RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
PRESUNÇÕES IURE ET DE IURE
Sumário

I - A impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, através da ação prevista no artº 125º CIRE, é uma ação de simples apreciação negativa que, na negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo Administrador da Insolvência, visa a demonstração da inexistência ou da ineficácia, por não verificação dos pressupostos legais, da resolução declarada pelo administrador de insolvência.
II - A resolução depende, em geral de dois requisitos: a prejudicialidade à massa (art. 120º nº1) e a má-fé de terceiro (art. 120º nº 4).
III - O regime leal prevê mecanismos que facilitam em certos casos, a resolução: quanto à prejudicialidade, há atos que se presumem iuris et de iure, prejudiciais á massa - os atos elencados no artigo 121º do CIRE; quanto à má-fé, há atos relativamente aos quais se presume iuris tantum, a má fé de terceiro (120º nº 4 do CIRE).
IV - A lei presume a má-fé quanto aos atos praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores ao processo de insolvência em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
V - Não tendo sido afastada a presunção, presume-se de má-fé a partilha efetuada entre os cônjuges, através da qual, o insolvente transferiu a totalidade dos bens para a sua ex-cônjuge sem qualquer contrapartida financeira, na meação a que teria direito.

Texto Integral

Processo: 23818/21.6T8LSB-D.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 5

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Maria da Luz Seabra

Ramos Lopes

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

AA, maior, titular do Passaporte n.º ..., emitido em 23/10/2013 pela MPS Exit & Entry Administration e válido até 22/10/2023, C. F. nº. ..., veio, nos termos do artigo 125.º do CIRE, instaurar contra massa insolvente de BB, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência Sr. Dr. CC, ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, tendo formulado o seguinte pedido:

Declarar-se a nulidade da citação da impugnante nas datas indicadas pelo Sr. A.I.;

b) Declarar-se e fixar-se a data de 18 de novembro de 2022, como aquela em que a impugnante tomou conhecimento da resolução impugnada;

c) Declarar-se a caducidade do direito da massa insolvente a resolver os negócios jurídicos ajuizados, ou, quando assim não se entenda,

d) Declara-se a nulidade da resolução por falta de concretização fáctica dos alegados fundamentos da mesma, ou se assim, também não se entender,

e) Declarar-se inválida e ineficaz a resolução objeto da ação

Regularmente citada, a massa insolvente apresentou contestação, por exceção e por impugnação, requerendo a final que a ação seja julgada improcedente, mantendo-se a resolução.

Por despacho proferido em 12.07.2023 (referência 450297082), foi deferido o incidente de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 318.º, n.º 1, alínea a) e 2 do CPC, “ex vi” do art.º 17.º do CPC e por essa via foi citado BB, titular do passaporte n.º ..., válido até 06.01.2023, emitido pela República Popular da China em 07.01.2013, com o NIF ..., natural da República Popular da China, de nacionalidade chinesa, com domicílio consolidado nos autos principais.

O interveniente BB veio apresentar contestação, pedindo “o não procedimento da presente ação e a consequente manutenção da resolução operada pelo Sr. A.I.”

Por despacho saneador proferido em 04.03.2024 foram conhecidas as exceções de A – questão prévia – da oportunidade da ação e da nulidade da citação/notificação da requerente (relegado o conhecimento da tempestividade da ação e da nulidade da citação da autora para final), B) Da caducidade da carta resolutiva (a resolução é tempestiva, pelo que improcede a exceção de caducidade da carta resolutiva), C) Da nulidade da declaração de resolução impugnada por falta de fundamentação fáctica (não existe a nulidade invocada, sendo o demais alegado matéria controvertida, pelo que será a mesma levada aos temas da prova) e D) Da não verificação dos requisitos de que a lei faz depender a resolução incondicional em benefício da massa insolvente (carece a Autora de qualquer razão ou fundamento, tendo a inominada exceção que improceder, o que se determina). Foi ainda identificado o objeto do litígio, fixados os factos assentes e estabelecidos os temas de prova.

Realizou-se de seguida a audiência de discussão e julgamento e no final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo:

- tempestiva a impugnação da Autora das resoluções operadas pelo Sr. Administrador de insolvência;

- a ação de impugnação de resolução totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se a Ré massa insolvente de BB, declarando-se válidas as resoluções em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de partilha, celebrado em 16.10.2019 e o acordo de separação de bens do divórcio do insolvente, outorgado em 04.12.2019.

Custas da ação pela Autora – artigo 527.º do Código de Processo Civil”.

Inconformada, a Autora, AA, veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, apresentando as seguintes conclusões:

“a) A ora recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo através da qual este julgou improcedente a presente ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente.

b) O presente recurso tem como objeto, a errada interpretação e aplicação da Lei, e a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artº. 640º. do Código de Processo Civil.

c) No dia 18 de Novembro de 2022, a ora recorrida tomou conhecimento da existência da resolução extrajudicial em benefício da massa insolvente em causa nos presentes autos, através da qual o Senhor Administrador da Insolvência pretendia a resolução do Contato Promessa de Partilha, celebrado entre a ora recorrente e o insolvente, em 16 de Outubro de 2019 e do Acordo de Separação de Bens do Divórcio, celebrado entre ambos aquando do seu divórcio na China no dia 4 de Dezembro de 2019.

d) Para tanto, pugnou que a ora recorrente e o insolvente se conluiaram entre si com o escopo de enganar os credores deste último, maquinando aqueles negócios visando unicamente a subtração do património aos credores do insolvente, não podendo aquela deixar de conhecer o estado de insolvência do seu, agora ex-marido, bem como das dificuldades financeiras por que o mesmo passava;

e) Face a isto, a ora recorrente interpôs a competente ação de resolução em benefício da massa insolvente contrariando todas os factos alegados pelo Senhor Administrador de Insolvência, concluindo pela não verificação dos pressupostos de que a Lei faz depender a resolução extrajudicial dos negócios jurídicos.

f) Finda a discussão e julgamento, deu o Tribunal a quo como provados, entre outros factos que, no entender da ora recorrente, deveriam antes ter sido dados como não provados, quer por ausência de produção de qualquer prova os considerar positivos, quer por, ao invés, considerar a existência de meios de produção de prova que impunham decisão negativa aos mesmos.

g) Do mesmo modo, a ora recorrente entende que mal andou o Mmo. Juiz a dar como não provados determinados factos, por ter sido produzida diversa prova que levaria a transitá-los para o elenco da matéria provada.

h) Por outro lado, alega a recorrente existir uma contradição insanável entre os factos provado sob os pontos. 5 e 8, o que, por si só, gera a nulidade da sentença nesse segmento.

i) Efetivamente, o Mmo. Juiz a quo, dá como provado no ponto 5 que a real intenção da ora recorrente, bem como do insolvente foi a de enganar terceiros, subtraindo ao património deste os direitos que o mesmo detinha sobre múltiplos imóveis desonerados.

j) E de imediato, no ponto 8, dá como provado o seguinte: Encontrando-se os imóveis onerados por múltiplas penhoras referentes a créditos reclamados nos presentes autos, bem sabia a Autora que o seu marido se encontrava em insolvência técnica.

k) Ora, referindo-se o Mmo. Juiz aos prédios que são objeto do contrato promessa de partilha celebrado em 19 de Outubro de 2019 e do acordo de partilha celebrado a 4 de Dezembro de 2019 (que foram posteriormente apreendidos para a massa insolvente), demonstra-se objetiva e materialmente impossível que os mesmos se encontrassem, na mesma data e em simultâneo onerados e desonerados.

l) Ou seja, aquelas duas realidades não podiam coexistir entre si, verificando-se neste caso uma contradição insanável entre o vertido no facto 5 e no facto 8 da factualidade provada.

m) A ora recorrente, no corpo do recurso procedeu, à impugnação dos factos provados sob os nº. 5 a 9 e 12 a 16 da matéria provada.

n) Na verdade, e sob a epígrafe “Fundamentação de facto”, o Mmo. Juiz não faz referência a qualquer elemento probatório do qual pudesse resultar provado o vertido sob o ponto 8 dos factos provados, cingindo-se, na página 20 da sentença ora sob recurso a concluir que nos imóveis encontram-se registadas penhoras referentes a créditos reclamados nos presente autos, que demonstra por si só que não podia a Autora desconhecimento sobre a situação económica difícil que passava o ora insolvente [SIC].

o) Ora, à data da celebração dos negócios anulandos não se encontravam registadas quaisquer penhoras sobre os imóveis objeto dos mesmos, como decorre da mera análise das respetivas certidões prediais juntas aos autos, mas ainda que assim não fosse – e é – sempre seria abusivo de daí extrair a conclusão que a ora recorrente tinha conhecimento do alegado estado de insolvência técnica do seu marido, sem recurso a qualquer outro maio de prova que consolidasse tal conclusão.

p) Na realidade, da certidão predial urbana relativa à fração autónoma designada pela letra “S”, sita na ... em Cascais, constata-se que à data da celebração dos negócios objeto da resolução não existia qualquer penhora e muito menos referentes a créditos reclamados nos presentes autos.

q) E ainda, que, sobre esta fração apenas mais tarde vieram a ser registadas, a 6 de Abril de 2021 as seguintes duas penhoras: uma para garantia de pagamento do crédito do credor “A...”, e outra para garantia do pagamento do “pseudo” credor DD, ou seja, em data muito posterior às da outorga dos negócios ajuizados.

r) Por outro lado, e no que concerne ao imóvel designado pela letra “I”, descrito na Conservatório do Registo Predial sob o nº. ... da Freguesia ..., o mesmo foi adquirido a 17 de Setembro de 2019, (também em momento muito anterior ao registo das penhoras) e em cumprimento do que as partes haviam convencionado na “Proposta para divórcio de casamento”.

s) Pelo que, era impossível existir sobre o mesmo qualquer penhora até aquelas datas, o que resulta também da mera análise da escritura pública de compra e venda deste imóvel junta aos autos, bem como não existia a 4 de Dezembro de 2019, data do divórcio e Partilha.

t) Só muito mais tarde, em 11 de Julho de 2023 é que este imóvel foi objeto de penhora, para garantia do alegado crédito da “pseudo” credora EE, ou seja, decorridos praticamente 4 anos sobre as datas dos negócios dos autos.

u) Assim é inequívoco que o Tribunal “a quo” esteve mal ao dar como provada a factualidade suprarreferida, impondo-se antes que o facto 8. seja eliminado do elenco dos factos provados transitando o mesmo para a factualidade não provada.

v) O mesmo devendo acontecer no que respeita ao facto provado sob o ponto 5.

w) Desde logo, a expressão ínsita naquele ponto “múltiplos imóveis”, encontra-se errada, pois que, tal como já se deixou escrito supra a propósito da impugnação do ponto 8 da matéria de facto provada, à data da celebração da “Proposta para divórcio de casamento” o ex-casal detinha apenas a propriedade sobre um imóvel: A Fração “S” sita em Cascais, ..., vindo a adquirir o segundo em 17 de Setembro de 2019, o que, por si só, também não é concordante com o facto provado ora sob impugnação.

x) Pois que, se “a verdadeira intenção” da ora recorrente e do seu ex-marido fosse subtrair património aos credores, não iriam, pois, naquela data adquirir novo imóvel.

y) Na pág. 13 da sentença ora sob recurso, o Mmo. Juiz fundamenta de forma genérica que os factos 2 a 16 resultaram da conjugação dos depoimentos de parte da Autora e do interveniente principal, das declarações de parte do Sr. AI, dos depoimentos prestados pelas testemunhas e de toda a prova documental já mencionada.

z) Acontece, porém que, não decorre de nenhum dos elementos de prova ali referidos qualquer prova positiva daqueles factos, pelo contrário.

aa) Com efeito, de toda a vasta prova documental referida pelo Mmo. Juiz na sentença recorrida, não existe um único documento do qual se possa concluir que, pelo menos, a ora recorrente pretendesse enganar quem quer que fosse, muito menos os credores do insolvente ou sequer que tinha conhecimento da existência de quaisquer dívidas.

