BEM COMUM
APREENSÃO
DISPOSIÇÃO DE BENS
INEFICÁCIA
Sumário

A apreensão e subsequente disposição, ainda que em processo judicial, de direitos sobre parte especificada de bem comum, não tendo sido consentida pelo consorte terceiro relativamente a esse processo, sendo ineficazes perante este, implica que o sujeito adquirente não possa ser reconhecido como proprietário dessa parte especificada no bem comum.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré/ Credora: (…) Activity Company
Recorrida / Autora: Caixa Geral de Depósitos, SA
Demais Réus:
- Devedor Insolvente (…);
- Massa Insolvente de (…);
- Demais Credores.

Por apenso ao processo de insolvência, apresentou-se a CGD, SA a propor ação declarativa de restituição de bens, conforme previsto no artigo 146.º do CIRE.
Formulou os seguintes pedidos:
a) que seja declarado que é proprietária de ½ do prédio urbano descrito na CRP de Arraiolos sob o n.º (…), da freguesia de (…) e de ¼ do prédio urbano descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de (…), os quais correspondem à meação da insolvente, (…), naqueles bens imóveis;
b) que seja ordenada a restituição a si, pela massa insolvente de (...), daqueles bens imóveis à sua legítima proprietária;
c) que seja ordenado o cancelamento do(s) registo(s) de declaração de insolvência, que incidem sobre a totalidade do prédio urbano registado na CRP de Arraiolos, sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…);
d) que seja ordenado o cancelamento do(s) registo(s) de declaração de insolvência, que incidem sobre a 1/2 do prédio rústico registado na CRP de Évora, sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…), na parte correspondente à quota pertencente a (…), que veio a ser adquirida pela Autora e a (…).
Alegou, para tanto e em resumo, o seguinte:
- no âmbito do processo n.º 1535/11.5TBEVR foi declarada a insolvência de (…), casada que era com (…) no regime da comunhão de adquiridos;
- naquele processo, foram apreendidos os seguintes bens/direitos: direito à meação da insolvente, quer sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…), quer sobre ½ do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…);
- à CGD, SA, credora hipotecária, foi adjudicado o direito à meação sobre o prédio urbano (…), da freguesia de (…);
- CGD, SA adquiriu em venda, mediante negociação particular operada nos referidos autos, o direito à meação sobre ½ do prédio rústico (…), da freguesia de (…);
- os créditos que foram transmitidos pela CGD, SA à cessionária (…) Activity Company excluíram o ressarcimento do crédito hipotecário cedido através do produto da venda da meação da insolvente (…), quer no prédio rústico (…), da freguesia de … (correspondente a ¼ do prédio), quer no prédio urbano (…), da freguesia de … (corresponde a ½ do prédio), dado que o pagamento do seu crédito hipotecário através de tal produto;
- nos autos de insolvência de (…), no apenso de apreensão de bens, foi judicialmente determinada a correção do auto de apreensão, por forma a constar a apreensão do prédio n.º (…), da freguesia de (…), e a apreensão de ½ do prédio rústico (…), da freguesia de (…);
- a apreensão daqueles direitos sobre os bens imóveis, nestes termos, ofende o direito de propriedade da ora autora CGD sobre ½ do prédio urbano descrito na CRP de Arraiolos sob o n.º (…), da freguesia de (…), e sobre ¼ do prédio urbano descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de (…);
- no apenso de liquidação no processo de insolvência de (…) o que foi vendido, de facto, não foi o direito da insolvente na comunhão conjugal que mantinha com o seu marido, (…), mas sim ½ do prédio urbano descrito na CRP de Arraiolos, sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…), e ¼ do prédio rústico descrito na CRP de Évora sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…), correspondentes à meação da insolvente (…) naqueles prédios, únicos bens que integravam a comunhão conjugal com (…).
O Devedor (…) apresentou-se a contestar a ação, pugnando pela respetiva improcedência, já que o direito à meação que a Autora adquiriu outro não podia ser que o direito da Insolvente (…) na meação conjugal.
Igualmente contestou a Ré Credora (…) Activity Company, sustentando que a ação deve ser julgada improcedente, absolvendo-se os RR dos pedidos, pois não é proprietária de direito sobre aqueles concretos bens, antes adquiriu a meação da Insolvente no património comum.
