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RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO
GARANTIA REAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
Ao credor que, desprovido de título exequível, se apresente a reclamar o crédito com alegada garantia real na execução, ainda que para o efeito não tenha sido citado, assiste o direito a ver reconhecido e graduado o seu crédito desde que observe o regime estabelecido no artigo 792.º do CPC. (Sumário da Relatora)
Por apenso à execução que (…), SA (habilitada a intervir no processo no lugar da Exequente originária Caixa Geral de Depósitos, SA) move a (…) e (…), apresentou-se (…) a reclamar crédito decorrente da relação laboral que manteve com o Executado, no montante global de € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros).
Invocou, para tanto, ser credora de tal quantia, conforme resulta da transação judicial homologada a 11/07/2024 no processo devidamente identificado.
Juntou documento que consiste na ata de audiência das partes, datada de 11/07/2024, que contém o acordo alcançado, no qual as partes declararam prescindir do recurso, e a sentença de homologação do referido acordo.
A Exequente deduziu impugnação ao crédito reclamado e requereu a condenação da Reclamante como litigante de má-fé.
Ao que respondeu a Reclamante.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferido saneador-sentença indeferindo a reclamação de créditos, por extemporânea, e condenando a Reclamante por litigância de má-fé no pagamento de 10 (dez) UC.
Inconformada, a Reclamante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue a reclamação procedente. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julga a ação totalmente improcedente e ainda condenando a Apelante como litigante de má-fé.
B. Em primeiro lugar, afigura-se que existe uma errónea interpretação do artigo 788.º do Código de Processo Civil (CPC), porquanto
C. Prescreve o n.º 3 da referida norma que:
“3 – Os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados.”
D. Destarte, salvo o devido respeito e melhor opinião, mal andou o tribunal de 1ª instância a julgar improcedente a pretensão da Apelante por falta de título executivo e extemporaneidade por violação do n.º 1 do artigo 792.º do CPC.
E. Quanto à extemporaneidade, o próprio tribunal de 1ª instância admite a interpretação que a Apelante faz do citado preceito, pois escreve que a Apelante não foi citada para reclamar créditos, bem como admite que à Apelante “não se lhe impunha qualquer prazo legal para o vir fazer”, leia-se, não se impunha à Apelante qualquer prazo legal para reclamar o seu crédito laboral.
F. O que o tribunal de 1ª instância faz é, ao arrepio da lei, fazer nascer um prazo no caso concreto.
G. Pois afirma que a lei só se aplica na 1ª reclamação, mas já não na segunda reclamação, isto apesar de o título ser diverso entre as reclamações apresentadas.
H. A Apelante apresentou uma primeira reclamação quando estava pendente um procedimento de venda particular (Ref.ª NP755352023) da 1/2 indivisa do prédio urbano penhorado nos autos de Execução Sumária (Ag. Execução) 30/19.9T8SLV, em sede da qual a melhor proposta apresentada foi efetuada por (…), contribuinte n.º (…), pelo valor de € 180.000,00, a qual foi julgada improcedente por falta de título executivo e a apelante não foi notificada para apresentar título executivo.
I. Por isso, considerando a possibilidade revogação do acordo que serviu de base à primeira reclamação e uma vez que se aproximava o termo do prazo de prescrição previsto na lei laboral, a ora Apelante viu-se forçada a ter de recorrer a Tribunal (do trabalho) para obtenção do título executivo em falta.
J. Tal ação laboral teve a Apelante por Autora e como Réu o seu empregador, como não podia deixar de ser.
K. Não sendo obrigatório que fossem parte da ação quaisquer outras pessoas, pois a decisão nessa ação não faz caso julgado quanto a terceiros, daí a necessidade da específica reclamação de créditos, onde os mesmos deveriam ser julgados.
L. E o certo é que o tribunal de 1ª instância deu como assentes todos os factos vertidos no Acordo alcançado em tribunal do trabalho e que serviu como título executivo na reclamação de créditos apresentada junto do tribunal de 1ª instância aquando de um 2.º procedimento (distinto do 1.º) de venda particular da 1/2 indivisa do prédio urbano penhorado nos autos de Execução Sumária (Ag. Execução) 30/19.9T8SLV.
M. Ou seja, e conforme consta do acordo que serviu de base à 1ª reclamação de créditos apresentada pela ora Apelante, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 350.º do Código do Trabalho, esta podia fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao Empregador, até ao sétimo dia seguinte à data da respetiva celebração.
N. Sucedeu que o tribunal de 1ª instância julgou, “sem apelo nem agravo”, que a ora Apelante não tinha título executivo bastante.
O. Daí que a Apelante tenha optado por interpor ação, que obteve o n.º 1314/24.0T8TVD, e que foi, nos termos da lei – cfr. artigo 51.º do Código do Processo do Trabalho (CPT) – objeto de tentativa de conciliação.
P. A tentativa de conciliação realiza-se obrigatoriamente quando prescrita, é presidida pelo juiz e destina-se a pôr termo ao litígio mediante acordo equitativo (redação dada pela Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro), devendo o juiz empenhar-se ativamente na obtenção da solução mais adequada aos termos do litígio.
Q. Em face do supra exposto, e salvo o devido respeito e melhor opinião, é deveras contra legem o tribunal de 1ª instância julgar a reclamação de créditos da ora Apelante extemporânea e sem título executivo, tendo em conta o prazo de um ano ainda não decorrido e o disposto no artigo 88.º do CPT.
