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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FALECIMENTO DE PARTE
IMPULSO PROCESSUAL
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
1. O regime jurídico aplicável à suspensão da instância por falecimento da parte dispensa a advertência prévia das consequências da inércia à parte onerada com o impulso processual quando esta se encontra patrocinada por mandatário. 2. Enquanto não for proferido despacho a julgar deserta a instância as partes podem dar impulso ao processo, mesmo que tenha estado parado durante mais de seis meses, o que impede a deserção. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 2812/23.8T8PTM.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Faro
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SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
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Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO 1.1. (…) e (…) vieram instaurar acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra … e marido … (1.º RR), … (2.ª R), … (3.º R), … e marido … (4.º RR), … (5.ª R), (…) – Sociedade Unipessoal, Lda. (6.ª R) e … e mulher … (7.º RR) pedindoque se reconheça aos Autores o direito a preferirem na aquisição do prédio rústico que identificam e, em consequência: . declarar-se nulo o negócio realizado entre os 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º RR. substituindo-se os AA. à 6.ª R. no Contrato de Compra e Venda autenticado aos 23 dias de Dezembro de 2021, na parte correspondente ao prédio em causa; . declarar-se nulo o negócio realizado entre a 6.ª R. os 7.ºs RR., por nenhum efeito jurídico poder produzir; . condenar-se os 7.ºs Réus a entregar aos Autores o prédio livre e desocupado; . determinar-se a entrega à 6.ª Ré (…) – Sociedade Unipessoal, Lda. compradora, o valor depositado pelos Autores, no montante de € 1.000,00 (mil euros); . determinar-se o cancelamento das inscrições prediais Ap. (…), de 2022/01/05 e Ap. (…), de 2023/03/15 a favor da 6.ª Ré e dos 7º e 8.º Réus; . determinar-se o cancelamento de quaisquer inscrições prediais que venham a realizar-se na pendência da acção; . ordenar-se o correspondente registo de aquisição a favor dos autores». 1.2. Os RR. contestaram, foi proferido despacho a alterar o valor da causa e, depois de agendada data para a realização da audiência prévia, foi a mesma dadasem efeito por falecimento de um dos réus, tendo sido proferido despacho a declarar a instância suspensa. 1.3. Em 26/03/2025 foi proferida decisão que decidiu «que foi por inércia dos proponentes que os presentes autos ficaram, por lapso de tempo superior a seis meses, a aguardar pelo seu impulso, cumprindo, consequentemente, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, declarar a instância extinta». 1.4. Inconformados com a decisão proferida, os AA.interpuseram o presente recurso de apelação, pedindoque fosse provido e se revogasse a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos. Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):
«A) Vem os Recorrentes interpor a presente Apelação do Douto Despacho / Sentença proferido nos autos em 26.03.2025, com a Ref.ª Citius 135704668, que declarou a instância extinta deserta nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e com a qual não se conformam.
B) Em 03.07.2024 a Ré (…) comunicou aos autos o falecimento do Réu, seu marido, (…), dizendo expressamente no seu requerimento: “(…) vem mui respeitosamente, comunicar a V. Exa. o falecimento do Réu (…), ocorrido no dia 2 de Maio de 2024, conforme assento de óbito que se junta, dando entrada em juízo, do competente Incidente de Habilitação de Herdeiros, de imediato.”
C) Face ao que foi proferido despacho a suspender a instância nos termos do n.º 1 do artigo 270.º do Código de processo Civil,
D) Em 27.01.2025, o Tribunal a quo notificou os Recorrentes para justificarem a razão pela qual não promoveram o regular andamento dos presentes autos.
E) Responderam os recorrentes em 10.02.2025 expondo as suas razões de facto e de direito, requerendo que tais razões fossem atendidas, requerimento com a referência Citius 51319597, cujo teor aqui dão por reproduzido.
F) Tendo alegado, em síntese, estarem convictos que, com o requerimento da Ré, face ao teor do mesmo, estava aquela, voluntariamente a promover o competente incidente de habilitação de herdeiros.
G) Tendo ainda, requerido que se notificasse a Ré para vir aos autos fornecer os elementos necessários para o respectivo incidente, atento o facto de os Recorrentes não possuírem tais elementos e se terem deparado com enormes dificuldades para a sua obtenção.
H) Não obstante, o Tribunal a quo proferiu a decisão declarando deserta a instância com a consequente extinção da mesma.
I) Justificando para o efeito que o requerimento apresentado pela viúva do falecido não tinha qualquer préstimo ou aptidão para dar início a tal incidente, desde logo, porque não consubstancia o requerimento inicial de cuja apresentação depende a própria dedução do incidente em causa.
J) Sucede que, da bondade, préstimo ou aptidão processual do requerimento apresentado pela Ré (…), nunca o Tribunal a quo se pronunciou, quando, face ao seu teor e ao abrigo dos princípios da cooperação e da gestão processual, o deveria ter feito oportunamente antes de decorrido o prazo da suspensão.
K) Acresce que, ainda ao abrigo do princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do CPC, os Recorrentes deveriam ter sido previamente notificados pelo Tribunal “a quo” advertindo para a falta de impulso processual e suas consequências, principalmente atento o teor do requerimento da Ré susceptível de induzir em erro.
