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INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
CONSELHO DE FAMÍLIA
PROCEDIMENTO
Sumário
Requerendo o pai e protutor do maior acompanhado a reunião do conselho de família, o tribunal deve tramitar o respectivo requerimento ao abrigo do procedimento previsto nos artigos 1017.º a 1020.º do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Sumário: (…)
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo Local Cível de Setúbal foi proferida sentença, em 07.06.2018, transitada em julgado, decretando a interdição por anomalia psíquica de (…), solteiro, nascido em 15.01.1995, filho de (…) e de (…).
O estado de interdição foi fixado com início em 15.01.2013, e foi nomeada tutora a mãe do interditado.
Foi ainda constituído o conselho de família, para o qual foram nomeados como protutor o pai do interditado, e como vogal (…), irmão do interditado.
Em 28.10.2024, o protutor (…) requereu a convocação do conselho de família, para apreciação das seguintes questões:
A. O matrimónio entre o Requerente e a Acompanhante foi dissolvido em 2021. A partir de Outubro do mesmo ano o Beneficiário passou a residir com Acompanhante em (…), (…), tendo sido interrompidos os contactos diários e consecutivos. O Requerente pretende retomar as visitas e contactos físicos com o Beneficiário, estabelecendo um regime de deslocações.
B. Pretende também que seja abordada a situação de prestação de informações sobre o estado de saúde do Beneficiário, atendendo a que os contactos com a Acompanhante são inexistentes.
C. Pretende o Requerente analisar se a resposta de integração social do beneficiário no Centro de Assistência Social de … (IPSS), em regime de voluntariado, vai ao encontro das suas necessidades específicas.
D. Em relação a cuidados de saúde e demais necessidades passivas da tomada de decisões urgentes e inadiáveis, deverá se analisada e fixado o consentimento partilhado entre a Acompanhante e o Protutor.
E. Analisar uma questão relacionada com o testamento vital.
F. Analisar a possibilidade de substituição do vogal (…), pois este não mantém contactos ou dispõe de interesse nos assuntos relacionados com o Beneficiário.
Nesta sequência, o Ministério Público requereu que, face à data da sentença de interdição (agora acompanhamento de maior com poderes de representação geral), se procedesse à revisão das medidas decretadas, ao abrigo do artigo 155.º do Código Civil e do artigo 26.º, n.º 8, da Lei n.º 49/2018, de 14/08.
Foi determinada a notificação do acompanhante e demais membros do conselho de família para se pronunciarem quanto a uma eventual revisão da medida de acompanhamento, nomeadamente se deverá ser alterada, com quais fundamentos, e ser junta documentação clinica actualizada.
A mãe e o irmão do maior acompanhado disseram que não existe fundamento para a alteração da decisão de interdição.
Por seu turno, o pai afirmou que não convive com o maior acompanhado desde Outubro de 2022 e insistiu na substituição do vogal (…). Porém, em requerimento posterior, informou que este vogal manifestou expressamente a sua disponibilidade para continuar a integrar o conselho de família, assegurando a sua participação e o acompanhamento necessário dos interesses do beneficiário, motivo pelo qual deveriam ser mantidos inalterados os membros do conselho de família.
A decisão recorrida decidiu o seguinte: “(…) no que tange à necessidade de modificação da medida de acompanhamento aplicada, dir-se-á que resulta da prova documental junta aos autos, bem como do relato dos membros do conselho de família, que inexistem factos objectivos que fundamentem uma eventual revisão, devendo assim a mesma manter-se nos exactos termos constantes da sentença”.
O protutor e pai do maior acompanhado deduz recurso, concluindo:
A sentença recorrida:
· Desconsidera a prova relevante, nomeadamente os contributos da defensora judicial e os factos apurados junto da instituição de acolhimento;
· Mantém uma medida que prejudica claramente o beneficiário, impedindo o convívio com o pai, seu protutor;
· Esvazia as funções do protutor, ao permitir que este seja marginalizado sem qualquer mecanismo de controlo ou correcção.
· Ignora a recomendação legalmente prevista no artigo 155.º do Código Civil de revisão da medida com a auscultação do conselho de família, o que não aconteceu.
V. Do Pedido
· Nestes termos, e nos mais de direito que V. Ex.ª doutamente suprirão, requer-se a V. Exa. que:
1. Admita o presente recurso com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos, nos termos dos artigos 647.º e 678.º do CPC;
2. Seja revogada a sentença de 27 de Março de 2025 descendo o processo para o Tribunal a quo para ulteriores termos;
3. Seja determinada a remoção da acompanhante (…) em virtude da falta de cumprimento do dever de informação e assistência entre o beneficiário e o pai protutor;
4. Seja nomeado novo acompanhante ou reforçado o papel do protutor;
5. Seja regulamentado um regime de visitas regular entre pai e filho;
6. Sejam reconhecidos os direitos relacionais e afectivos nomeadamente entre o beneficiário com o pai, enquanto fundamento central da medida de acompanhamento.
A Digna Magistrada do Ministério Público contra-alegou e concluiu nos seguintes termos:
1. O Recorrente interpôs recurso da decisão de 27 de Março de 2025, pela qual a Meritíssima Juiz a quo decidiu manter as medidas de acompanhamento aplicadas a (…), bem como a composição do conselho de família, nos termos determinados na sentença.
2. A decisão baseou-se nos elementos probatórios trazidos aos autos e informação prestada pela acompanhante e pelo vogal (que não foi posta em causa pelo protutor), de acordo com a qual a situação do acompanhante se mantinha inalterada;
3. A decisão é conforme aos interesses do acompanhado, na medida em que as medidas de acompanhamento aplicadas na sentença que decretou a sua interdição são as que melhor acautelam as suas necessidades de acompanhamento.