R. Pelo que a decisão impunha-se outra: a reclamação foi feita em prazo, com título executivo, pelo que outra hipótese não haveria senão seu reconhecimento e devida graduação.
S. Para além de, com o devido respeito, ser uma errónea aplicação do direito, a decisão, se fosse contrária, não colocaria em causa quaisquer direitos de terceiros, pois estes podiam intervir no julgamento da reclamação de créditos, bem como impugnar noutra sede o título executivo que serviu de base à reclamação de créditos.
T. Pelo que mal andou a decisão em crise ao não admitir a reclamação de créditos.
U. Ademais, alega-se que o pedido da reclamação espontânea é duplo: conhecer da existência dos créditos (verificação) e fazer a sua graduação com o crédito da exequente, em razão das garantias reais que lhes sejam reconhecidas (cfr. artigo 791.º, n.º 2, do CPC).
V. Por isso, mesmo quando haja reconhecimento ou verificação já efetuados em anterior sentença , e como a este propósito Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, referem: «(…) Esta reclamação, sendo procedente, leva a que tenha de ser refeita a graduação anteriormente efetuada, levando em consideração o direito deste novo credor. Como inculca o n.º 6, trata-se e uma graduação a “refazer”, pelo que deve levar-se em conta a nova reclamação sem bulir com o direito de crédito dos outros credores, salvo no que respeita à possibilidade de alteração da graduação. Ou seja, a atividade jurisdicional a levar a cabo deverá, após o respetivo reconhecimento, graduar o crédito “tardiamente” reclamado em concurso com os créditos anteriores, mas sem colocar em causa a subsistência destes. Haverá apenas que atentar nas regras legais da graduação de créditos para se concluir qual o lugar relativo que este último crédito reclamado deverá ocupar em conjunto com os demais».
W. Ou seja, mesmo que tenha sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, o credor que deduza a sua reclamação posteriormente à sua prolação pode, porque estará em tempo, interpor recurso da sentença previamente proferida. E salvaguardando sempre a hipótese, mesmo transitada em julgado a primeira sentença, do recurso extraordinário de revisão (artigo 696.º, alínea g), do CPC, antigo recurso de oposição de terceiro).
X. E ainda que não pode ser para exequente e executados na ação principal uma surpresa a existência de créditos laborais.
Y. Para além de a exploração de estabelecimento de alojamento local ser prática comum em Albufeira, é do mais elementar bom senso saber que a relva não se corta sozinha, que a água de uma piscina só com tratamento adequado se mantém azul, que o interior de uma casa decorada, limpa, mantida e valorizada não surge do nada, etc., etc…
Z. É por seria mister, mesmo um mínimo de diligência, que a exequente (muitos anos teve oportunidade de o fazer) e a licitante compradora inteirarem-se, em momento anterior à efetivação da venda, dos créditos laborais existentes e pelos quais se podem tornar responsáveis.
AA. Já tinha havido uma reclamação de créditos anterior, estavam à espera que a Apelante perdoasse a dívida?
BB. Esta busca mostra-se tanto mais legítima quanto se tenha presente que, ao contrário do que sucede com outras dívidas relativas à empresa ou estabelecimento, mais facilmente cognoscíveis, porque com expressão contabilística, os créditos laborais, pela singularidade do seu regime, são especialmente propícios a surpresas – e não necessariamente boas.
Da condenação da recorrente como litigante de má fé
CC. O Meritíssimo Juiz a quo condena a agora Apelante como litigante de má fé numa multa de 10 unidades de conta (!!! – há quem seja condenado em menos por violência doméstica agravada, civilmente), nos termos do n.º 1, alínea d), do artigo 542,º do Código de Processo Civil, ou seja de, com dolo ou negligência grave ter “feito, pois, um uso manifestamente reprovável dos meios processuais para vista a obter um objetivo ilegal ou, pelo menos, com o fito de entorpecer a ação da justiça”.
DD. O Sr. Juiz a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais supra mencionados, revelando desconhecer o que é dolo, negligência, uso manifestamente reprovável dos meios processuais com vista a obter um objetivo ilegal ou com o objetivo de entorpecer a ação da justiça.
EE. A Apelante agiu com boa fé ao longo de todo o processo e nada do que fez atrasou por um minuto que fosse o prosseguimento dos autos de execução, pois como é sobejamente sabido, a reclamação de créditos não suspende o andamento do processo executivo, não impede o leilão, a adjudicação, a venda.