L) Os Ilustres Profs. Lebre de Freitas e Paulo Ramos de Faria entendem que a advertência à parte, da possibilidade da ocorrência da deserção da instância, deve ser feita e que a sua omissão consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por omissão de um acto que devia ser praticado.
M) Nesse sentido se pronunciaram já inúmeros acórdãos das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, indicando-se, a título de exemplo: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-12-2019, Proc. n.º 21927/15.0T8PRT.P1, relator Carlos Querido; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-12-2017, Proc. n.º 3401/12.8TBGMR.G2, relator José Cravo; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2019, Proc. 2165/17.3T8CSC.L1.L1-2, relator Pedro Martins; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-01-2023, Proc. nº 13761/18.1T8LSB.L2-2, Relator Carlos Castelo Branco; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.06 2019, Processo 6241/17, relator João Miguel Mourão Vaz Gomes; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2018, Processo n.º 3368/06.1TVLSB.L1.S1, relator Henrique Araújo e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.09.2021, Processo n.º 2246/12.0BELRS, relator Susana Barreto.
N) A advertência a ser feita pelo Tribunal a quo justificava-se ainda pelo facto de os Recorrentes terem demonstrado, pelo seu anterior comportamento processual, que estavam interessados na continuação do processo.
O) E pelo facto de o Tribunal a quo não ter feito qualquer alusão ao artigo 281.º no despacho que decretou a suspensão da instância.
P) Sendo certo que o Tribunal “a quo” deveria ter informado expressamente os Recorrentes da cominação prevista para a ausência de impulso processual.
Q) Verificando-se, assim, a nulidade do Despacho recorrido, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por omissão de um ato que devia ter sido praticado pelo Tribunal, omissão que veio a ser determinante para uma a errada conclusão e consequente erro de julgamento, influindo no exame e na decisão da causa.
R) Acresce que o despacho recorrido é igualmente nulo por violação dos princípios da gestão processual e da cooperação, consagrados nos artigos 6.º e 7.º do CPC.
S) Por outro lado, tendo os Recorrentes promovido o andamento do processo, antes de declarada a deserção da instância com fundamento na falta do impulso processual, o Tribunal a quo deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos,
T) Posto que, como refere o Ilustre prof. Alberto dos Reis “A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo” – Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 444.
U) Entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência, tendo-se decidido nesse sentido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, em 16.01.2020, Processo nº 3395/12.0TBLLE.E1, relator Paulo Amaral; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em 08-03-2022, Processo n.º 11/19.2T8ALD.C1, relatora Maria Catarina Gonçalves; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em 27-06-2023, Processo n.º 34/19.1T8CBR.C1, relator Fonte Ramos; acórdão da Relação de Guimarães de 30.4.2015, Processo 230/11.0TBBRG.G1; acórdão da Relação do Porto de 28.10.2021, Processo 17373/19.4T8PRT.P1; acórdão da Relação de Coimbra de 16.3.2016, Processo 131/04.8TBCNT.C2; acórdão da Relação de Coimbra de 17.5.2016, Processo 2/14.0TBVIS.C1; acórdão da Relação de Coimbra de 22.6.2021, Processo 1170/13.3TBPBL.C1; acórdão da Relação de Coimbra de 22.6.2021, Processo 1170/13.3TBPBL.C1; acórdão da Relação de Coimbra de 25-10-2024, Processo 735/16.6T8CVL.C3; acórdão da Relação de Coimbra de 02.05.2023, Processo 2239/18.T8CBR-C.C1; acórdão da Relação de Lisboa de 07.5.2020, Processo 3820/17.3T8SNT.L1-6; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.11.2019, Proc. n.º 318/05.6TBLLE.E1, todos publicados no “site” da dgsi.
W) Destarte, com a emanação do despacho recorrido, o Tribunal a quo praticou um acto contrário ao direito e ferido de nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC.
X) Por todas as razões expostas, impõe-se concluir in caso, que a declaração de extinção da instância por deserção é uma consequência desproporcional face à gravidade e relevância da falta, não se coadunando com um processo equitativo e justo.
Y) Com tal declaração, vê-se, assim, premiada a parte que se apresentou a praticar o acto de promover o incidente de habilitação de herdeiros por forma a induzir em erro.
Z) Pelo que, a decisão recorrida é manifestamente contrária aos princípios do direito e apresenta vícios geradores de nulidade». 1.5.A 9.ª Ré (…) contra-alegou, pugnando pelo não provimento da apelação e pela consequente confirmação da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
«1. O douto Tribunal a quo proferiu a douta sentença, concluindo que foi por inércia dos proponentes, ora recorrentes, que os presentes autos ficaram, por lapso de tempo superior a 6 meses, a aguardar pelo seu impulso e, em consequência, foi declarada a instância extinta, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
2. O prazo de dejeção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo, este, que não se suspende durante as férias judiciais, de harmonia com o artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
3. Este prazo conta-se a partir do dia em que a parte tomou conhecimento do Estado do processo ou estava obrigada a dele conhecer, bastante para deparar a referida extinção que a parte não tenha, por negligência sua, dentro do referido prazo de seis meses, praticado um acto necessário ao normal andamento da instância.
4. Os recorrentes (…) e (…) vieram defender que era da responsabilidade da Ré suscitar o incidente de habilitação de herdeiros, do co-Réu, (…), seu marido desvivo, mas não têm razão.