A Massa Insolvente de (…) apresentou contestação alegado que o sr. AI rectificou o auto de apreensão em cumprimento de ordem judicial.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a ação procedente, decidindo:
a) declarar que a autora Caixa Geral de Depósitos, S.A. é proprietária de ½ do prédio urbano descrito na CRP de Arraiolos sob o n.º (…), da freguesia de (…), e é também proprietária de ¼ do prédio urbano descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de (…), correspondendo tais quotas à meação da insolvente (…) naqueles bens imóveis;
b) ordenar a restituição pela massa insolvente de (…) dos direitos de ½ e ¼ identificados na antecedente alínea a) à sua legítima titular e proprietária Caixa Geral de Depósitos, S.A.;
c) ordenar o cancelamento dos seguintes registos de declaração de insolvência que incidem sobre o prédio urbano registado na CRP de Arraiolos, sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…): Ap. (…), de 2012/07/06 14:29:51 UTC - Declaração de Insolvência Registado no Sistema em: 2012/07/06 14:29:51 UTC Abrange 2 Prédios; Ap. (…), de 2023/02/22 09:29:10 UTC - Declaração de Insolvência Registado no Sistema em: 2023/02/22 09:29:10 UTC Provisório Por Dúvidas, Abrange 2 Prédios;
d) ordenar o cancelamento dos seguintes registos de declaração de insolvência que incidem sobre o prédio rústico registado na CRP de Évora, sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…): Ap. (…), de (…) 14:29:51 UTC - Declaração de Insolvência Registado no Sistema em: 2012/07/06 14:29:51 UTC Abrange 2 Prédios; Ap. (…), de (…) 09:29:10 UTC-Declaração de Insolvência Registado no Sistema em: 2023/02/22 09:29:10 UTC Provisório Por Dúvidas, Abrange 2 Prédios];
Inconformada, a Ré Credora (…) Activity Company apresentou-se a recorrer, pugnando pela ser declaração de nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, por violação de caso julgado e, bem assim, por contradição entre os fundamentos invocados e a decisão final, revogando-se a sentença sob recurso, devendo esta ser substituída por outra que indefira o peticionado pela CGD, S.A. e declarando que esta, apenas adquiriu uma meação no âmbito do processo de insolvência de (…). As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A) No âmbito do processo n.º 1535/11.5TBEVR, por sentença proferida em 01/07/2011 foi declarada a insolvência de (…).
B) À data da sua declaração de insolvência (…) era casada, no regime da comunhão de adquiridos com (…).
C) No âmbito do processo de insolvência de (…), foi apreendido o direito à meação titulado pela insolvente, podendo ler-se no auto de apreensão e inventário:
verba n.º 1 – ‘Direito à meação do prédio rústico sito em Herdade do (…), freguesia de (…), concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º (…), secção (…)”.
verba n.º 2 - “Direito à meação do prédio urbano sito em (…), freguesia de (…), concelho de Arraiolos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º (…)”.
D) O imóvel denominado “Herdade do (…)” era pertença não só da insolvente e do seu cônjuge, agora insolvente nestes autos, como de terceiros, pelo que, o direito de meação em causa, reportava-se apenas a ½ do dito imóvel.
E) Naqueles autos de insolvência de (…), foi proferida Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, onde se plasmava que os bens em causa se reportavam ao ‘Direito à meação’.
F) Os direitos à meação foram liquidados no Processo n.º 1535/11.5TBEVR, e adjudicados pela CGD, S.A..
G) A recorrente impugna a matéria de facto elencada, já que a sentença é omissa, quanto a factos relevantes e essenciais para a boa decisão da causa.
H) Constam dos autos meios probatórios que infirmam a conclusão extraída pelo Tribunal, pelo que se impunha ao MM. Juiz de Direito a quo, para além de identificar os meios probatórios que formaram a sua convicção, especificar ainda os meios de prova que considerou inconclusivos e aqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção.
I) A sentença viola o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC.
J) O Tribunal desconsiderou que do registo relativo à de declaração de insolvência da sra. (…), constava “Insolvência da meação” – cfr. Ap. (…), de (…), 14:29:51 UTC – Declaração de Insolvência.
K) O Tribunal a quo desconsiderou que, o registo operado por conta da compra pela CGD em processo de insolvência – Ap. (…), de (…), 13:46:47 UTC – Aquisição, estatui que “Incide sobre 1/2 – Direito à Meação”.