FF. No presente processo de reclamação de créditos que foi julgado totalmente improcedente, foram considerados provados, pelo Exmo. Juiz a quo, os seguintes factos:
i. “A presente execução foi proposta com vista à satisfação de crédito garantido por hipotecas sobre o imóvel sito na Quinta da (…), freguesia e concelho de Albufeira, descrito na CRP de Albufeira sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), registadas pelas Ap. (…), de (…) e Ap. (…), de (…), conforme requerimento executivo e respetiva informação predial. 2. Nos autos de execução de que estes constituem um apenso, foi penhorado 1/2 (metade) do prédio urbano, denominado por Parcela 5 - lote 11, sito em Quinta da (…), Albufeira, freguesia de (…) e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…). 3. No âmbito do processo laboral que correu seus termos sob o Processo n.º 1314/24.0T8TVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo do Trabalho de Torres Vedras, foi realizado acordo entre as partes nos seguintes termos (conforme documento junto com o requerimento de reclamação de créditos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): 1- O réu reconhece a existência de contrato de trabalho celebrado com a Autora com efeitos reportados a 01-11-2017, tendo o referido contrato obedecido às seguintes características: a) A atividade era realizada em local determinado pela empregadora, a saber, no prédio urbano denominado parcela 5 – lote 11, situado em Quinta da (…), uma moradia com a área total de 548,8 m2, edifício de 2 pisos e logradouro com piscina, habitação, Tipo T-3, inscrito na matriz com o n.º (…) e registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, freguesia de (…), com o n.º (…); b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertenciam à beneficiária da atividade; c) A A. acordou com (…) um contrato de trabalho a tempo parcial, com uma carga horária semanal de 16 horas e o seguinte horário de trabalho: às Sextas-feiras, entre as 14h00 e 18h00; aos Sábados e Domingos, das 09h00 às 13h00 e das 14h às 18h00; às Segundas-feiras, das 09h00 às 13h00; d) A A. era paga até ao final de cada mês, como contrapartida da atividade prestada, a quantia certa de € 3.000,00 (três mil euros);
ii. e) A A. foi contratada para dirigir e coordenar, nos limites dos poderes em que estava investida, todas as atividades inerentes ao prédio supra identificado em a); f) De entre as funções contratadas, tinha de aconselhar a empregadora em todos os assuntos referentes à moradia, controlar o pagamento das contas de eletricidade, gás e outros, tratar do pagamento de impostos, exercer a verificação dos custos com o jardim, piscina, trabalhos de limpeza das zonas exteriores e interiores, contratar e dispensar os prestadores desses e outros serviços, tratava diretamente com a arrendatária todos os assuntos relacionados com o imóvel, sendo responsável pela supervisão e coordenação de todo o equipamento e instalações da moradia, sua manutenção e reparação, supervisionando e coordenando o pessoal adstrito aos serviços técnicos, prestando toda a assistência necessária, bem como programar os trabalhos de manutenção e reparação, tanto internos como externos, com indicações precisas sobre o estado de conservação e utilização do equipamento e instalações; g) À A. também foi garantido pela empregadora alojamento na moradia, ou em instalações similares quando ocupada, sendo que em caso algum pode o valor do alojamento ser deduzido na parte pecuniária da remuneração, nem poderá a fruição ser retirada ou agravada na vigência da relação laboral." 2- O réu reconhece serem nesta data devidos os créditos salariais descritos e peticionados no artigo 29º da P.I. 3- A autora reduz o pedido relativo a tais créditos para a quantia global de € 150.000 (cento e cinquenta mil euros) de que o réu se declara devedor. 4- Mais acordam as partes que o pagamento de tal montante se processe nos seguintes termos: € 5.000,00 (cinco mil euros) já pagos na presente data, sendo os restantes € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros) a pagar em 30 dias, mediante transferência bancária para a conta da autora a que corresponde o seguinte IBAN: (…). 5- Com o pagamento integral da referida quantia a autora declara nada mais ter a receber do réu em virtude da execução ou cessação do contrato de trabalho. 6- Mais acordam as partes prescindirem do prazo do recurso. 7- As custas devidas a juízo são suportadas em exclusivo pela autora.” 4. Sobre tal acordo, foi proferida a seguinte sentença, em 11 de Julho de 2024:
iii. “A Autora (…) e o Réu (…) vieram formular transação sobre o objeto do processo, nos termos do acordo que antecede. As partes podem transigir sobre o objeto da causa em qualquer estado da instância desde que a transação não verse sobre direitos indisponíveis das partes – artigos 283.º, n.º 2 e 290.º, n.º 4 e 289.º, n.º 1, todos do C.P.C., ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do C.P.T.. No caso em apreço, uma vez que o contrato cessou, não estamos perante direitos indisponíveis das partes pelo que o resultado da conciliação é legal quanto ao seu objeto. Por outro lado, a transação é também válida face à capacidade dos seus intervenientes pois que foi declarada pessoalmente pelas próprias partes. Por conseguinte a transação produz efeitos nos seus precisos termos, não carecendo de homologação pelo tribunal – artigo 52.º, n.º 1, do C.P.T.. Custas conforme acordado.
Fixo o valor da causa em € 163.999.00 (cento e sessenta e três mil e novecentos e noventa e nove euros). Declaro extinta a instância – artigo 277.º, alínea d), do CPC, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do C.P.T.. Notifique”.
5. Nesse processo foram partes, como Autora: (…) e como Réu: (…). Mais resulta que 6. Em 31.10.2023, a ora Reclamante apresentou reclamação de créditos conforme requerimento inicial do Apenso B cujo teor se dá por reproduzido, invocando, entre o mais, que: “4. A atividade e o contrato de trabalho acordado tem as seguintes características: (…) c) A ora reclamante acordou com (…) um contrato de trabalho a tempo parcial, com o seguinte horário de trabalho determinado pelo beneficiário da mesma: entre as 14h00 e 18h00 às Sextas-feiras; das 09h00 às 13h00 e das 14h às 18h00 aos Sábados e Domingos; e das 09h00 às 13h00 às Segundas-feiras, tudo sem prejuízo de prestação do trabalho em dias e horas diferentes, sempre que tal se revelasse necessário e desde que compatível com a atividade de advogada da ora reclamante;
iv. d) Como contrapartida da atividade prestada, a ora reclamante acordou ser paga mensalmente uma quantia variável, e que tinha em consideração a experiência de mais de 5 (cinco) anos da ora reclamante no sector, as suas habilitações literárias, incluindo as línguas estrangeiras capaz de falar, assim como de despesas de deslocação, alimentação e alojamento; (…)”.