5. Embora decorra do disposto no artigo 351.º, n.º 1, do CPC, que a habilitação pode ser promovida, tanto por qualquer das partes que sobreviverem, como por qualquer dos sucessores, é sobre quem reclama a tutela jurisdicional de um direito que recai o ónus de a requerer, visto que, enquanto a habilitação não for decretada, a acção não prosseguirá.
6. De facto, os Autores, ora recorrentes, nada realizaram no processo, que tivesse a virtude de afastar ou interromper a suspensão da instância e não havia, portanto, qualquer necessidade de nova notificação para expressar aquilo que já estava claro em face do despacho e da lei, em conformidade com o artigo 351.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
7. Constituindo para o réu e para os sucessores do falecido uma faculdade, para o autor trata-se de um ónus, uma vez que, enquanto a habilitação não for decretada, a acção não prossegue, cfr. artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
8. Decorreram mais de seis meses, após ser decretada a suspensão da instância, sem que os Autores nada viessem requerer aos autos ou diligenciado pela cessação da suspensão da instância decorrente do falecimento do réu, não dando qualquer impulso processual.
9. Motivos, pelos quais, nenhum reparo ou simples advertência merece a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu de forma exemplar.
10. Tendo sido, portanto, afastado o mérito de todas as considerações e conclusões, trazidas aos presentes autos por parte dos recorrentes, inexistindo fundamento para proceder o recurso apresentado pelos recorrentes, devendo este ser totalmente improcedente.
11. O que imporá, manter a douta sentença que considerou julgada a deserção desta instância e, em consequência, a extinção da instância, de harmonia com o disposto nos artigos 277.º, alínea c) e 281.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil». 1.6.Os 1.ºs a 5.º RR. contra-alegaram, pugnando pelo não provimento da apelação e pela consequente confirmação da sentença recorrida, tendo apresentando as seguintes conclusões:
«1. O douto Tribunal a quo proferiu sentença determinando a extinção da instância por deserção nos termos do artigo 281º, n.º 1, do Código de Processo Civil, considerando que os autos aguardaram mais de 6 (seis) meses sem qualquer impulso processual.
2. O instituto da deserção da instância assenta no desinteresse da parte que tem o ónus de prosseguir os ulteriores termos do processo, penalizando-a pela falta de cooperação sob pena de os autos permanecerem eternamente à espera da prática de actos processuais.
3. Recai exclusivamente sobre as partes o ónus de impulso do processo, não se integrando no âmbito dos poderes e deveres oficiosos do Tribunal, conforme Acórdão de Uniformização da Jurisprudência n.º 2/2025, de 26 de Fevereiro, bem como decorre do artigo 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
4. A deserção da instância exige dois requisitos: o decurso do prazo de 6 (seis) meses sem impulso processual; e a negligência das partes.
Inexistindo outros requisitos legais sem qualquer apoio na Lei, sendo que onde a Lei não distingue, o legislador também não o pode fazer.
5. Inexiste violação dos princípios da gestão processual e da cooperação, bem como inexistente omissão de actos pois a Lei nada prevê, nem erro de julgamento.
6. Os Recorrentes estão representados por mandatário, que foi notificado do despacho de suspensão da instância, tendo conhecimento das consequências e obrigações que decorrem da prolação do despacho de suspensão da instância.
7. O silêncio dos Recorrentes durou mais de 6 (seis) meses sem que tenha sido apresentada qualquer prova das alegadas diligências realizadas, e com argumentos contraditórios e sem sentido como bem realçou a douta decisão.
8. O Tribunal a quo proferiu uma decisão clara e intocável, cumprindo todos os requisitos legais, pelo que o recurso deverá improceder com todas as consequências legais». 1.7 A 7.ª Ré (…) Lda. contra-alegou, pugnando pelo não provimento da apelação e pela consequente confirmação da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
«I. Os Recorrentes interpuseram recurso da sentença que decretou a deserção da instância e consequente extinção da instância, nos termos dos artigos 281.º e 277.º do Código de Processo Civil, porém inexiste qualquer erro no processo de formação da convicção do julgador a quo, estando perante uma decisão proferida que não merece qualquer censura ou reparo.
II. O Tribunal a quo cumpriu o procedimento legalmente previsto, declarando a
suspensão da instância por falecimento de um dos Réus. Posteriormente, o Tribunal a quo solicitou informação aos Autores, podendo estes terem juntado prova das diligências que alegadamente fizeram, porém nada foi apresentado, tendo manifestado uma posição confusa e com argumentos contraditórios.
III. Inexiste qualquer ónus dos Réus de impulsionar o processo, pelo contrário impende sobre os Autores o princípio do dispositivo e do direito de acção, pretendendo ver decidida a questão de direito.
IV. São os Autores as partes interessadas na prossecução dos autos e consequentemente na propositura do incidente de habilitação de herdeiros.
V. Destarte, é claro que a falta de impulso processual por período superior a seis meses foi imputável, a título de negligência, aos Autores.
VI. O dever de gestão processual e princípio da cooperação não têm aplicação no caso concreto visto tratar-se de deveres na direcção efectiva do processo com vista à tomada de decisão, não incumbindo ao Tribunal cumprir o ónus de promoção do andamento do processo que recai sobre as partes.