L) O Tribunal a quo desconsiderou o requerimento atravessado pela CGD, S.A. em 14/07/2023 (Ref.ª citius 3699181), pelo qual, juntou aos autos o pedido por si formulado junto da Conservatória do Registo Predial do Barreiro, pelo qual requeria o cancelamento dos ónus sobre ½ e ¼ dos imóveis.
M) Embora a aludida CGD nunca tenha junto a resposta da Conservatória, depreende-se que tal pedido veio a ser negado, já que as hipotecas se mantiveram registadas.
N) O Tribunal a quo desconsiderou que a CGD cedeu as hipotecas voluntárias à Recorrente.
O) O Tribunal a quo desconsiderou que a propriedade dos imóveis (na devida proporção) se manteve registada a favor de (…), concomitantemente com o registo de aquisição de meação pela CGD, S.A..
P) O Tribunal a quo desconsiderou que o insolvente (…), à data cônjuge de (…), não foi chamado a intervir nos autos de insolvência n.º 1535/11.5TBEVR.
Q) O Tribunal a quo desconsiderou que (…) e (…) nunca recorreram a procedimento de inventário para partilha dos bens que integram o património comum.
R) A sentença e a decisão sobre a matéria de facto são nulas, por falta de fundamentação de facto, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
S) Não podia o Tribunal a quo, em face da prova carreada para os autos, entender que a aquisição da CGD se reportava a “quotas” de imóveis tituladas pela insolvente.
T) A conclusão operada pelo Tribunal a quo é manifestamente contrária, quer aos termos usados sentença de verificação e graduação de créditos, nos autos de apreensão e adjudicação e, subsequentemente nos registos!
U) O Tribunal a quo, ignorou os elementos literais que constam, “preto no branco”, quer na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos (doravante SVGC), quer nos autos elaborados pelo I. sr. AI, quer nos registos.
V) O Mm.º Juiz a quo assacou vícios à sentença de verificação e graduação de créditos, apesar de não terem sido assacados naqueles autos de insolvência por nenhum interessado e apesar desta se encontrar transitada em julgado.
W) A “interpretação” ora operada sobre a sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, em contrário com o que aquela ali explicitamente estabelece, constitui violação de caso julgado.
X) A “interpretação” da SVGC operada pela sentença em crise, esquece que:
- o registo de insolvência refere expressamente que se reporta a meação;
- quer a sentença, quer os autos elaborados pelo I. sr. AI, referem que está em causa a meação;
- o registo a favor da CGD refere também a meação;
- a insolvente (…) manteve e mantém a propriedade registada a seu favor dos imóveis em causa;
- a CGD cedeu as hipotecas na íntegra, e não apenas sobre as meações remanescentes, que assim se mantiveram registadas a favor da aqui Recorrente.
Y) A sentença sob recurso deve ser revogada, por ferida de nulidade, já que pronuncia sobre questão que não podia conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º do CPC.
Z) A sentença em crise, é também nula, pois os fundamentos plasmados, encontram-se em contradição com a decisão tomada a final, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
AA) À data da declaração de insolvência da (…), esta encontrava-se casada em comunhão de adquiridos com o aqui insolvente (…).
BB) No casamento sob o regime de comunhão de adquiridos, como no caso em apreço, forma-se um património coletivo, composto pelos bens comuns adquiridos pelo casal na constância do matrimónio, que incluem um conjunto de posições ativas e passivas, que são tituladas por ambos os cônjuges, como se de uma única posição jurídica se tratasse.
CC) A comunhão conjugal não se confunde com a compropriedade, que postula direitos das partes sobre bens específicos e não sobre um património.
DD) Nem o aqui Insolvente, nem (…), eram titulares de um direito ou uma quota sobre os bens imóveis em questão.
EE) O direito à meação incide não sobre bens específicos, mas sobre o património considerado num todo, distinto dos bens que o compõem.
AA) Na sentença sob recurso, não se explica de que forma é que, não tendo existido qualquer intervenção do insolvente (…) nos autos de insolvência de (…), nem assim, existir qualquer processo de inventário que permitisse a partilha dos bens que integravam a comunhão conjugal, se procedeu à apreensão de quotas de imóveis.
BB) O douto Tribunal a quo confunde aquilo que deveria ter ocorrido nos autos de insolvência de (…), com a realidade dos factos.
CC) Não se compreende o salto lógico operado pela sentença em crise, quando cita vários acórdãos que postulam a necessidade de intervenção do cônjuge ou a apresentação de inventário, mas simultaneamente conclui pela apreensão das quotas (teoricamente) tituladas pela ali insolvente.