7. Foi aí junto um Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho datado de 06.09.2023, celebrado entre a ora Reclamante e o “Empregador” (…).
8. Nesse apenso foi proferida sentença transitada em julgado, que julgou a reclamação de créditos apresentada pela Reclamante (…) improcedente por inexistência de título executivo, cujo teor se dá por reproduzido.
GG. O fundamento jurídico para a condenação da ora recorrente como litigante de má fé, resumidamente e do que se consegue compreender, atenta a sua prolixidade, foi o seguinte:
a) A reclamante já havia reclamado o mesmo crédito em 31.10.2023, tendo o mesmo sido julgado improcedente por inexistência de título executivo;
b) Nessa mesma sentença, havia o Tribunal consignado, entre o mais, que “(…) a ora Reclamante poderia ter peticionado que se seguisse a tramitação do artigo 792.º do Código de Processo Civil e assim poderia obter o seu título mesmo na pendência do apenso de reclamação de créditos.
c) A ora Reclamante prosseguiu por novo caminho, desta feita, propondo a ação a que foi atribuído o n.º 1314/24.0T8TVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, onde chegou a acordo com o aí Réu.
Obteve, dessa forma, a respetiva sentença homologatória que vem agora dar como “título exequível”, à revelia de qualquer interessado e sem qualquer oposição.
d) A reclamante, não obstante a referência legal feita na sentença proferida no Apenso B, ao artigo 792.º do Código de Processo Civil, prosseguiu com a propositura de nova reclamação de créditos, “onde chegou a acordo com o aí Réu, assim obtendo a respetiva sentença homologatória que vem agora dar como ‘título exequível’, olvidando o disposto na referida norma.”
e) “Veja-se ainda que, no Apenso B foi pela mesma Reclamante invocado que “Como contrapartida da atividade prestada, a ora reclamante acordou ser paga mensalmente uma quantia variável”. Já no Processo n.º 1314/24.0T8TVD faz constar do acordo firmado que “A Autora era paga até ao final de cada mês, como contrapartida da atividade prestada, a quantia certa de € 3.000,00 (três mil euros)”.
f) É, pois, evidente a contradição das alegações num e noutro processo apenas com o fito de obter um “crédito laboral” em valor aproximado ao valor de venda do bem penhorado nesta execução assim despindo a Exequente da possibilidade de ver o seu crédito satisfeito.
g) “Resulta, deste modo, claro que, com a propositura da referida ação n.º 1314/24.0T8TVD, pretendeu a ora Reclamante obter o ‘título exequível’ de que não dispunha, à revelia de qualquer interessado e sem qualquer oposição. E, nessa sequência, vem insistir pelo reconhecimento do alegado crédito, sem observância de qualquer prazo.
h) “Denota-se ainda a sequência de requerimentos que a mesma Reclamante vem sucessivamente a apresentar na execução da qual a presente execução constitui apenso (ora na qualidade de mandatária ora, na qualidade de credora reclamante) e que já deu, inclusivamente, origem à sua condenação em multa nos termos do disposto no artigo 723.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
i) Tem feito, pois, um uso manifestamente reprovável dos meios processuais para vista a obter um objetivo ilegal ou, pelo menos, com o fito de entorpecer a acção da justiça. Verifica-se, deste modo, que estão reunidos os pressupostos da litigância de má-fé e para a sua condenação em multa, nos termos do artigo 542.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Civil. Tal multa é fixada dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, entre 2 UC e 100 UC. Considerando tal moldura e ponderando os elementos referidos no artigo 27.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, como seja a gravidade do desvalor da conduta da Reclamante (reflectida, mormente, no valor do crédito reclamado), num juízo de proporcionalidade, entende-se adequado fixar a multa em 10 (dez) UCs.
HH. Não tem razão, também aqui, como em tudo o resto, como se demonstrará, o senhor Juiz a quo.
II. Tendo em conta a factualidade dada como provada, desde logo a existência de contrato de trabalho e os respetivos créditos, decorrente dos pontos 3 e 4 da referida factualidade, resulta inequívoco que a ora Apelante tem legitimidade e fundamento legal para reclamar os seus créditos, só por isso nunca poderia estar de má fé.
JJ. Nos termos da lei, o documento dado à execução constitui título executivo e o seu crédito é privilegiado.
KK. A Apelante, entre outras razões incompreensíveis, é condenada como litigante de má fé por não ter prosseguido com o anexo B como o Sr. Juiz “terá sugerido”, nos termos do disposto no artigo 792.º do CPC “não obstante a referência legal feita na sentença proferida no Apenso B”.
LL. O artigo 792.º do CPC estabelece no seu n.º 1 que “1 - O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta.”
MM. Ou seja, o credor pode, não é obrigado.
NN. Sucede que o comprador a quem havia sido adjudicado o imóvel desistiu da compra, pelo que, na ótica da agora recorrente, e da avaliação que fez na altura, não havia interesse no prosseguimento da reclamação de créditos, tendo a sentença transitado em julgado.
OO. Uma vez que a metade indivisa da moradia foi novamente a leilão, naturalmente que a ora recorrente entendeu que deveria novamente, porque estava em prazo, reclamar os seus créditos laborais.
PP. A Apelante, conforme já acima mencionado, optou por outra via, à qual também podia recorrer, legítima – o Tribunal do Trabalho (territorial e materialmente competente) e que entendeu ser mais eficaz, atentos os prazos em curso e não pretendendo correr o risco de perder a oportunidade de reclamar o seu crédito atempadamente.