VII. Os Autores estão representados por mandatário judicial, logo têm conhecimento das consequências jurídicas da suspensão da instância.
VIII. Em suma, jamais poderia ser acolhida a pretensão dos Recorrentes resultando dos factos que a decisão proferida desmerece qualquer censura, pelo que deverá manter- se integralmente a douta e lúcida decisão».
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do NCPC).
Tendo, então, em atenção as conclusões dos Recorrentes são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
- a parte deve ser expressamente advertida para as consequências da falta de impulso processual, ao abrigo do princípio da gestão e cooperação processual (artigos 6.º e 7.º do CPC);
- tendo os AA. apresentado nos autos, antes de ser julgada deserta a instância, requerimento a solicitar a realização de diligências tendentes à identificação dos sucessores do falecido, tal obsta à deserção da instância.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes para a apreciação do recurso são os descritos no relatório que antecede, acrescentando-se ainda que:
1 – A Ré (…), por requerimento de 03.07.2024, comunicou ao Tribunal o falecimento do Réu, seu marido, com o seguinte teor:
“(…), na qualidade de ré nos autos referenciados, vem mui respeitosamente, comunicar a V. Exa. o falecimento do Réu (…), ocorrido no dia 02 de Maio de 2024, conforme assento de óbito que se junta, dando entrada em juízo, do competente Incidente de Habilitação de Herdeiros, de imediato».
2 – Em 03.07.2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Atento o falecimento do R. (…), nos termos do n.º 1 do artigo 270.º do Código de Processo Civil, suspende-se a instância nos presentes autos. Sem efeito a audiência prévia para amanhã designada. DN. Portimão, 3 de Julho de 2024.”
3 – Em 27.01.2025, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Notifique os autores para justificarem a razão pela qual não promoveram o regular andamento dos presentes autos.”
4 – Os Autores Recorrentes responderam à referida notificação por requerimento de 10.02.2025, alegando, em suma, que «nunca poderia declarar-se a deserção da instância atento o referido comportamento processual da Ré (…), a qual, terminou o seu requerimento referindo expressamente que estava a dar entrada em juízo, de imediato, do competente Incidente de Habilitação de Herdeiros, o que compreensivelmente, veio a influenciar o comportamento processual dos Autores», terminando a pedir a notificação da «R. (…), atenta a qualidade de viúva e no âmbito do dever de cooperação processual a que está sujeita ao abrigo dos artigos 7.º, 8.º e 417.º do CPC, para vir aos autos identificar todos os sucessores do mesmo, designadamente os nomes completos, números de contribuinte, moradas e qualidade sucessória, ou juntar a respectiva escritura de habilitação de herdeiros, se a houver, dado que os AA. não possuem elementos para essa mesma identificação e uma vez que está a R. melhor posicionada para o efeito».
5 – A decisão recorrida tem o seguinte teor: «(…) e (…) instauraram os presentes autos de ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…) e marido (…), (…), (…), (…) e marido (…), (…), “(…) – Sociedade Unipessoal, Lda.”, (…) e (…), tendo peticionado que: fosse declarado o direito de preferirem na aquisição do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.º (…); fosse declarado nulo o negócio realizado entre os 1ª, 2º, 3ª, 4º, 5ª e 6º réus, substituindo-se os autores à 6ª ré no contrato de compra e venda que consta de documento autenticado, datado de 23 de Dezembro de 2021, na parte em que tal contrato respeita ao prédio em causa; fosse declarado nulo o negócio celebrado entre a 6ª ré os 7ºs réus, por nenhum efeito jurídico poder produzir; devendo estes ser condenados a entregar aos autores o prédio livre e desocupado; devendo ainda determinar-se a entrega à 6ª ré do valor depositado pelos autores no montante de € 1.000,00 (mil euros) e bem assim o cancelamento das inscrições prediais a que corresponde as apresentações n.º (…), de 2022/01/05 e n.º (…), de 2023/03/15 a favor da 6ª ré e dos 7ªs e 8º réus e de quaisquer inscrições prediais que viessem a realizar-se na pendência da ação, ordenando-se ainda o correspondente registo de aquisição a favor dos autores.
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Uma vez citados todos os réus apresentaram contestação, articulados esse no âmbito dos quais os se defenderam por impugnação e também por exceção. Mais se constatando que os réus (…) e (…), para o caso da ação proceder, deduziram, igualmente, pedido reconvencional contra a co-ré “(…) – Unipessoal Lda.”, pedindo a sua condenação no pagamento do preço que pagaram pela aquisição do prédio rústico supra identificado, com a respetiva atualização monetária, no valor de € 65.000,00, acrescido ainda das despesas feitas com IMT no valor de € 3.250,00, com de IS de € 520,00 e despesas notariais no valor € 581,09.
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Foi julgado inadmissível o pedido reconvencional deduzido pelos 7.ªs réus e alterado o valor da causa.
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Em face do decesso do corréu (…), a instância, por despacho datado de 03.06.2024, suspensa, despacho esse que foi notificado as partes, incluindo aos autores, através de ofício datado de 03.07.2024.