bb) Não existe nos autos um único documento do qual se infira que a ora recorrente tivesse a intenção de enganar alguém.

cc) De resto, desconhecia a ora recorrente se o seu, à data ainda marido, tivesse credores – e, de facto, pelo menos, formalmente não os tinha à data da celebração dos negócios dos autos, pelo que jamais seriam do conhecimento daquela, a menos que aquele a tivesse informado, o que não sucedeu.

dd) Das declarações de parte prestadas pela recorrente e pelo interveniente principal, não se pode extrair nada que aponte, sequer, para prova indiciária dos factos impugnados, como melhor se explica no corpo do presente recurso e do qual constam as transcrições daquelas que melhor relevam para a reapreciação da matéria de facto provada sob os referidos pontos e agora impugnada.

ee) Inversamente, daqueles depoimentos decorre que a ora recorrida desconhecia em absoluto o que se passaria na vida profissional e financeira do, à data, ainda marido, nem tampouco sabia que o mesmo ia “comprar” um clube de futebol o que só veio a saber depois porque o mesmo lhe transmitiu e convidou-a para ver um jogo de futebol.

ff) Mais, que desde 2007 que o mesmo a impediu de trabalhar, tendo aquela, face à posição assumida por ele, optado por se limitar tão somente à vida de “dona de casa e esposa dedicada”., razão que o insolvente tomou em consideração para o facto de se considerar responsável pela sua mulher, compensando-a no divórcio.

gg) Deles se conclui também que a ora recorrente desconhecia qualquer dívida que fosse do seu marido.

hh) Da conjugação destes dois depoimentos (embora de parte) e a absoluta ausência de prova documental que sustente o contrário, deve o facto provado sob o nº. 5 transitar para o elenco dos factos não provados.

ii) Efetivamente, a ora recorrente e o seu ex-marido, nas datas da celebração dos negócios ajuizados, tinham tão só como “real intenção” (embora por, alegadamente, razões diferentes) divorciarem-se entre si.

jj) O insolvente anuiu a adjudicar à ora recorrente os dois imóveis que constituíam parte do património do casal, por considerar que havia tido culpa no divórcio, porque é uma responsabilidade do homem deixar a mulher garantida, tanto mais que, por sua causa a mesma largou o seu trabalho como gestora de hotel em 2007, para, desde então lhe “dedicar a vida” e segui-lo abdicando de tudo, incluindo abandonar o seu país natal.

kk) Tudo isto corroborado pelos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH, nos termos melhor explicitados no corpo do presente recurso.

ll) A ora recorrente impugna “em bloco” os pontos 6. e 7. dos factos provados por, na verdade, e apesar da diferença na redação dum e doutro, versarem exatamente sobre a mesma questão: a do conhecimento por banda da recorrente do “estado de Insolvência” e “dificuldades financeiras do insolvente BB.

mm) Não podia a ora recorrente deixar de conhecer o estado de insolvência e dificuldades económicas do seu, na altura marido porquê?

nn) Impõe-se, não só nesta questão como nas demais, apelar às especiais circunstâncias do caso em concreto: O insolvente e ora recorrente são ambos de nacionalidade chinesa, onde nasceram e foram criados, apenas tendo vindo para Portugal no final de 2013 e a ora recorrente – ao invés do insolvente que domina a língua portuguesa, nela, de resto, ter prestado as suas declarações - apenas conhece e domina o mandarim, nada entendendo da língua Portuguesa e muito pouco ou quase nada da língua inglesa, como, de resto, o Mmo. Juiz a quo reconhece na pág. 14 da sentença recorrida.

oo) Também se impunha na análise da situação em apreço nos autos uma melhor compreensão da cultura chinesa e do papel do homem e da mulher chinesa no casamento alias como explicou o próprio insolvente e também as testemunhas, mormente a testemunha II.

pp) Existindo sobre esta questão existe vasta informação, alguma dela transcrita no corpo do recurso.

qq) Não podemos obliterar o facto de a cultura chinesa ser milenar, contando com cerca de 5 mil anos de história, sendo ainda os valores tradicionais formulados por Confúcio sobre a família que se sobrepõem às novas leis que a República Popular da China através das quais tenta promover a igualdade de género.

rr) Conhecimento este que não poderá, porventura, ser exigível ao homem comum, mas que se deveria impor ao julgador quando tem em mãos um caso como o dos autos, impondo-se-lhe ter em conta tais circunstâncias do caso concreto para melhor compreensão da relação entre o marido e a mulher.

ss) É assim perfeitamente normal e concebível que a ora recorrente nada soubesse da vida do seu marido – como não sabia. Basta aliás reter-se o que o mesmo referiu quanto à “aquisição” do clube de futebol, que a mesma só teve conhecimento após ter sido concretizado, porque ele lhe contou; ou seja não houve uma discussão prévia sobre o assunto, o que seria normal face aos padrões europeus. Mas não é o caso!

tt) Aliás, são várias as testemunhas que no seu depoimento espelham e traduzem a predominância do insolvente na vida do casal, nomeadamente, exigindo que a mesma deixasse de trabalhar para se lhe dedicar ou de outra forma o casamento terminaria, conforme melhor se deixou vertido no corpo do presente recurso.

uu) A testemunha HH confirma que a ora recorrente deixou de trabalhar por “imposição” do insolvente no ano de 2007, dedicando-se-lhe desde então.

vv) O que, na verdade, o levou a querer deixar-lhe o património por forma a salvaguardá-la e compensá-la e garantir-lhe o futuro aquando da separação, o que, como se disse supra faz parte da tradição e cultura chinesa, onde ao homem cabe sustentar a mulher.

ww) O mesmo resulta do depoimento da Testemunha GG infra reproduzido.

xx) Esta testemunha salienta o papel de “esposa” da ora recorrente e, por isso, cabia-lhe a ela receber e dar jantar aos amigos do insolvente.

yy) Da prova testemunhal e por declarações, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que a ora recorrente nada sabia sobre a vida do seu marido, nem mesmo da vida amorosa paralela que o mesmo levava.

zz) Assim, e à míngua de prova concreta, na pág. 18 da sentença o Mmo. Juiz a quo, sem mais, recorre às “regras da experiência comum” para defender a sua convicção de que a recorrente teria agido imbuída de má-fé, pois que, e mais uma vez, “não poderia deixar de conhecer o estado de insolvência de BB”,

aaa) Sendo que, do depoimento do interveniente principal e insolvente, retira-se apenas que o mesmo, a determinada altura, terá assumido pessoalmente a divida da SAD perante os credores JJ que era um treinador de futebol e A..., a empresa que fazia segurança ao clube, como ele explicou, não tendo, no entanto disso dado nota à ora recorrente.

bbb) Até porque, não obstante ter assumido a título pessoal estas dividas, continuou sempre a percecioná-las como sendo dívidas do Clube.

ccc) Sendo aqui mais uma vez necessário recorrer a uma interpretação deste facto à luz dos costumes chineses, relembrando o conjunto de preceitos morais instituído na China em 2012 pelo Secretário Geral KK e ainda hoje promovido por LL, comumente designado por “Oito honras e oito vergonhas”, de acordo com o que ao cidadão chinês exige-se que se paute individualmente pelo valor da “integridade”.

ddd) O insolvente movido pela sua cultura pátria, assumiu ser da responsabilidade pessoal dele próprio dívidas que, formalmente, não eram suas sem qualquer consciência das consequências jurídicas num ordenamento jurídico que desconhece.

eee) Ou seja, no entendimento do insolvente, sendo dívidas provenientes da sua atividade profissional a ora recorrente nada teria a ver com isso, e daí não terem sido levadas em conta à data das negociações dos negócios cuja resolução se impugnou, ao contrário do que pretende fazer crer o Mmo. Juiz a quo.

fff) Também de acordo com aquela linha de pensamento, entranhada e enraizada na cultura chinesa, a motivação do insolvente para ter procedido à partilha nos moldes constantes dos negócios, foi a de se querer divorciar da ora recorrente, sentir-se culpado pela separação e, por ser homem, ser sua a obrigação deixar a sua mulher protegida, o que por diversas vezes explicou ao Tribunal.

ggg) Como já se disse, o comportamento do insolvente há que ser interpretado também à luz do que são os preceitos e conceitos da cultura chinesa.

hhh) É também o próprio insolvente quem afirma que a ora recorrente nada conhecia dos assuntos do Clube e, consequentemente, da sua atividade profissional.

iii) Por outro lado, e como melhor se encontra desenvolvido no corpo do presente recurso, a expectativa que o insolvente tinha de vender a sua participação social por um valor entre os 10 e 12 milhões de euros, afastava, desde logo, a ideia de que em 2019, o próprio insolvente se percecionasse como pré insolvente, pois como o mesmo explica a espaços do seu depoimento, era com o dinheiro da venda da sua participação social e com o produto do seu trabalho como empresário de futebol, que o mesmo contava para honrar as dívidas do Clube que ele havia pessoalmente assumido e também pagar à então mulher, ora Recorrente o que tinha para com a mesma assumido.

jjj) Também era do absoluto desconhecimento da ora recorrente que o seu, então marido, tivesse a expectativa de vender aquela participação social por tal valor, o que se compreende: quem não conta o menos, não conta o mais!

kkk) Acresce, ainda que, para alicerçar a sua convicção de positividade dos factos dados como provados nos pontos 5, 6, 7 e 9, o Mmo. Juiz a quo deu particular importância ao depoimento da insólita testemunha EE, como se pode ver na pág. 19 da sentença ora sob recurso.

lll) No entanto, no entender da ora recorrente, são várias as circunstâncias que concorrem para a total falta de credibilidade do depoimento desta testemunha.

mmm) Esta testemunha EE arrogou-se credora do insolvente pelo montante de 243.000,00€, o qual não foi reconhecido pelo Senhor Administrador da Insolvência.

nnn) Por conseguinte, aquela procedeu à impugnação do não reconhecimento nos autos de Reclamação de Créditos que constituem o Apenso A dos autos.

ooo) Acontece, porém, que, o Mmo. Juiz a quo, por sentença proferida em 28 de Outubro de 2022 naquele Apenso – e da qual não houve recurso - não reconheceu tal crédito, por o depoimento que aquela ali prestou não lhe ter merecido qualquer credibilidade, ali o adjetivando de vago e impreciso, não tendo, por isso, se mostrando a existência do seu alegado crédito sobre o insolvente.

ppp) É facto que, o Apenso A e o presente Apenso são processos distintos, mas, porém, relacionados entre si, pelo que não se pode deixar de achar estranho que a mesma interveniente – EE – possa agora ter merecido a credibilidade que não mereceu no Apenso A.

qqq) Por outro lado, a testemunha EE foi constituída arguida nos autos de qualificação da insolvência como dolosa da Sociedade B..., o qual corre termos pelo Juiz 1 do Juízo de Comércio de Sintra sob o nº. ..., de processo – Cfr. Docs. juntos com o requerimento do Sr.AI em 12 de Fevereiro de 2025 sob a ref.ª. eletrónica Citius 4158077 – sendo tal facto do conhecimento funcional do Mmo. Juiz a quo.

rrr) Pois que, na verdade e como é do conhecimento público, esta testemunha, ela sim, foi Diretora executiva da SAD das Clube ... e sócia da B... a maior acionista desta SAD, como se pode constatar pelas diversas notícias juntas aos autos.

sss) Deste modo, e ao longo de todo o seu depoimento nestes autos, a testemunha EE alertou para o facto de ser diretamente interessada na resolução da presente lide, e que tudo o que ali iria dizer seria sempre concordante com a sua defesa no processo onde a mesma foi constituída arguida.

ttt) Acresce, ainda que, para além da defesa, a testemunha refere ter interesse direto que o presente Apenso fosse julgado improcedente porque teme que “no caso dela vir a ser condenada” no processo supramencionado e noutros, ser só o património dela a responder!

