq., 1º-Esq., 2º-Esq., 3º-Esq., R/C-Dto. e 1º-Dto. até ao final de Agosto de 2024. 26.ª De facto, para alem da ilegalidade da transação, não é possível que se faça constar que a executada, que não tem inscrito a seu favor qualquer direito de propriedade, se possa comprometer a entregar as chaves das frações em causa. Trata-se de algo bastante obscuro que já deveria ter merecido despacho de indeferimento liminar do Requerimento executivo. 27.ª Igualmente estranho é o facto de só ter sido efetuado o pagamento de uma prestação e ter sido invocado que as chaves não foram entregues e que o acordo não foi cumprido pois que, afinal, não era um acordo por € 15.000,00 mas apenas por uma prestação, visto que as chaves deveriam ser entregues mesmo antes de decorrido o prazo da primeira prestação. 28.ª Para além da confusão entre exequente e executado, importa ainda esclarecer que a adquirente (…) sempre teve conhecimento que os referidos andares se encontravam a ser habitados, como casa de morada de família, pelas embargantes e respetivos companheiros e número significativo de menores, bem sabendo que não tinha sido efetuada a comunicação do direito de preferência e algumas das situações relativas à cedência da situação contratual tinham na sua origem um contrato de arrendamento por escrito, estando a adquirente obrigada a comunicar no cartório notarial, aquando da compra, que se trata de casas arrendadas e a juntar à respetiva escritura cópia das cartas registadas a comunicar o direito de preferência, mas tal não teve lugar. 29.ª Por sua vez, no que respeita à pretensão de execução da referida sentença que foi peticionado a quantia de € 13.950,00 bem como a entrega das referidas frações, sendo certo que as embargantes não receberam qualquer notificação e se tivesse recebido, teriam exercido o direito de preferência e até tinha solicitado a emissão de guias para pagamento imediato da quantia exequente e extinção da execução, o que, nos termos legais, fazem, com base no presente requerimento, devendo o Tribunal proceder à emissão da guia correspondente a tal valor. 30.ª Lido o alegado título executivo que é constituído pela Sentença de 18/09/2024 e pelo denominado acordo de pagamento em prestações e restituição, desde logo se verifica que nos termos do artigo 21.º do CIRE, era possível a apresentação de procedimento criminal que ao caso couber, independentemente de ainda não ter sido proferida sentença. 31.ª Mais foi declarado que foi homologada a desistência da Instância quanto à (…) Love, que recorde-se não é nem nunca foi proprietária das frações em causa, o que constitui um forte indício do crime gravíssimo que terá sido praticado com a referida transação, uma vez que se pretende, através de uma transação num processo de insolvência obter a entrega das chaves de frações autónomas que em vez de serem da propriedade da executada, eram isso sim da propriedade da exequente para, por essa forma, eventualmente se alcançar um despejo célere e desprovido de garantias para as embargantes que ai residem há vários anos. 32.ª Por sua vez no que respeita aos termos do acordo de pagamento, temos que a (…) reconhece que tem uma dívida de € 13.000,00 para com (…), bem como uma locação de € 2.500,00, celebrando assim um acordo de € 15.500,00, a ser pago tal valor em 10 prestações. Nunca no referido acordo de pagamento se refere a existência de uma qualquer prestação de facto, nunca se refere a obrigação de entrega de quaisquer chaves pelo que se desconhece como foi possível admitir-se no requerimento de execução o ponto 3 que remete para o ponto 5 da cessão da posição contratual quando, na prática, o que serviria era de a exequente que seria credora que € 15.500,00 cederia, o que apenas se pode depreender, à executada as frações para depois a executada se comprometer a entregar as chaves à exequente que recorde-se na prática, nada cedia e na prática também só teria recebido uma prestação. 33.ª Resulta claro que da leitura da sentença homologatória, do acordo de pagamento e do requerimento executivo que o presente processo não se compadece com o respeito da legalidade; terá tido uma finalidade diversa daquela a que respeita o requerimento executivo, não sendo estranho o prejuízo irreparável para as embargantes pois que os processos judiciais não devem ser utilizados para fins contrários à lei e, no mínimo, o requerimento executivo, por se afigurar contrário à lei, deveria ter sido liminarmente indeferido, o que se requer através do presente requerimento de arguição de nulidade de todo o processado nos termos expostos. 34.ª Comaentregaemjuízodosembargosdeterceirofoiordenadaasuspensãododespejodashabitaçõescorrespondentesàscasasdemoradadefamíliadecadaumdosembarganteseorarequerentes. 35.ª Nessamedida,foirevogadaaautorizaçãojudicialdacomparênciadoOPCqueassimficousemqualquerefeito.TalcomoDoc.2quesejunta. 36.ª No dia 9 de Abril de2025, teve lugar a realização de diligências relativas à embargante (…) e mais uma vez foram inquiridas testemunhas e prestadas declarações pela embargante tendo igualmente reiterado a questão relativa à incompetência em razão do valor bem como a necessidade de ser salvaguardada a casa de morada de família, sempre no âmbito do processo de Insolvência. 37.ª Efetivamente nunca o Tribunal nessas diligências ordenou a retificação processual por forma a ficar claro que o processo de insolvência já não existia e que estávamos apenas no âmbito de um processo de execução nos próprios autos, sendo que todas as embargantes naturalmente declararam ter a posse da respetiva habitação e as testemunhas também confirmaram quer a posse quer o receio de a sua posse ser afetada. 38.ª Nos termos do disposto no artigo 647.º, n.º 3, alínea b), do CPC, b): “Tem efeito suspensivo da decisão a apelação” “b) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação.”
