PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARRESTO
CRÉDITO
LEGÍTIMA
CÁLCULO
Sumário

Arrogando-se o Requerente do arresto de crédito contra o Requerido decorrente da ofensa da legítima e do direito ao preenchimento da legítima em dinheiro, o cálculo da legítima e dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte faz-se levando em conta o valor dos bens à luz do critério legal fixado no processo de inventário, ou seja, o valor tributário.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerido: (…)
Recorrido / Requerente: (…)

O presente procedimento cautelar de arresto foi intentado para garantir o crédito de que se arroga o Requerente contra o Requerido, no valor de € 93.179,60.
Invocou o Requerente, para tanto, o seguinte:
- a sua mãe, de quem é único e universal herdeiro, doou ao Requerido, em vida, bens imóveis no valor global de € 187.160,04, assim como a verba de € 10.000,00;
- à data da morte da mãe, apenas existia um imóvel com o valor matricial de € 55.408,85;
- o valor do património para cálculo da legítima é de € 252.568,89, a quota disponível é de € 126.284,45, pelo que há lugar a redução das liberalidades inoficiosas pelo valor de € 68.215,55;
- o Requerido atuou de forma danosa na gestão do património da falecida, levando esta a contrair dívida junto da Lar onde estava institucionalizada pelo montante de € 24.964,04;
- valor que constitui montante indemnizatório a que tem direito;
- o Requerido já alienou 3 dos 6 bens que recebeu em doação;
- o Requerente receia que o Requerido venha a alienar os demais;
- não são conhecidos outros bens ao Requerido.

Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida decisão julgando procedente a pretensão do Requerente, decretando o arresto em bens do Requerido para garantir o pagamento de € 93.179,60.
Tiveram lugar diligências de arresto.
Citado o Requerido, apresentou-se este a deduzir Oposição, pugnando pelo levantamento do arresto dos bens.
Invocou, para tanto, que:
- a dívida ao lar, que foi garantida por hipoteca que onerou bem de sua propriedade, já se encontra saldada, não constitui passivo da herança;
- é incorreto o valor atribuído ao património para efeitos de apuramento da legítima, uma vez que foram aplicados 3 critérios diversos, a saber:
i) o valor assumido no ato de doação para os bens doados e não vendidos;
ii) o valor declarado nos contratos de compra e venda para os bens doados e subsequentemente vendidos pelo Requerido;
iii) o valor matricial para o bem que pertencia à falecida à data da morte.
- o critério aplicado deve ser o mesmo: ou o valor venal /de mercado (ainda que seja de realizar perícia) ou o valor matricial para todos eles;
- o valor do bem imóvel existente no acervo patrimonial da herança tem valor superior ao total dos bens doados ao Requerido;
- inexistem circunstâncias de facto que sustentem receio de perda de garantia patrimonial.

II – O Objeto do Recurso
Indeferida que foi a realização de diligência pericial, teve lugar audiência final, conforme documentado nos autos.
Foi proferida decisão julgando improcedente a oposição, mantendo o arresto decretado.

Inconformado, o Requerido apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete o levantamento do arresto. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. Nos presentes autos foi decretada sem audição prévia do Requerido a providência cautelar de Arresto.
2. Tomando dela conhecimento, o Requerido aqui Recorrente, deduziu oposição o que motivou a realização de audiência e discussão de julgamento e prolação de sentença de que ora se recorre, porquanto a mesma julgou totalmente improcedente a Oposição apresentada.
3. Venerandos Juízes Desembargadores, salvo o devido e merecido respeito – que imenso é – pelo douto Tribunal que proferiu a referida sentença, e não obstante o respeito que todas as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, não pode o Recorrente, conformar-se com a decisão proferida, por esta comportar consigo erro de julgamento e se revelar manifestamente infundada, injusta, desproporcional, não apreciando devidamente os factos indiciados e não indiciados, e, subsequentemente, não classificando devidamente a matéria de facto nem a enquadrando, bem como, na errada interpretação e aplicação da matéria de Direito.
4. O presente recurso fica desde já limitado a toda a matéria de facto, tendo por objeto a sua reapreciação e impugnação, e de Direito constantes da decisão final.
5. O Recorrente considera que os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas foram imparciais, isentos, coerentes e credíveis, traduzindo a realidade dos factos.
6. Deste modo, salvo o devido e merecido respeito por entendimento diverso, andou mal o douto Tribunal de 1.ª Instância, aquando da apreciação fáctico-jurídica vertida nos presentes autos.
7. Desde logo, por apresentar incongruências na sua fundamentação, partindo de premissas que apontam num sentido, porém, logrando diferente conclusão.
Senão vejamos,
8. Dos factos indiciariamente dados como provados acima transcritos em conjugação com parte da motivação do Tribunal a quo, podemos avançar que não deveria ter concluído que pela manutenção da decisão.
9. O Requerido logo em sede de Oposição constatou que na Avaliação de Bens Imóveis, o Tribunal a quo seguiu indevidamente a pretensão do Requerente, revelando-se a mesma, nossa opinião em desconformidade clara com o nosso Ordenamento Jurídico, porquanto, afigura-se como violadora do princípio da igualdade e da justiça material.
10. Para devida compreensão veja-se o seguinte segmento da Oposição apresentada.
11. O Requerente de forma conveniente alega por um lado que devemos atentar para (3) três critérios distintos na avaliação patrimonial de cada um deles, tentando, descaradamente, atribuir um elevado valor a cada um dos bens imóveis na esfera jurídica do Requerido (e que já foram vendidos), e atribuir o valor constante da caderneta predial ao bem imóvel pertencente à herança.
12. Ou seja, com os bens imóveis que o Requerido foi o legítimo donatário e que em seguida os vendeu, avança o Requerente que estes têm o valor total de € 184.500,00 (cento e oitenta e quatro mil e quinhentos euros) – Critério do valor da venda.
13. Já quanto aos restantes bens doados e não vendidos deveríamos atentar ao valor constante da escritura de doação – Critério do valor da doação.
14. Para o bem da massa da herança entende o Requerente que devemos atentar ao valor matricial – Critério do valor matricial.
15. Isto quando, é consabido e notório para a toda a comunidade que o valor venal dos bens imóveis é geralmente superior ao constante da matriz.