uuu) Certo é que, e como se pode aferir das transcrições feitas no corpo do presente recurso, a testemunha EE embora tenha prestado o seu depoimento na qualidade “formal” de testemunha, fê-lo antes e de facto, como parte interessada diretamente num desfecho final que lhe fosse favorável e de encontro aos seus interesses, pelo que, deveria ter MMº. Juiz, à semelhança do que já havia feito na sentença proferida no Apenso A, desconsiderá-lo em absoluto, pois que o mesmo foi tudo menos isento e imparcial.

vvv) Acresce, ainda que, uma das questões alegadas pela ora recorrente na sua petição de Direito e levada aos temas de prova no despacho saneador era o facto de o insolvente e a testemunha EE terem mantido (ou ainda manterem) uma relação amorosa entre si, o que espoletou a separação e consequente divórcio entre ambos e também motivou os termos em que a partilha foi efetuada.

www) Aos costumes, a testemunha EE afirmou não ter qualquer tipo de relação pessoal e/ou familiar quer com a ora recorrente – o que é verdade – nem com o interveniente principal e insolvente BB.

xxx) Deste modo estava-lhe verdade a faculdade legal de, querendo não prestar declarações estando obrigada a responder ao que lhe fosse perguntado e com verdade.

yyy) No entanto, uma vez perguntada sobre a relação e natureza da mesma que tinha com o insolvente, a testemunha EE, recusou perentoriamente a fazê-lo, e isto não obstante as várias advertências feitas pelo Mmo. Juiz a quo de que se assim continuasse incorreria na prática de um crime de desobediência, tendo este, a final mandado extrair certidão para efeitos de procedimento criminal.

zzz) Posto isto e sem conceder, não entende a recorrente como é que o depoimento desta testemunha, possa ter sustentado a decisão do Mmo. Juiz a quo para a decisão da matéria de facto provada, nomeadamente para dar como provados os pontos já anteriormente referidos.

aaaa) Na verdade, a testemunha EE não coloca a ora recorrente em nenhuma situação concreta da qual eventualmente, se pudesse, sequer, concluir que esta tinha conhecimento do que se estaria a passar, ou seja, que o seu então marido tinha assumido dívidas e que tinha dificuldades financeiras.

bbbb) A testemunha EE que se apresentou em Tribunal artilhada de diversa documentação – sempre no sentido de “fazer” a sua defesa – não veio aos autos juntar um único contrato que fosse, assinado pela ora recorrente, ou qualquer outra prova das declarações que prestou.

cccc) Acresce que, como melhor resulta da leitura (e eventual audição) das já transcritas declarações desta testemunha, apesar de a mesma dizer que pode juntar aos autos documentos comprovativos das suas afirmações, a verdade é que não o fez!

dddd) Ainda assim, e quase no final do seu depoimento, a testemunha afirma que a recorrente não entendia nada das questões de futebol, afirmação esta que vai, finalmente, de encontro com a realidade [muito provavelmente em consequência da vaidade da testemunha].

eeee) A ora recorrente não ia ao Clube, encontrando-se a viver em Lisboa em permanência – Vd. Declarações já transcritas da mesma e da testemunha GG e

ffff) Tal como confirmado pelo próprio insolvente e também por esta testemunha EE, ela não entendia nada “daquilo”, leia-se “negócios do futebol” pelo que qual seria a probabilidade de a ora recorrente ter conhecimento do que quer que fosse?

gggg) O marido nada lhe contava, ela não fazia parte das decisões tomadas a nível profissional, nem pessoal daquele, raramente o via, desconhecia – e desconhece – a língua portuguesa, a legislação portuguesa, os hábitos e costumes e “peculiaridades” da vida “empresarial” portuguesa (ao invés da testemunha EE que até acha normal que em situações de insolvência e quejandas se procurem “estratégias, como fez o Banco 1... e o Banco 2..., conforme se demonstra da passagem que infra se transcreverá).

hhhh) E, como a recorrente declarou, as poucas vezes que foi ao Clube foi para assistir a jogos de futebol “acompanhando” o seu então marido.

iiii) O Mmo. Juiz a quo, apesar de tudo, e como já se abordou supra, considerou que o depoimento da testemunha EE foi “esclarecedor” porque “confirmou a existência da dívida perante o credor DD, e como parte da estratégia antes da apresentação do PER da SAD do Clube ..., tudo criado nessa altura, tendo a testemunha assistido a tais circunstâncias. A testemunha foi muito direta quando afirmou que o interveniente principal foi instruído pelos advogados, para ter cuidado com as verbas, porque poderiam, na insolvência, ser usadas para pagamento das dívidas da SAD do Clube ..., por si presidido.”

jjjj) No entanto, tal não corresponde à realidade, já que do depoimento (transcrito) desta testemunha retira-se que ela própria não sabe bem em quem e em que acreditar – se no insolvente, se no DD – uma vez que ambos sempre lhe apresentar versões diversas sobre a suposta dívida entre eles.

kkkk) O que bem resulta, isso sim, do depoimento da testemunha EE é a sua falta de inocência, disposta a tudo para se “defender” e por forma, aqui sim, a que o seu património não responda peals dividas da B... de que foi acionista e Diretora.

llll) Ao contrário do que o Mmo. Juiz a quo considerou, o depoimento da testemunha EE está longe de ser “claro e cristalino” o que, naturalmente, se compreende fase à posição processual que a mesma assume nos já referidos autos de qualificação da insolvência,

mmmm) De resto, nem do mesmo resultam grandes esclarecimentos quanto à origem, natureza e montante da alegada dívida “ficcionada” do já reclamante DD, antes pelo contrário!

nnnn) O que ficámos a saber é que o documento de assunção de dívida foi alegadamente assinado “sob pressão dos advogados”, em reuniões em que a própria testemunha esteve presente, não concretizando, porém, em que datas, nem em que moldes teria sido exercida tal “pressão”.

oooo) Porém, uma coisa é certa: a ora recorrente é que nunca esteve, nem participou em qualquer dessas e/ou doutras reuniões com advogados, para preparação do que quer que fosse.

pppp) Aliás, é explícita a testemunha GG quando no seu depoimento refere que foi ela quem indicou o escritório das advogadas signatárias à ora recorrente, uma vez que ela não conhecia nenhum, e isto em Maio de 2019, quando a recorrente descobre que o seu marido tinha uma relação extraconjugal com a testemunha EE, o que se tratará, de espaço.

qqqq) Por último, resta acrescentar que o, atabalhoado e defensivo/agressivo, depoimento desta testemunha, que o Mmo. Juiz considerou como “enervado”, não foi corroborado por qualquer outro, nem por qualquer documento que a mesma trouxesse aos autos ou que neles já existissem.

rrrr) O Mmo. Juiz a quo, levou ainda em consideração para dar como provados os factos ora postos em crise, o depoimento do pai da ora recorrente, MM, cujas passagens que para o presente importa de encontram transcritas no corpo do recurso.

ssss) Cumpre esclarecer que este depoimento foi feito com grande dificuldade e limitações, quer por força da provecta idade da testemunha, quer por força da dificuldade no entendimento das questões que teve, naturalmente, com as idiossincrasias da tradução, como Vossas Excelências melhor poderão percecionar se ouvirem a respetiva gravação.

tttt) O depoimento desta testemunha foi, todo ele pautado, por lacónicas e singelas respostas “sim” ou “não sei”, nada tendo concretizado.

uuuu) De resto, não deixa de ser curioso que o Mmo. Juiz a quo tenha inquirido esta testemunha por forma diversa do que fez com as restantes, em que repetia as perguntas e esmiuçava esclarecimentos, e pedia que concretizassem.

vvvv) Não tendo qualquer cabimento o que o Mmo. Juiz a quo escreve, primeiro na pág. 16 da sentença ora sob recurso, onde uma vez mais verte a sua convicção de que a ora recorrente teria agido imbuída de má-fé, o que teria concluído, também pelo depoimento desta testemunha, pai da recorrente.

wwww) De resto, escreve ali o Mmo. Juiz a quo, do depoimento desta testemunha resultou que a Autora conhecia a situação de insolvência iminente do interveniente principal, uma vez que esta ajudava o marido a gerir os negócios do clube e ainda da compra e venda de jogadores” [sic], adiantando ainda, na pág. 18 da sentença recorrida que “a má-fé da Autora também é confirmada pelo conhecimento da mesma sobra a insolvência iminente do insolvente, pois, como já se mencionou, a testemunha, pai da Autora, MM, afirmou que a Autora trabalhava diretamente com o ex-marido, atuando como sua “secretária” na vida pessoal e profissional, pelo que estava a par dessas circunstâncias”.

xxxx) Ora, em momento algum do seu depoimento, o pai da ora recorrente afirma que a sua filha sabia da “situação iminente de insolvência” do marido, sendo esta apenas uma convicção do Mmo. Juiz.

yyyy) Sustenta ainda o Mmo. Juiz a quo a sua convicção sobre o conhecimento da situação por banda da ora recorrente e consequente má-fé desta nos documentos juntos pela Massa Insolvente em 12 de Fevereiro de 2025, não tendo, porém, os mesmos a virtualidade de produzir tal prova como melhor se deixou explicado no corpo do presente recurso.

zzzz) Em suma, nenhuma prova concreta, efetiva e ilidível foi produzida que desse lugar a dar como provados os factos sob os pontos 6 e 7 (e, por consequência os elencados sob os pontos 9, 14 e 16 da matéria provada) pelo menos no que respeita ao conhecimento da ora recorrente sobre o “estado de insolvência de BB” e/ou que “o insolvente atravessava dificuldades financeira”, pelo que os mesmos deverão passar para o elenco dos factos não provados ou, no mínimo, concentrarem-se num único facto com a seguinte redação: Não podia o insolvente, interveniente nos negócios, deixar de conhecer o seu próprio estado de insolvência e que atravessava dificuldades financeiras.

aaaaa) E, por consequência e decorrência lógica, deverão os factos provados sob os pontos 9, 14 e 16, transitar para a matéria não provada, afastada que fica a má-fé da ora recorrente.

bbbbb) A recorrente deixou, de igual forma, impugnado o facto provado sob o ponto 12 da matéria de facto provada.

ccccc) Pois que, e conforme resulta da cláusula do acordo de partilha junto à Petição Inicial foi adjudicada ao cônjuge varão a quota da B..., a qual, no entender daquele, teria um valor em muito superior aos imóveis adjudicados à ora recorrente, como melhor se deixou fundamentado no corpo do presente recurso, razão pela qual deverá este facto transitar para a factualidade não provada.

ddddd) A ora recorrente, impugna, de igual modo, a redação dada ao facto provado sob o ponto 13.

eeeee) Efetivamente, e na decorrência lógica dos factos anteriormente impugnados, deverá a expressão “como contrapartida da dissipação dos direitos suprarreferidos” ser eliminada da redação daquele facto.

fffff) A ora recorrente impugna, por fim, o facto provado no ponto 15 da matéria provada.

ggggg) Pois que, em momento algum, o insolvente declarou transmitir os direitos que tinha sobre os imóveis, sem qualquer contrapartida, por um valor muito inferior ao se valor de mercado, aliás, de forma gratuita, como Vossas Excelências poderão constatar das passagens supratranscritas do depoimento deste e/ou audição das mesmas.

hhhhh) Pelo que, deverá tal facto ser eliminado da factualidade provada.

iiiii) Em sede de despacho saneador, o Mmo. Juiz a quo, levou aos Temas de Prova, em forma de quesitos, vários factos da petição de direito da recorrente.

jjjjj) Esta, no corpo do recurso, procedeu à impugnação dos que se encontram “quesitados” sob os pontos 2 a 9, todos eles dados como não provados pelo Mmo. Juiz a quo.

kkkkk) É, porém, entendimento da ora recorrente que foi produzida prova concreta, clara e ilidível que, uma vez atendida e devidamente analisada pelo Mmo. Juiz a quo, só o poderia ter levado a incluí-los no elenco dos factos provados.

lllll) No que respeita ao facto “quesitado” no ponto 2, e por forma a não “massacrar” Vossas Excelências, deu a ora recorrente no corpo das suas alegações por inteiramente reproduzido o que já havia vertido aquando da impugnação dos factos provados sob os pontos 5, 6, 7 e 9.