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Notificados os autores para que justificassem a razão pela qual não haviam promovido o regular andamento dos presentes autos, os mesmos vieram afirmar que a sua inação radicava no facto da co-ré (…), ao comunicar o óbito do seu marido, ter igualmente declarado que dava entrada em juízo de imediato, do competente incidente de habilitação de herdeiros, tendo os autores ficado convictos de que com tal requerimento estava a referida ré a promover a instauração de tal incidente. Mais alegaram que ante a não indicação, pela referida ré dos herdeiros do falecido, e da não junção da respectiva escritura de habilitação, diligenciaram no sentido de apurar a identidade dos sucessores do falecido, mas depararam-se com inúmeras dificuldades, tendo verificado que não se encontra registada escritura de habilitação de herdeiros. Ao que acresce o facto de a Autoridade Tributária, no exercício do sigilo fiscal, não facultar os elementos pessoais dos mesmos, pelo que não têm ainda, face às dificuldades, elementos bastantes para juntarem aos autos a identificação dos herdeiros do comparte falecido. Dispõe o artigo 281.º, n.º 1, do Código Processo Civil que: «(…) considera-se deserta a instância quando por negligência das partes o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais se seis mês». O prazo de deserção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo este que não se suspende durante as férias judiciais (artigo 138.º, n.º 1, do Código Processo Civil), pese embora a jurisprudência venha admitindo a suspensão de tal prazo por via da entrada em vigor do regime excecional decretado em contexto pandémico – cfr. Acórdão da Relação de Évora de 25-03-2021, Proc. n.º 114/19.3T8RMR.E1, disponível em www.dgsi.pt. Sendo que o referido prazo se conta a partir do dia em que a parte tomou conhecimento do estado do processo ou estava obrigada a dele conhecer, bastando para declarar a referida extinção que a parte não tenha, por negligência sua, dentro do referido prazo de seis meses, praticado um ato necessário ao normal andamento da instância. Volvendo à situação em apreciação, constata-se que ante falecimento do co-réu (…) foi determinada a suspensão dos presentes autos. Sendo evidente que nenhuma das partes instaurou qualquer incidente de habilitação de herdeiros, não tendo o requerimento que foi apresentado pela viúva do falecido – ou seja, pela co-ré (…) – qualquer préstimo ou aptidão para dar início a tal incidente, desde logo, porque não consubstancia o requerimento inicial de cuja apresentação depende a própria dedução do incidente em causa. Acresce, que nos seis meses subsequentes à notificação do despacho que suspendeu a instância os autores também nada requereram nos autos, nem sequer comprovaram a alegada realização de diligências às quais só agora fazem referência e de forma pouco coerente, já que a justificação que apresentam é algo contraditória ou ilógica: pois se estavam convictos de que uma das partes sobrevivas já tinha deduzido o incidente de habilitação porque motivo iriam os próprios autor fazer diligências para o mesmíssimo efeito? Ou seja, a justificação ora apresentada não é atendível porque não é lógica e também não se afigura, em face da sua própria incoerência, igualmente verdadeira. Pelo que se impõe concluir que foi por inércia dos proponentes que os presentes autos ficaram, por lapso de tempo superior a seis meses, a aguardar pelo seu impulso, cumprindo, consequentemente, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, declarar a instância extinta».
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Se a parte deve ser expressamente advertida para as consequências da falta de impulso processual
Insurgem-se os recorrentes contra a decisão que declarou deserta a instância, por falta de impulso processual por mais de seis meses, considerando que a mesma é nula por violar o princípio da cooperação e da gestão processual (artigos 6.º e 7.º do CPC), impondo-se que o tribunal a quo os tivesse advertido para as consequências da falta de impulso processual, principalmente atento o requerimento da ré.
Vejamos.
Lê-se no artigo 281.º, n.º 1, do CPC que «considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Lê-se, ainda, no n.º 3 do mesmo artigo que «tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Por fim, lê-se no n.º 4 do citado artigo que «a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator», não operando de forma automática, carecendo de despacho para o efeito.
Do regime legal acima exposto resulta que a deserção da instância, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos:
.um de natureza objectiva, que consiste na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário; e
. outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência da parte onerada com esse impulso processual.
Decidiu, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2020 (Proc. n.º 139/15.8T8FAF-A.G1.S1, relator Fernando Samões), que a “parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal (…). Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação. (…). Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência” (sublinhado apócrifo).
E o mesmo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Uniformizador proferido em revista ampliada n.º 2/2025, de 23 de Janeiro [publicado no Diário da República n.º 40/2025, I série, de 26 de Fevereiro], sentenciou nos seguintes termos:
«I – A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o ato em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.
II – Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou deadequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281.º, n.º 1, do Código deProcesso Civil».
Com relevo para o caso dos autos pode ler-se no referido do Ac. Uniformizador: «Atente-se, a título deexemplo paradigmático, no caso típico dasuspensão dainstânciapor falecimento daparte em conformidade com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do Código deProcesso Civil. O despacho do juiz declarando a suspensão dainstânciaé notificado à parte, aguardando os autos pela promoção do incidente dehabilitaçãoque permitirá fazer cessar a suspensão nos termos gerais do artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código deProcesso Civil. A parte tem, ou deverá ter, neste contexto, a perfeita consciência deque, força do regime jurídico aplicável, deverá impulsionar nos autos o incidente de habilitação, nos termos gerais do artigo 351.º do Código deProcesso Civil.