DD) Havendo uma comunhão conjugal, não poderia ter sido determinada a apreensão de “quotas” tituladas pela insolvente (…), já que, como se plasma nos acórdãos citados, os cônjuges não são titulares de quotas, mas apenas de uma meação na comunhão conjugal!
EE) A jurisprudência citada pela sentença em crise pressupõe sempre que, seja chamado o cônjuge e subsequentemente, se opere a liquidação do imóvel como um todo e não apenas de supostas quotas tituladas pelo insolvente.
FF) A sentença em crise não granja apoio na jurisprudência que cita, já que esta, em momento algum prevê a liquidação de “quotas”, que na verdade não existem, mas sim dos bens que integram a comunhão conjugal como um todo.
GG) Os argumentos expendidos na sentença de que se recorre, tal como a jurisprudência ali invocada, levariam necessariamente a uma conclusão diametralmente diferente.
HH) A fundamentação da sentença em crise, levaria a concluir que apenas a meação foi apreendida e vendida nos autos de insolvência de (…).
II) Verifica-se a nulidade por contradição entre a decisão e os seus fundamentos.
JJ) Impõe-se a revogação da sentença sob recurso.
KK) Impor-se-ia uma decisão do Tribunal de 1ª instância que julgasse que no âmbito do Processo de Insolvência de (…) apenas foi apreendida a sua meação nos bens comuns e, por conseguinte, que a CGD apenas é titular de uma meação no património comum.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, que não enferma de nulidade nem merece qualquer censura.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da nulidade da sentença;
ii) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
iii) do desacerto da decisão.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. No âmbito do proc. n.º 1535/11.5TBEVR, do extinto 2.º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Évora, por sentença proferida em 01/07/2011 foi declarada a insolvência de (…), então casada, no regime da comunhão de adquiridos, com (…), cfr. docs. n.ºs 1 e 6 juntos com a p.i. (sendo o último cópia do assento de nascimento de … onde se encontra averbado que o seu casamento com … foi dissolvido por decisão de 19 de dezembro de 2012, transitada em julgado na mesma data; no proc. n.º 1232/22.6T8EVR, desde Juízo Local Cível de Évora, Juiz 1, foi junta cópia certificada daquele assento de nascimento).
2. No auto de apreensão e no inventário elaborados pelo administrador da insolvência Dr. (…) e juntos ao referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR consta o seguinte:
verba n.º 1 - “Direito à meação do prédio rústico sito em Herdade do (…), freguesia de (…), concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º (…), secção (…)”.
verba n.º 2 - “Direito à meação do prédio urbano sito em (…), freguesia de (…), concelho de Arraiolos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º (…)”, cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a p.i..
3. Na ata da assembleia de credores realizada no âmbito do referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR consta, nomeadamente, o seguinte: “Dada a palavra ao administrador da insolvência pelo mesmo foi dito: “Começo por verificar que o inventário contém um lapso, no imóvel registado com o n.º 1 onde consta direito “à meação” deverá ler-se “compropriedade sobre”, cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i..
4. Integravam apenas a comunhão conjugal da (…) e do (…) o imóvel e direito (de compropriedade) mencionados nos antecedentes pontos 2 e 3.
5. No registo predial, no que respeita ao prédio rústico descrito sob o n.º (…), foi lavrada a seguinte inscrição: “Ap. (…), de (…), (…) Declaração de insolvência (…) Incide sobre ½ Insolvência da meação”.
- no registo predial, no que respeita ao prédio urbano descrito sob o n.º (…), foi lavrada a seguinte inscrição: “Ap. (…), de (…), (…) Declaração de insolvência (…) Insolvência da meação”, cfr. certidões do registo predial relativas aos identificados prédios juntas com a p.i..
6. Dos “autos de adjudicação a credor hipotecário” elaborados pelo administrador da insolvência Dr. (…) e juntos ao referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Adjudico a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (…) o seguinte imóvel:
Verba número um: Direito à meação sobre prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo (…).
O imóvel supra descrito foi adjudicado em 24 de Julho de 2012, pelo valor de € 250.000,00 (…), dos quais já recebidos 20%, ou seja, € 50.000,00 (cinquenta mil euros), para garantia do pagamento previsível das custas prováveis, tendo sido dispensado do pagamento restante dada a qualidade de credor hipotecário, e sem prejuízo do acerto final do pagamento, nos termos do disposto no artigo 887.º, n.º 3, do C.P.Civil. (…).