mmmmm) Até porque, decorre da lógica que a ser procedente a impugnação daqueles factos levados à factualidade provada, terá, necessariamente de ficar provado que “os termos do acordo da partilha que o impugnante e o insolvente lograram alcançar, não foram dissimulados, nem em algum momento com o mesmo se pretendeu enganar terceiros”.

nnnnn) O mesmo se diga quanto aos factos quesitados sob os nºs. 5 e 6, devendo os mesmos serem dados como provados.

ooooo) Não só pelas razões elencadas no corpo do recurso, mas também porque será a consequência lógica da prova de outros factos levados à matéria não provada.

ppppp) A recorrente pugna também pela passagem do facto “complexo vertido no quesito 3 e dado como não provado para a matéria provada.

qqqqq) Na verdade, este facto, da forma como se encontra redigido, deverá ser decomposto em duas questões: a) Da prova da relação extraconjugal entre o insolvente e a testemunha EE e como foi esta a verdadeira causa do divórcio e partilha e b) Das consequências da traição de um dos cônjuges na cultura, tradição e Lei chinesas.

rrrrr) Da análise conjugada das notícias de jornal juntas aos autos, dos links de notícias indicados pela ora recorrente na sua petição inicial, das declarações de parte desta e dos depoimentos das testemunhas FF, mãe da recorrente, GG e HH, decorre que o Insolvente mantinha desde data anterior aos negócios ajuizados uma relação extraconjugal com a testemunha EE,

sssss) Prova esta que, de tão vasta e até do conhecimento público, impunha que o Mmo. Juiz a quo tivesse dado tal facto como provado.

ttttt) A ora recorrente explicou ao Tribunal que, soube da relação do seu ex-marido com a testemunha EE, “pessoa lá do Clube”, soube-o porque o mesmo lhe contou no mês de Maio de 2019 quando lhe transmitiu a sua vontade de se divorciar, e que já antes desse data ela mantinha com aquela uma relação com quem passava mais tempo “no Clube”, já não indo muitas vezes a casa.

uuuuu) De resto, a relação amorosa entre o insolvente e aquela testemunha começou a ser do conhecimento público, chegando a testemunha EE em várias delas a ser apelidada de “mulher/esposa” daquele, de acordo com as notícias cujos links se encontram indicados no artº. 58. da petição da ora recorrente, algumas delas com o seguinte teor:

vvvvv) Também a mãe da ora recorrente, a testemunha FF transmitiu ao Tribunal o seu conhecimento sobre esta relação, explicando até, que o soube em primeira mão pelo próprio genro, (o insolvente BB).

wwwww) O mesmo foi confirmado pela testemunha HH, que aos costumes afirmou ser amigo de infância quer da ora recorrente quer do insolvente BB, não podendo, por isso deixar de se tratar de um depoimento imparcial e credível, credibilidade essa que aliás o Mmo. Juiz lhe reconhece na sua douta sentença.

xxxxx) Ora face ao enorme acervo de prova produzida, referida e concretizada no corpo do presente recurso, impõe-se dar como provados os factos levados aos “quesitos” nºs. 3 e 4.

yyyyy) Na verdade, o que se conclui de todo o exposto é que a ora recorrente foi, efetivamente traída e humilhada pelo seu marido, o qual, ainda casado com ela se fazia passar (e passear) no Norte do País por “esposo” orgulhoso da sua nova sócia EE, com quem viveu e eventualmente ainda vive em união de facto, o que aliás foi até referido pelo Sr. Administrador de Insolvência no Apenso da reclamação de créditos.

zzzzz) Fruto desse “novo amor” foi o insolvente quem se quis divorciar da ora recorrente, para ter “mais liberdade”, “não se sentir pressionado”, “levar para a frente o seu trabalho no Clube” e, o mais importante, poder até casar com a sua nova namorada, como o mesmo confessou no seu depoimento!

aaaaaa) No entanto, e obedecendo aos critérios da sua cultura, tradição e lei, e face ao facto de não só ser o causador da rutura do seu casamento, mas ainda porque, desde 2007 que a ora recorrente não trabalha por o mesmo a ter impedido, não tendo, assim, qualquer outro meio de subsistência, o insolvente quis “garantir-lhe a vida”.

bbbbbb) Assim a vontade que presidiu à outorga dos negócios resolvendo, nunca foi a de fugir a credores, pelo menos, por banda da ora recorrente.

cccccc) Conjugados com os argumentos e demonstrações que se deixaram vertidos na impugnação dos factos provados sob os pontos 5,6,7,8 e 9 da matéria dada como provada, deverão os factos “quesitados” sob os nº.s 2 a 7 dos Temas de Prova ser considerados provados.

dddddd) Também o facto quesitado sob o nº. 9 – “Bem como a fez acreditar que, mal obtivessem a sentença de divórcio cumpriria na integra o acordo de partilha, o que não ocorreu, vendo-se a impugnante obrigada a instaurar a respetiva ação de execução especifica” – deverá transitar para a matéria de facto provada.

eeeeee) Efetivamente, retira-se dos transcritos depoimentos de parte da recorrente e do próprio insolvente que este não cumpriu o acordado,

ffffff) Quanto ao facto de a recorrente ter lançado mão de ação de execução especifica do contrato de partilha, está provado pela própria existência da ação, a qual faz parte, aliás, do acervo documental dos autos levado em consideração pelo Mmo. Juiz a quo.

gggggg) Não pode a ora recorrente, deixar de salientar que foi tal a vontade do Mmo. Juiz a quo negar provimento à ação interposta por ela, que lançou mão de um argumento no mínimo “insólito” para afastar a questão do que esteve na origem do divórcio e dos negócios ajuizados;

hhhhhh) No seu depoimento, a testemunha EE fez menção à putativa existência de um filho do insolvente filho nascido fora do casamento – a que não se coibiu de chamar “bastardo”.

iiiiii) O mandatário do Insolvente, por requerimento datado de 15 de Fevereiro de 2025 com a refª. Citius 41619280, procedeu, então, à junção de uma cópia digitalizada de um “documento” em língua chinesa que, embora acompanhado de uma tradução certificada, não se sabendo se seria verdadeiro, para provar a alegada existência do tal filho do insolvente.

jjjjjj) Por requerimento datado de 25 de Fevereiro de 2025, a ora requerente o tenha impugnado, uma vez que, nem apostilado se encontrava, nem a sua entidade emissora estava atestada.

kkkkkk) De qualquer modo, e como também foi escrito naquele requerimento, a ora recorrente desconhecia e desconhece em absoluto a alegada existência deste alegado filho do insolvente.

llllll) Bem como nunca tomou conhecimento, nem quer pelo marido, nem quer por terceiros de qualquer outra traição do marido.

mmmmmm) Mas ainda que assim tivesse sido – e não foi – tal não significaria que a recorrente e/ou o insolvente pretendessem, por isso, o divórcio!

nnnnnn) Nem tal alegada traição afastaria a que a ora recorrente veio a conhecer, pela boca do próprio insolvente em Maio de 2019.

oooooo) Sendo, assim no entender da ora recorrente descabida a “conclusão” que o Mmo. Juiz verte na pág. 12 da sentença ora sob recurso, não deixando de parecer mais um “esforço argumentativo” para alicerçar a sua, repete-se convicção, que a priori fez sobre a “má-fé” da ora recorrente.

pppppp) Até porque, não se reconhecendo a veracidade do documento, não poderia aquele Senhor Magistrado levá-lo a considerar como um elemento probatório, como fez.

qqqqqq) Pelo que em face do exposto, deverão transitar para a matéria provada os “temas de prova ora postos em crise.

rrrrrr) Impunha-se que em face da vasta prova produzida o Mmo. Juiz tivesse decidido de forma inversa, pelo que é inequívoco que houve erro de julgamento sobre a matéria de facto e por conseguinte errada interpretação e aplicação da lei

ssssss) Dando-se provimento ao presente recurso como se espera, cairá por terra, obviamente, toda a fundamentação de Direito levada a cabo pelo Mmo. Juiz, uma vez que sendo diversas as respostas dadas à matéria de facto provada e não provada postas em crise pela ora recorrente, haverá de concluir-se pela não verificação dos pressupostos legais para a resolução.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença proferida, assim se fazendo JUSTIÇA!”

CC, na qualidade de ADMINISTRADOR JUDICIAL DO INSOLVENTE “BB”, veio responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:

A. A Recorrida entende que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que a douta Sentença, no que concerne ao assunto em apreço, não merece censura;

B. Em primeiro lugar, quanto ao direito em momento algum a Recorrente indica qualquer norma jurídica violada, quer seja do CIRE quer seja do Cód. Proc. Civil;

C. Em segundo lugar, quanto à matéria de facto, mesmo que existisse algum facto dado como provado que fosse conclusivo ou deficiente, a sua alteração ou correção nunca acarretará a alteração da decisão final, ou seja, a improcedência total da ação de impugnação da resolução;

D. Atente-se que, tal como consta de douta Sentença recorrida, os atos resolvidos, objeto do presente processo de impugnação, nunca chegaram a acontecer – são meras promessas – nunca foram cumpridos e aos dias de hoje a massa, em representação dos credores, não os poderá outorgar, por a promessa de partilha e a promessa de acordo manifestamente prejudiciais, leoninos e infundados;

E. Atente-se ainda ao momento em que foram outorgadas, ou seja, dentro do período de suspeição (2 anos);

F. As obrigações assumidas pelo insolvente excedem desmesuradamente as da contraparte, mais de um milhão de euros, em património imobiliário – sendo que até das tornas prescindiria;

G. E à sua consorte, caber-lhe-ia, a totalidade os bens móveis e valores nominativos;

H. A presunção de má-fé, não foi pela Autora ilidida.

I. Ora, esta factualidade consta de forma clara, claríssima mesmo, dos articulados, tendo sido demostrada e provada no decurso do julgamento através do manancial de prova produzida, constando aliás da douta Sentença, conforme anteriormente transcrito e que aqui por mera economia processual se dá por integralmente reproduzido;

J. Face a toda esta prova produzida e factos concretamente apurados, só por manifesta má-fé, se justifica a apresentação do presente recuso, a que se responde;

K. O raciocínio seguido e convicção formada pelo Tribunal a quo, foi ao encontro da factualidade adquirida e do direito aplicado à questão, constante no disposto dos artigos 120.º, 121.º e 123.º do CIRE;

L. Esqueceu a Autora na sua alegação e nas próprias conclusões do recurso, quanto à matéria de facto impugnada, de indicar os meios de prova onde se fundamenta o erro, nomeadamente na apreciação das provas gravadas, não esclarecendo com exatidão as passagens das gravações em que se funda o recurso;

M. Face ao exposto, por terem sido impugnados muitos factos de forma remissiva, genérica e conclusiva, não deverá ser conhecido o recurso quanto à impugnação da matéria de facto provada com referência nos pontos 6, 13, 14, 14, 15 e 16, assim como quanto à impugnação dos factos dados como não provados, nos pontos 2 a 9.

Sem prejuízo, perseguindo ainda:

N. QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, mais concretamente quanto à alegada “contradição insanável do que o Tribunal à quo considerou provado nos pontos 5 e 8” salvo sempre o devido respeito por melhor entendimento, não há nenhuma contradição. Visto que ambos os factos estão em consonância e intimamente ligados, um com o outro;

O. Ora, como a Recorrente confessa haviam bens imóveis onerados e outros que ainda não se encontravam onerados, mas que vieram a ser;

P. Aliás, como receavam Autora e Insolvente e foi de resto alegado pela Recorrida na sua Contestação, facto que não foi impugnado pela Autora.

Q. Quanto aos imóveis que se encontravam desonerados, estamos perante o facto provado 5; quanto aos imóveis que não se encontravam onerados e viriam a ser, estamos perante o facto provado 8. Assim, é só uma questão de interpretação a realizar sobre factos distintos, no momento próprio.

R. Assim, com base na prova produzida em julgamento e melhor descrita na Douta Sentença recorrida não existe contradição alguma, muito menos insanável, entre ambos os factos dados como provados supra indicados.