16. Pois bem, o raciocínio apresentado pelo Requerente jamais deveria ser tido em consideração por este Tribunal por ser manifesta a injustiça material criada com adoção de 3 (três) critérios distintos apenas para beneficiar a tese apresentada.
17. Salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, por uma questão de justiça e de igualdade, cremos que ou se atribui o valor patrimonial constante das cadernetas prediais ou atendemos ao previsível valor venal, através da realização de uma perícia, efetuada por um perito idóneo nomeado por este Tribunal.
18. Sem prejuízo do retro alegado, atentamos ao valor matricial dos bens doados ascende a € 51.737,78 (cinquenta e um mil, setecentos e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos).
19. O valor matricial do prédio urbano da massa da herança € 54.408,85 (cinquenta e quatro mil e quatrocentos e oito euros e oitenta e cinco cêntimos).
20. Ou seja, seguindo o mesmo critério, dúvidas não restam que o bem existente no acervo patrimonial da herança tem um valor superior ao total dos bens imóveis doados ao Requerido.
21. Sendo este um facto assente e insuscetível de contradição.
22. Em face do acima exposto, bem se compreende que se o critério de avaliação adotado fosse o mesmo para cada um dos bens imóveis, facilmente se compreende que o bem imóvel existente no acervo patrimonial da herança tem um valor superior ao total dos bens imóveis doados ao Requerido.
23. Pelo que, e ressalvando o devido respeito tal facto deverá constar da materialidade dos presentes autos, isto sem prejuízo de eventuais liberalidades que pudessem existir.
24. No entanto, tal não facto não se vislumbra.
25. Veja-se que o Ponto 17 dos factos indiciariamente dados como provados, jamais poderá ter aquele valor total (do acervo hereditário) – € 252.568,89 (duzentos e cinquenta e dois mil e quinhentos e cinquenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos) – nem seguir três critérios distintos, para aferir o valor da Quota Legítima.
26. Seguindo apenas um critério, do valor patrimonial, obtemos o valor de património global de € 116.146,63 (cento e dezasseis mil e cento e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos).
27. Cifrando-se a legítima no valor exato de metade: € 58.073,32 (cinquenta e oito mil e setenta e três cêntimos).
28. Neste conspecto, o ponto de 17, ao ser dado como provado, deveria se apresentar justo e preciso, seguindo e fazendo refletir os valores ora descritos.
29. Relativamente ao ponto 23, o mesmo não tem qualquer suporte probatório, sendo manifestamente falso, não se compreendendo como o Tribunal a quo almejou e conseguiu dar como indiciariamente provado, nem a razão de ciência que lhe subjaz.
30. Tal como não se compreende como no ponto 27, se dá como provado que “No ano de 2016, o aqui Requerente, emigrado no Reino Unido, visitou a mãe, a convite dela (…)”.
31. Efetivamente resulta da prova indiciária que no ano de 2016 o Requerente tentou passar uns dias em casa da sua mãe com a sua família, porém, tal não ocorreu porque a D. … (mãe do Requerente) não permitiu, expulsando-os, a todos, de casa, conforme confissão do Requerente.
32. Já no que tange ao ponto 28, o Tribunal a quo jamais poderia dar como provado que o “Requerente não conseguiu aceder a qualquer outro registo clínico no sistema de saúde (SNS)”, pois não junta qualquer documento nesse sentido!
33. Através do documento “25” apenas se atesta o segundo segmento frásico do ponto 28, pelo que, o primeiro deveria ter-se por não escrito.
34. Contrapondo os pontos 31, 32 e 35, facilmente se compreende que existe um erro notório na avaliação da matéria de facto a este propósito, pois que, ainda abstratamente, a soma dos rendimentos descritos em 35, totalizam € 1.010,82 (mil e dez euros e oitenta e dois cêntimos), valor inferior às despesas mensais com o Lar (sem contabilizar as restantes).
35. Porém, o valor das rendas, mormente, as vertidas no ponto 35 e 43, são frutos do Requerido e não da D. (…).
36. Relativamente ao ponto 47, o mesmo deveria ser concretizado, porquanto tanto do depoimento de parte do Requerente, como das declarações do Requerido, ficou claro que o Requerente não tinha qualquer relação com a Mãe.
37. Primeiro porque não conviveu com esta, não tendo sido criado sequer por aquela, porque mesmo posteriormente, já no ano de 2016, continuavam sem ter qualquer relação, passando inúmeros anos sem sequer se verem.
38. Tal como resulta das mensagens juntas aos autos entre Requerente e Requerido, afigura-se imprescindível constar da matéria de facto dada como indiciariamente provada que existia uma relação de estreita proximidade entre a Mãe do Requerente e o Requerido;
39. Que o Requerente não só tinha conhecimento da relação de proximidade entre aquele e a mãe do Requerente, como sabia que era aquele que tomava conta dela.
40. Como sabia, ainda, que era com aquele que tinha informações sobre o estado de saúde da sua mãe.
41. No fundo, sabia que era com o Requerido que tinha de falar para ter novidades e informações da sua mãe, já que esta o rejeitava na sua esmagadora maioria.
42. No que respeita ao facto de existirem laços de parentesco e de afinidade entre a mãe do Requerente e o Requerido, este não pode conformar-se com a conclusão de que nada se tenha provado a esse propósito.
43. Pois que, tanto a Mãe do Requerido como o próprio, nos respetivos depoimentos esclareceram cabalmente que este é sobrinho da mãe do Requerente, por inerência ao facto de ser sobrinho o padrasto do Requerente.
44. Aliás, os bens imóveis doados ao Requerido são precisamente os bens imóveis que advieram da herança do seu tio para a D. (…) e, que sempre foi vontade daquele que um dia fossem transmitidos para o seu sobrinho aqui Requerido.
45. Em face do acima exposto, analisada a prova por depoimento de parte, declarações de parte e testemunhal, produzida em sede de Audiência e Discussão de Julgamento, a mesma permite dar sustento à impugnação da matéria de facto, nos moldes acima referidos.
46. Do depoimento prestado pelo Requerido podemos concluir pela inexistência de qualquer relação entre o Requerente e sua Mãe, desde sempre, porquanto aquele viveu ou conviveu com ela desde 1998, e nunca conheceu o filho da D. (…).
47. Mais se depreende que à data da morte não existia qualquer relação, porém, não podemos afirmar “por razões não concretamente apuradas” (vide ponto 47 da matéria de facto).
