MASSA INSOLVENTE
ALIENAÇÃO
MODALIDADES DA VENDA
GARANTIA REAL
Sumário

1 – O administrador da insolvência deve, preferencialmente, realizar a alienação dos bens que integram a massa insolvente através da venda em leilão electrónico.
2 – No entanto, o administrador da insolvência pode, de forma fundamentada, optar por uma das demais modalidades de venda previstas no artigo 811.º[7] do Código de Processo Civil ou por outra forma que considere que considere adequada ou conveniente para a satisfação dos sobreditos interesses dos credores.
3 – O administrador da insolvência dispõe, por isso, de competência exclusiva – ainda que sujeita a um dever legal de fundamentação – para decidir qual a modalidade da venda que, em função das características ou da natureza dos bens, se revele mais adequada ou conveniente tendo em vista a melhor satisfação possível dos interesses dos credores da insolvência.
4 – Estando em causa a venda de um bem que se encontre onerado com garantia real, o credor que seja titular desse direito real de garantia deve, sob pena de nulidade, ser ouvido sobre a modalidade de alienação e informado do valor base que tenha sido fixado para a venda ou do preço projectado da alienação a uma entidade determinada.
5 – O n.º 2 do artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas limita a audição ao credor com garantia real e afasta a necessidade de auscultar o devedor insolvente.
6 – A insolvente não goza de qualquer direito de oposição, pronúncia ou veto sobre a modalidade ou valor da venda – mas, ainda assim, no caso concreto, o administrador de insolvência deu conhecimento da sua opção a todos os interessados, concedendo-lhes assim a possibilidade de exercer o contraditório ou de impugnarem tempestivamente a decisão sobre a modalidade e as condições de venda.
7 – O legislador insolvencial desenhou um regime próprio para a venda, remetendo neste domínio para o processo executivo apenas e só quando entendeu fazê-lo.
8 – O legislador pretendeu afastar o devedor dos procedimentos a adoptar para a venda dos bens que integram o acervo da massa insolvente, dado que se tencionasse que este fosse notificado para se pronunciar sobre a modalidade de venda teria previsto expressamente tal possibilidade, como o fez no caso previsto no n.º 4 do artigo 161.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 239/24.3T8LGA-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente insolvência de “(…) – Agricultura, Pecuária e Turismo, Unipessoal, Lda.”, a devedora veio apresentar recurso do despacho que indeferiu o pedido de nulidade da decisão de venda de um imóvel.
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Em 05/12/2024 foi instaurado o presente incidente para venda de bens imóveis. Nesse momento, o administrador de insolvência decidiu que a venda do imóvel se efectuaria através da modalidade de leilão electrónico.
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Em 06/01/2025, foi proferido despacho com o seguinte conteúdo: «Ante a não oposição dos credores e devedor ao Plano de liquidação, apresentado no momento do relatório, determino que os autos prossigam com a liquidação do património apreendido, com a venda através de leilão eletrónico, como sugerido pelo AI e consentido pelos credores e devedor, mas sugere-se que as vendas deverão ser efetuadas preferencialmente através da plataforma e-leilões (…)».
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Em 02/04/2025, o administrador de insolvência veio informar sobre o estado da venda nos seguintes termos: «transmite a V. Exa. que se realizou a primeira tentativa de venda da Verba 1, através da modalidade de leilão electrónico, o qual decorreu entre os pretéritos dias 14 de Fevereiro e 28 de Março.
O valor base de venda fixou-se em € 750.000,00 e não foram registadas licitações pese embora tenha sido apresentada pela “(…) – Investimentos, Lda.”, via “e-mail”, proposta de aquisição do prédio em causa pelo montante de € 425.000,00.
Nessa conformidade, dá conta a V. Exa. que tal imóvel irá ser objecto de novo leilão electrónico reduzindo-se o valor base de venda deste em 15%, nos termos legais, ou seja, para € 637.500,00».
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A referida comunicação foi transmitida a todos os intervenientes processuais, insolvente incluída.
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Em 09/04/2025, por e-mail, o administrador de insolvência transmitiu directamente ao ex-gerente da insolvente que o leilão em apreço se iniciava no dia seguinte (tendo terminado em 16 de Maio último).
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Em 08/04/2025 o Tribunal a quo solicitou informação sobre qual a plataforma usada para a venda, mormente se se estava a usar a plataforma e-leilões.