Em face do exposto, proceda-se ao cancelamento de todos os ónus e encargos que incidem sobre a verba infra mencionada objeto do presente termo de adjudicação. (…).”
Verba n.º dois: Direito à meação sobre ½ do prédio rústico (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), freguesia de (…), e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo (…), Secção (…), da mencionada freguesia.
O imóvel supra descrito foi adquirido em venda mediante negociação particular, com receção de propostas até 30 de maio de 2012, pelo valor de € 65.625,00 (sessenta e cinco mil e seiscentos e vinte e cinco euros), dos quais já recebidos 20%, ou seja, € 13.125,00 (treze mil e cento e vinte e cinco euros), para garantia do pagamento do montante previsível das custas prováveis, tendo sido dispensado do pagamento restante dada a qualidade de credor hipotecário, e sem prejuízo do acerto final do pagamento, nos termos do disposto no artigo 887.º, n.º 3, do C.P.Civil. (...).
Em face do exposto, proceda-se ao cancelamento de todos os ónus e encargos que incidem sobre a verba infra mencionada objeto do presente termo de adjudicação. (…)” – cfr. cópias dos referidos autos de adjudicação que integram a certidão junta aos autos com o req. de 23/05/2023.
7. No referido processo de insolvência de (…), no apenso A, de Reclamação de Créditos, em 25/06/2012 foi proferida sentença de verificação de créditos, transitada em julgado em 13/07/2012, onde, relativamente ao “Direito à meação do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…)”, o crédito da CGD (verificado pelo valor total de € 2.921.482,10), porque garantido por hipotecas registadas sobre aquele prédio (Ap. …, de … com o m.m.c.a. de € 316.660,50; Ap. …, de … com o m.m.c.a. de € 140.738,00 e Ap. …, de … com o m.m.c.a. de € 457.398,50) até ao montante máximo segurado de € 914.797,00, foi graduado, como crédito garantido, a fim de obter pagamento logo após as dividas da massa insolvente discriminadas no artigo 51.º, n.º 1, alíneas a) a j), do CIRE, cfr. cópia da referida sentença que integra a certidão junta aos autos com o req. de 23/05/2023.
8. Naquela sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 25/06/2012, relativamente ao “Direito à meação do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…)”, o crédito da CGD, porque garantido por hipoteca registada sobre aquele prédio (Ap. …, de …) até ao montante máximo segurado de € 263.112,50, foi graduado, como crédito garantido, a fim de obter pagamento logo após as dívidas da massa insolvente discriminadas no artigo 51.º, n.º 1, alíneas a) a j), do CIRE, cfr. cópia da referida sentença que integra a certidão junta aos autos com o req. de 23/05/2023.
9. Por via de reconhecimento de crédito do Estado no apenso B, cujo privilégio imobiliário se extinguiu nos termos do preceituado no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, a sentença de verificação e graduação proferida em 25/06/2012, foi refeita em 26/07/2012, tendo nesta última decisão, ficado consignado que a referência numérica aos créditos se reportava à referência numérica que aos mesmos era feita na sentença proferida em 25/06/2012, tendo, na sentença refeita, o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos sido graduado da seguinte forma: a) a fim de ser pago pelo produto da venda da meação da insolvente (…) no prédio rústico descrito sob o n.º (…), logo após as dívidas precípuas da massa insolvente, as quais ficou consignado saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel, ficou graduado, como crédito garantido, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A., até ao montante máximo de € 263.112,50; b) a fim de ser pago pelo produto da venda da meação da insolvente (…) no prédio urbano descrito sob o n.º (…), logo após as dívidas precípuas da massa insolvente, as quais ficou consignado saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel, ficou graduado, como crédito garantido, o crédito da Caixa Geral de Depósitos, S.A., até ao montante máximo de € 914.797,00, cfr. cópia da referida sentença (refeita) que integra a certidão junta aos autos com o req. de 23/05/2023.
10. No apenso C, de reclamação de créditos, dos autos de insolvência com o n.º 1232/22.6T8EVR, a credora (…) reclamou créditos no montante total de € 2.598.163,42, alegadamente cedidos pela CGD no âmbito do contrato de cessão de créditos celebrado em 04-10-2018 e retificado em 06/06/2019, cfr. documentos juntos pelo administrador da insolvência com as Ref.ªs de 19/06/2023 (nomeadamente, cópia da referida reclamação de créditos e dos documentos que a acompanharam).