48. Outrossim, pelo facto da D. (…), no ano de 2016, aquando de uma visita do filho, nora e netos, ter batido nos filhos do Requerente e ter expulsado a família toda de casa. Data a partir da qual, o Requerente, nunca mais viu a sua Mãe.
49. Facto corroborado pelo Requerido e Requerente.
50. O Requerido, em síntese, refere que se encontrava encarregue da D. (…), tratando tudo o que fosse necessário e fazendo o que lhe era pedido por esta.
51. Mais explicou cabalmente o laço de afinidade e parentesco existente entre ambos por via do seu Tio Avô Materno, marido da sua tia pelo que, tal facto deveria constar da matéria dada como provada.
52. Ou seja, do depoimento prestado pela testemunha, resulta claro e inequívoco que o marido da D. (…) era irmão do avô do Requerido, id est, tio paterno da testemunha.
53. Mais, bem se compreende que o Requerido foi criado pela avô materno, tio materno e esposa deste: D. (…).
54. Motivo pelo qual tal facto deveria constar da matéria de facto indiciariamente dada como provada.
55. O que não sucedeu.
56. Do depoimento prestado pela Diretora do Lar, resulta de forma clara, isenta, imparcial, coerente que a relação mantida entre o Requerido e a D. (…) era pautada por enorme respeito, consideração, preocupação, carinho e que jamais aquele se iria aproveitar da D. (…).
57. Neste conspecto, cremos que o “peso deste depoimento” deveria ter sido levado na melhor consideração pelo Tribunal a quo, porém, salvo o devido respeito tal não ocorreu.
58. Este depoimento articulado e conjugado com os demais, mormente com a Mãe e Irmãs do Requerido não deixa margem para dúvidas da excelente relação que a D. (…) e Requerido mantinham.
59. Em face do acima transcrito, e em conformidade com a realidade fáctica, partilhamos do entendimento que no campo da matéria dada como provada deveriam ser efetuadas todas as correções e alterações acima melhor identificadas e, que, posteriormente, realizar-se o devido enquadramento jurídico.
60. Porquanto, Venerandos Juízes Desembargadores, só assim a decisão poderá estar em conformidade com o nosso Ordenamento Jurídico.
61. Diga-se que o principal fundamento da primeira sentença proferida, se bastava com o facto do Requerido “não ser português” e que ira “regressar para Moçambique”, o que ficou claro, desde o início ser uma alegação completamente infundada que fez cair em erro o Tribunal de Primeira Instância.
62. Diga-se: o Requerido é Português, nascido e criado em Portugal. Nunca viveu em Moçambique.
63. Argumento que facilmente caiu por terra, todavia, a providência cautelar de arresto se mantém, sem qualquer “revisão” – o que de todo não se aceita.
64. Foram apresentados factos novos, merecedores e suscetíveis, per si, de revogar a sentença inicial e, intrinsecamente, a providência decretada.
65. Desde logo, os três critérios distintos entre si e mobilizados pelo Tribunal a quo na realização da avaliação dos imóveis, foram colocados em crise pelo Requerido, inicialmente com a apresentação do articulado de oposição, por se revelar manifestamente violador do princípio da igualdade e da justiça material.
66. Ou seja, o Tribunal a quo mobilizou 3 (três) critérios distintos, a saber critério do valor da venda, critério do valor da doação e critério do valor matricial, num claro prejuízo para o Requerido, aumentando drasticamente a quota legítima do Requerente, e, por conseguinte, fazendo crer que o Requerente tem um aparente Direito de Crédito sobre o Requerido – o que não se aceita.
67. E, não se aceita por uma questão de igualdade e de justiça na avaliação de cada bem! Pois que se todos os bens imóveis forem avaliados pelo mesmo critério – seja este qual for – a quota legítima do Requerente não estará em crise.
68. Não estando a quota legítima violada, o Requerente não tem qualquer direito de crédito sobre o Requerido (ou qualquer outro direito), e a providência cautelar decretada deixa de reunir o preenchimento dos pressupostos de aplicação.
69. Venerandos Juízes Desembargadores, cremos que andou mal o Tribunal a quo ao considerar que os pressupostos que conduziram ao decretamento da providência cautelar de arresto, nos moldes em que o foram, e que se mantêm.
70. São os artigos 619.º, n.º 1, do Código Civil e 392.º, n.º 1, do CPC que definem os requisitos para se decretar o arresto. Como é consabido entre nós, são requisitos do arresto preventivo, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do Requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito.
71. Neste sentido, veja-se o acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 12428/18.5T8LSB.L1-7, datado de 08-01-2019-
“Assim, sempre que o requerente pretende a apreensão judicial de bens com vista a assegurar o “status quo”, para que ele não se altere em condições tais que não seja susceptível a reintegração, formulará tal pretensão ao tribunal com a alegação dos factos que tornem provável a existência do crédito do requerente – crédito esse que deverá ser actual – e justifiquem o receio da perda de garantia patrimonial.
São tais factos que devem constituir a causa de pedir de uma providência cautelar de arresto preventivo.
Quanto ao requisito da existência do direito, apenas se pede ao Tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança.
Não é, com efeito, necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero «fumus boni iuris», ou seja, que o direito se apresente como verosímil.
Todavia, para o preenchimento do requisito atinente à probabilidade da existência do crédito, terá de estar em causa um crédito já constituído, actual, e não de crédito futuro, hipotético ou meramente eventual”.
72. Neste conspecto, cremos que o primeiro requisito se encontra frustrado, porquanto o Requerente não dispõe de um crédito constituído sobre o sobre o Requerido.
73. Id est, o crédito tem de ser atual e já constituído na esfera jurídica do Requerente, o que de todo não se vislumbra nos presentes autos.
74. Sem prejuízo, passamos analisar os seguintes requisitos/pressupostos de aplicação da providência requerida.
75. O nosso legislador, entendeu, ainda, que deveremos atentar para o justo receio de perda de garantia patrimonial.
Voltando ao citado Acórdão:
76. “Ora, alegar tal, ou nada alegar, para efeitos de demonstração do justificado receio da perda da garantia patrimonial, é, salvo o devido respeito, a mesma coisa.
Como se sabe, não basta o receio subjetivo de ver insatisfeita a pretensão a que tem ou se julga ter direito.
O que é decisivo é que o credor fique ameaçado de lesão por ato do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.
Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado (por exigência da lei), há-de assentar em factos concretos, que o revelem, à luz de uma prudente apreciação[4].
A este propósito, refere Abrantes Geraldes, que o justo receio «pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. (…).
77. Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva»[5].”
78. Ou seja, o justificado receio de perda da garantia patrimonial identifica-se com o chamado periculum in mora inerente a todo o procedimento cautelar.
79. Pretendendo, assim, evitar a lesão grave e dificilmente reparável proveniente da demora na tutela da situação jurídica.
Periculum in mora 80. esse para o qual o legislador exige a formação de um juízo de segurança de iminência de sofrer um dano, isto é, o justo receio de prejuízo terá de se apresentar evidente e real.
81. É necessário que se mostre suficientemente fundado esse pressuposto, o que no caso dos presentes autos não se admite.
82. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 18-05-1993, Proc. n.º 9220796, “o justo receio de extravio ou dissipação dos bens a arrolar é uma conclusão de facto, sendo necessário que os factos alegados e provados denotem que tal receio é sério e real”, pois não basta a componente subjectiva do justo receio de extravio ou dissipação para se detetar o arrolamento”.
83. De igual modo, como decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em 30-04-2002, no âmbito do Proc. n.º 1448/02: “O justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que mostrem que o alegado receio é objectivamente fundado. Para que seja decretado o arresto é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores”
84. Venerandos Juízes Desembargadores, cremos que com a junção da troca de correspondência entre Requerente e Requerido, parece-nos notório que tal receio não se verifica, e, que o Tribunal a quo não deveria ignorar – também aqui são factos novos.
85. Pois que a conduta do Requerido se apresenta como cordial, respeitosa e honesta para com o Requerente.
86. Sem prejuízo, sempre se dirá que o Requerente não mobilizou concretamente factos suficientes para justificar um receio de perda garantia patrimonial.
87. E, menos ainda, comprovou a existência do alegado crédito que detém sobre o Requerido.
88. Em face do acima exposto somos de concluir que o Requerimento para decretamento da providência cautelar de arresto, apresentado pelo Requerente não reúne, quer de facto quer de Direito, matéria suficiente para ser decretado.
89. O que per si, motiva a imediata revogação da providência cautelar requerida.
90. Em face do acima exposto, e, em abono da Justiça, Venerandos Juízes Desembargadores, dúvidas não nos restam quanto à revogação da Douta Sentença recorrida, levantando o Arresto decretado.
91. O que salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, sempre se dirá que, o Tribunal a quo em momento algum pretendeu revogar uma decisão por este proferida, não revelando abertura à revisão e alteração da providência decretada, o que se depreende pela análise das sessões de julgamento.»
O Recorrido apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por acertada de facto e de direito.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
ii) da falta de fundamento do arresto.

III – Fundamentos
A – Os factos indiciariamente provados em 1.ª Instância
1. O Requerente (…) é filho e é único e universal herdeiro de (…), que também usava e era conhecida por (…).
2. (…) faleceu no estado de viúva de (…), em 27 de março de 2024, sem fazer testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, e com última residência na Rua do (…), 245, (…), (…), Tomar, conforme doc. 1 junto com o RI.
3. Após o decesso da mãe e porquanto o Requerente reside e trabalha no Reino Unido, enquanto diligenciou por regularizar a situação patrimonial decorrente do óbito desta, tomou conhecimento de que, por escritura de doação, celebrada em 30 de maio de 2018, (…) outorgou na qualidade de doadora, relativamente a seis dos sete prédios de que era então possuidora e proprietária – com exceção de um prédio, sito na freguesia de (…), concelho de Vila Nova de Gaia – a favor do aqui Requerido e donatário, (…), tudo conforme doc. 2 junto com o RI, e a saber,
A – prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, composto de terra de pinhal, com a área de 1.680 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial rústica, da União de Freguesias de (…) e (…), sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 28,29, conforme Docs. 4 e 5 do RI (informação da CRP e caderneta predial);
B – prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, composto de terra de cultura arvense com oliveiras e figueiras, com a área de 1.920 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial rústica, da União de Freguesias de (…) e (…), sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 174,00, conforme Docs. 6 e 7 do RI (informação da CRP e título de venda e caderneta predial);
C – prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, composto de terra de cultura arvense de regadio, mata, figueiras, nogueiras, olival e leito e curso de água, com a área de 9.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial rústica, da União de Freguesias de (…) e (…) sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 894,83, conforme Docs. 8 e 9 do RI (informação da CRP e caderneta predial);
D – prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, composto de cultura arvense, figueiras, oliveiras e vinha, com a área de 2880 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial rústica, da União de Freguesias de (…) e (…), sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 299,06, conforme Docs. 10 e 11 do RI (informação da CRP e caderneta predial), e, no mesmo título, ainda doou ao aqui Requerido, com reserva de usufruto vitalício para si, doadora:
E – a nua propriedade sobre o prédio misto sito no lugar de (…), União das freguesias de (...) e (…), concelho de Tomar, composto, a parte urbana por casa de habitação, com superfície coberta de 44 m2 e logradouro com 356 m2, perfazendo a parte urbana 400 m2 e, a parte rústica, por olival, com 2.960 m2, perfazendo a área total do prédio 3.360 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, com o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 27.450,00 e na matriz cadastral sob o artigo (…), da secção (..), com o valor patrimonial de € 101,80, conforme Docs. 12 (informação CRP e título de venda) 13 (caderneta predial urbana) e 14 (caderneta predial rústica);
F – a nua propriedade sobre o prédio urbano sito no lugar de (…), n.º 254, União das freguesias de (…) e (…), concelho de Tomar, composto de casa destinada a habitação, com a área de 40 m2 e logradouro com a área de 250 m2, perfazendo a área total do prédio 290 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, com o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 22.790,00, conforme Docs. 15 e 16 do RI (informação da CRP e Título de Venda e caderneta predial).
4. O Requerido não tem qualquer relação de parentesco com a falecida (…), só relação de afinidade, de 2º grau.
5. Arroga-se, porém, a qualidade de sobrinho, afirmando ser sobrinho neto do falecido marido de …, … (o qual não é o Pai do Requerente).