Conclui pela procedência do recurso e subsequente revogação da decisão recorrida.
Assente que pelas conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pela apelante:
- da (in)competência do tribunal em razão do valor;
- das nulidades da sentença;
- da fraude à lei e do direito de preferência;
- do direito a indemnização por benfeitorias.
* Da competência
Ainda que tenha instaurado os presentes embargos de terceiro por apenso à ação executiva que a demandada (…), Lda. move aos demais, veio agora a embargante em sede de recurso arguir a incompetência do Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sor, com o fundamento de que o valor atribuído aos embargos excede os € 50.000,00.
Pese embora se trate de questão que antes não suscitou, sendo de conhecimento oficioso, como resulta do n.º 2 do artigo 104.º do CPCiv., dela se conhecerá.
O art.º 117.º da Lei Orgânica dos Sistema Judiciário, aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (na redação quelhe foi conferida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22/12) estabelece que:
“1. Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50.000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50.000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
2. Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.
3. São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência.”
Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 130.º do mesmo diploma legal que “Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.”
Da conjugação dos preceitos vindos de transcrever resulta que a competência dos juízos locais cíveis é, de algum modo, residual, competindo-lhes a preparação e o julgamento das causas não atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.
Os embargos de terceiro, previstos e regulados nos artigos 342.º e seguintes do CPCiv., constituem um meio de oposição à penhora ou a qualquer outro ato judicial de apreensão ou entrega de bens, facultando ao possuidor (ou titular de qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência) um meio de defesa da sua posse.
A lei processual configura os embargos de terceiro como um incidente de intervenção de terceiro em ação pendente, determinando que os mesmo são processados “por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante” (cfr. n.º 1 do artigo 344.º). Estabelece, assim, a lei uma competência por conexão, sendo competente para a preparação e julgamento dos embargos o tribunal por onde corre a ação executiva de que dependem, sem que haja lugar a distribuição (cfr. n.º 2 do artigo 206.º do CPC), extensão de competência que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 91.º do mesmo diploma legal (cfr., neste mesmo sentido, Prof. Rui Pinto, “A Ação Executiva”, 2019, pág. 750, e o acórdão do TRL de 22/6/2021, processo 10662/20.7T8LSB-A.L1-7, acessível em www.dgsi.pt).
Decorre do que vem de se expor que a embargante instaurou os presentes embargos no tribunal com competência para os apreciar, com a consequente improcedência da exceção agora suscitada.
* Das nulidades da sentença
A apelante diz ainda ser a decisão ilegal, por não constar do relatório a referência a todos os demandados (conclusão 1ª), sendo também nula por falta de fundamentação, não tendo o tribunal procedido “a uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante (…)” (conclusões 10ª e 11ª).
No que respeita ao fundamento de ilegalidade invocado, a ausência de identificação de todas as partes, conforme prescreve o n.º 2 do artigo 607.º do CPCiv., não integrando o elenco taxativo das nulidades da sentença (disposição legal aplicável aos despachos por força do n.º 3 do artigo 613.º), nem tendo idoneidade para influir no exame ou decisão da causa (artigo 195.º, a contrario sensu), assume valor de mera irregularidade. E mostrando-se a mesma sanada, como se vê do despacho proferido em 02/06/2025, correção efetuada em conformidade com o regime previsto no n.º 2 do artigo 613.º e n.º 1 do artigo 614.º, todos do citado CPC, a decisão proferida não padece de qualquer ilegalidade.
Alegou ainda a apelante ser a sentença nula por falta de fundamentação. Mas sem razão o faz.