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Em 10/04/2025, a Caixa Geral de Depósitos requereu que «a adjudicação do imóvel correspondente à verba n.º 1 do auto de apreensão, e sobre o qual a ora Credora é titular de hipoteca, à sociedade "(…) – Investimentos, Lda.", pelo valor de € 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros)».
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Em 10/04/2025, a “Caixa Geral de Depósitos, SA” juntou um relatório de avaliação que atribuía ao bem o valor de € 254.100,00.
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Em 16/04/2025, o administrador de insolvência informou que havia indigitado a “(…) – Leiloeiros, Lda.” como Encarregada de Venda e que o leilão electrónico decorria na plataforma informática da mesma.
Nessa ocasião, juntou ao processo o Contrato de Prestação de Serviços celebrado, em 26 de Novembro de 2024, entre tal sociedade e a massa insolvente.
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Em 16/04/2025, após tecer considerações sobre a modalidade de venda preferencial, o Mm.º Juiz de Direito lavrou despacho em que afirma que: «caso não se concretize a venda atualmente em vigor, sugere-se que se cumpra o rito previsto para a modalidade da venda preferencial, que é o da modalidade da venda por leilão eletrónico, através da plataforma e-leilões».
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Em 05/05/2025, a insolvente “(…) – Agricultura, Pecuária e Turismo, Unipessoal, Lda.” juntou procuração forense aos autos.
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Em 07/05/2025, em resposta ao despacho datado de 16/04/2025, o administrador de insolvência disse, para além do mais, que «(…) nos processos de insolvência, não é obrigatória a utilização da plataforma usada pelos agentes de execução admitindo-se, num mercado que se pretende de livre concorrência, o recurso a outras plataformas electrónicas, desde logo, disponibilizadas por Agência de Leilões (…)».
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Em 15/05/2025, em resposta a esta posição do administrador de insolvência, foi proferido despacho em que se escreveu: «como o procedimento de venda já está a decorrer, mas vindo de uma tentativa frustrada na mesma modalidade, em caso de novo insucesso, apela-se aos bons ofícios do Exmo. AI para recorrer à modalidade de venda leilão eletrónico, com recurso à “Plataforma e-leilões”».
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A 15/05/2025, a insolvente “(…) – Agricultura, Pecuária e Turismo, Unipessoal, Lda.” veio requerer que o prédio colocado em venda através de um estabelecimento de leilão:
a) fosse avaliado em termos comerciais;
b) o leilão efectuado na (…) – Leiloeiros fosse declarado nulo, por violação dos requisitos legais para a sua instauração.
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A 20/05/2025 foi prolatado despacho em que se determinou que fossem ouvidos o administrador de insolvência e os demais credores sobre o requerido.
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Em 22/05/2025, o administrador de insolvência veio prestar informação sobre o estado da venda: «(…) entre os pretéritos dias 10 de Abril e 16 de Maio, a segunda tentativa de venda da Verba 1, através da modalidade de leilão electrónico, cujo resultado foi o abaixo indicado:
Verba 1: € 546.875,00 (licitada por … – NIF …);
Acontece que a credora hipotecária do imóvel em causa, “Caixa Geral de Depósitos, SA.”, já se manifestou neste apenso, no pretérito dia 10 de Abril, do seguinte modo:
a) A avaliação do prédio cifra-se no valor de € 254.100,00 (cfr. doc. 1 que juntou);
b) Requereu que o imóvel fosse adjudicado à sociedade que apresentou proposta de aquisição pelo montante de € 425.000,00 (cfr. artigo 15º desse articulado);
Nessa conformidade, uma vez que a licitação ora obtida, além de exceder em mais do dobro a avaliação realizada por tal credora, ultrapassa, em quase 30%, o montante pelo qual a mesma requereu expressamente que o prédio fosse entregue, a Verba 1 fica adjudicada à supra mencionada e única licitante, (…), pelo preço de € 546.875,00».
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No mesmo dia, o administrador de insolvência pronunciou-se sobre o pedido de nulidade formulado pela insolvente “(…) – Agricultura, Pecuária e Turismo, Unipessoal, Lda.”, defendendo que:
i) fosse indeferido liminarmente o referido requerimento da insolvente, atenta a falta de fundamento do pedido formulado, visto não existir qualquer nulidade e por carecer de base legal.
ii) a liquidação do activo prosseguisse os seus ulteriores termos.