Se nada faz no processo, passados seis meses e um dia, o juiz deverá desde logo julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem qualquer necessidade de exercício do contraditório que, neste circunstancialismo, deixa de ser justificável» (sublinhado apócrifo).
No caso que nos ocupa foi declarada a suspensão da instância por falecimento do 6º réu, nos termos do disposto no artigo 270.º do CPC.
Deste modo, com a notificação às partes daquele despacho, o prosseguimento da acção ficou, patentemente, por força do regime jurídico aplicável (artigos 269.º, n.º 1, alínea a), 270.º, n.º 1, 276.º, n.º 1, alínea a) e 351.º do CPC), dependente da habilitação dos sucessores do réu falecido, passando a recair sobre as partes sobrevivas o ónus de promover a habilitação dos sucessores da parte falecida, não podendo os AA., que estavam devidamente patrocinados por advogado, ignorar que sobre eles recaía tal ónus, sob pena de, nada fazendo no prazo de seis meses, a instância vir a ser declarada deserta.
Ou seja, resultando directamente da lei a consequência da suspensão da instância por falecimento de uma das parte, as partes sobrevivas, em resultado do princípio da auto responsabilidade das partes, têm evidentemente obrigação de conhecer que essa paralisação apenas cessa com a dedução do competente incidente de habilitação dos herdeiros e que ocorrerá a deserção da instância caso não seja promovida por qualquer das partes no prazo de 6 meses, não sendo exigível a expressa advertência da cominação estabelecida no artigo 281.º do CPC.
Os AA. não podiam, pois, deixar de saber que a sua inércia durante o período de seis meses conduziria à extinção da instância por deserção.
Note-se que embora de acordo com o disposto no artigo 351.º, n.º 1, do CPC, a habilitação dos sucessores da parte falecidapossa ser promovida por qualquer das partes sobrevivas ou pelos herdeiros daquela, é inequívoco que na acção o principal interessado no seu andamento é o autor.
É sobre quem tem interesse no prosseguimento da acção que recai, em primeira linha, o ónus de deduzir o incidente de habilitação de herdeiros. Logo, constituía ónus dos AA. deduzirem o incidente de habilitação de herdeiros do réu falecido nos seis meses subsequentes à notificação do despacho que determinou a suspensão da instância (o que não fizeram), não carecendo de ser advertidos da cominação das consequências de eventual inércia processual.
Salienta-se, tal como se fez notar na decisão recorrida, que, embora no requerimento da ré (…), de 03/07/2024, em que comunica ao tribunal o falecimento do réu marido,esta ali tenha acrescentado “dando entrada em juízo, do competente Incidente de Habilitação de Herdeiros, de imediato”, tal não traduz a dedução do incidente de habilitação de herdeiros por banda daquela ré, já que através daquele requerimento, ao contrário do pretendido pelos Recorrentes AA., nada está a ser promovido quanto à concreta dedução do incidente, o que os AA., patrocinados por mandatário, não poderiam desconhecer, não sendo passível de criar qualquer equívoco quanto à prática desse acto, nem legitimando que aqueles confiassem que tal viria, efectivamente, a ocorrer.
Concluímos, assim, que a sentença não padece da nulidade apontada, por não ser exigível, no caso concreto, a prévia advertência da cominação das consequências da inércia processual às partes oneradas com o impulso processual.
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4.2. Se tendo os AA. apresentado nos autos, antes de ser julgada deserta a instância, requerimento a solicitar a realização de diligências tendentes à identificação dos sucessores do falecido, tal obsta à deserção da instância
Insurgem-se, depois, os recorrentes contra a decisão que julgou deserta a instância, defendo que, tendo promovido o andamento do processo antes de proferido o despacho de deserção da instância, o Tribunal a quo deveria ter ordenado o prosseguimento dos autos, para o que citam ampla doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.
É ponto assente queem 03.07.2024, o Tribunal a quo proferiu despacho de suspensão da instância.
E em 27.01.2025 proferiu o seguinte despacho: “Notifique os autores para justificarem a razão pela qual não promoveram o regular andamento dos presentes autos”, na sequência do qual os AA. responderam, por requerimento de 10.02.2025, requerendo a notificação da «R. (…), atenta a qualidade de viúva e no âmbito do dever de cooperação processual a que está sujeita ao abrigo dos artigos 7.º, 8.º e 417.º do CPC., para vir aos autos identificar todos os sucessores do mesmo, designadamente os nomes completos, números de contribuinte, moradas e qualidade sucessória, ou juntar a respectiva escritura de habilitação de herdeiros, se a houver, dado que os AA. não possuem elementos para essa mesma identificação e uma vez que está a R. melhor posicionada para o efeito».
Por fim, verifica-se que em 26/03/2025 foi proferida a decisão recorrida, que declarou a instância extinta por deserção.
A questão suscitada pretende-se com a natureza da decisão que julga deserta a instância (declarativa ou constitutiva).
Podem ver-se, entre outros, os seguintesacórdãos, de entre os mais recentes (todos acessíveis em www.dgsi.pt), que alinham pela sua natureza constitutiva:
. Ac. de 08.3.2022, Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 11/19.2T8ALD.C1 relatora Maria Catarina Gonçalves: «(...) II - Ainda que estejam verificados os pressupostos de que depende a deserção da instância pela circunstância de o processo ter estado parado por negligênciadas partes e durante mais de seis meses, enquanto não for proferida decisão a declarar a deserçãodainstância as partes podem promover utilmente o prosseguimento do processo, caso em que fica inviabilizada a declaração da deserção da instânciacom fundamento na falta de impulso processual registada em momento anterior.»].