6. Após a referida doação, ocorrida em 30 de maio de 2018, o Requerido outorgou, agora na qualidade de proprietário, na venda do prédio rústico, supra referido em B) – o prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, composto de terra de cultura arvense com oliveiras e figueiras, com a área de 1.920 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Tomar sob o n.º (…)/…, inscrito na matriz da União de Freguesias de (…) e (…) sob o artigo (…), da secção (…), com o valor patrimonial tributário de € 174,00 – a favor de (…) e esposa, (…), na qualidade de compradores, pelo preço de € 500,00 (quinhentos euros), em 5 de setembro de 2018, conforme docs. 6 e 7 juntos com o RI.
7. Além do já referido, (…) doou ainda ao Requerido, o valor de € 10.000,00 (dez mil euros), em numerário, mediante transferência bancária, realizada no dia 5 de setembro de 2018 da sua conta (…) sediada no Banco … (agora … Banco), conforme doc. 21 junto com o RI.
8. Por documento particular autenticado de 28 de junho de 2023, (…) renunciou ao usufruto, sobre os dois prédios misto e urbano, referidos supra em E) e F), declarando que “(…) possuindo outros bens e haveres que garantem perfeitamente a sua subsistência, e pelo facto da sua habitação se encontrar assegurada, também, numa instituição onde se encontra alojada e onde lhe são prestados cuidados médicos e de assistência, não necessita dos usufrutos reservados, pelo que pelo presente título, renuncia ao seu direito”, conforme doc. 18 junto com o RI.
9. Tal documento, foi outorgado pelo próprio Requerido, apesar de ser ele próprio o beneficiário dessa Renúncia, e nele intervém na qualidade de representante de (…), mediante procuração de 18 de maio de 2023 que lhe fora conferida, e aí igualmente arquivada, conforme doc. 19 junto com o RI.
10. Tal procuração, em que (…) confere poderes ao Requerido, lavrada em 18 de maio de 2023, é assinada a rogo, e por (...), alegando-se na mesma, o facto de (…) “não conseguir assinar, devido a debilidade física dos membros superiores”.
11. A referida (…) tem laços de parentesco com o Requerido e residia, à data, na mesma morada deste, conforme doc. 19 junto com o RI.
12. Por documento particular autenticado, datado de 13 de outubro de 2023, após a referida renúncia ao usufruto, o Requerido constituiu uma Hipoteca Voluntária sobre os prédios acima referidos em E) e F), a favor de uma sociedade comercial por quotas, denominada (…) – Residência Sénior, Lda., NIPC (…), sita na Rua (…), n.º 24, (…), (…), alegando que tal hipoteca era constituída, por si, na qualidade de proprietário desses dois prédios, para “garantia da liquidação e pagamento de dívida, no montante de € 24.964,05 (vinte e quatro mil, novecentos e sessenta e quatro euros e cinco cêntimos) que possuía junto dessa sociedade, resultante de um crédito que lhe foi concedido, em resultado de despesas feitas pela sua tia, (…)”, tudo conforme doc. 20 junto com o RI.
13. Por documento particular autenticado, datado de 26 de março de 2024 (um dia antes do decesso da …), a sociedade comercial por quotas, denominada (…) – Residência Sénior, Lda., NIPC (…), através dos seus sócios gerentes, autorizou o cancelamento das Hipotecas constituídas a seu favor, sobre os dois prédios acima referidos, por liquidação da dívida, tudo conforme doc. 26 junto com o RI.
14. Após, o Requerido vendeu o prédio misto, supra referido em E) – prédio Misto sito no lugar de (…), União das freguesias de (…) e (…), concelho de Tomar, composto, a parte urbana por casa de habitação, com superfície coberta de 44m2 e logradouro com 356 m2, perfazendo a parte urbana 400 m2 e, a parte rústica, por olival, com 2960m2, perfazendo a área total do prédio 3.360m2, descrito na CRP com o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 27.450,00 e na matriz cadastral sob o artigo (…), da Secção (…), com o valor patrimonial de € 101,80 –, a (…) e marido, (…), pelo preço de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), em 9 de abril de 2024, conforme docs. 12 e 13 juntos com o RI.
15. E vendeu o prédio urbano, supra referido em F) – prédio urbano sito no lugar de (…), n.º (…), União das freguesias de (…) e (…), concelho de Tomar, composto de casa destinada a habitação, com a área de 40m2 e logradouro com a área de 250m2, perfazendo a área total do prédio 290 m2, descrito na CRP com o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 12.920,00 – a (…), solteiro, maior, pelo preço de € 89.000 (oitenta e nove mil euros), em 23 de maio de 2024, conforme doc. 15 junto com o RI.
16. Aquando do seu decesso, em 27 de março de 2024, (…) era proprietária registral de apenas um prédio, a saber:
- Prédio urbano, com a área global de 1.750 m2, sito na Rua (…), n.º 56, (…), Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de (…) e (…), concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo (…), omisso na CRP, com o valor patrimonial de € 55.408,85, conforme doc. 17 junto com o RI.
17. Aquando do seu decesso, (…) não deixou dívidas, nem despesas sujeitas a colação, sendo o valor total do seu acervo hereditário de, pelo menos, € 252.568,89 (correspondentes à soma dos três prédios vendidos, i. e. € 184.500,00, mais os três prédios doados e não vendidos € 2.660,04 VPT atribuído em doação, mais o prédio de Vila Nova de Gaia, de € 55.408,85, VPT avaliado em 2021 e os € 10.000,00 em numerário), pelo que a sua quota legítima, dada a existência de um único descendente, é de € 126.284,45.
18. (…) detinha pensões de reforma e sobrevivência e auferia rendas, em valor infra, suficiente para custear a sua permanência na residência sénior (…) – Residência Sénior, Lda., onde permaneceu de 1 de abril de 2019 a 14 de fevereiro de 2024, conforme doc. 26 junto com o RI.
19. Por razões não concretamente apuradas, ocorreu a sua saída do lar e a permanência na casa do Requerido (…), sita na Rua (…), n.º 245, (…), local onde permaneceu (…), desde 15 de fevereiro de 2024 até ao seu decesso, a 27 de março de 2024.
20. A saída do lar e regresso a casa, de (…), é concomitante com a emissão de declaração de autorização para o cancelamento da hipoteca voluntária, pela empresa denominada (…) – Residência Sénior, Lda., NIPC (…), através dos seus sócios gerentes, (…) e (…), referida supra.
21. Entre o decesso de (…) e a primeira compra e venda dos dois prédios misto e urbano, com reserva de usufruto, mediaram apenas 13 (treze) dias.