Isto é, na data da celebração dos atos resolutivos, celebrados a 16.10.2019 e 04.12.2019, a verba 1 do auto de apreensão de bens encontrava-se onerado; enquanto as verbas 2 e 3 do auto de apreensão de bens estavam desonerados. E destes factos não surge qualquer contradição, muito menos insanável;

S. Visto que, posteriormente, foram acrescentados ónus, derivados da insolvência iminente, e que efetivamente foi declarada a 17/11/2021, referência Citius 430373805.

T. A douta Sentença fundamenta ainda que: “Ora, atentas as regras da experiência comum, não podiam os intervenientes no negócio, nomeadamente a Autora, deixar de conhecer o estado de insolvência de BB, ou seja, a ex-mulher do insolvente marido bem sabia que este se encontra em insolvência técnica (…)”.

U. Assim, a questão aqui fundamental e para o qual se chama à colação, é saber se a Recorrente sabia da insolvência iminente quando foram firmados quer o contrato promessa a 16.10.2019, quer o acordo a 04.12.2019. Para além da existência do ónus sobre o primeiro imóvel, dever-se-á atender à “conjugação dos depoimentos de parte da Autora, do interveniente principal, das declarações de parte do Sr. AI e dos depoimentos prestados pelas testemunhas”:

V. Atente-se às declarações do insolvente BB (...), depoimento cuja gravação está no sistema Citius com data de 04-02-2025, com início às 11:07 e fim às 12:07, com duração de 00:59:49, superiormente transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais;

W. Atente-se ainda, às declarações de EE (...), depoimento cuja gravação está no sistema Citius com data de 13-02-2025, com início às 10:42 e fim às 11:24, com duração de 00:42:39, superiormente transcritas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais;

X. A Recorrente coloca em causa o depoimento desta testemunha. Não sendo este o momento para esse efeito, devia ter colocado em causa na altura própria, designadamente através de acareação ou contradita. Não o tendo feito, a atribuição de credibilidade a esta testemunha pelo tribunal a quo baseia-se em opção assente na imediação e na oralidade, pelo que o tribunal de recurso não poderá colocar em causa.

Y. Mas vejamos agora o depoimento de parte da Recorrente, depoimento cuja gravação está no sistema Citius com data de 04-02-2025, com início às 09:58 e fim às 11:03, com duração de 01:05:15, superiormente transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais;

Z. Se assim se não entender, o que apenas por mera hipótese académica se admite, se forem parcialmente corregidos os factos 5 e 8, nunca será beliscada a essencialidade do facto em questão, ou seja, que: 5. as partes, intervenientes nos negócios, queriam subtrair do património do Insolvente todos os direitos que este detinha. 8. a Autora sabia que o seu marido tinha dívidas e obrigações assumidas. Podendo assim serem os factos corrigidos, neste sentido.

AA. Vem ainda a Recorrente colocar em crise os factos provados n.º 6. E 7. (dos temas da prova, cfr. pág. 5 e ss. da douta Sentença), juntando notícias, prova nova, em sede de alegações de recurso que são anteriores aos próprios articulados e que por este facto não podem ser conhecidas;

BB. De qualquer modo sempre se dirá que, parafraseando a fundamentação da douta Sentença: “Como ficou plenamente demostrado pelos depoimentos de parte do interveniente principal, quando o mesmo refere de forma clara que foi pressionado para assinar o acordo de partilha, face às dividas assumidas pessoalmente por si em 2018, antes do contrato- promessa de partilha, celebrado em 16.10.2019 e do acordo de separação de bens do divórcio do insolvente, outorgado em 04.12.2019. Por outro lado, mencionou que não leu o acordo, pois o mesmo já estava acordado pelos mandatários de ambas as partes, quando se dirigiu ao escritório de mandatários para o assinar.” Dito de outro modo: a Recorrente seria assessorada por Ilustres Advogadas. Que tiveram todo o conhecimento necessário para agir em nome da sua representada. Como resulta claramente dos seguintes depoimentos acima transcritos.

CC. Ainda de fazer notar o seguinte segmento afirmado pela douta Sentença: “a testemunha, pai da Autora, MM, afirmou que a Autora trabalhava diretamente com o ex-marido, atuando como sua "secretária" na vida pessoal e profissional, pelo que estava a par dessas circunstâncias.”, o que se pode verificar designadamente nas Declarações da testemunha MM (ZZ), depoimento cuja gravação está no sistema Citius com data de 04-02-2025, com início às 14:59 e fim às 15:27, com duração de 00:28:01, superiormente transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais;

DD. Quanto à prejudicialidade do negócio, atente-se ao valor atribuído aos imóveis (perícia junta e respetivo esclarecimento) e ainda ao facto de que a referida sociedade B..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Cascais, sociedade declarada insolvente no proc. ..., douta Sentença de 10.02.2021, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 1, ou seja, com sede na mesma morada da Autora. Desde 2016 já não tinha atividade, como também melhor se demonstrou por requerimento de 12/02/2025, com a referência Citius 41580777. Neste requerimento também se demonstrou que único ativo registado desta sociedade é um mero veículo de matrícula ..-..-VL, do ano de 2003, cujo paradeiro é desconhecido. Também ficou demostrado de que desde 2016 que a sociedade insolvente não dispunha de registos contabilísticos, ou seja, muito antes do alegado “surto pandémico da Covid-19.”. Na douta Sentença que declarou a insolvência desta sociedade e junta neste Requerimento pode ler-se designadamente o seguinte constante dos factos provados: “25) Não são conhecidos rendimentos ou bens à Requerida; 26) A Requerida encontrar-se-á paralisada desde, pelo menos, o ano de 2016, segundo assim é possível de compreender pelo facto de não depositar contas desde 2017, altura em que apresentou contas relativas ao ano de 2016, 27)….” . (Itálico, negrito e sublinhados nosso).

EE. Quanto a este aspeto também o depoimento do insolvente não deixa margem para dúvidas, cfr as declarações do insolvente BB (...), depoimento cuja gravação está no sistema Citius com data de 04-02-2025, com início às 11:07 e fim às 12:07, com duração de 00:59:49, superiormente transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais;

FF. QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO NÃO PROVADA, A Recorrente vem ainda impugnar os seguintes factos (quesitos) dados como não provados: 2 a 9. Como superiormente referido e demostrado na data dos atos resolvidos, o insolvente já estava em situação de insolvência.

Foi demostrado que a sociedade B..., Lda., já nem sequer tinha atividade.

GG. Reiterando tudo que já se disse, a Recorrente não deixou de trabalhar, até porque era assistente do insolvente. Por isto mesmo, sabia que as dificuldades que o insolvente passava, até porque ficou plenamente provado que estava assessorada por Advogados/as.

HH. De qualquer maneira sempre se dirá que de acordo com o n.º 4 do artigo 120.º do CIRE: “Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.”

II. A má fé, tal como resulta do n.º 4 do artigo 120.º do CIRE, presume-se quanto a atos em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

JJ. Por seu lado, o artigo 49.º do CIRE: “Pessoas especialmente relacionadas com o devedor 1 - São exclusivamente considerados especialmente relacionados com o devedor pessoa singular: a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

KK. Acresce toda a prova carreada para os autos. Designadamente de fazer notar o seguinte segmento afirmado pela douta Sentença: “a testemunha, pai da Autora, MM, afirmou que a Autora trabalhava diretamente com o ex-marido, atuando como sua "secretária" na vida pessoal e profissional, pelo que estava a par dessas circunstâncias.”.

LL. E não se pode vir dizer que a Autora nada sabia, designadamente por não dominar a língua portuguesa, porque qualquer comunicação que recebia comunicava imediatamente com os/as seus/as Mandatários/as, como se pode ver pelas transcrições supra transcritas;

Deste modo,

MM. No caso dos negócios supra referenciados, são negócios que foram realizados com pessoa especialmente relacionada com o insolvente; acresce que consistem em partilha de forma desigual e desproporcional, uma vez que o insolvente inclusivamente no “Contrato promessa de partilha”: “(…) prescinde de quaisquer tornas, responsabilizando-se o mesmo pelo pagamento de todos os impostos ou encargos a que haja lugar”.

NN. Tendo ainda que pagar indeminizações, pelo divorcio e ainda, quatro milhões de euros pela participação social B..., Lda - quota esta com o valor nominal de apenas € 262.500,00. Nada tendo sido recebido pelo insolvente nem apreendida qualquer quantia a favor da massa insolvente. É demais evidente de que os resolvidos atos criaram uma clara e manifesta redução da possibilidade de satisfação dos credores do insolvente. Até porque nenhum credor recebeu qualquer quantia.

OO. E, a cumprir-se a partilha e o acordo firmado nada receberão!

PP. Não podiam os intervenientes no negócio, nomeadamente a sua consorte, deixar de conhecer o estado de insolvência de BB, ou seja, bem sabia a Autora que este se encontra em insolvência técnica. Como ficou plenamente demonstrado pelos depoimentos e demais prova documental supra melhor identificada e reproduzida.

QQ. Também tem que improceder o argumento, designadamente plasmado no artigo 62.º da PI, que tal benefício em favor da Autora se prende com a lei e a cultura chinesa, juntando agora links em sede de recurso, matéria de prova nova e inaceitável.

RR. A Autora assume o prejuízo manifesto alegado na carta resolutiva, em favor da mesma. Ora, as partes residem em Portugal, os bens também se encontram em Portugal, assim como os credores e assim, é pelas nossas leis que devemos atuar e nada mais há a acrescentar a não ser esta admissão implícita do prejuízo manifesto.

SS. Acresce ainda que os resolvidos atos (promessa) ocorreram por valores muito inferiores ao valor de mercado dos suprarreferidos bens imóveis e móveis e respetivos direitos que o insolvente detinha, em prejuízo do insolvente, o que significou uma diminuição da garantia patrimonial dos créditos que detêm sobre o insolvente, sem qualquer contrapartida;

TT. QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, sumariamente, a Recorrente na delimitação do objeto do Recurso afirma “O presente recurso tem como objeto, a errada interpretação e aplicação da Lei”. O que na sua conclusão rrrrrr) torna a repetir, no entanto, relativamente à matéria de direito, não concretiza que normas foram violadas.

UU. De qualquer modo sempre se dirá que no presente processo se subsumem todos os pressupostos da resolução incondicional, atendendo à data da prática do ato, designadamente porque estamos perante atos suscetíveis de resolução que integram o estatuído no artigo 121.º alíneas a), b) e h) e 124.º ambos do CIRE sendo a resolução dos atos supra identificados incondicional, atendendo ainda o n.º 2 do artigo 123.º que estatui o seguinte: “Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção”.

VV. E assim sendo, fica dispensada a prova da má-fé por parte dos intervenientes, existindo uma presunção inilidível de prejudicialidade para a massa insolvente.

WW. Mas também se verificam todos os pressupostos da resolução condicional, plasmada no artigo 120.º do CIRE. Isto porque, como já ficou dito, os intervenientes do negócio conheciam a prejudicialidade dos negócios para os credores, como supra se evidenciou e aqui se dão integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais, tanto mais que com pessoa especialmente relacionada (ex-mulher), encontrando-se todos em conluio e com claríssima má-fé, o que implicou para os credores uma diminuição da garantia patrimonial dos créditos que detêm sobre o insolvente.

XX. Deste modo, as alegações da Recorrente carecem, em absoluto, de fundamento, pelo que devem improceder em toda a linha. A douta Sentença Recorrida decidindo como decidiu, fez a exata apreciação dos factos e do direito, pelo que não violou qualquer disposição legal invocada pela Recorrente, devendo ser confirmada.

YY. E assim sendo, como é, não tendo a douta Sentença recorrida violado qualquer normativo, deverá ser mantida.”

