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DESPEJO
PROCEDIMENTO
NRAU
DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL
Sumário
i) o procedimento especial de despejo, na redação vigente, é apto a executar uma decisão judicial que, tendo sido proferida no âmbito do regime anterior do NRAU, julgou improcedente a oposição ao despejo; ii) o requerimento do diferimento da desocupação do locado apenas pode ser formulado no prazo de 15 dias após a notificação do pedido de despejo, pelo que não pode ser deduzido após a prolação da sentença que julgou improcedente a oposição ao pedido de despejo. (Sumário da Relatora)
Os autos consistem em procedimento especial de despejo.
Os Requeridos (…) e (…) foram notificados, a 25/05/2022 e a 21/06/2022, respetivamente, de que se iniciou um procedimento especial de despejo e para, no prazo de quinze (15) dias, apresentarem oposição no Balcão Nacional do Arrendamento, caso não concordem com o que é indicado pelo senhorio, ou desocuparem o local arrendado, ou requerem o diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.
Foi deduzida oposição.
Veio a ser proferida sentença a 12 de junho de 2023, transitada em julgado a 03 de julho de 2023, com o seguinte segmento decisório:
«A) Julgo que os autores (…), (…) e (…), se opuseram validamente à renovação do contrato de arrendamento que foi celebrado com o réu marido e mediante o qual foi cedido a este o gozo e fruição do prédio urbano sito em (…) – (…), freguesia e concelho de Portimão, descrito na matriz sob o artigo (…) e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), da freguesia de Portimão, tendo o contrato de arrendamento celebrado entre as partes caducado em 31/03/2022.
B) Condeno os réus a entregarem de imediato aos autores o imóvel identificado na alínea A), livre e devoluto de pessoas e bens.
C) Julgo o pedido reconvencional improcedente, por não provado, absolvendo aos autores/reconvindos da totalidade do peticionado.»
Por requerimento de 25/09/2024, a Agente de Execução nomeada juntou auto datado de 03/09/2024, do qual consta a recusa do Réu em entregar o imóvel, na sequência do que requereu autorização judicial para entrada imediata no domicílio, com recurso às autoridades policiais e ao arrombamento de porta, se necessário.
Foi proferido despacho em 29/09/2024 concedendo a pretendida autorização judicial para a entrada no domicílio com vista a tomar posse do imóvel com o auxílio da força pública para a diligência, se necessário.
Decisão que foi anulada em sede de recurso para cumprimento do contraditório.
A 04/11/2024 os Requeridos apresentaram-se a peticionar o diferimento de desocupação do locado.
Exercido o contraditório, os Requerentes pronunciaram-se no sentido da intempestividade do incidente e, caso assim não se entenda, da improcedência, ao que os Requeridos retorquiram sustentando a oportunidade na respetiva dedução.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os demais trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida decisão indeferindo o incidente de desocupação do locado e declarando a Agente de Execução autorizada a tomar posse do prédio urbano, solicitando o auxílio de força pública, se necessário for, só podendo realizar-se entre as 7h00 e as 21h00.
Inconformado, o Requerido apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação das decisões recorridas. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A)
DO DESPACHO A DEFERIR O PEDIDO DE RECURSO À FORÇA PÚBLICA
I- (…) e mulher, Réus no processo à margem identificado, foram “visitados”, no seu arrendado, por uma sra. Agente de Execução, no passado dia 16/10/24, que pretendia proceder de imediato, e com recurso à força pública se necessário, ao seu despejo.
II- Agiu a coberto de um despacho tirado pela sra. Juiz a quo em 29/09/24, em resposta a um requerimento da mesma AE, datado de 25/09/24, em que lhe foi dada autorização para entrar no domicílio dos RR., e tomar posse do arrendado, socorrendo-se, se necessário, e para o efeito, da força pública.
III- Ocorre que, quando a AE se perfilou, em 16/10/24, no domicílio dos RR., para dar livre curso à tomada de posse do arrendado, e mesmo quando, antes fez o requerimento aludido, havia já decorrido 1 ano e 4 meses sobre a prolação da sentença (de 12/06/23), a condená-los a dele abrirem mão, por aos AA./ora apelados não convir renovar o contrato de arrendamento.
IV- Sucede que, embora o n.º 1 do artigo 15.º-J da versão de 2012 do NRAU, em vigor à data da prolação daquela sentença, determinasse que, “havendo decisão judicial para desocupação do locado”, como era o caso, o AE deveria promover a imediata tomada de posse do locado, tal actuação tardou, como se viu, até 16/10/24.
V- Além disso, quando a mesma AE tentou implementar o despejo dos RR., em 16/10/24, teve de sustar na mesma, por a sua actuação assentar numa decisão surpresa, já que a sra. Juiz a quo tirara a decisão de 29/09/24 sem previamente ouvir os RR..
VI- Essa Relação confirmou aliás, este facto, por decisão singular de 03/12/24, e mandou que só fosse tirada decisão na 1ª Instância, em sede do requerimento da AE de 25/09/24, após a dita audição.