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Em 05/06/2025, a “Caixa Geral de Depósitos, SA” respondeu à nulidade suscitada, sublinhando que o administrador da insolvência cumpriu as regras da venda e que a insolvente não gozava de qualquer direito de veto ou de pronúncia prévia obrigatória sobre os termos da alienação dos bens.
Em função disso, pugnou que o requerimento da insolvente fosse indeferido, por ser manifestamente infundado e adiantou que a liquidação do activo devia prosseguir os seus termos.
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Em 28/06/2025, após ter feito o historial do processo e ter convocado diversas normas legais e jurisprudência aplicável ao caso, o Julgador «a quo» decidiu o incidente, avançando com a seguinte argumentação:
«(…) o tribunal entende que a modalidade escolhida de venda foi a de ser efetuada através de estabelecimento de leilão, ao qual não foi deduzida qualquer entrave à sua adoção, por a venda já estar em curso. Tendo tal questão ficado ultrapassada e pacificada, por não ter sido objeto de recurso.
O Exmo. AI, embora tenha uma posição diferenciada da nossa, a qual tem aliás respaldo em jurisprudência por si avançada em requerimento anterior, sempre teve uma postura ativa, segura e leal em todo o procedimento de venda, quer na definição do valor de venda, na comunicação da modalidade e concretização da venda, nas duas ocasiões para tal desiderato (tanto aos credores, quanto ao devedor e ao próprio tribunal). Com efeito, quanto à definição do valor de venda, onde a mesma se concretizaria (estabelecimento de leilão, através de processo de venda publicitado e executado na internet, em site da leiloeira), datas da concretização sempre cumpriu o seu dever de informação prévia, que aliás, em rigor, só era devido ao credor hipotecário (CGD), também o fez ao devedor, na pessoa do seu gerente.
Não resulta do CIRE qualquer imposição de comunicação ao devedor o procedimento de venda (seja quanto à modalidade e valor de venda), muito menos que a sua intervenção fique condicionada pela sua vontade.
Nesta medida, mesmo que não tivesse sido cumprido a informação ao devedor, que no caso foi, não era motivo de qualquer invalidade.
Por último, quanto à questão da avaliação, o valor base do imóvel, nas duas ocasiões de venda (tanto na primeira tentativa frustrada, como na segunda) foram sempre apregoadas, por valor muito acima do valor patrimonial do bem a alienar, mesmo do valor da avaliação efetuada, a qual foi apresentada pelo credor hipotecário».
Em função disso, decidiu que improcedia o pedido de nulidade do procedimento de venda levado a efeito pelo administrador de insolvência e, bem assim, o pedido de realização de avaliação ao imóvel.
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O referido despacho foi notificado aos sujeitos processuais em 30/06/2025.
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A 16/07/2025, inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«35. Foi o ora recorrente notificado de douto Despacho que determinou que “Termos em que não procede o pedido de nulidade do procedimento de venda levado a efeito pelo Exmo. AI e o pedido de realização de avaliação ao imóvel”.
36. O exponente não se conforma, nem de facto nem de direito e por isso recorre do Despacho.
37. Assim, não só o sr. Administrador de Insolvência justificou em momento algum o recurso a um estabelecimento de leilão para a venda de bem imóvel.
38. Como em momento algum o mesmo comunicou qualquer dado onde poderia ser consultado o estado da venda em Leilão.
39. O Insolvente, os Autos e os credores desconheciam os elementos de identificação e localização da plataforma de venda conforme o denunciado pelo Insolvente.
40. Tal configura uma nulidade e o Despacho foi omissivo quanto a essa matéria.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá requer:
A) (…)
B) Seja o bem imóvel actualmente em venda avaliado em termos comerciais para os fins da presente insolvência;
C) Seja o leilão declarado como nulo, por violação dos requisitos legais para a sua instauração, tudo com as demais consequências legais».

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A “Caixa Geral de Depósitos, SA” apresentou resposta, sustentando que:
«a) Deve ser rejeitado o recurso interposto pela sociedade insolvente, por inadmissibilidade legal, nos termos do artigo 630.º, n.º 2, do CPC.
b) Subsidiariamente, deve o mesmo ser julgado improcedente, confirmando-se, na íntegra, o despacho recorrido».