11. Com os seus reqs. de 04/04/2024, a autora CGD e a credora (…), por comum acordo, informaram o seguinte: “(…) Os valores cedidos pela Caixa Geral de Depósitos, SA, à (…) Activity Company com juros contados, até à data de 14/09/2018, em que teve lugar a emissão, para efeito da cessão, pela CGD, das notas de débito que foram entregues à (…), são os seguintes: a) Operação PT (…), créditos cedidos no valor de € 108.520,82; b) Operação PT (…), créditos cedidos no valor de € 107.950,50; c) Operação PT (…), créditos cedidos no valor de € 571.985,03; d) Operação PT (…), créditos cedidos no valor de € 2.764.500,38. Por sua vez, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., recebeu no âmbito do processo de insolvência n.º 1535/11.5TBEVR, o montante de € 244.713,22 e de € 52.500,00, por conta das adjudicações efetuadas. (…)”.
12. Com o seu req. de 08/05/2024, a Ré Massa Insolvente de (…) declarou que “(…) aceita os valores indicados como montantes dos créditos cedidos pela mesma Caixa Geral de Depósitos, S.A. e os montantes que esta última recebeu, no âmbito do processo de insolvência n.º 1535/11.5TBEVR.”
13. No âmbito do referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR, a ali credora CGD reclamou créditos no montante total de € 2.921.482,10, cfr. cópia da respetiva reclamação de créditos que integra a certidão junta aos presentes autos sob a Ref.ª de 05/03/2024.
14. No âmbito do referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR, o administrador da insolvência apresentou a lista de credores e respetivos créditos, cfr. cópia da referida lista de credores que integra a certidão junta aos presentes autos sob a Ref.ª de 05/03/2024.
15. No âmbito do referido proc. n.º 1535/11.5TBEVR, o administrador da insolvência apresentou o mapa de rateio final cuja cópia integra a certidão junta aos presentes autos sob a Ref.ª de 05/03/2024.
16. No âmbito do proc. n.º 1232/22.6T8EVR (apenso B), o administrador da insolvência apresentou o auto de apreensão de bens nos seguintes termos:
“Verba n.º 1
Direito à meação do Prédio urbano para habitação, rés-do-chão, sito na (…), na freguesia de (…), concelho de Arraiolos, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…) da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…). (…) Sobre o imóvel incidem duas Hipotecas a favor de (…) Activity Company: • Ap. (…) e Ap. (…), de (…), até aos montantes máximos assegurados de € 316.660,50 e € 140.738,00, respetivamente.
Verba n.º 2
Direito à meação do Prédio Rústico, terrenos de cultura arvense, sito na Herdade do (…), na freguesia de (…), concelho de Évora, inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…). (…). Sobre o imóvel incide uma Hipoteca a favor de (…) Activity Company: • Ap. (…), de (…), até ao montante máximo assegurado de € 263.112,50.”
17. No âmbito do proc. n.º 1232/22.6T8EVR (apenso B), com os seus requerimentos de 18-08-2022, a credora (…) Activity Company requereu o seguinte: “(…) requer-se (…) se digne ordenar a retificação do auto de apreensão, de modo que do mesmo passe a constar a apreensão do prédio urbano sito em Arraiolos e, bem assim, a apreensão de ½ do prédio urbano denominado Herdade do … (e não do mero direito à meação). (…)”.
18. Pelo despacho de 22/12/2022, proferido no processo n.º 1232/22.6T8EVR (apenso B), foi determinada a correção do inicial auto de apreensão nos termos requeridos pela credora (…).

B – As questões do Recurso
i) Da nulidade da sentença
A Recorrente sustenta que a sentença é nula por falta de fundamentação de facto, por conhecer de questões de que não podia apreciar e por contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos.
Nos termos do disposto no artigo 154.º, n.º 1, do CPC, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. O artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, por sua vez, determina que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Na senda deste regime legal, o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC estatui que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. É ainda nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), bem como quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
É que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Relativamente à nulidade por falta de fundamentação (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC), é unanimemente entendido, na doutrina e na jurisprudência, que só a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.[1] A deficiente fundamentação ou motivação pode afetar o valor doutrinal intrínseco da sentença ou acórdão, mas não pode nem deve ser arvorada como causa de nulidade dos mesmos[2].