VII- Ocorre que, entretanto, e como se disse, o NRAU de 2012 havia sido revogado, pelo de 2023, posto em vigor pela Lei 56/2023, de 6/10, e daí que os RR., quando ouvidos, tivessem requerido que, por aplicação ao caso das normas processuais dos artigos 15.º-I/11 e 15.º-J do NRAU/2023, lhes fosse concedido o prazo de 30 dias ali previsto, para motu proprio despejarem o locado e o entregarem aos AA.!
VIII- Porém, a sra. Juiz, ao reapreciar de novo, em 9/7 p.p., aquele requerimento da AE de 25/09/24, deferiu-o nos mesmos termos, e com os mesmos fundamentos, que já usara no seu anterior despacho de 29/09/24.
IX- Pelo que é dele que vem o presente recurso de apelação.
X- É que a decisão ali plasmada é inexequível, por assentar em normas entretanto revogadas, atentas as alterações operadas no NRAU, com a entrada em vigor da Lei n.º 56/2023, de 6/10.
XI- E é também inexequível porque, com o NRAU/2023 deixou de existir o meio processual adequado a executar o título executivo de que os AA. dispõem, e que foi produto de uma decisão tirada na constância do NRAU/2012, à luz de uma legislação já actualmente inexistente (inidoneidade do actual meio processual existente, para o efeito).
XII- Ou seja, os títulos executivos obtidos na constância do NRAU/2023, que são complexos, para serem títulos válidos, têm de conter em si um elemento que se acha previsto no actual n.º 11 do artigo 15.º-I, e que o NRAU de 2012 não previa:
“a condenação do requerido a proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias”.
XIII- Ora, o NRAU/2023 só prevê uma via executiva, e, essa, só serve para os títulos que tenham o dito elemento.
XIV- E o título dos AA. não contém este elemento.
XV- Assim, como o NRAU/2023 revogou a via executiva prevista no NRAU/2012, para a execução dos títulos como os dos AA..
XVI- E não criou uma norma de transição, com vista a permitir a execução desses mesmos títulos de 2012 ainda não executados.
VII- A Mma. Juiz a quo, ao invés de deferir de novo o requerimento da AE, aplicando ao vertente caso legislação já revogada, só podia era ter reconhecido a inidoneidade do meio processual executivo actualmente vigente, para acolher e executar o título dos AA..
XVIII- Indeferindo o dito requerimento!
XIX- Não o fez porém, e a decisão que tirou deve, por isso, ser agora indeferida por V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, atento o facto de a mesma decisão assentar em legislação revogada.
172) E a via executiva actual, ser inidónea, para executar o título dos AA.!
XX- Como, em caso de conflito entre uma norma geral e uma norma especial, a norma geral só se aplica se a norma especial não fornecer uma solução para a situação específica, o que é aqui o caso, no ver dos RR. terão os AA. que se socorrer de uma acção de execução para entrega de coisa certa, para fazerem valor o título de que dispõem.
XXI- Isso são, porém, “contas de outro rosário”!
B)
INDEFERIMENTO DO DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DOS RR.
XXII- Os RR. requereram, já na fase executiva deste processo especial, o diferimento da sua desocupação do locado dos AA.!
XXIII- Foi-lhes, no entanto, indeferida essa pretensão, pela Mma. Juiz a quo, com o fundamento de que, quando o dito requerimento foi apresentado nos autos, já há muito que haviam decorrido os 15 dias para o efeito, previstos alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º-D do NRAU/2023, pelo que ficou então precludido o direito dos mesmos RR de o apresentarem.
XXIV- Não assiste razão à sra. Juiz a quo!
XXV- É que é certo que aquele dispositivo legal estabelece aquele prazo para a apresentação do requerimento para abrir o incidente de diferimento de desocupação.
XXVI- Mas, esse prazo, por força daquele dispositivo legal expresso, só rege para a fase declarativa do procedimento especial que temos diante de nós!
XXVII- O legislador nada dispôs, por exemplo, para a fase executiva subsequente.
XXVIII- E teria de o ter feito expressis verbis, como fez para a fase declarativa, se queria impedir, os RR., de, na dita fase executiva, requererem, como deveras fizeram, a abertura do incidente de diferimento de desocupação.
XXIX- É que como “prazos peremptórios” não são sinónimo de “preclusão de direitos”,
XXX- Temos de aceitar que os RR. não podiam já formular o requerimento de deferimento de desocupação, na fase declarativa do processo aqui em causa, por se haver esgotado o prazo para o fazerem.
XXXI- Mas também temos de aceitar que nada obstava a que os mesmos RR. apresentassem esse pedido, na subsequente fase executiva, como fizeram.
XXXII- Não há pois fundamento para impedir, como impediu, a sra. Juiz a quo, a prossecução destes autos, com fundamento na extemporaneidade e preclusão do direito dos RR.!
XXXIII- Devem por isso, V. Exas., Mmos. Juízes Desembargadores, indeferir o despacho de indeferimento deste incidente ora sob recurso.
XXXIV- Determinando a sua prossecução até final.»
Os Recorridos apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que é destituído de fundamento.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da falta de fundamento válido da decisão de entrega material e da inidoneidade do meio para executar a sentença;
ii) da tempestividade do incidente de diferimento de desocupação do locado.