QQ. O Sr. Juiz defende o que nem a “(…)” defende, que tudo se tratou de uma forma de afastar a exequente do processo de formação do título executivo. Com todo o respeito, que é muito, só quem desconhece as regras da legitimidade substantiva e processual e os meios processuais ao dispor das partes ou interessados quando consideram que alguma ação judicial pendente ou já finda os prejudica é que pode dizer isso.
RR. A exequente sabia que tinham sido reclamados créditos laborais, sabia que a reclamação tinha sido considerada improcedente por falta de título executivo, sabia a identificação completa da reclamante e do reclamado, as respetivas moradas, sabe, porque representada por advogados, quais os tribunais materialmente e territorialmente competentes para se verem reconhecidos contratos de trabalho e obter condenações em pagamento e, consequentemente, títulos executivos. Se não estiveram atentos foi porque não quiseram, não estiveram para isso, mas deveriam contar que nova reclamação seria feita.
SS. Não tem o Mm.º Juiz a quo qualquer razão, o que resultou inequívoco com a sua ação é que, num processo de partes, protegeu a incompetência e inação da exequente que, neste momento, se quiser, ainda pode reagir. Só não venham é agora pedir à Apelante que lhes ensine como.
TT. Vem ainda o Sr. Juiz a quo dizer que a primeira reclamação de créditos tem divergências da primeira e, logo por isso, pois claro, a ora recorrente é litigante de má fé, pois o que queria era um valor semelhante ao da quantia exequenda e organizou o seu processo nesse sentido. O Sr. Juiz não reparou no seguinte:
-A primeira reclamação de créditos, que teve por base um documento particular assinado entre as partes era no valor de € 173,045,00;
-A segunda reclamação de réditos intentada pela aqui recorrente foi no valor de € 145.000,00, ou seja, menos € 28.045,00;
-O valor de venda ½ da moradia veio a ser fixado em € 176.410,00 correspondente à proposta mais alta apresentada.
-Ora, a ser verdade a efabulação do Sr. Juiz, porque motivo a ora recorrente abdicaria de € 28.045,00, bastando-lhe manter o valor inicialmente peticionado, muito mais próximo do valor de venda.
-Não o fez porque o seu crédito, no momento em que intentou a 2ª reclamação era de € 145.000,00 e não outro.
-Sucede que as partes lograram alcançar acordo e a aqui recorrente recebeu um valor por conta da dívida, pelo que o valor da dívida diminuiu, tendo, em consequência disso, passado a reclamar um valor menor no processo de reclamação de créditos.
UU. Ora, tendo a recorrente reclamado, da 2ª vez, menos € 28.045,00, não se compreende como se pode alegar que está de má fé por pretender apresentar um valor o mais próximo possível do valor de venda do imóvel, quando o primeiro valor reclamado, esse sim, era efetivamente mais próximo.
VV. Diz ainda o Sr. Juiz que a aqui recorrente pretendeu entorpecer a ação da justiça apresentando múltiplos requerimentos, ora como parte ora como mandatária no processo principal. Tal é completamente falso. A aqui recorrente não representa ninguém no processo principal nem tem apresentado múltiplos requerimentos.
WW. Em suma, a aqui Apelante usou dos meios processuais adequados e ao seu dispor e escolhidos por si, enquanto credora e enquanto advogada em causa própria, fazendo uso dos seus conhecimentos jurídicos, ´com mestrado em Direito do Trabalho (Mestrado Científico, pré-Bolonha, orientada pelo Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier) com lisura, seriedade e honestidade, defendendo o que entende serem os seus legítimos direitos.
XX. A Apelante sempre trabalhou, muito, quer como advogada, quer em outras atividades e considera ofensiva e até leviana a decisão de que se recorre, na medida em que os trabalhadores merecem respeito, que se analisem os factos e documentos e não que sejam tomadas decisões surpresa com base em desconfianças infundadas e ainda a condena como litigante de má fé numa multa de € 2.040,00, que é como quem diz e passa a mensagem “pensem duas vezes antes de virem defender os vossos direitos”, pode custar caro.
YY. Não obstante ter discorrido amplamente sobre as opções processuais da recorrente, nunca o Juiz a quo identifica um único comportamento concreto que seja doloso ou gravemente negligente ou ilegal que justifique a condenação da ora recorrente como litigante de má fé e muito menos naquele valor completamente injustificado.
ZZ. Interpretando de forma errada o disposto no artigo 27.º do Código das Custas Judiciais, pois é evidente que a conduta da Apelante, para além de enquadrada na lei e destinada a defender os seus legítimos interesses, não teve qualquer repercussão no andamento da causa, tanto que a metade indivisa já foi vendida, pelo que, por maioria de razão, não influiu na “correta decisão da causa” nem cuidou o Meritíssimo Juiz de saber, como manda o dispositivo legal, a situação económica da Apelante e a repercussão da condenação no património desta. O que o Juiz teve em conta na fixação da multa foi algo que não está sequer mencionado na norma “a gravidade do desvalor da conduta da Reclamante (refletida, mormente, no valor do crédito reclamado), num juízo de proporcionalidade (…)”
AAA. Tudo o que a Apelante fez e fará é legítimo, permitido por lei e apropriado, devendo, por isso, ser revogada a decisão de condenação como litigante de má fé, assim como deve ser revogada a decisão que não reconheceu o seu crédito laboral, devendo ser substituída por outra que dê provimento à pretensão da Apelante.