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O administrador de insolvência disse aderir, integralmente e sem reservas, à resposta apresentada pela “Caixa Geral de Depósitos, SA”, de harmonia com o disposto no artigo 634.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está, no essencial, circunscrito à apreciação da interligação entre a venda em causa e a disciplina prevista no artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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III – Da factualidade com interesse com interesse para a justa resolução do recurso:
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
Em primeiro lugar, quanto à inadmissibilidade do recurso nos termos levantados pela “Caixa Geral de Depósitos, SA”, importa assinalar que a questão não se encontra abrangida pela esfera de protecção do disposto no n.º 2 do artigo 630.º do Código de Processo Civil, onde se estipula que “não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º”.
Na verdade, o fundamento do recurso não se reporta a nenhuma nulidade processual reportada ao artigo 195.º do Código de Processo Civil, antes se dirige a um vício relacionado com a venda em curso nos autos e que demanda a apreciação do regime substantivo das modalidades de alienação em sede de processo de insolvência.
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Em traços largos, a liquidação da massa insolvente consiste na alienação dos bens que integram o património insolvente e na cobrança de créditos de que o insolvente seja titular sobre terceiros, a fim de repartir o produto obtido pelos credores, com o objectivo de, na medida do possível, estes serem satisfeitos.
Quanto à materialidade subjacente, impõe-se referir que o administrador da insolvência deve, preferencialmente, realizar a alienação dos bens que integram a massa insolvente através da venda em leilão electrónico, tal como decorre da letra do artigo 164.º[1] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No entanto, o administrador da insolvência pode, de forma fundamentada, optar por uma das demais modalidades de venda previstas no artigo 811.º[2] do Código de Processo Civil – onde se inclui a venda em estabelecimento de leilão – ou por outra forma que considere adequada ou conveniente para a satisfação dos sobreditos interesses dos credores.
É assim aceite, no plano jurisprudencial[3] e doutrinal, que o administrador da insolvência dispõe, por isso, de competência exclusiva – ainda que sujeita a um dever legal de fundamentação – para decidir qual a modalidade da venda que, em função das características ou da natureza dos bens, se revele mais adequada ou conveniente tendo em vista a melhor satisfação possível dos interesses dos credores da insolvência[4].
Estando em causa a venda de um bem que se encontra onerado com garantia real, o credor que seja titular desse direito real de garantia deve, sob pena de nulidade, ser ouvido sobre a modalidade de alienação e informado do valor base que tenha sido fixado para a venda ou do preço projectado da alienação a uma entidade determinada[5].
Este credor foi ouvido, não impugnou a decisão e, aliás, manifestou a aceitação relativamente ao acto em causa.
Pergunta-se se o devedor deve ser ouvido?
Na interpretação desenvolvida no respectivo comentário, Carvalho Fernandes e João Labareda colocam em evidência «o facto de o n.º 2 limitar a audição ao credor com garantia real afasta a necessidade de auscultar o devedor insolvente, que decorreria da aplicação subsidiária do dito n.º 1 do artigo 812.º, legitimada pelo artigo 17.º do CIRE».
Em processo de insolvência, existe regra específica que afasta a aplicabilidade do regime geral de audição previsto para a venda executiva, não sendo assim obrigatório ouvir o insolvente sobre a modalidade de alienação nem informá-lo sobre o valor base que tenha sido fixado para a venda. Isto é ditado por razões subjacentes às características do processo de insolvência e à intenção de celeridade impressa para este tipo de procedimentos.
Como já afirmou em acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, o legislador insolvencial desenhou um regime próprio para a venda, remetendo neste domínio para o processo executivo apenas e só quando entendeu fazê-lo (cfr. n.ºs 1, 3, na parte final, e 5, do artigo 164.º), dispondo diferentemente quanto ao mais, não sendo aplicável quanto dispõem os artigos 812.º e 816.º do Código de Processo Civil, pelo que o sr. AI não tem o dever de comunicar à devedora insolvente a modalidade da venda, o preço da venda projectada ou obter dela o consentimento para proceder à venda por montante inferior a 85% do valor base previamente fixado, não constituindo a omissão de tais actos qualquer irregularidade[6].
O legislador pretendeu afastar o devedor dos procedimentos a adoptar para a venda dos bens que integram o acervo da massa insolvente, dado que se tencionasse que este fosse notificado para se pronunciar sobre a modalidade de venda teria previsto expressamente tal possibilidade, como o fez no caso previsto no n.º 4 do artigo 161.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Retornado ao caso concreto, importa adiantar que a referida exigência de comunicação da modalidade de venda foi perfectibilizada não só quanto ao credor hipotecário, mas relativamente a todos os demais credores e à própria devedora, que teve a possibilidade de exercitar o contraditório através do (anterior) legal representante da sociedade insolvente – a decisão de 02/04/2025 foi transmitida a todos os intervenientes processuais e, em 09/04/2025, por e-mail, o administrador de insolvência transmitiu directamente ao ex-gerente da insolvente que o leilão em apreço se iniciava no dia seguinte.