. Ac. de 02.05.2023, Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 2239/18.T8CBR-C.C1, rel. Maria João Areias: «(…) II – Realizando a deserção uma função compulsório – à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado acto processual –, uma vez este praticado e ainda que nesse momento se encontrassem reunidas as condições para tal declaração nos termos do artigo 282.º, n.º 1, CPC, se e enquanto tal declaração não tiver ocorrido, deverá tal acto ser aproveitado, admitindo-se o prosseguimento do processo»;
. Ac. de 27.06.2023, Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 34/19.1T8CBR.C1, rel. Fonte Ramos: “1. A deserção da instância declarativa opera, necessariamente mediante decisão judicial e pressupõe a negligência das partes no impulsionamento do processo (carece de ser imputável às partes) (artigo 281.º do CPC) - a deserção não existe enquanto o juiz a não declara no processo respetivo. 2. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo pelo que enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo».
. Ac. de 18/04/2024, Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 3883/21.7T8VCT.G1, relator Jorge Santos: «- A deserção não se produz de direito, antes deve ser declarada oficiosamente, dependendo, por isso, de ato do juiz; produz-se ´ope judicis`. - A sentença de deserção tem alcance constitutivo: enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo, mesmo que já tenham decorrido os seis meses inerentes à deserção».
. Ac. de 18.06.2024, Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1005/08.9T8PBL.C1, rel. Luís Cravo «I – No regime do atual NCPCivil, a sentença de deserção da instância prevista no artigo 281.º tem alcance constitutivo, no sentido de que enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o andamento do processo. II – Realizando a deserção uma função compulsória, uma vez praticado o ato em falta e ainda que nesse momento se encontrassem reunidas as condições para tal proferimento nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do NCPCivil, se e enquanto o decretamento não tiver ocorrido, deverá tal ato ser aproveitado, admitindo-se o prosseguimento do processo. III – É esta a interpretação que melhor serve princípios básicos do processo civil, nomeadamente da certeza e segurança jurídicas, e da economia processual».
Mais recentemente, neste Tribunal da Relação de Évora, foi proferido o Ac. do TRE de 25.06.2025, em que é relatora a aqui 1.ª adjunta (Proc. n.º 174/24.5T8PTM.E1), que decidiu que «não obstante terem decorrido mais de seis meses a contar da data a partir da qual as partes estavam oneradas com a dedução do incidente de habilitação de herdeiros, a prática do referido acto implica que, não estando já o processo a aguardar impulso processual, se considere inexistir fundamento para julgar deserta a instância» (no qual se cita também jurisprudência que alinha pela natureza meramente declarativa).
Argumentou-se exaustivamente no acima citado Ac. do TRC de 27.06.2023, cujo entendimento se subscreve, que:
«O regime pretérito (CPC de 1961), relativo à interrupção e deserção da instância, era o seguinte: “A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seuandamento” (artigo 285.º); “Cessa a interrupção, se o autor requerer algum ato do processo ou do incidente de que depende o andamento dele, sem prejuízo do disposto na lei civil quanto à caducidade dos direitos” (artigo 286.º); “Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos” (artigo 291.º, n.º 1).
Concluiu-se, assim, que a atual lei processual civil, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância; estamos, pois, perante um regime mais severo para sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colimando logo com a ´deserção` e consequente `extinção da instância` [artigo 277.º, alínea c)] aquela falta de impulso processual. [14]
3. Nos termos do artigo 281.º, para se considerar deserta a instância é necessário, não apenas que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar impulso processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência (da parte) em promover o seu andamento.
Segundo a mesma previsão legal, a instância declarativa, ou o recurso, não se poderão considerar desertos independentemente de qualquer decisão judicial (despacho do juiz ou do relator). [15]
4. Dúvidas não restam, pois, que a deserção da instância declarativa opera, necessariamente, mediante decisão judicial e pressupõe a negligência das partes no impulsionamento do processo (carece de ser imputável às partes) [16], pelo que até ser proferida (tal decisão) não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial. [17]
Pretendeu-se que o arquivamento do processo por deserção ficasse dependente do controlo jurisdicional, designadamente no que toca à verificação da negligência da parte em promover os seus termos.[18]
5. Confrontados com o atual (e descrito) regime jurídico, afigura-se assim inteiramente correto, e igualmente defensável, o expendido pelo Sr. ProfessorAlberto dos Reis a propósito de idêntica disposição do CPC de 1939: A deserção não se produz automaticamente, ´ope legis`; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis, visto que demanda uma sentença de declaração. [19]Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296.º [20], uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para se operar a deserção? Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo. Atenda-se, por um lado, a que o efeito da inatividade das partes não se produz ´ipso jure`. A nossa lei não declara (…) que a deserção opera ´de direito` os seus efeitos; pelo contrário, segundo o artigo 296.º, não basta o facto da inércia, é necessário uma sentença de extinção.