BBB. Decidindo como decidiu, o Tribunal recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 788.º, n.º 3, n.º 1 do artigo 792.º, 791.º, n.º 2, 542.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC e artigos 88.º e 337.º, n.º 1, do Código do Processo de Trabalho, o artigo 27.º do Código das Custas Judiciais e, por último, o disposto no artigo 59.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que a reclamação de créditos não é sustentada por título exequível que reconheça a relação laboral e os créditos reclamados, além de ser extemporânea por falta de observância do regime inserto no artigo 792.º/ 1 e 5, do CPC, mais sustentando encontrarem-se afirmados os pressupostos da litigância de má-fé.
Cumpre conhecer das seguintes questões:
i) da regularidade da reclamação do crédito;
ii) da litigância de má-fé.
III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A presente execução foi proposta com vista à satisfação de crédito garantido por hipotecas sobre o imóvel sito na Quinta da (…), freguesia e concelho de Albufeira, descrito na CRP de Albufeira sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), registadas pelas Ap. (…), de (…) e Ap. (…), de (…), conforme requerimento executivo e respetiva informação predial.
2. Nos autos de execução de que estes constituem um apenso, foi penhorado 1/2 (metade) do prédio urbano, denominado por Parcela 5 - lote 11, sito em Quinta da (…), Albufeira, freguesia de (…) e concelho de Albufeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…).
3. No âmbito do processo laboral que correu seus termos sob o Processo n.º 1314/24.0T8TVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte Juízo do Trabalho de Torres Vedras, foi realizado acordo entre as partes nos seguintes termos (conforme documento junto com o requerimento de reclamação de créditos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): 1- O réu reconhece a existência de contrato de trabalho celebrado com a Autora com efeitos reportados a 01-11-2017, tendo o referido contrato obedecido às seguintes características: a) A atividade era realizada em local determinado pela empregadora, a saber, no prédio urbano denominado parcela 5 – lote 11, situado em Quinta da (…), uma moradia com a área total de 548,8 m2, edifício de 2 pisos e logradouro com piscina, habitação, Tipo T-3, inscrito na matriz com o n.º (…) e registado na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, freguesia de (…), com o n.º (…); b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertenciam à beneficiária da atividade; c) A A. acordou com (…) um contrato de trabalho a tempo parcial, com uma carga horária semanal de 16 horas e o seguinte horário de trabalho: às Sextas-feiras, entre as 14h00 e 18h00; aos Sábados e Domingos, das 09h00 às 13h00 e das 14h às 18h00; às Segundas-feiras, das 09h00 às 13h00; d) A A. era paga até ao final de cada mês, como contrapartida da atividade prestada, a quantia certa de € 3.000,00 (três mil euros);
e) A A. foi contratada para dirigir e coordenar, nos limites dos poderes em que estava investida, todas as atividades inerentes ao prédio supra identificado em a);
f) De entre as funções contratadas, tinha de aconselhar a empregadora em todos os assuntos referentes à moradia, controlar o pagamento das contas de eletricidade, gás e outros, tratar do pagamento de impostos, exercer a verificação dos custos com o jardim, piscina, trabalhos de limpeza das zonas exteriores e interiores, contratar e dispensar os prestadores desses e outros serviços, tratava diretamente com a arrendatária todos os assuntos relacionados com o imóvel, sendo responsável pela supervisão e coordenação de todo o equipamento e instalações da moradia, sua manutenção e reparação, supervisionando e coordenando o pessoal adstrito aos serviços técnicos, prestando toda a assistência necessária, bem como programar os trabalhos de manutenção e reparação, tanto internos como externos, com indicações precisas sobre o estado de conservação e utilização do equipamento e instalações;
g) À Autora também foi garantido pela empregadora alojamento na moradia, ou em instalações similares quando ocupada, sendo que em caso algum pode o valor do alojamento ser deduzido na parte pecuniária da remuneração, nem poderá a fruição ser retirada ou agravada na vigência da relação laboral”.
2- O réu reconhece serem nesta data devidos os créditos salariais descritos e peticionados no artigo 29º da P.I..
3- A autora reduz o pedido relativo a tais créditos para a quantia global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) de que o réu se declara devedor.
4- Mais acordam as partes que o pagamento de tal montante se processe nos seguintes termos: € 5.000,00 (cinco mil euros) já pagos na presente data, sendo os restantes € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros) a pagar em 30 dias, mediante transferência bancária para a conta da autora a que corresponde o seguinte IBAN: (…).
5- Com o pagamento integral da referida quantia a autora declara nada mais ter a receber do réu em virtude da execução ou cessação do contrato de trabalho.
6- Mais acordam as partes prescindirem do prazo do recurso.
7- As custas devidas a juízo são suportadas em exclusivo pela autora.”
4. Sobre tal acordo, foi proferida a seguinte sentença, em 11 de julho de 2024:
“A Autora (…) e o Réu (…) vieram formular transação sobre o objeto do processo, nos termos do acordo que antecede.
As partes podem transigir sobre o objeto da causa em qualquer estado da instância desde que a transação não verse sobre direitos indisponíveis das partes – artigos 283.º, n.º 2 e 290.º, n.º 4 e 289.º, n.º 1, todos do C.P.C., ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do C.P.T..
No caso em apreço, uma vez que o contrato cessou, não estamos perante direitos indisponíveis das partes pelo que o resultado da conciliação é legal quanto ao seu objeto.