Impondo-se distinguir entre as nulidades da decisão e o erro de julgamento, quer de facto, quer de direito, e reconduzindo-se as primeiras a vícios meramente formais decorrentes de erro de atividade ou procedimento, vem sendo pacificamente entendido, no que se refere à invocada ausência de fundamentação, vício fundamento de nulidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, que “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC” (do acórdão do STJ de 03 de Março de 2021, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, encontram-se especificados na decisão recorrida os factos com relevância para a decisão, seguidos de desenvolvido enquadramento jurídico, com referência às pertinentes normas jurídicas, donde ser de todo impertinente a arguição da falta de fundamentação.
Por outro lado, e pese embora eventuais deficiências de motivação da decisão proferida sobre os factos não constituam fundamento de nulidade, antes dando lugar à remessa dos autos à 1ª instância quando esteja em causa facto essencial, nos termos e com a finalidade previstas na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º, não é aqui o caso pois, conforme a própria recorrente reconhece – cfr. o teor da conclusão 15ª – nenhum reparo tem a fazer a este respeito.
Em conclusão, a decisão recorrida não é nula, nem ilegal, não procedendo a invocação dos referidos vícios.
* Fundamentação De facto
É a seguinte a factualidade julgada indiciada na decisão recorrida:
1. O direito de propriedade sobre a fração autónoma correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio sito no n.º 23 da Rua (…), na freguesia da (…), do concelho da Amadora, descrita na Conservatória dos Registos Predial e Comercial da Amadora sob o n.º (…), encontra-se inscrito a favor dos embargados, na proporção de 90/100 para a primeira embargada e de 10/100 para o segundo embargado.
2. Em 2019, as chaves da fração autónoma indicada em 1) antecedente foram entregues à embargante por (…).
3. A embargante reside na fração autónoma indicada em 1) antecedente desde a data referida em 2) antecedente.
4. Atualmente, para além da embargante e do seu companheiro, residem na mesma fração autónoma três filhos de ambos, dois deles ainda menores de idade.
5. Desde a data referida em 2) antecedente, a embargante realizou diversas obras na fração, de valor concretamente não apurado.
6. Desde a data referida em 2) antecedente, a embargante pagou despesas de manutenção do prédio, de valor concretamente não apurado.
E foi julgado indiciariamente não provado que:
a) O referido em 2) e 3) ocorreu sem o conhecimento e consentimento dos proprietários da fração naquela data.
* De Direito Do fundamento dos embargos de terceiro
Antes de mais, importa referir que, não vindo questionada a legitimidade da embargante ou a tempestividade dos presentes embargos, não tem este Tribunal o dever de se pronunciar sobre o teor das conclusões 3ª, 4ª e 5ª, afigurando-se destituídas de utilidade as referências nelas feitas.
Feita tal prévia precisão, tenha-se presente que a recorrente veio a juízo deduzir os presentes embargos de terceiro com fundamento na posse que alegadamente vem exercendo sobre a fração correspondente o 2.º andar esquerdo do prédio que identificou e que é objeto do pedido de entrega na ação executiva a que os mesmos se encontram apensos.
Na versão que trouxe a juízo, invocou a Autora ter celebrado acordo verbal no ano de 2019 com alguém que identificou como sendo (…), no âmbito do qual a fração em causa lhe foi entregue. E na versão da própria, está em causa um contrato de cessão de posição contratual, tendo passado a ocupar a posição da cedente no contrato por esta celebrado no ano de 2000 com os então proprietários (…) e outros, os quais se teriam obrigado a diligenciar pela licença de habitabilidade da fração e a proceder à constituição da propriedade horizontal, em ordem à posterior celebração de um contrato promessa de compra e venda e subsequente celebração da escritura (cfr. artigos 2º e 3º da petição).
Mais alegou que por via da posse que vem exercendo desde 2019, a qual pretende juntar à que vinha, desde o ano de 2000, a ser exercida pela cedente, adquiriu a fração por usucapião, que expressamente invocou.
Algo contraditoriamente, invocou ser também titular, na sua qualidade de beneficiária de promessa de transmissão da fração, com traditio, de direito de retenção nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil (isto apesar de, nos termos da própria alegação, ser cessionária duma alegada promessa verbal de celebração de um futuro contrato promessa de compra e venda).
Finalmente, sob a alegação de que executou obras de beneficiação na fração no valor de € 45.570,00, concluiu a pedir que
a) fosse declarado o seu direito de propriedade sobre a fração autónoma identificada, por a ter adquirido por usucapião;
b) fosse declarado o seu direito a uma indemnização, correspondente ao valor das obras e despesas suportadas (€ 47.570,00) e aos danos não patrimoniais que sofreu (€ 3.000,00), acrescida de juros legais vencidos e vincendos a contar da notificação dos embargados até efetivo e integral pagamento.
c) subsidiariamente, e por se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa, que lhe fosse reconhecido o direito ao pagamento da quantia de € 50.570,00, igualmente acrescida de juros.