22. O Requerido atuou como legal representante da falecida (…), junto da referida residência sénior, (…) – Residência Sénior, Lda., onde outorgou na qualidade de responsável em contrato de prestação de serviços, com ficha de admissão, com data de 10 de janeiro de 2018, tendo sido a D. (…) admitida com data de 1 de abril de 2019, conforme doc. 26 junto com o RI e doc. C junto em 13.10.2024.
23. Não são conhecidos ao Requerido quaisquer outros bens imóveis ou móveis sujeitos a registo de valor, e não são conhecidos os seus rendimentos de trabalho.
24. Na doação de 30 de maio de 2018, consignou-se que “(…) os prédios omissos ora doados e melhor identificados nos números quatro, cinco e seis, fazem parte da herança aberta por óbito de (…), marido da aqui primeira outorgante, que faleceu em vinte e dois de setembro de mil novecentos e noventa e três, (…) tendo deixado como única herdeira sua referida mulher, ora primeira outorgante (…)”, conforme doc. 2 junto com o RI.
25. Segundo informação da Unidade de Cuidados de Saúde de Tomar, (…), nunca compareceu a nenhuma consulta, junto do seu médico de família, conforme doc. 23 junto com o RI.
26. E teve, pelo menos, um internamento hospitalar de urgência, por um episódio de 19 de novembro de 2017, tendo sido encaminhada ao hospital pela GNR e Bombeiros, por “alteração de comportamento”, sendo consignado nas observações médicas “desorientada no dia …” e “admite-se que o discurso (…) possa representar evento psicótico ou preenchimento de lacuna mnésica (…) ”, conforme doc. 24 junto com o RI.
27. No ano de 2016, o aqui Requerente, emigrado no Reino Unido, visitou a mãe, a convite dela, acompanhado da sua mulher e filhos, mas não puderam conviver juntos, por “alteração de comportamento” de (…), revelando para com todos uma atitude de violência.
28. O Requerente não conseguiu aceder a qualquer outro registo clínico no sistema nacional de saúde (SNS) relativamente ao estado de saúde da sua mãe, por isso solicitou-o ao Lar onde aquela residiu, supra identificado, conforme doc. 25 junto com o RI.
29. A resposta obtida, foi negativa, aludindo-se à existência de um contrato de prestação de serviços celebrado que “incluía um familiar responsável, (…) como terceiro outorgante”, conforme doc. 26 junto com o RI.
30. (…) auferia duas pensões de reforma de França (onde esteve emigrada muito tempo) e uma terceira pensão, de Portugal, pensão de sobrevivência e ainda, pelo menos duas rendas mensais, emergentes do arrendamento de duas casas, próximas à sua.
31. A falecida (…) despendeu com o Lar, segundo as declarações fiscais, o valor global de € 71.041,50, sendo:
a. Em 2019, € 9.912,00 (entrou a 1 de abril de 2019), cerca de € 1.101,33 mensais;
b. Em 2020, € 15.024,00, cerca de € 1.252,00 mensais;
c. Em 2021, € 14.881,00, cerca de € 1.240,08 mensais;
d. Em 2022, € 15.048,00, cerca de € 1.254,00 mensais; e
e. Em 2023, € 16.176,50, cerca de € 1.348,04 mensais,
conforme doc. 27 junto com o RI.
32. Possuía rendimentos mensais suficientes para não deixar acumular um saldo devedor no Lar, muito menos, um saldo de € 24.964,05 como suprarreferido em 12).
33. (…) era titular de conta de depósito à ordem n.º (…), no (…) Banco que, à data do decesso, apresentava um saldo devedor de € 36,92, conforme doc. 28 junto com o RI.
34. Tal conta tinha dois titulares, além da falecida, o aqui Requerido.
35. Nessa conta eram creditadas as pensões de reforma de (…), oriundas de França (…) de € 189,79 (dia 1 de cada mês) e de (…), € 621,03, no dia 7/9 de cada mês.
36. Era ainda creditada por transferência mensal do inquilino do imóvel de (…), (…), a quantia de € 200,00, no início de cada mês.
37. Tal CO, conforme extratos combinados de 2.01.2024 a 28.03.2024, apresenta diversos movimentos a débito e a crédito, com valores avultados como:
- € 6.150,00, de débito, de transferência para a REMAX;
- € 15.000,00, de crédito, de transferência de valor de “entrada da casa”;
- € 25.000,00, de crédito, de transferência de … (adquirente referido em 14), conforme doc. 29 junto com o RI.
38. (…) era ainda titular de conta de deposito à ordem n.º (…), no Banco, hoje (…), conforme doc. 30 e 31 junto com o RI.
39. Tal conta tinha dois titulares, além da falecida, o aqui Requerido.
40. Nessa conta era creditada a pensão de reforma portuguesa, no valor mensal de cerca de € 428,88.
41. (…) era ainda titular de conta de deposito à ordem n.º (…), no Banco, hoje (…), conforme doc. 32 junto com o RI.
42. Tal conta tinha dois titulares, além da falecida, o aqui Requerido.
43. E era ainda creditada por transferência mensal de inquilino de (…), da renda de um prédio arrendado de € 700,00 por mês, por (…).
44. (…) era titular de conta poupança n.º (…), no (…), conforme doc. 21 junto com o RI.
45. Do balancete desta conta poupança, resulta que (…) tinha cerca de € 100.000,00, dos quais € 10.000,00, foram transferidos para uma conta do aqui Requerido, como supra referido em 7), outros € 10.000,00 foram transferidos para alguém, chamado (…) e o restante foi transferido para a conta de Depósitos à Ordem supra identificada, e movimentada livremente, pelo aqui Requerido, segundo titular.
46. Foi o Requerido quem acompanhou a D. (…), principalmente desde a saída desta do Hospital, em 20 de novembro de 2017.
47. Entre a D. (…) e o filho, aqui Requerente, inexistia uma relação de mãe e filho, por razões não concretamente apuradas.
48. Contrariamente com o Requerido, D. (…) manteve sempre e ao longo dos anos uma forte relação de amizade, e por ele nutria forte sentimento, amor e carinho.
49. A D. (…) passou várias festividades, como o Natal, a Páscoa, os aniversários, com o Requerido, e com a família deste.