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, com efeito meramente devolutivo e subida nos próprios autos, nos termos dos 14.º, n.º 2 e 6, alínea b) do CIRE, arts. 627.º, 629.º, 631.º, 637.º, 638.º, ns. 1 e 7, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), 647.º, todos do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

A questão decidenda delimitada pelas conclusões do recurso é a da existência de erro na apreciação da matéria de facto, pretendendo a apelante a modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas relativamente a factos que indicou, pretendendo a alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

Foram julgados provados, na sentença os seguintes factos:

A – FACTOS PROVADOS (por acordo das partes, tendo em conta os documentos juntos aos autos e nos autos principais e demais factos conhecidos no âmbito dos demais processos pendentes ao abrigo do art.º 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC):

1. EE requereu a insolvência de BB em 14.10.2021.

2. BB, citado, juntou procuração, e confessou encontrar-se em situação de insolvência, nos termos do artigo 3.º do CIRE, visto que o seu passivo é manifestamente superior ao ativo, de acordo com todos e quaisquer critérios contabilísticos aplicáveis. Declarou, ainda, que prescinde do prazo que legalmente lhe assiste para deduzir oposição nos termos do artigo 30.º, n.º1 do CIRE (referência 40444098).

3. Por sentença proferida em 17 de novembro de 2021 foi decretada a insolvência de BB.

4. NN e AA celebraram, em 16 de outubro de 2019, contrato promessa de partilha cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (vd. doc. 5 junto com a petição inicial).

5. NN e AA celebraram, em 4 de dezembro de 2019, acordo da separação dos bens do divórcio, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (vd. doc. 2 junto com a petição inicial).

6. Em 09.06.2022, o Sr. AI enviou carta de resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de partilha, celebrado em 16.10.2019 e o acordo de separação de bens do divórcio do insolvente, outorgado em 04.12.2019, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (vd. doc. 4 junto com a contestação da massa insolvente).

7. DD deu entrada de uma Ação Executiva, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Execução de Oeiras, sob o n.º 1600/20.8T8OER.

8. A Autora intentou contra o insolvente ação de execução específica que corre termos o processo n.º 2738/21.0T8CSC no Juiz Central Cível de Cascais, Juiz 4.

Factos provados após realização de audiência de discussão e julgamento:

B – TEMAS DA PROVA:

Da petição inicial

1. A Autora não rececionou a carta registada de 1 de julho de 2022, nem tomou conhecimento da mesma em momento anterior a 18 de novembro de 2022.

Da contestação da massa insolvente:

2. A morada constante da resolução é a mesma da agora indicada pela Autora, ou seja: Rua .... Cascais ... Cascais.

3. Tendo sido deixado aviso no correio para proceder ao seu levantamento.

4. Tendo sido enviada segunda carta com registo simples, por mera cautela visto que a primeira carta foi devolvida.

5. A real intenção das partes, intervenientes nos negócios foi a de enganar terceiros – os credores do insolvente – e subtrair do património deste, os direitos que o mesmo detinha sobre múltiplos bens imóveis desonerados e que pudessem responder pelas suas dívidas.

6. Não podiam os intervenientes no negócio, nomeadamente a sua consorte, deixar de conhecer o estado de insolvência de BB.

7. Todos os intervenientes nos negócios não podiam assim deixar de conhecer que o insolvente atravessava dificuldades financeiras.

8. Encontrando-se os imóveis onerados por múltiplas penhoras referentes a créditos reclamados nos presentes autos, bem sabia a Autora que o seu marido se encontrava em insolvência técnica

9. Tendo todos agido com má-fé e intenção de prejudicar os credores do insolvente.

10. Os negócios ocorreram por valores inferiores ao valor de mercado dos suprarreferidos bens imóveis e móveis e respetivos direitos que o insolvente detinha, em prejuízo do insolvente.

11. A transmissão dos direitos que o insolvente tinha sobre os imóveis e os móveis e outros direitos, significou uma diminuição da garantia patrimonial dos créditos que detêm sobre o insolvente.

12. Ao património do insolvente foram subtraídos direitos sobre os bens sem que fosse atribuída a devida contrapartida.

13. Não foi entregue ao insolvente ou aos seus credores qualquer quantia como contrapartida da dissipação dos direitos suprarreferidos.

14. Foram os credores onerados e tentada a subtração de bens do insolvente de forma encapotada, sem que fosse entregue a devida contrapartida.

15. O insolvente declarou transmitir os direitos que tinha sobre os imóveis, sem qualquer contrapartida, por um valor muito inferior ao seu valor de mercado, aliás, de forma gratuita.

16. Todos os intervenientes do negócio conheciam a prejudicialidade dos negócios para os credores do insolvente.

E foram julgados não provados, na sentença, os seguintes factos:

Da petição inicial

1-Os termos do acordo de partilha que a impugnante e o insolvente lograram alcançar, não foram dissimulados, nem em algum momento com o mesmo se pretendeu enganar terceiros.

2-Atenta a relação extraconjugal que o insolvente, à data seu marido, mantinha com a requerente da insolvência, EE, e face ao princípio da Lei do Casamento da República Popular da China, espelhando os costumes chineses –de indemnizar o cônjuge pelos danos causados por comportamento “indigno”, – fez o insolvente acordar no pagamento de uma pensão de alimentos à impugnante.

3-Desde a data da celebração do casamento com o insolvente que a Autora lhe dedicou a vida, deixando, a pedido dele, de deixar de trabalhar, deixando o seu país natal, a sua família e amigos, sempre para o acompanhar, merecendo, tal facto, tutela jurídica na Lei chinesa.

4-As negociações para a partilha do património comum do casal e os negócios jurídicos que daí advieram, nunca tiveram como escopo enganar ninguém e muito menos os credores do insolvente.

5-Às datas das celebrações dos atos cuja resolução se visa, o insolvente não era devedor dos credores reclamantes A..., DD e EE.

6-Em momento algum, a Autora agiu imbuída de má-fé.

7-O insolvente fê-la acreditar que se tratava de um homem correto, agindo de acordo com a lei e os preceitos chineses, uma vez que a tinha traído e abandonado a casa de morada de família,

8-Bem como a fez acreditar que, mal obtivessem a sentença do divórcio, cumpriria na integra o acordo de partilha celebrado, o que não ocorreu, vendo-se a impugnante obrigada a intentar a respetiva ação de execução especifica.

Da contestação da massa insolvente:

9-A carta, com aviso de receção, com a resolução extrajudicial relativamente ao contrato de arrendamento aqui em causa foi remetida a 09.06.2022, só não foi recebida por única e exclusiva responsabilidade da Autora.

IV-MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.

Tal como explica Abrantes Geraldes[1], "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

Nos termos do preceituado no art. 607º n.º 5, do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e percetibilidade e tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.

Daí que a jurisprudência[2] acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”.

Importará, por isso, aquilatar se as conclusões que foram retiradas a partir da prova que foi produzida e credibilizada pelo tribunal, não contende com as regras da experiência comum e da lógica.

Hã ainda que ter em consideração os ónus decorrentes para aquele que impugna a matéria de facto do disposto no art. 640º do CPC.

Entendemos que a Apelante cumpriu tal ónus, nada impedindo a reapreciação da matéria de facto.

Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela Apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza, como dissemos da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

Vejamos.

Aponta em primeiro lugar a Recorrente a existência de uma “contradição insanável entre os seguintes factos que foram julgados provados:

5. A real intenção das partes, intervenientes nos negócios foi a de enganar terceiros – os credores do insolvente – e subtrair do património deste, os direitos que o mesmo detinha sobre múltiplos bens imóveis desonerados e que pudessem responder pelas suas dívidas.

8. Encontrando-se os imóveis onerados por múltiplas penhoras referentes a créditos reclamados nos presentes autos, bem sabia a Autora que o seu marido se encontrava em insolvência técnica

A contradição apontada diz respeito aos ónus incidentes sobre os imóveis objeto dos negócios que foram resolvidos em benefício da massa insolvente – contrato promessa de partilha celebrado a 16.10.2019 e acordo de separação de bens por divórcio por mútuo consentimento entre a autora AA e o interveniente NN de 4.12.2019.

São estes os imóveis, objeto daqueles negócios:

(A) Verba 1 do auto de apreensão de bens: Prédio Urbano - Fração autónoma 'S' Habitação no Bloco ..., quarto piso, no 2º andar direito, um fogo com uma garagem no 1º piso cave designada pelo nº ..., sito na Rua ..., .... Descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... - S e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º ... – S, da União das freguesias ... e ..., Concelho de Cascais

(B) Verba 2 do auto de apreensão de bens: Prédio Urbano - Fração autónoma 'I' - Habitação no piso 3, terceiro A, sito na Avenida ..., .... Descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... - I e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º ......, da Freguesia ..., Concelho de Lisboa

(C) Verba 3 do auto de apreensão de bens: ... do Prédio Urbano – Fração autónoma 'AX' - Arrecadação ..., no piso -1, para arrecadação, com 95 lugares de estacionamento, do nº ... ao nº ..., do nº ... ao nº ... e do nº ... ao nº ..., no piso -1 e 52 lugares de estacionamento do nº ... ao nº ..., do nº ... ao nº ..., do nº ... ao nº ... e do nº ... ao nº ..., no piso -2, sito na Av. ..., .... Descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... - AX e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º ... – AX, da Freguesia ..., Concelho de Lisboa.

Diz a Apelante que à data da celebração daqueles negócios não se encontravam registadas quaisquer penhoras sobre os imóveis objeto dos mesmos, como decorre da mera análise das respetivas certidões prediais juntas aos autos.

Da certidão predial urbana relativa à fração autónoma designada pela letra “S”, sita na ... em Cascais, constata-se que à data da celebração dos negócios objeto da resolução não existia qualquer penhora e muito menos referentes a créditos reclamados nos presentes autos.

Sobre esta fração apenas mais tarde vieram a ser registadas, a 6 de Abril de 2021 duas penhoras (uma para garantia de pagamento do crédito do credor “A...”, e outra para garantia do pagamento do “pseudo” credor DD), ou seja, em data muito posterior às da outorga dos negócios ajuizados.

Relativamente ao imóvel designado pela letra “I”, descrito na Conservatório do Registo Predial sob o nº. ... da Freguesia ..., o mesmo foi adquirido a 17 de Setembro de 2019, (também em momento muito anterior ao registo das penhoras) e em cumprimento do que as partes haviam convencionado na “Proposta para divórcio de casamento”.

Pelo que, conclui a Recorrente, era impossível existir sobre o mesmo qualquer penhora até aquelas datas, o que resulta também da mera análise da escritura pública de compra e venda deste imóvel junta aos autos, bem como não existia a 4 de Dezembro de 2019, data do divórcio e Partilha.

Que só muito mais tarde, em 11 de Julho de 2023 é que este imóvel foi objeto de penhora, para garantia do alegado crédito da “pseudo” credora EE, ou seja, decorridos praticamente 4 anos sobre as datas dos negócios dos autos.

Já o AI, nas contra-alegações, rejeita a existência de contradição, dizendo que, quanto aos imóveis que se encontravam desonerados, estamos perante o facto provado 5;quanto aos imóveis que não se encontravam onerados e viriam a ser, estamos perante o facto provado 8. Assim, é só uma questão de interpretação a realizar sobre factos distintos, no seu momento próprio.

Vejamos.

A contradição apontada na redação destes dois factos que integram o elenco dos factos provados, insere-se no âmbito da impugnação da matéria de facto feita pela Apelante, sendo que a sua discordância relativamente aos mesmos não se esgota nesta questão de saber se os imóveis objeto dos negócios que foram objeto de resolução pelo senhora administrador da massa insolvente encontravam-se ou não onerados na data da realização daqueles negócios.

Não obstante apreciaremos esta questão, sem prejuízo da análise crítica da prova que se fará a seguir relativamente aos mesmos factos.

É certo que os factos 5 e 8 referem-se genérica a “múltiplos bens imóveis” e a “imóveis” e “múltiplos, sem os identificar e a “imóveis desonerados” e a “imóveis onerados”, sem igualmente discriminar os ónus que sobre os mesmos incidiam, nem as datas em que foram criados tais ónus.