Só enferma de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão.
Só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja deduzida a nulidade da sentença/acórdão.[3]
Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido não se traduzem em vícios formais da sentença, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPC.[4]
Por conseguinte, não enferma de nulidade a decisão em que a motivação é deficiente.
Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença/acórdão contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adotada pelo julgador”[5].
A contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC) verifica-se quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a uma decisão de sentido oposto; ocorre quando a decisão briga com o fundamento, está em oposição com ele[6], quando o fundamento repele a decisão.
Assim:
A sentença recorrida não padece de nulidade por dela não constarem elencados factos que, no entender da Recorrente, deviam ter sido julgados provados.
A sentença recorrida não padece de nulidade por ter procedido à interpretação de autos, despachos e decisões proferidas no processo de insolvência de (…). Como é sabido, “a decisão proferida em demanda judicial constitui um verdadeiro ato jurídico formal, a que se aplicam (por analogia) as regras que disciplinam a interpretação do negócio jurídico formal.” [7]
A sentença recorrida não padece de nulidade por dela constar enunciada jurisprudência que, na verdade, não sustenta a decisão proferida. Dela mais constam fundamentos de cariz interpretativa que alicerçam o sentido da decisão.
Inexiste, pois, fundamento para declarar nula a sentença.

ii) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A Recorrente considera que devem ser aditados aos factos provados os seguintes itens:
1. O registo operado por conta da declaração de insolvência da sra. (…) deixa plasmado estar em causa a “Insolvência da meação” – cfr. Ap. (…), de (…), 14:29:51 UTC – Declaração de Insolvência.
2. O registo operado por conta da compra pela CGD em processo de insolvência – Ap. (…), de (…), 13:46:47 UTC – Aquisição – igualmente estatui que “Incide sobre 1/2 – Direito à Meação”.
3. A CGD, S.A. em 14/07/2023 (Ref.ª citius 3699181) juntou aos autos o pedido, oficioso, definitivo, por si formulado junto da Conservatória do Registo Predial do Barreiro, pelo qual requeria o cancelamento dos ónus sobre ½ e ¼ dos imóveis, o qual terá sido negado, já que as hipotecas se mantiveram registadas.
4. Apenas após a citação para os presentes autos de insolvência a CGD requereu o cancelamento dos ónus, conforme decorre do requerimento junto aos autos em 14/07/2023 (Ref.ª citius 3699181).
5. Os créditos cedidos à aqui Recorrente pela CGD, S.A. – conforme consta do ponto 10 da matéria de facto dada como provada – beneficiaram da garantia real de hipoteca, estas também cedidas pela CGD, S.A..
6. A propriedade sobre os imóveis em causa permanece registada a favor da insolvente (…) até à presente data, concomitantemente com o registo de aquisição da meação pela CGD, S.A..
7. O aqui insolvente (…), à data cônjuge de (…), não foi chamado a intervir nos autos de insolvência n.º 1535/11.5TBEVR.
8. (…) e (…) nunca recorreram a procedimento de inventário para partilha dos bens que integram o património comum.
Afigura-se que tais factos decorrem, quase todos, do que já consta da factualidade provada, assumindo natureza conclusiva ou mesmo sintetizadora de elementos documentais que instruem o processo.
De todo o modo, na medida em que permitem facilitar a apreensão da questão atinente ao litígio, concede-se o aditamento dos mesmos, nos termos pretendidos.

iii) Do desacerto da decisão
Em 1ª Instância, exarou-se que o que foi apreendido, adjudicado e vendido, respetivamente, no processo de insolvência de (…) foi o direito a metade do prédio urbano sito em Arraiolos e o direito a metade sobre metade (¼) do prédio rústico sito em Évora. O que se retira dos elementos documentais que instruem o referido processo de insolvência e que constam das inscrições registrais.
Tal apreciação não nos merece censura.
Não obstante o vocábulo meação se refira a parte indivisa no património comum, a quota ideal nesse património, certo é que os atos praticados no processo de insolvência de (…) se reportam ao direito a metade sobre o prédio urbano e ao direito a ¼ sobre o prédio rústico.
Não podemos, no entanto, concluir pela procedência da ação.