Por outro lado, a transação é também válida face à capacidade dos seus intervenientes pois que foi declarada pessoalmente pelas próprias partes.
Por conseguinte a transação produz efeitos nos seus precisos termos, não carecendo de homologação pelo tribunal – artigo 52.º, n.º 1, do C.P.T..
Custas conforme acordado.
Fixo o valor da causa em € 163.999,00 (cento e sessenta e três mil e novecentos e noventa e nove euros).
Declaro extinta a instância – artigo 277.º, alínea d), do C.P.C., ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do C.P.T..
Notifique”.
5. Nesse processo foram partes, como Autora: (…) e como Réu: (…).
Mais resulta que:
6. Em 31.10.2023, a ora Reclamante apresentou reclamação de créditos conforme requerimento inicial do Apenso B cujo teor se dá por reproduzido, invocando, entre o mais, que:
“4. A atividade e o contrato de trabalho acordado tem as seguintes características:
(…)
c) A ora reclamante acordou com (…) um contrato de trabalho a tempo parcial, com o seguinte horário de trabalho determinado pelo beneficiário da mesma: entre as 14h00 e 18h00 às Sextas-feiras; das 09h00 às 13h00 e das 14h às 18h00 aos Sábados e Domingos; e das 09h00 às 13h00 às Segundas-feiras, tudo sem prejuízo de prestação do trabalho em dias e horas diferentes, sempre que tal se revelasse necessário e desde que compatível com a atividade de advogada da ora reclamante;
d) Como contrapartida da atividade prestada, a ora reclamante acordou ser paga mensalmente uma quantia variável, e que tinha em consideração a experiência de mais de 5 (cinco) anos da ora reclamante no sector, as suas habilitações literárias, incluindo as línguas estrangeiras capaz de falar, assim como de despesas de deslocação, alimentação e alojamento;
(…)”.
7. Foi aí junto um Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho datado de 06.09.2023, celebrado entre a ora Reclamante e o “Empregador” (…).
8. Nesse apenso foi proferida sentença transitada em julgado, que julgou a reclamação de créditos apresentada pela Reclamante (…) improcedente por inexistência de título executivo.
B – As questões do Recurso
i) Da regularidade da reclamação do crédito
Nos termos do disposto no artigo 788.º/1, do CPC, só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos. Segue o n.º 2, estatuindo que a reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante.
Decorre de tal regime legal que «aquele que tenha sido citado na qualidade de credor com garantia real sobre os bens penhorados numa execução deve reclamar o seu crédito, no prazo de 15 dias, a contar da citação (…). A falta de reclamação do crédito não tem efeitos preclusivos quanto ao crédito em si, mas o credor que deixe de reclamar fica privado de, no âmbito da execução, ser pago nos termos do n.º 3 do artigo 824.º do CC, isto é, de ver o seu crédito satisfeito à custa da venda do bem sobre o qual tinha garantia real. Dito de outro modo, o credor não reclamante, além de não ser pago na própria execução, torna-se credor comum, por força da caducidade da garantia a que conduz a venda executiva (artigo 824.º, n.º 2, do CC).»[1]
Só são citados os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático das execuções (artigo 786.º/1, alínea b), do CPC), assim como a Fazenda Nacional e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (artigo 786.º/2, do CPC).
Na medida em que poderão existir credores com garantia real que, por serem desconhecidos (deixou de ter lugar a citação dos credores desconhecidos por via edital), não tenham sido citados, o n.º 3 do artigo 788.º do CPC prevê o seguinte: os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados.
Resulta, assim, acautelada a situação dos credores que não tenham sido chamados à execução, dispondo da possibilidade de reclamar espontaneamente os créditos que gozem de garantia real e que tenham por base um título exequível, o que podem fazer até à transmissão dos bens penhorados sobre os quais incida a garantia.
Caso o credor não esteja munido de título exequível, o regime consagrado no artigo 792.º do CPC permite-lhe «assegurar o diferimento da graduação de créditos, no pressuposto de que será diligente na obtenção do título.»[2] Configura um expediente processual autónomo, cujo impulso depende especificamente do próprio interessado, uma solução complementar destinada a acomodar as hipóteses em que um credor, sendo titular de um crédito dotado de garantia real sobre bens penhorados numa execução alheia, não disponha ainda de um título executivo, em ordem a que possa, mesmo assim, aí exercer o direito à satisfação do seu crédito: permite-lhe a obtenção do que se vem designando por um título executivo impróprio.[3] A não se viabilizar a constituição de tal título, a ação judicial que corra termos com vista a alcança-lo há de correr termos contra o exequente e credores interessados, e de forma célere, de modo a obviar a caducidade do requerimento formulado.
O preceito, sob a epígrafe Direito do credor que tiver ação pendente ou a propor contra o executado, determina que: 1 - O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta. 2 - Recebido o requerimento referido no número anterior, a secretaria notifica o executado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a existência do crédito invocado. 3 - Se o executado reconhecer a existência do crédito, considera-se formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos do requerimento do credor, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e restantes credores; o mesmo sucede quando o executado nada diga e não esteja pendente ação declarativa para a respetiva apreciação. 4 - Quando o executado negue a existência do crédito, o credor obtém na ação própria sentença exequível, reclamando seguidamente o crédito na execução. 5 - O exequente e os credores interessados são réus na ação, provocando o requerente a sua intervenção principal, nos termos dos artigos 316.º e seguintes, quando a ação esteja pendente à data do requerimento. 6 - O requerimento não obsta à venda ou adjudicação dos bens, nem à verificação dos créditos reclamados, mas o requerente é admitido a exercer no processo os mesmos direitos que competem ao credor cuja reclamação tenha sido admitida. 7 - Os efeitos do requerimento caducam se: a) Dentro de 20 dias a contar da notificação de que o executado negou a existência do crédito, não for apresentada certidão comprovativa da pendência da ação; b) O exequente provar que não se observou o disposto no n.º 5, que a ação foi julgada improcedente ou que esteve parada durante 30 dias, por negligência do autor, depois do requerimento a que este artigo se refere; c) Dentro de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, dela não for apresentada certidão.