E esta questão não é de sobre menos importância, porque, desde logo, relativamente ao facto 8, o tribunal a quo retira da existência de “múltiplas penhoras” que oneravam os imóveis a conclusão que “bem sabia a autora que o seu marido se encontrava em insolvência técnica”.

Importa pois, com o necessário rigor, analisar os ónus que incidiam sobre os imóveis supra identificados, nas datas em que foram celebrados os negócios resolvidos a favor da massa insolvente, isto é em 16.10.2019 e em 4.12.2019.

Tal tarefa só se mostra viável, através da consulta das respetivas descrições prediais, pois só da leitura dos registos feitos junto da conservatória do registo predial se poderá obter a concretização de tal factualidade, o que se impõe fazer.

Mostram-se juntos tais documentos – certidões do registo predial relativas aos imóveis sub judice - por requerimento de 19/01/2022, junto ao apenso Apreensão de Bens (23818/21.6T8LSB-B), dos aludidos imóveis.

Da sua consulta resulta que, relativamente à verba 1 do auto de apreensão de bens (descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... – S) foi constituída hipoteca voluntária pelo insolvente, com registo a 10/07/2018 a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, para garantia do integral e bom pagamento das dívidas exequendas da sociedade Clube ..., SAD, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., Clube ..., Santo Tirso, nos processos de execução fiscal; nos processos de execução fiscal n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., que corre seus termos nos Serviços de Finanças de Santo Tirso, conforme AP. ... de 2018/07/10 15:13:16 UTC - Hipoteca Voluntária.

-Foi ainda constituída hipoteca voluntária com registo a 22/01/2019 a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira; constituída hipoteca voluntária pelo insolvente, com registo a 03/04/2019 a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Santo Tirso, para garantia do integral e bom pagamento das dívidas exequendas da sociedade Clube ..., SAD, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso, nos processos de execução fiscal n.ºs ..., ... e ..., conforme AP. ... de 2019/01/22 09:26:20 UTC - Hipoteca Voluntária

-Constituída hipoteca voluntária pelo insolvente, com registo a 03/04/2019 a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira – Serviço de Finanças de Santo Tirso, para garantia do integral e bom pagamento das dívidas exequendas da sociedade Clube ..., SAD, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Santo Tirso, nos processos de execução fiscal n.ºs ..., ... e ... – conforme AP. ... de 2019/04/03 15:24:02 UTC - Hipoteca Voluntária.

-Constituída hipoteca voluntária pelo insolvente com registo a 29/04/2019 a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, Garantia do pagamento da quantia de 123 685,00€ no processo de execução n.º ... que corre termos no Serviço de Finanças de Santo Tirso, pela sociedade Clube ..., SAD, conforme AP. ... de 2019/04/29 11:45:55 UTC - Hipoteca Voluntária.

O registo de penhoras que incide sobre o imóvel, têm data posterior ao negócio dos autos.

-AP. ... de 2020/11/19 10:04:06 UTC – Penhora Registado no Sistema em: 2020/11/19 10:04:06 UTC, a favor de A..., LDA e,

- AP. ... de 2021/04/06 20:07:44 UTC – Penhora Registado no Sistema em: 2021/04/06 20:07:44 UTC, a favor de DD

Relativamente à verba 2 do auto de apreensão de bens (descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ......), trata-se de um imóvel adquirido pelo insolvente em 17.9.2019, - AP. ... de 2019/09/17 14:07:19 UTC – Aquisição a favor de BB, Casado/a com AA.

As penhoras registadas, têm datas posteriores aos negócios dos autos:

-AP. ... de 2020/11/19 10:04:06 UTC – Penhora Registado no Sistema em: 2020/11/19 10:04:06 UTC, a favor de A..., LDA

- AP. ... de 2021/04/06 19:08:35 UTC – Penhora Registado no Sistema em: 2021/04/06 19:08:35 UTC, a favor de DD

Esta realidade registral será devidamente atendida na análise e decisão do erro de julgamento invocado pela Apelante a que se procederá de seguida, nomeadamente tendo em consideração apurar a questão central deste recurso, que é a da existência ou não de má-fé, na celebração dos negócios resolvidos a favor da massa insolvente, por parte da autora.

Com efeito, através deste recurso, e dos factos impugnados – factos 5, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, que a recorrente pretende ver não provados e dos factos não provados 2 a 9, que a recorrente pretende ver provados, pretende a recorrente demonstrar a existência de erro de julgamento quanto à existência de má-fé pela autora na celebração dos negócios resolvidos.

Defende a Apelante que não foi feita prova que a autora tivesse conhecimento do estado de insolvência do então seu marido BB, nem das suas dificuldades financeiras, pretendendo ver afastada a existência de qualquer conluio com o insolvente, aquando do acordo de divórcio entre ambos, que teve em vista a subtração do património aos credores do insolvente.

Defende que é abusiva a extração da conclusão feita na sentença de que ora recorrente tinha conhecimento do alegado estado de insolvência técnica do seu marido, sem recurso a qualquer outro meio de prova que consolidasse tal conclusão.

Que analisada a vasta prova documental referida na sentença recorrida não existe qualquer documento do qual se possa concluir que a recorrente pretendesse enganar quem quer que fosse, muito menos os credores do insolvente ou sequer que tinha conhecimento da existência de quaisquer dividas.

Isto, porque, e em suma, à data dos negócios não existiram quaisquer penhoras sobre os imóveis objeto dos mesmos; a apelante, de nacionalidade chinesa, não fala português; desconhecia em absoluto o que passava na vida profissional e financeira do então seu marido, o qual após o casamento, a impediu de trabalhar, tendo por isso se limitado a uma vida de “dona de casa”; o tribunal não atendeu às particularidades da cultura e costumes chineses, nomeadamente ao papel do homem e da mulher no casamento, bem como á lei chinesa, que obriga o cônjuge infiel a compensar o outro, em caso de existir uma relação extraconjugal, tal como existiu, tendo por isso pretendido o insolvente com o acordo firmado obter o divórcio e deixar a mulher protegida, por sentir culpado com a separação; e bem assim porque a quota que foi adjudicada ao insolvente, na partilha, da B..., no entender da recorrente teria um valor muito superior aos bens que lhe foram adjudicados, já que aquele tinha expetativa de a vender por um valor entre os 10 a 12 milhões de euros.

Deveriam ter sido devidamente valorados os depoimentos da autora e do insolvente e bem assim das testemunhas de nacionalidade chinesa, amigos do casal e desvalorizado o depoimento de EE, por total falta de credibilidade, por ser diretamente interessada no desfecho desta ação, quer por ter um relacionamento extra conjugal com o insolvente, quer por ter sido constituída arguida nos autos de qualificação como dolosa da sociedade B....

Vejamos.

Resulta da matéria de facto provada, o seguinte.

Por sentença proferida em 17 de novembro de 2021 foi decretada a insolvência de BB.

NN e AA celebraram, em 16 de outubro de 2019, contrato promessa de partilha, com o conteúdo constante do . doc. 5 junto com a petição inicial).

NN e AA celebraram, em 4 de dezembro de 2019, acordo da separação dos bens do divórcio, cujo conteúdo consta do doc. 2 junto com a petição inicial.

Em 09.06.2022, o Sr. AI enviou carta de resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de partilha, celebrado em 16.10.2019 e o acordo de separação de bens do divórcio do insolvente, outorgado em 04.12.2019, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (vd. doc. 4 junto com a contestação da massa insolvente).

A impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, através da ação prevista no artº 125º CIRE, é uma ação de simples apreciação negativa que, na negação dos factos invocados para fundamentar a resolução operada pelo Administrador da Insolvência, visa a demonstração da inexistência ou da ineficácia, por não verificação dos pressupostos legais, da resolução declarada pelo administrador de insolvência.

Sendo a resolução extrajudicial, efetuada por carta registada (art. 123ºCIRE), cabe à outra parte (ou ao insolvente) o ónus de a impugnar por via judicial (art. 125º CIRE), podendo atacá-la quer por razões formais quer por motivos substanciais.

Tratando-se de factos constitutivos do direito potestativo de resolução, compete ao Administrador Judicial, a prova dos factos constantes da declaração de resolução à massa insolvente, cabendo à parte contrária (o impugnante) a alegação dos factos, a provar por si, que os afastem.

Conforme afirma Maria do Rosário Epifânio,[3] a resolução em favor da massa insolvente é um instituto que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de atos prejudiciais a esse património, com vista a apreender para a massa insolvente, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles atos que se mostram prejudiciais para a massa.”

Estabelece, com efeito, o art. 120º do CIRE o seguinte:

“1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

2 - Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) Do início do processo de insolvência

(…)” (sublinhado nosso)

A resolução depende, em geral de dois requisitos: a prejudicialidade à massa (art. 120º nº1) e a má-fé de terceiro (art. 120º nº 4).

O regime prevê mecanismos que facilitam, em certos casos, a resolução.

Quanto à prejudicialidade, há atos que se presumem iuris et de iure, prejudiciais á massa. Tratam-se dos atos elencados no artigo 121º do CIRE

Quanto à má-fé, que ora nos ocupa, há atos relativamente aos quais se presume iuris tantum, a má fé de terceiro.

Como refere Catarina Serra[4], “Trata-se dos atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ai início do processo de insolvência e em que tenha participado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data (artº 120º nº 4). Parece estar implícita uma remissão para o artigo 49º, devendo as pessoas especialmente relacionadas ser encontradas com apoio nesta norma (…)”

A lei presume a má-fé quanto aos atos praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores ao processo de insolvência em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

Tem-se entendido que as pessoas especialmente relacionadas com o insolvente a que alude o artigo 120º nº 4 são aquelas a que se refere o artigo 49º do CIRE.[5], que na indicação das “pessoas especialmente relacionadas com o devedor”, inclui:

“a)O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;”

Do exposto resulta, que atenta a relação existente entre o insolvente e a autora na data dos negócios que celebraram, uma vez que eram casados entre si, acordando proceder a partilha dos bens, tendo em vista o divórcio, não há dúvida que sobre a autora recai uma presunção de que interveio naqueles negócios, com má-fé, presunção essa, que sendo por natureza, uma presunção iuris tantum lhe cabia afastar.

Ora, tal como se pode ler na sentença recorrida, a autora não logrou fazer a prova, que lhe competia, de factos suscetíveis de afastar tal presunção.

E a verdade é que, reapreciada a prova, o juízo probatório que formulamos em nada diverge do que se apresenta como essencial à convicção alcançada pela 1.ª instância, que consideramos suficientemente motivada.

Com efeito, na análise crítica da prova escreveu-se:

“A prova documental junta aos autos e a testemunhal produzida revelou que o interveniente principal, transferiu a totalidade dos bens para a sua ex-cônjuge sem qualquer contrapartida financeira, na meação a que teria direito.

Ficou assente que tal transmissão de bens ocorreu sem que tenha havido qualquer pagamento pela parte beneficiária, ora Autora.

O acordo estipula ainda que BB assumiria todas as dívidas e encargos fiscais da partilha, um comportamento atípico em acordos dessa natureza.

Ora, da prova produzida, em concreto do depoimento da testemunha MM, pai da Autora, resultou que a Autora conhecia a situação de insolvência iminente do interveniente principal, uma vez que esta ajudava o marido a gerir os negócios do clube e ainda da compra e venda de jogadores.

À data da partilha já existiam penhoras registadas sobre os imóveis e dívidas significativas já vencidas na altura da partilha.

Nessa medida, a Autora e o interveniente principal tinham plena consciência da situação financeira crítica e mesmo assim prosseguiram com uma partilha que retirava bens da esfera patrimonial do insolvente, ora interveniente principal.

De acordo com a prova pericial junta aos autos (vd. prova pericial – relatório de 16.07.2024 (avaliação das verbas n.º 1 a 5) e esclarecimentos do Sr. Perito de 12.11.2024 sobre o valor da verba n.º 1), a Ré Massa Insolvente conseguiu demonstrar que os bens transferidos tinham um valor substancial, sendo improvável que um acordo com a transmissão de todos os bens para a Autora fosse feito sem o objetivo de lesar os credores.