Após produção da prova oferecida, os embargos foram rejeitados por se ter concluído não ser possível extrair dos factos apurados uma probabilidade séria de virem a ser reconhecidos à embargante os direitos por ela invocados. Decisão que, antecipa-se, não merece censura.
Conforme se explica na decisão recorrida e resulta do disposto no artigo 342.º do CPCiv., os embargos de terceiro podem ter como fundamento ofensa da posse e/ou da titularidade de um direito incompatível com a diligência executiva.
Ora, como resulta claro da decisão apelada, os factos alegados e indiciariamente apurados não permitem concluir que a apelante é possuidora, posto que, pese embora venha exercendo sobre a identificada fração poderes de facto, não logrou provar que o faz em nome próprio. Daí a conclusão – que, em bom rigor, a apelante não questiona em sede de recurso –, de que estamos perante uma mera detenção. Tal como não questiona a também afastada probabilidade de lhe vir a ser reconhecida a titularidade de um direito de uso e habitação, como previsto no artigo 1484.º do CC.
Com efeito, vistas as alegações de recurso, verifica-se ter-se a apelante limitado a tecer considerandos vários, que transpôs para as conclusões 20ª a 33ª, a propósito do título executivo, no caso a sentença homologatória de transação proferida no processo de insolvência instaurado pela ora exequente, em ordem a concluir pela sua invalidade, o que deveria ter determinado, diz, o indeferimento liminar do requerimento executivo.
A fundamentar a invalidade do titulo executivo invoca, ao que se depreende do alegado, não ser possível transigir num processo de insolvência, insinuando terem as partes feito do processo um uso indevido, com a única finalidade de obterem um título que viabilizasse o rápido despejo do prédio, que bem sabiam ocupado por diversas famílias.
A tal respeito, cabe referir que o artigo 21.º do CIRE prevê expressamente que o requerente da declaração de insolvência possa desistir do pedido ou da instância até ser proferida sentença, sendo assim de admitir igualmente que as partes transijam.
De outro lado, e quanto à invocada fraude à lei, a apelante nada alegou na petição de embargos capaz de fundamentar este instituto, não questionando em momento algum a validade do título executivo.
Conforme é sabido, aos tribunais de recurso, com exceção das questões de conhecimento oficioso, está vedado o conhecimento de questões novas, que não tenham sido suscitadas na instância inferior, destinando-se a reponderar a decisão proferida sobre matéria antes e oportunamente suscitada, tendo em conta os elementos de que dispunha o juiz que a proferiu e o âmbito do recurso. Daqui decorre não poder este Tribunal pronunciar-se sobre a questão só agora suscitada.
Quanto vem de se dizer é igualmente válido para a só agora invocada preterição do direito de preferência que assistiria à embargante, ainda que se não vislumbre – e a recorrente nada diz a este respeito – qual seria a origem desse direito, sendo certo que do alegado não resulta qualquer direito legal de preferência, já que em parte alguma alegou ser titular de um contrato de arrendamento.
Quanto ao reclamado crédito decorrente das benfeitorias realizadas, não estando em causa que a embargante tenha executado obras na fração, e admitindo que o imóvel possa ter resultado valorizado, importa ter presente que os embargos de terceiro, enquanto meio de oposição à execução, se destinam exclusivamente à defesa da posse ou do direito do embargante atingido pela diligência, não sendo meio processualmente adequado a obter o reconhecimento do direito a ser indemnizado e eventual condenação no pagamento da indemnização correspondente. Deste modo, a invocação da realização das benfeitorias, nesta sede, só poderia ter relevância no âmbito da invocação de eventual direito de retenção. Mas nem a embargante tal invocou nem, em todo o caso, o direito seria de lhe reconhecer, desde logo porque, encontrando-se indiciada a sua má fé, a tal obstaria a alínea b) do artigo 756.º do Código Civil.
Finalmente, alude a apelante ao instituto do abuso de direito, sem concretizar quais os factos suscetíveis de desencadear o funcionamento do instituto e a quem os imputa, sendo certo que da factualidade dada como provada e não provada nada se extrai que possa fundamentar um juízo de censura sobre a conduta adotada nos autos pela exequente ou executados remotamente idóneo ao preenchimento da previsão do artigo 334.º do Código Civil.
Sendo de julgar improcedentes, nos termos expostos, todos os argumentos recursivos, resta confirmar a decisão recorrida.
* Sumário: (…)
* III. Decisão Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
As custas recaem sobre a recorrente, que decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCiv.), sem prejuízo da isenção resultante do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Maria Domingas Alves Simões
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário João Canelas Brás
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[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
1.º Adjunto: Sr. Juiz Desembargador José Manuel Tomé de Carvalho;
2.º Adjunto: Sr. Juiz Desembargador Mário João Canelas Brás.