Significa isto que o administrador judicial promoveu uma comunicação mais extensa e alargada do que aquela que era legalmente prescrita. Nesta ordem de ideias, ainda que não existisse a referida norma específica, foi optimizado o exercício do contraditório, não se tratando de um caso em que foi tomada uma providência contra determinada pessoa sem que esta fosse previamente informada do estado da insolvência e das opções tomadas pelo administrador de insolvência quanto à modalidade e ao preço projectado da venda.
E, destarte, estando perfectibilizada esta comunicação, tal como bem acentua o despacho recorrido, a matéria da determinação da modalidade da venda não foi impugnada por via recursal em tempo oportuno, mostrando-se assim consolidada a preferência do administrador de insolvência pela modalidade e condições de venda.
Na situação vertente, a insolvente não goza de qualquer direito de oposição, pronúncia ou veto sobre a modalidade ou valor da venda. Porém, ainda que algum dos sujeitos processuais tivesse sugerido uma modalidade distinta, o administrador de insolvência não estava vinculado a optar pela mesma e apenas estava vinculado a justificar a correspondente opção.
Em acréscimo, tal como resulta das sucessivas interacções entre o Tribunal e o administrador de insolvência, quanto à opção pelo leilão electrónico – mas fora da plataforma e-leilões, através de encarregada de venda na plataforma informática da empresa contratada –, foram divulgados os motivos de tal escolha e os interessados directos não deduziram qualquer oposição em tempo oportuno.
Finalmente, quanto à necessidade de realização de uma perícia para que fosse apurado o valor comercial do imóvel, é de recordar que a avaliação do imóvel foi feita pelo credor com garantia real (que ascendeu a € 254.100,00), sendo que o valor base anunciado foi superior a esse – € 750.000,00 na primeira tentativa de venda e € 637.500,00 na diligência subsequente. E caso a venda venha a ser completada com a aceitação e a subsequente operação de pagamento da proposta no valor de € 546.875,00, esta excede em mais do dobro a avaliação realizada pela ora credora hipotecária.
Carece, assim, de qualquer razoabilidade a realização de uma nova avaliação do bem, a qual, face aos dados disponibilizados pelo processo, surge apenas com um ensaio dilatório para obviar à conclusão da alienação projectada.
Assim sendo, concorda-se com a solução expressa na decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso apresentado.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do presente recurso a cargo da apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 18/09/2025
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Vítor Sequinho dos Santos


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[1] Artigo 164.º (Modalidades da alienação):
1 - O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
2 - O credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação, e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada.
3 - Se, no prazo de uma semana, ou posteriormente mas em tempo útil, o credor garantido propuser a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado, o administrador da insolvência, se não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior.
4 - A proposta prevista no número anterior só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10% do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 824.º e 825.º do Código de Processo Civil.
5 - Se o bem tiver sido dado em garantia de dívida de terceiro ainda não exigível pela qual o insolvente não responda pessoalmente, a alienação pode ter lugar com essa oneração, excepto se tal prejudicar a satisfação de crédito, com garantia prevalecente, já exigível ou relativamente ao qual se verifique aquela responsabilidade pessoal.
6 - À venda de imóvel, ou de fração de imóvel, em que tenha sido feita, ou esteja em curso de edificação, uma construção urbana, é aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 833.º do Código de Processo Civil, não só quando tenha lugar por negociação particular como quando assuma a forma de venda direta.
[2] Artigo 811.º (Modalidades de venda):
1 - A venda pode revestir as seguintes modalidades:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão eletrónico.
2 - O disposto no artigo 818.º, no n.º 2 do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta.
[3] Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/09/2021, do Tribunal da Relação do Porto de 07/10/2021, do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/09/2021 e do Tribunal da Relação de Évora de 14/09/2023 e de 13/03/2025, disponibilizados em www.dgsi.pt.
[4] Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 505.
[5] Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 505.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/10/2020, publicitado em www.dgsi.pt.
[7] Artigo 811.º (Modalidades de venda):
1 - A venda pode revestir as seguintes modalidades:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão eletrónico.
2 - O disposto no artigo 818.º, no n.º 2 do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, excetuada a venda direta.