No caso em apreço, a Reclamante, que não tinha sido citada para o concurso de credores, apresentou-se a reclamar o crédito. Não dispunha, porém, de título exequível.
Perante a decisão que não acolheu a sua pretensão, encetou ação no Tribunal do Trabalho com vista a obter o título exequível.
Mas não lançou mão do expediente consagrado no artigo 792.º do CPC. Não exerceu o direito ali consagrado para ver reconhecido e graduado o crédito com garantia real. Não requereu a sustação da graduação, não despoletou a formação do denominado título executivo judicial impróprio, nem conduziu à ação, na qualidade de réus, o exequente e credores interessados.
Atuou indevidamente, reclamando um crédito não dispondo de título bastante para o efeito.
Não observou o regime legal previsto para os casos em que os credores, conhecedores que são do processo executivo e nele querem reclamar créditos, não dispõem de título exequível.
Logo, não é admitida a reclamar, de novo, o crédito.
Termos em que se conclui não merecer censura, neste segmento, a decisão recorrida.
ii) Da litigância de má-fé
Nos termos do n.º 1 do artigo 542.º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir. Em face do disposto no n.º 2 do citado preceito, a litigância de má-fé, desde que revestida de dolo ou negligência grave, pode ser considerada sob dois aspectos:
- a má-fé material, que abrange os casos de dedução de pretensão ou de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa;
- a má-fé instrumental, relativa à omissão grave do dever de cooperação, ao uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, para entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Como ensina Abrantes Geraldes[4], as partes devem estar cientes de que, no âmbito da resolução de conflitos de direito privado, devem pautar-se pelas regras da cooperação intersubjetiva, pela lealdade e pela boa-fé processual. A lei, porém, não pede a nenhuma das partes que se entregue, sem luta. Por isso, a todas é garantida a possibilidade de fazerem vingar as respetivas posições, desde que estejam convencidas da sua legitimidade, mesmo que assentem em normas jurídicas objetivamente injustas, ou desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais. Comportamentos dolosos ou gravemente culposos, materializados na dedução de pretensões ou de oposições manifestamente infundadas, assentes na alteração censurável da verdade dos factos, corporizados na grave violação do dever de cooperação ou, por fim, exteriorizados através do uso ilegítimo de instrumentos do direito adjetivo, com vista à obtenção de objetivos ilegais, à ocultação da verdade ou ao entorpecimento ou retardamento da atividade dos tribunais, são considerados ilícitos e, por isso, merecedores de sanções de natureza cível, independentemente do resultado final da ação ou da execução.
Ora, o citado artigo 542.º do CPC, ao referir o dolo ou negligência grave como tipificadores da litigância de má-fé, “passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má-fé, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.”[5] Assim, pode dizer-se que “a má-fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma atuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do ato; tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do ato, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o ato que se tem como potencialmente lesante.”[6]
No caso sub judice, a condenação por litigância de má-fé contende quer com a vertente material quer com a vertente instrumental do instituto. Como se alcança da decisão recorrida, a litigância de má-fé foi decretada com fundamento em contradições das alegações no processo laboral e na reclamação de créditos anteriormente deduzida, apenas com o fito de obter um “crédito laboral” em valor aproximado ao valor de venda do bem penhorado nesta execução, em prejuízo da Exequente, e, bem assim, na circunstância de ter instaurado a ação laboral para obter o “título exequível” de que não dispunha, à revelia de qualquer interessado e sem qualquer oposição, insistindo agora pelo reconhecimento do alegado crédito, sem observância de qualquer prazo.
Afigura-se, no entanto, que inexistirem elementos bastantes para caraterizar a conduta da Reclamante como dolosa ou gravemente negligente. Antes se constata uma atuação processual indevida, em desacordo ao regime legal, que inviabiliza alcance sucesso a sua pretensão.
Não se vislumbra pois fundamento que sustenta a condenação por litigância de má fé.
Procedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso apenas no que respeita à condenação por litigância de má-fé.
As custas recaem sobre a Recorrente, uma vez que a matéria atinente à litigância de má-fé não implicou no pagamento de taxa de justiça acrescida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Sumário: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência parcial do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida relativamente à condenação por litigância de má-fé, confirmando-se o mais decidido em 1ª Instância.
Custas pela Recorrente.
Évora, 18 de setembro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Vítor Sequinho dos Santos
José Manuel Tomé de Carvalho
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[1] Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. II, pág. 192.
[2] Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., pág. 203.
[3] Cfr. Ac. TRP de 09/04/2024 (Rui Moreira).
[4] E seguindo de perto o que deixa exposto in Temas Judiciários, I vol., pág. 303 e ss.
[5] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, Coimbra, 2001, pág. 195.
[6] Ac. STJ de 06/01/2000 (Lúcio Teixeira).