Assim, a ausência de qualquer compensação financeira diminuiu concretamente a garantia patrimonial dos credores, impedindo-os de reaver os seus créditos através da execução dos bens.”

Apenas não subscrevemos afirmação, de que, “à data da partilha já existiam penhoras registadas sobre os imóveis”, pois como vimos já, inexistiam penhoras na data da celebração dos negócios impugnados.

Existiam contudo, “dívidas significativas já vencidas na altura da partilha”, pois resulta da certidão predial supra referida, que existiam dívidas “significativas” do Clube ..., SAD à Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo pagamento foi garantido pelo insolvente através de constituição de hipotecas voluntárias sobre a fração S.

Tendo em consideração as certidões prediais dos imóveis objeto do acordo de partilha, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, a autora não podia desconhecer, (uma vez que era cônjuge meeira) que o marido constituiu 4 hipotecas voluntárias sobre o imóvel (a ambos pertencente por força do regime de bens do casamento) descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... – S):

-AP. ... de 2018/07/10 15:13:16 UTC - Hipoteca Voluntária.

-AP. ... de 2019/01/22 09:26:20 UTC - Hipoteca Voluntária

-AP. ... de 2019/04/03 15:24:02 UTC - Hipoteca Voluntária.

-AP. ... de 2019/04/29 11:45:55 UTC - Hipoteca Voluntária.

A análise crítica da prova feita na sentença assenta assim nas regras da experiência de vida, da lógica, da racionalidade, dos padrões habituais e da normalidade das obrigações e dos aspetos gerais da vida.

Pese embora a natural dificuldade deste tribunal de recurso, na reapreciação da prova gravada, já que se encontra limitado à audição das gravações da prova, com a autora e demais testemunhas a expressarem-se em chinês, (apenas o insolvente, o administrador de insolvência e testemunha EE se expressaram em português), e limitado às palavras proferidas pelo tradutor, consequentemente impedido de proceder a uma valoração pessoal dos depoimentos, apenas acessível à primeira instância, não temos razões para discordar da apreciação feita por aquele tribunal que beneficiou do princípio da imediação.

Com efeito, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – as quais não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados, principalmente através de um tradutor, que se limita a traduzir o que ouviu destituído de quaisquer emoções.

Não obstante, mostra-se de extrema relevância o depoimento prestado pelo pai da autora, a testemunha MM, jornalista de profissão, reformado, o qual, contrariando o depoimento da filha aqui recorrente, e das suas amigas, ouvidas como testemunhas, que pretenderam passar a imagem da autora como sendo uma mera “esposa” e “dona de casa”, relatou com assertividade (o sr. Juiz para que não houvessem dúvidas, voltou a perguntar-lhe e aquele reafirmou o que já dissera[6]), que a sua filha ajudava o marido nos negócios dos jogadores.

Afirmou que a filha ajudava o marido nos assuntos da casa, “mas na parte do trabalho também.” Afirmou também que ela desistiu do trabalho anterior (era gestora de hotéis), para ajudar o marido, BB.

Ao contrário daquilo que a Recorrente pretende fazer crer, ela acompanhava os negócios do marido, (porque razão o seu pai faltaria à verdade nesta questão?), o que, aliás bem se compreende se atentarmos na profissão que declarou ser a sua, de gestora.

Como gestora a apelante encontrava-se numa posição privilegiada de poder ajudar o marido nos negócios, por um lado e por outro de ter acesso e de compreender a situação patrimonial extremamente deficitária do seu cônjuge, relacionada com administração do Clube ..., SAD.

Com exceção das penhoras que não existiam na data dos negócios, no demais subscrevemos a sentença.

Acresce que o teor da partilha efetuada tendo em vista o divórcio da autora e do insolvente não deixa grande margem para dúvidas quando ao desequilíbrio da mesma, e a intenção de retirar o património do alcance dos credores do insolvente, pois o único bem que ficou a caber ao insolvente foi o da quota na sociedade B..., LDA, sendo que, quanto a este bem, o depoimento prestado pelo insolvente NN, não deixa margem para dúvidas quanto ao seu valor, quando este expressamente reconhece que, “Essa quota social, na verdade, isso, falando …, isso não vale nada”.

Questionado pelo Juiz [00:20:30] – O que o senhor está a dizer é que a quota não valia nada, é isso?

Respondeu: – Sim.”

Acresce que, tal como se pode ler na sentença, recorrida, “tendo por base o teor da sentença que declarou a insolvência desta sociedade (junta com o requerimento de Requerimento da massa insolvente de 12.02.2025: “já quanto ao argumento de que o interveniente principal tinha a perspetiva de vender a sua quota na sociedade B... por 10 milhões de euros, note-se que a referida sociedade B..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Cascais, morada do casal, foi declarada insolvente no processo n.º ..., sentença de 10.02.2021, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 1, ou seja, com sede na mesma morada da Autora.

Esta sociedade já não tinha atividade desde 2016, como também se demonstrou pelo requerimento da massa insolvente de 12/02/2025, com a referência Citius 41580777.

Neste requerimento também se demonstrou que o único ativo registado desta sociedade era um veículo de matrícula ..-..-VL, do ano de 2003, cujo paradeiro era desconhecido. Também ficou demostrado que desde 2016 que a sociedade insolvente não dispõe de registos contabilísticos, ou seja, muito antes do alegado surto pandémico – Covid 19, causa alegada pela Autora para a insolvência da sociedade.”

Assim, as declarações prestadas pelo insolvente, são confirmadas pelo facto dessa sociedade ter vindo a ser declarada insolvente pouco tempo após[7].

O que ocorre na prática, com a partilha efetuada é assim, a transferência pelo insolvente da totalidade dos bens para a sua ex-cônjuge sem qualquer contrapartida financeira, na meação a que teria direito, como se afirma na sentença.

De acordo ainda com a prova pericial junta aos autos (vd. prova pericial – relatório de 16.07.2024 (avaliação das verbas n.º 1 a 5) e esclarecimentos do Sr. Perito de 12.11.2024 sobre o valor da verba n.º 1), a Ré Massa Insolvente conseguiu demonstrar que os bens transferidos tinham um valor substancial, sendo improvável que um acordo com a transmissão de todos os bens para a Autora fosse feito sem o objetivo de lesar os credores.

Assim como, ficou assente que tal transmissão de bens ocorreu sem que tenha havido qualquer pagamento pela parte beneficiária, ora Autora.

O acordo estipula ainda que o ora insolvente BB assumiria todas as dívidas e encargos fiscais da partilha, um comportamento atípico em acordos dessa natureza.

O insolvente inclusivamente prescinde de quaisquer tornas, responsabilizando-se o mesmo pelo pagamento de quaisquer impostos ou encargos a que haja lugar (vd. Cláusula 6.ª do contrato de promessa de partilha de 16.10.2019).

Para além duma partilha desigual e desproporcional, a ausência de qualquer compensação financeira diminuiu concretamente a garantia patrimonial dos credores, impedindo-os de reaver os seus créditos através da execução dos bens.

Sendo a autora a beneficiária da totalidade dos bens com valor do extinto casal e acompanhando ela os negócios do marido, auxiliando-o nos mesmos, tal como relatado pelo seu pai, considerando ainda as suas habilitações profissionais de gestora, esta não poderia desconhecer a finalidade do acordo de partilha efetuado.

Podemos assim concluir que, tudo visto e ponderado, o juízo probatório que formulamos em nada diverge do que se apresenta como essencial à convicção alcançada pela 1.ª instância.

Com efeito, a matéria de facto julgada provada e não provada em apreço, coaduna-se inteiramente, a nosso ver, com um juízo probatório sobre o conjunto dos meios de prova produzidos, “sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference, i. e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis”.

Não vemos, pois, razões válidas para censurar a decisão da matéria de facto em qualquer dos segmentos impugnados, designadamente quanto à factualidade julgada provada e não provada, porque sustentada num juízo de maior probabilidade do acontecer formulado pela 1.ª instância, com base no princípio da livre apreciação do conjunto de provas produzido, e favorecido pela imediação, dotado de racionalidade, objetividade e inteligibilidade bastantes.

De realçar ainda que, competindo à autora afastar a presunção de má-fé que sobre ela recaía, não logrou a mesma demonstrar factos suscetíveis de a afastar.

Com efeito, temos de concordar com a sentença quando aí se afirma, que não ficou demonstrada em julgado, mediante meios probatórios suscetíveis de suportar tal alegação, que é prática comum no seu país de origem, e segundo a lei que os maridos “infiéis”, deixem todo o seu património na partilha ao ex-cônjuge.

A prova da existência de leis do seu país de origem teria de ser feita através de documentação suscetível de as demonstrar, o que não ocorreu.

Aliás, o não cumprimento voluntário da partilha por parte do insolvente, que determinou a instauração pela Recorrente de uma ação de execução específica que corre termos no p nº 2738/21.0T8CSC é por si demonstrativa de que a sua intenção, ao contrário do que alega a Recorrente nunca foi compensá-la de uma eventual traição.

Por ultimo, quanto ao depoimento prestado por EE, o tribunal teve em consideração o interesse que a mesma não escondeu ter, por ser credora da insolvência.

Não divergindo da factualidade provada e não provada constante na sentença, pelas razões acabadas de expor, por uma questão de rigor, impõe-se apenas a alteração pontual da redação dos factos 5 e 8, para evitar a contradição apontada, e para concretização dos ónus que impendem sobre os imóveis, sem contudo se alterar o conteúdo substancial dos mesmos, pelas razões acabadas de analisar, ao que se procede tendo em consideração, com fundamento no error in iudicando em matéria de provas, a Relação deve atuar os seus poderes de correção daquela decisão e modificá-la sempre que conclua pela verificação de um erro dessa espécie.

Assim mantêm-se os factos não provados impugnados e quanto aos provados, altera-se a sua redação nos seguintes termos:

5. A real intenção das partes, intervenientes nos negócios foi a de enganar terceiros – os credores do insolvente – ao subtrair do património do insolvente, os direitos que o mesmo detinha sobre os bens imóveis objeto dos mesmos e que pudessem responder pelas suas dívidas.

8. A autora não podia desconhecer, (uma vez que era cônjuge meeira) que o marido constitui 4 hipotecas, sobre o imóvel (a ambos pertencente por força do regime de bens do casamento) descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ... – S), que são as seguintes:

-AP. ... de 2018/07/10 15:13:16 UTC - Hipoteca Voluntária.

-AP. ... de 2019/01/22 09:26:20 UTC - Hipoteca Voluntária

-AP. ... de 2019/04/03 15:24:02 UTC - Hipoteca Voluntária.

-AP. ... de 2019/04/29 11:45:55 UTC - Hipoteca Voluntária.

No demais improcede a impugnação da matéria de facto.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO:

Considerando que a eventual alteração da solução jurídica dependia da modificação da decisão de facto, o que não sucedeu, apenas resta confirmar a sentença, em relação à qual se adere, por se encontrar bem fundamentada, não se justificando, em consequência, a apreciação de qualquer outra solução jurídica.

VI-DECISÃO:

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.


Porto, 16 de setembro de 2025
Alexandra Pelayo
Maria da Luz Seabra
João Ramos Lopes
________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 277.
[2] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por Henriques Gaspar no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt
[3] In Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, Almedina, pg.259.
[4] In Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pg.247.
[5] Ver Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Vol I, 2005, pág. 432 e Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Fernando Gravato Morais, Almedina, 2008, pág. 73.
[6] Conforme transcrição feita nos articulados de recurso e resposta juntos aos autos: “Meritíssimo Juiz [00:21:30] – O senhor tem a certeza que a filha era assistente do senhor BB? Estamos falar portanto lá no clube na parte desportiva, na compra e venda de jogadores. É essa a questão.
ZZ (intérprete)[00:21:58] – Sim.
Meritíssimo Juiz [00:22:00] – Tem de certeza? Não tem dúvidas disso?
ZZ (intérprete)[00:22:01] – Não tem dúvidas.”
[7] Sociedade declarada insolvente no proc. ..., por sentença de 10.02.2021, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.