(…) Enquanto a instância não fordeclarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de (...).” [21]
“(…) A deserção não se produz de direito posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ´ope judicis`. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo.”. [22]
“(…) A deserção não existe enquanto o juiz a não declara no processo respectivo” [23]».
Na nota 23 do citado Acórdão lê-se ainda:
«Em tudo idêntica a perspetiva perfilhada (face ao atual quadro normativo) por J. Lebre deFreitas:
«Trata-se derealizar uma função ´compulsória`, denatureza semelhante àquela que, no direito civil, realiza a sanção pecuniária do artigo 829º-A CC: à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual, assegurando o prosseguimento do processo. Por isso não faz sentido declarar deserta a instância depois depraticado, pela parte, ´sponte sua` e ainda que após o prazo deseis meses do artigo 281.º do CPC, o ato cuja omissão tenha estado na origem daparagem do processo. (...) Conseguida a finalidade compulsória, a subordinação do processo civil à função darealização dos direitos materiais (sempre frustrada quando, em vez dela, o processo desemboca numa decisão meramente processual) impõe que o ato seja aproveitado e o processo prossiga. Algo desemelhante se dirá se, depois de decorrido o prazo deseis meses do artigo 281.º-1, do CPC, forem praticados no processo atos do tribunal (do juiz ou da secretaria) que importem o prosseguimento do processo (Paulo Ramos deFaria, O julgamento dadeserção da instância declarativa/Breve roteiro jurisprudencial, julgar, abril 2015, n.º 4.4, págs. 15 e 16) (…)».
E prossegue o citado acórdão do TRC que:
«7. A deserção da instância encontra o seu fundamento na necessidade ou conveniência (designadamente para a boa ordem dos serviços) de não permitir a pendência nos tribunais de processos que estão parados por longos períodos de tempo e sem solução alguma. Por essa via, libertar-se-ia o tribunal de um “peso morto” ao mesmo tempo que, reflexa e indiretamente, se estimulavam as partes a ser diligentes e ativas, perante a ameaça de extinção do processo. [28] A deserção da instância não tem, portanto, qualquer carácter sancionatório da parte relativamente à sua conduta omissiva durante um certo e determinado período temporal; o que se pretende é libertar o tribunal de processos em relação aos quais nada pode fazer ou decidir porque a atividade jurisdicional está dependente de ato da parte que esta não pratica e em relação aos quais se pode dizer que a sua pendência no tribunal é uma total inutilidade. [29]
Assim, nas situações em que a extinção da instância pressupõe ainda a existência de um despacho que a declare, não encontramos razões suficientemente válidas para que tal despacho seja proferido quando a situação que lhe está subjacente – a inércia da parte no que toca ao prosseguimento do processo – foi, entretanto, ultrapassada porque a parte veio impulsionar os autos.
A situação que se depara ao juiz, no momento em que profere o despacho, já não é uma situação de inatividade processual porque, apesar de essa inatividade ter existido durante mais de seis meses, ela cessou, entretanto, porque a parte veio impulsionar o processo num momento em que a instância ainda subsistia por não terem sido ainda declarados os efeitos processuais da deserção; estando o processo em condições de prosseguir, a sua extinção não aproveitaria a ninguém e não lograria satisfazer qualquer interesse relevante, determinando apenas o desaproveitamento de toda a atividade processual aí desenvolvida, obrigando as partes e o tribunal a novo e idêntico esforço na repetição desses atos no âmbito de nova ação que viria a ser instaurada.
Concluindo: no âmbito da ação declarativa, apesar de o processo ter estado parado, por negligência das partes, durante mais de seis meses a aguardar o necessário impulso processual, enquanto não for proferida decisão a julgar verificada e a declarar a deserção da instância, as partes podem promover utilmente o prosseguimento do processo e, se o fizerem, esse impulso deve ser atendido, ficando prejudicada a prolação de decisão no sentido de declarar a deserção e consequente extinção da instância».
Considera-se, pois, em vista do entendimento que vem de se expor, ao qual se adere, que antes da decisão que julga a instância deserta as partes podem impulsionar o processo, mesmo que pratiquem o acto depois dos seis meses de inércia que teria justificado uma decisão de extinção da instância por deserção.
Posto isto, e voltando ao caso que nos ocupa, temos que o requerimento apresentado pelos AA. em 10.02.2025, no qual vêm alegar dificuldades na identificação dos sucessores do falecido e solicitam a realização de diligências tendentes à sua identificação, ainda que se mostre praticado após o decurso do prazo de seis meses a contar da notificação do despacho de suspensão da instância, o certo é foi apresentado antes de ser julgada deserta a instância pelo tribunal, pelo que não poderá deixar de se entender que os AA. impulsionaram com relevo o processo, pondo fim à sua inércia, inutilizando a sua até então negligência na promoção do regular andamento do processo, a qual já não pode, então, relevar para efeitos de deserção da instância.
Consequentemente, o recurso procede quanto a esta questão.
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V – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que determine o prosseguimento dos autos, com notificação da ré (…) para prestar as informações requeridas pelos AA. a 10/02/2025.
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Os recorridos suportarão as custas do recurso por terem ficado vencidos (cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, todos do CPC).
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Évora, 18/09/2025
Isabel Calheiros (Relatora)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1ª Adjunta)
Ana Margarida Pinheiro Leite (2ª Adjunta)