III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os que decorrem do que se deixa exposto supra.
B – As questões do Recurso
i) Da falta de fundamento válido da decisão de entrega material e da inidoneidade do meio para executar a sentença
O Recorrente sustenta que a entrada em vigor da Lei n.º 56/2023, de 06/10, tornou inexequível o título executivo de que dispõem os Recorridos porquanto este assenta numa decisão judicial proferida à luz de legislação revogada, atualmente inexistente, até porque não contempla a condenação dos requeridos para procederem à entrega do imóvel no prazo de 30 dias.
Não lhe assiste razão.
A decisão judicial proferida na sequência da dedução de oposição à pretensão de despejo está conforme à legislação então vigente, a saber, os artigos 15.º-H e 15.º-I do NRAU na redação dada pela Lei n.º 79/2014, de 19/12. Determinou a entrega imediata do imóvel, pelo que, nos termos do artigo 15.º-J/1, então vigente, tinha lugar a imediata tomada de posse do mesmo.
A Lei n.º 56/2023, de 06/10, introduziu alterações no regime do procedimento especial de despejo consagrado nos artigos 15.º e ss do NRAU. Aditou ao artigo 15.º-I os n.ºs 11 a 13 com a seguinte redação: 11 - Quando a oposição seja julgada improcedente, a decisão condena o requerido a proceder à entrega do imóvel no prazo de 30 dias, valendo tal decisão como autorização de entrada imediata no domicílio. 12 - As partes podem livremente acordar prazo diferente do previsto no número anterior para a entrega do locado. 13 - A sentença é notificada às partes, ao agente de execução ou ao notário.
A obrigação de entrega passa a ter que ser cumprida pelos requeridos no prazo de 30 dias, valendo a decisão como autorização de entrada no domicílio.
Ora, aquando da entrada em vigor do regime inserto no n.º 11 do artigo 15.º-I do NRAU já tinha decorrido, há muito, o prazo de 30 dias para entrega voluntária do imóvel. Não pode o Recorrente sustentar que está a ser-lhe negado o direito (só agora consagrado, é certo) a manter a ocupação do imóvel pelo prazo de 30 dias a contar da notificação da sentença.
A sentença transitou em julgado a 03 de julho de 2023.
A desocupação do locado com base nesse título judicial foi encetada em conformidade ao regime então consagrado no artigo 15.º-J do NRAU.
Daí que tenha sido requerida autorização para tomada de posse do imóvel com o auxílio de força pública – autorização que se tornou desnecessária por força na atual redação do mencionado n.º 11.
Certo é que o NRAU continua a consagrar o procedimento especial de despejo e este continua a contemplar a tomada da posse imediata do imóvel pelo agente de execução, que pode solicitar diretamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel – cfr. artigo 15.º-J do NRAU. Tomada de posse essa alicerçada na decisão judicial proferida na sequência da oposição deduzida ao procedimento especial de despejo.
É, portanto, destituída de fundamento a alegação do Recorrente no sentido de que a decisão plasmada na sentença proferida a 12/06/2023 é inexequível e de que o procedimento especial de despejo não é apto a operar/executar a referida decisão.
ii) Da tempestividade do incidente de diferimento de desocupação do locado
O Recorrente, embora concordando que não podia já ser formulado o requerimento de diferimento da desocupação do locado na fase declarativa do procedimento, sustenta que nada obsta à dedução desse pedido na fase executiva; que não há fundamento para o impedir; que o prazo de 15 dias está previsto na fase declarativa, mas nada o legislador dispôs para a fase executiva, e teria de o ter feito.
Efetivamente, o diferimento da desocupação do locado pode ser requerido na sequência da notificação do requerimento de despejo, no prazo de 15 dias, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do CPC – cfr. artigos 15.º-D/1, alínea b) e 15.º-M/1 do NRAU. Trata-se de incidente a suscitar a fase declarativa; assim estava previsto no regime anterior ao que decorre da Lei n.º 56/2023, de 06/10.
Proferida que seja a sentença que, apreciando o mérito da oposição, a julgue improcedente, resulta formado o título que viabiliza a entrada imediata no domicílio, caso não tenha lugar a entrega do imóvel no prazo de 30 dias. O agente de execução pode deslocar-se imediatamente ao locado para tomar a posse do imóvel, solicitando diretamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efetivar a posse do imóvel – cfr. artigos 15.º-I/11 e 15.º-J do NRAU.
O procedimento legalmente consagrado no NRAU não consagra o exercício do direito ao diferimento da desocupação do locado em momento diverso daquele que é versado no artigo 15.º-D/1, alínea b), do NRAU.
Os direitos são exercidos no modo definido pelo respetivo regime adjetivo.
Não podem ser exercidos de modo diverso ao estabelecido no respetivo regime adjetivo.
Termos em que se conclui de nada valer ao Recorrente a alegação de que o legislador devia ter previsto o exercício do direito ao diferimento da desocupação do locado na fase executiva.
Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação das decisões recorridas.
As custas recaem sobre o Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirmam as decisões recorridas.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 18 de Setembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
José Manuel Tomé de Carvalho