50. O Requerido levava-a a passear, e cuidava se ela estava bem-disposta e bem tratada.
51. Foi o Requerido quem informou o Requerente, do falecimento da mãe, D. (…).
52. E daí em diante, prestou-lhe várias informações e entregou vários elementos solicitados;
53. O que sucedeu até cortarem de todo as relações.
54. Até dado momento, ulterior ao falecimento da D. (…), o trato entre o Requerido e o Requerente foi cordial, respeitoso e honesto.
55. Em setembro de 2022, a falecida (…) compareceu numa Junta Médica para verificação de incapacidade permanente.
56. Consta da informação clínica que, nessa data – 2022 – (…) tinha uma síndrome demencial, completamente instalada não (re)conhecendo ninguém das suas relações e ostentando um grau de dependência máxima, conforme doc. A, junto com requerimento de 13/10/2024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
57. Nestes autos, decretado o arresto, foi o mesmo registado em relação aos três prédios rústicos supra identificados, em A), C) e D) supra, e na CO do Banco (…), S.A. com o IBAN (…), foi arrestado o saldo de € 774,45, conforme documento do Banco de 30/10/2024 e oficio do IRN de 30/10/2024, juntos aos autos.
58. Ainda antes de se mostrar citado neste procedimento (o que só veio a ocorrer por carta expedida em 11/11/2024), o Requerido juntou aos autos requerimento e procuração forense, datados de 04/11/2024 e 31/10/2024, respetivamente, intervindo espontaneamente nos autos.

B – As questões do Recurso
i) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O Recorrente insurge-se contra o teor do n.º 17 dos factos indiciariamente provados. Considera que jamais o valor total do acervo hereditário poderá ser de € 252.568,00 e que o montante da legítima não pode ser apurado aplicando-se 3 critérios diversos para aferir o valor dos imóveis que integram tal património.
Assiste-lhe razão.
Consta do referido n.º 17 que, aquando do seu decesso, o valor total do acervo hereditário de (…) era, pelo menos, de € 252.568,89, o que corresponde a:
- aos valores declarados nos contratos de compra e venda (subsequentes à doação) dos prédios identificados nas alíneas B), E) e F), sendo de € 500,00, € 95.000,00 e € 89.000,00, respetivamente;
- aos valores declarados nos contratos de doação dos prédios identificados nas alíneas A), C) e D, no montante global de € 2.660,04;
- ao valor patrimonial inscrito na matriz, decorrente da avaliação dos serviços tributários a 2021, do prédio urbano sito em Vila Nova de Gaia, de € 55.408,85,
pelo que a quota legítima do Recorrido é de € 126.284,45.
É sabido que os valores atribuídos em avaliação nos serviços das finanças ficam consideravelmente aquém do valor de mercado dos imóveis.
Logo, não tem cabimento aplicar critérios decorrentes de atos de transmissões dos imóveis (ainda que de diversa natureza) e considerar o valor do único imóvel que não foi doado, que permanece na herança e se destina a assegurar a legítima do herdeiro legitimário, por referência ao valor matricial.
Não colhe a argumentação exarada em 1.ª Instância no sentido de que se pretendeu levar em conta os valores mais próximos dos valores reais ou de mercado, os valores um pouco acima dos valores matriciais para os bens doados ainda não vendidos e o valor matricial porque o procedimento cautelar não se compadece com avaliações periciais e a avaliação fiscal está atual.
Quando se pretende aferir se ocorre inoficiosidade das liberalidades por ofensa da legítima do herdeiro legitimário, o valor do bem que permanece na titularidade da herança não pode ser valorado pelo valor matricial quando aqueles que foram objeto de liberalidade são valorados por critério que inflacionam, e muito, o respetivo valor matricial.
Acresce que a diligência pericial não é incompatível com os procedimentos cautelares, nomeadamente quando é requerida em sede de oposição, em que o arresto está já decretado.[1] Certo é que o foi, por decisão transitada em julgado.
Atentando-se, porém, no direito de que se arroga o Requerente, herdeiro legitimário, contra o Requerido, beneficiário das liberalidades, alicerçado no disposto no artigo 2175.º do CC, desde logo se torna claro o critério a adotar para aferir o valor dos bens para tal efeito. O critério é o critério legal, fixado no processo de inventário.
O processo de inventário vem previsto nos artigos 1082.º e ss. do CPC. Destina-se a cumprir as funções elencadas no artigo 1082.º do CPC.
Ora, «o inventário tem sempre a função de relacionação dos bens. Mesmo quando exista apenas um único interessado, constitui o instrumento processual adequado à liquidação da herança, prosseguindo o objetivo de facilitar a limitação da responsabilidade pelas dívidas e encargos da herança (alínea b); artigo 2103.º do CC), podendo ainda servir para revelar a existência de inoficiosidades, com efeito na eventual redução de legados ou doações. Nestes casos, estamos perante o chamado inventário-arrolamento.»[2]
Nos termos do disposto no artigo 1098.º/1, alínea a), do CPC, cabe ao cabeça-de-casal indicar o valor dos bens constantes da relação de bens (que deve contemplar todos os bens sujeitos a inventário – cfr. artigo 1097.º/3, alínea c), do CPC – incluindo os bens doados pelo autor da herança caso existam herdeiros legitimários, para efeitos do cálculo da legítima e eventual redução por inoficiosidade), sendo certo que o valor dos bens imóveis a considerar para tal efeito é o valor tributável, o valor patrimonial tributário constante da matriz à data da abertura da sucessão (cfr. ainda artigo 13.º/1, do Código do Imposto de Selo).
Assim:
- prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, identificado na alínea A) do n.º 3 dos factos indiciariamente provados, com o valor patrimonial tributário de € 28,29;
- prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, identificado na alínea B) do referido n.º 3, com o valor patrimonial tributário de € 174,00;
- prédio rústico sito em (…), na freguesia de (…), do concelho de Tomar, identificado na alínea C) do referido n.º 3, com o valor patrimonial tributário de € 894,83;
- prédio rústico sito em Pisca, na freguesia de (…), do concelho de Tomar, identificado na alínea D) do referido n.º 3, com o valor patrimonial tributário de € 299,06;
- a nua propriedade (com reserva de usufruto, que veio a ser extinta) sobre o prédio misto sito no lugar de (…), União das freguesias de (…) e (…), concelho de Tomar, identificado na alínea E) do referido n.º 3, com o valor patrimonial tributário n matriz urbana de € 27.450,00 e na matriz rústica de € 101,80;
- a nua propriedade (com reserva de usufruto, que veio a ser extinta) sobre o prédio urbano sito no lugar de (…), União das freguesias de (…) e (…), concelho de Tomar, identificado na alínea F) do referido n.º 3, com o valor patrimonial tributário de € 22.790,00;
- prédio urbano, sito na Rua (…), Vila Nova de Gaia, identificado no n.º 16 dos factos indiciariamente provados, com o valor patrimonial de € 55.408,85.