Nos termos do disposto no artigo 1408.º do Código Civil, cujo regime se aplica, com as necessárias adaptações, à comunhão de quais outros direitos (cfr. artigo 1404.º do CC), o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum (n.º 1); a disposição ou oneração de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia (n.º 2); a disposição da quota está sujeita à forma exigida para a disposição da coisa (n.º 3).
Por isso, em consonância com tal regime substantivo, é que o artigo 743.º do CPC estabelece que na execução movida contra algum dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso apenas podem ser penhorada a quota-parte, abstracta e ideal, do executado, já que não pode ser alienada uma parte especificada do património comum sem autorização dos demais contitulares.[8]
O que tem aplicação em sede de processo de insolvência (cfr. artigo 17.º do CIRE), e é secundado pelo disposto no artigo 159.º do CIRE, nos termos do qual verificado o direito de restituição ou separação de bens indivisos ou apurada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens.
Só assim são acautelados os direitos de terceiros em caso de contitularidade ou indivisão, sendo certo que a responsabilidade patrimonial só onera bens do devedor (artigo 817.º do CC) e que, para além dos casos referidos no artigo 818.º do CC, só estes bens respondem pelas suas dívidas.
Temos, então, a disposição de direitos sobre parte do prédio rústico e do prédio urbano sem o consentimento do cônjuge da Insolvente.
Das disposições conjugadas dos artigos 1408.º, 892.º e 406.º/2, do CC resulta que as transmissões daqueles direitos são ineficazes relativamente ao consorte não autorizante[9], ao cônjuge da Insolvente.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[10], «equiparando, porém, a disposição ou oneração de parte especificada da coisa comum, sem consentimento dos consortes, à disposição ou oneração de coisa alheia, o novo Código Civil acabou por considerar esses atos não apenas anuláveis ou nulos mas ineficazes em relação aos restantes condóminos. Estes não necessitam, por conseguinte, de recorrer a qualquer meio de impugnação do ato, para conseguir que ele não lhes seja oponível.
(…)
Em relação a estes, trata-se de uma alienação ou oneração de coisa alheia e a solução a um tempo mais lógica e justa é a que considera o ato de disposição ou oneração indevidamente efetuado pelo comproprietário como res inter alios acta. Consequentemente, o negócio será ineficaz em relação aos consortes que nele não consentiram (…).»
Por outro lado, o consentimento de todos os consortes para validamente ter lugar a disposição ou oneração de parte especificada da coisa comum terá de ser prestado pela mesma forma exigida para o ato de alienação ou oneração, podendo ser anterior ou posterior ao ato ou contemporâneo dele.[11]
Decorre do exposto que os atos praticados no processo de insolvência de (…) tendo por objeto metade do prédio urbano e ¼ do prédio rústico são ineficazes relativamente a (…).
O facto versado no n.º 12 dos factos provados, revelando que a Massa Insolvente de (…) declarou aceitar os valores indicados naquela comunicação como montantes que a Credora CGD recebeu na referida insolvência, não é apto a ser considerado consentimento formalmente válido à disposição dos direitos sobre aqueles concretos bens.
Por força da referida ineficácia, não pode merecer acolhimento a pretensão da Autora no sentido de ser reconhecida pelos Réus (…) e Massa Insolvente de (…) como proprietária de ½ do prédio urbano descrito na CRP de Arraiolos sob o n.º (…), da freguesia de (…) e de ¼ do prédio urbano descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de (…).
O que inviabiliza o mais requerido.

Concluímos, pois, pela procedência da apelação.

As custas recaem sobre a Recorrida CGD – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, absolvendo os RR dos pedidos formulados.
Custas pela Recorrida CGD.
Évora, 18 de setembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Cristina Dá Mesquita
Maria Domingas Simões


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[1] Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, págs. 139 e 140.
[2] Ac. STJ de 16/12/2004 (Ferreira de Almeida).
[3] Ac. STJ de 28/05/2015 (Granja da Fonseca).
[4] Ac. STJ de 23/03/2017 (Tomé Gomes).
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 688.
[6] Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, págs. 141 e 142.
[7] Ac. STJ de 12/12/2024 (Isabel Salgado).
[8] Cfr. Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. II, pág. 119.
[9] Cfr. Ac. TRP de 09/09/2013 (Fonte Ramos).
[10] CC Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 365.
[11] Vaz Serra, RLJ, ano 103.º, págs. 57 e 58, conforme citação in CC Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. III, 2.ª edição, pág. 364.