4. A decisão recorrida não esvazia, nem põe em causa, o exercício das funções de protutor;
5. Não tendo sido requerida a remoção da acompanhante, nem havendo motivos de facto, ou de direito, para o fazer, não poderia o Tribunal decidir remover a acompanhante do cargo.
6. Sendo a decisão recorrida conforme à Lei e à Constituição, não tendo sido tomada em atropelo de qualquer norma jurídica, bem andou o Tribunal a quo, razão pela qual a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se inalterada.
Cumpre-nos decidir.
Resulta demonstrada nos autos a seguinte factualidade:
1. (…) nasceu no dia 15.01.1995.
2. Padece de hemiparesia direita e atraso global do desenvolvimento.
3. Teve meningite neonatal a Enterobacter Cloacae com hidrocefalia.
4. Não sabe ler e escrever.
5. Não tem noção do real valor do dinheiro.
6. As sequelas que tem são permanentes e irreversíveis.
7. Tem uma incapacidade permanente global de 81%.
8. O requerido não consegue organizar a sua vida sem o auxílio de terceiros.
9. A incapacidade notou-se desde o seu nascimento.
Aplicando o Direito. Da revisão da medida de acompanhamento e da convocação do conselho de família
Visto que a sentença de interdição foi proferida antes da entrada em vigor das alterações ao Código Civil introduzidas pela Lei n.º 49/2018, de 14/08, que criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, há a atender que, face ao artigo 26.º, n.º 4, da mencionada Lei, “às interdições decretadas antes da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime do maior acompanhado, sendo atribuídos ao acompanhante poderes gerais de representação”, acrescentando o n.º 7 que “os tutores e curadores nomeados antes da entrada em vigor da presente lei passam a acompanhantes, aplicando-se-lhes o regime adoptado por esta lei”, e o n.º 8 que “os acompanhamentos resultantes dos n.ºs 4 a 6 são revistos a pedido do próprio, do acompanhante ou do Ministério Público, à luz do regime actual”.
Ora, de acordo com o artigo 155.º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 49/2018, “o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos”.
Nesse sentido, o Ministério Público requereu a revisão da medida de acompanhamento, e certo é que ninguém discute a necessidade de manutenção do regime já existente, face à grave anomalia psíquica que afecta o acompanhado.
No seu recurso, o Recorrente argumenta que a medida prejudica o beneficiário, impedindo o convívio com o pai, seu protutor, que esvazia as funções do protutor, e ignora a necessidade de auscultação do conselho de família. A sua pretensão é que a acompanhante (…), mãe do maior acompanhado, seja removida do cargo, e que ele, o pai e protutor, seja agora nomeado o novo acompanhante.
Sucede que em momento algum o Recorrente requereu perante a primeira instância que a acompanhante e mãe (…) fosse removida do cargo. O que alegou nos autos foi a dissolução do seu casamento e a alteração de residência do acompanhante e do maior para (…), quando antes residiam em Setúbal, e consequentes dificuldades no cumprimento do regime de visitas, pedindo para o efeito a convocação do conselho de família.
A questão da remoção do cargo da acompanhante é, pois, questão nova que perante este tribunal de recurso não pode ser invocada, pois os recursos apenas são instrumentos de reapreciação de uma decisão, e não o meio de obter decisão sobre questões novas, que não foram suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido.
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015, (Proc. 505/07.2TVLSB.L1.S1, publicado na página da DGSI), “a questão nova não é susceptível de vir a obter um novo enquadramento jurídico, em sede de recurso, mas antes uma primeira e definitiva abordagem, pelo que, a menos que se reconduza a uma hipótese de conhecimento oficioso, está vedado, até com base no princípio da estabilidade da instância, ao Tribunal Superior a sua apreciação, que não pode conhecer e decidir o que, anteriormente, o não foi, por falta de atempada invocação”.
Não se pode, também, afirmar que a decisão recorrida não ouviu os membros do conselho de família. Foram notificados para exercer a sua pronúncia, e vieram aos autos demonstrar a sua posição.
O que a decisão recorrida não apreciou foi, porém, o requerimento do Recorrente de convocação do conselho de família, que este apresentou em 28.10.2024, para apreciação das questões que este ali expôs, que acima se transcreveu.
Ora, “tendo um dos vogais do conselho de família apresentado requerimento, no processo de maior acompanhado, solicitando de reunião de conselho de família, deve o tribunal oficiosamente corrigir o meio processual utilizado, determinando que tal requerimento seja tramitado como requerimento inicial do processo especial previsto nos artigos 1017.º a 1020.º do Código de Processo Civil” – Acórdão da Relação de Coimbra de 13.05.2025 (Proc. n.º 1067/20.0T8LRA-C.C1, publicado na página da DGSI).
Se assim é, apesar da decisão recorrida ser de manter – não existem fundamentos para alterar a medida de acompanhamento decretada nem a composição do conselho de família – será ordenada a autuação do requerimento em causa como processo especial para os mencionados fins (convocação do conselho de família, face à legitimidade do Recorrente para esse efeito, pois é protutor e pai do maior acompanhado – artigo 1957.º, n.º 1, do Código Civil).
Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido que manteve a medida de acompanhamento, mas determina-se que o requerimento de 28.10.2024 seja autuado como processo especial de reunião do conselho de família, ao abrigo dos artigos 1017.º a 1020.º do Código de Processo Civil.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Mário Branco Coelho (relator)
Vítor Sequinho dos Santos
Isabel de Matos Peixoto Imaginário