Então, o valor dos bens imóveis sujeitos a inventário, valor esse a considerar para efeitos de determinação da legítima (cfr. artigos 2156.º e 2162.º do CC), ascende ao montante de € 107.146,63 (cento e sete mil e cento e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos).
Ao valor dos bens imóveis acresce a verba de € 10.000,00 doada pela autora da sucessão ao Requerido.
O valor do património a considerar para cálculo da legítima é de € 117.146,63 (cento e dezassete mil, cento e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos).
Termos em que o n.º 17 dos factos indiciariamente provados passa a contemplar a seguinte redação:
17. Aquando do seu decesso, (…) não deixou dívidas, nem despesas sujeitas a colação, sendo o valor total do seu acervo hereditário de, pelo menos, € 117.146,63 (correspondente à soma dos valores tributários dos 7 bens imóveis identificados nos n.ºs 3 e 16 e dos € 10.000,00 referidos no n.º 7), pelo que a legítima, dada a existência de um único descendente, é de € 58.573,31;
O Recorrente alega que o n.º 23 não tem suporte probatório.
Certo é que, não demonstrando que se trata de factualidade incorretamente julgada, que existem meios probatórios que impõem decisão diversa (cfr. artigo 640.º/1, do CPC), inexiste fundamento para acolher a impugnação nesta matéria.
Relativamente ao versado nos n.ºs 23 e 28, por imposição do regime inserto no art. 130.º do CPC, não se toma conhecimento, já que se trata de matéria factual irrelevante para a questão em apreço.
Na verdade, as partes devem alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e que sustentam as exceções invocadas – cfr. artigo 5.º/1, do CPC. É sobre esses factos essenciais que há de incidir o julgamento da matéria de facto, não tendo cabimento a pronúncia do Tribunal sobre o mais que, de forma indevida e excessiva, seja conduzido aos articulados.
Estando aqui em causa o alegado direito de crédito decorrente da obrigação do Requerido preencher a legítima do Requerente em dinheiro (cfr. artigo 2175.º do CC), apenas relevam os factos necessários ao apuramento da legítima, da inoficiosidade das liberalidades, a par do justificado receio de perda de garantia patrimonial. Não já todos os que definem a relação da autora da sucessão com qualquer uma das partes.
Relativamente aos n.ºs 31, 32 e 35, avança o Recorrente que existe um erro notório, que a soma dos rendimentos mencionados no n.º 35 totaliza € 1.010,82. Uma vez que o Recorrente não indica os moldes como devem ser alterados os mencionados n.ºs (cfr. artigo 640.º/1, alínea c), do CPC), sendo que neles não consta aquela verba total, não se toma conhecimento da referida reclamação.
Segue o Recorrente invocando que deve ser concretizado o que consta do n.º 47 dos factos indiciariamente provados. Do que se não toma conhecimento, quer porque não é especificada a concreta decisão de facto que, no entender do Recorrente, deve ser contemplada, quer porque se trata de factualidade de todo irrelevante para aferir se o Requerente, com toda a probabilidade, é titular de direito de crédito contra o Requerido decorrente da ofensa da legítima.

ii) Da falta de fundamento do arresto
O Recorrente sustenta que a quota legítima não foi ofendida, pelo que o Recorrido não tem qualquer direito de crédito que reclame o arresto de bens. E, bem assim, que não existem factos suficientes para justificar o receio de perda de garantia patrimonial.
Vejamos.
No que tange à probabilidade da existência do crédito, resulta do teor do n.º 17 dos factos indiciariamente provados, compaginado com o regime inserto nos artigos 2156.º, 2159.º/2 e 2162.º do CC, que a legítima ascende ao montante de € 58.573,31 (cinquenta e oito mil e quinhentos e setenta e três euros e trinta e um cêntimos).
O imóvel existente no património do autor da sucessão à data da sua morte tem o valor de € 55.408,85 (cinquenta e cinco mil e quatrocentos e oito euros e oitenta e cinco cêntimos).
Por conseguinte, a ofensa da legítima que implica na redução das liberalidades por inoficiosidade cifra-se na verba de € 3.164,46 (três mil e cento e sessenta e quatro euros e quarenta e seis cêntimos).
A este valor acresce o crédito de € 24.964,05 que, no segmento decisório, foi considerado na decisão proferida em 1.ª Instância.
Crédito cuja probabilidade de existência na titularidade do Recorrido não cabe aqui apreciar, já que não integra o objeto do presente recurso – cfr. artigos. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
Termos em que se fixa o montante do crédito provável do Requerente contra o Requerido em € 28.128,51 (vinte e oito mil e cento e vinte e oito euros e cinquenta e um cêntimos).
Relativamente ao justo receio da perda de garantia patrimonial (cfr. artigos 391.º/1, 392.º/1 e 393.º/1, do CPC), constata-se que o Recorrente apenas teceu considerações genéricas, afirmando que não se verifica tal pressuposto, não tendo evidenciado erro na decisão recorrida nesta matéria.

Procedem, pois, parcialmente as conclusões da alegação do presente recurso, o que implica na revogação da decisão recorrida no que respeita ao montante do crédito a garantir.

As custas recaem sobre Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida quanto ao montante do crédito que reclama garantia patrimonial, determinando-se que o arresto decretado se destina a garantir o pagamento de € 28.128,51 (vinte e oito mil e cento e vinte e oito euros e cinquenta e um cêntimos).
Proceda-se, em 1.ª Instância, às diligências necessárias a restringir as diligências de arresto ao valor fixado.
Custas pelo Recorrente e pelo Recorrido na proporção do decaimento.

*

Évora, 18 de setembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
Vítor Sequinho dos Santos


__________________________________________________
[1] Cfr. Ac. do TRP de 31/05/2011 (Rodrigues Pires).
[2] Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. II, pág. 522.