EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EMBARGOS
FUNDAMENTOS
Sumário

I - Sendo o título executivo uma sentença, podem constituir fundamentos dos embargos de executado apenas os elencados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, entre os quais o previsto na alínea g) do art. 729.º do CPC, enquanto verificação de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, como é o caso do pagamento invocado pela recorrente, mas apenas desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
II - Existindo várias dívidas do mesmo devedor ao mesmo credor, efetuada uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, a imputação do cumprimento deve ser feita de acordo com o disposto no art. 783.º do Código Civil, ficando à escolha do devedor designar as dívidas a que o cumprimento se refere.
III - Não fazendo o devedor essa designação, há que usar as regras supletivas previstas no art. 784.º do Código Civil, as quais devem ser aplicadas pela ordem que se mostram mencionadas nesse preceito, apenas se aplicando a seguinte se não for possível resolver a situação com a anterior, pelo que, no caso, estando todas as dívidas vencidas, deve o cumprimento ser imputado entre as várias dívidas vencidas, na que oferecer menor garantia para o credor.
IV - Uma dívida de honorários confirmada por sentença condenatória transitada em julgado que constitui título executivo, não é de todo a que oferece menor garantia aos credores, antes pelo contrário, precisamente por existir título executivo para a sua cobrança, o que não acontece com as dívidas resultantes de outros processos, pelo que se afigura correta a imputação dos valores pagos pelo executados nessas outras dívidas que não a dívida exequenda.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Apelação 2911/24.9T8MAI-A.P1








Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução de sentença para pagamento de quantia certa que AA e BB e Sá, ambos melhor identificados nos autos, intentaram contra A..., Lda., também melhor identificada nos autos, veio a executada deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a final que a oposição fosse julgada procedente e a execução fosse declarada extinta, invocando o pagamento da quantia peticionada na execução.

Admitidos liminarmente os embargos de executado, os exequentes/embargados apresentaram contestação, reduzindo o pedido para o montante de €10.739,30 e concluindo pela improcedência da oposição à execução.

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Por o Tribunal a quo ter entendido que o processo reunia já todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, foi proferido despacho saneador sentença que, a final, decidiu julgar improcedentes os embargos de executado e em consequência, absolver os exequentes do pedido contra si formulado, condenando a embargante nas custas.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a embargante/executada interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Formulou, a embargante, as seguintes conclusões das suas alegações:
“A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida, que julgou improcedentes os embargos deduzidos e, em consequência, absolveu os Recorridos dos pedidos contra si formulados.
B. Os presentes embargos de executado têm por objeto uma decisão judicial não contestada, pela qual a Recorrente foi condenada a pagar uma determinada quantia aos Recorridos, relativa a serviços prestados de advocacia. Como resulta do título dado à execução, essa acção cível não foi objeto de contestação, tendo assim operado a revelia.
Sobre os factos em causa operou-se assim o efeito cominatório semi-pleno.
C. Sem prejuízo das consequências jurídicas de tais circunstâncias que a Recorrente não descura, entende que existem factos que foram carreados para estes autos que impunham decisão diversa.
D. Com efeito, a nota de serviços prestados que constitui fundamento da condenação e menciona serviços relativos a vários processos judiciais e apresenta um valor global, mas não apresenta os valores devidamente discriminados com identificação do processo em concreto, sem prejuízo de também não ter outras discriminações que são devidas para aferir da justeza da mesma; daí a Recorrente ter apresentado um pedido de laudo à Ordem dos Advogados.
Como explicado pelo Tribunal da Relação de Lisboa: “Importa, em primeiro lugar ter presente o disposto no art. 105º, nºs 1 e 2 do EOA, que correspondem, sem alterações significativas de redacção, ao estatuído no art. 100º, nºs 1 e 2 do EOA anterior. Com efeito, dispõe o nº 1 daquele preceito que “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.” E acrescenta o nº 2 que “Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.” A referência à possibilidade de os honorários assumirem a forma de retribuição fixa a que se reporta o nº 1 indicia que tal modalidade depende de acordo entre advogado e cliente. Esta inferência é confirmada pelo nº 2 do mesmo preceito, que estabelece que na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
Assim, o estabelecimento de um montante fixo depende de acordo entre as partes, o que se compreende em nome da transparência. Com efeito, na falta de tal acordo, a apresentação, pelo advogado, de uma nota de honorários com um montante global fixo, não permitiria aferir se tais honorários foram ou não os adequados aos serviços efectivamente prestados. (…)
O art. 100º, nº 2 do vigente E.O.A., ao dispor que o advogado deve, na falta de convenção prévia reduzida a escrito, apresentar ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados, significa precisamente isso – que o advogado deve apresentar ao cliente a respectiva conta com a discriminação dos serviços prestados, de modo a permitir ao cliente ajuizar dos critérios observados para a determinação do montante fixado quanto aos honorários.”
3 Processo n.º 108657/17.0YIPRT.L1-7, de 15/09/20.
E. Com efeito, no título dado à execução, aparece apenas a menção (e, posteriormente, como facto dado como provado), que determinado processo implicou os honorários mais elevados (20.000,00€) e constitui fundamento da acção e da presente execução.
F. Isto é, a imputação de custos ou honorários devidos não resulta da nota de serviços prestados, que devem ser comunicadas ao devedor, mas de menção posterior em acção judicial de que aquele serviço foi o que implicou o maior encargo, e imputa-se-lhe um determinado valor.
G. Como se disse, essa ação judicial, pelas razões aduzidas, não foi contestada, os factos aí considerados provados resultaram de revelia, sendo que essa menção é uma mera conclusão e como tal deveria a mesma ter sido considerada.
H. Ora, está provado por documento, (e foi dado como provado), que em 18 de Setembro de 2023 e 26 de Julho de 2023, a Recorrente pagou aos Recorridos um total de 10.000,00€ (dez mil euros).
I. Porém, a decisão recorrida deu como provado que esses pagamentos foram imputados pelos Recorridos ao pagamento parcial devido por outros processos, fundando-se tal conclusão, depreende-se, numa comunicação eletrónica escrita pelos Recorridos.
J. Ora, a Recorrente, ressalvado o respeito devido por diferente entendimento, tem de concluir que o Tribunal “a quo” laborou em claro e inequívoco erro.
L. Com efeito, dispõe o art.º 783.º do Código Civil: “1. Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que cumprimento se refere. 2. O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial.”
M. Pois bem, está demonstrado que a Recorrente efectuou aos Recorridos o pagamento da quantia de 10.000,00€ (dez mil euros).
N. E, nos termos da Lei, estava à sua escolha designar as dívidas a que se refere esse cumprimento.
O. Porém, e admitindo que esse pagamento foi efectuado pela Recorrente directamente aos Recorridos sem a prova de mais, também o Tribunal “a quo” não pode sustentar que tal decisão ficou na esfera dos Recorridos.
P. Isto porque, caso tal aconteça, a Lei dispõe como regra supletiva, no art.º 784.º do Código Civil:
“1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data.
2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º”
Q. Assim, e caso o devedor, (Recorrente) não tenha efectuado qualquer menção, a Lei determina que o cumprimento deve imputar-se na dívida vencida. Sendo que vencida encontrava-se a totalidade das dívidas (dos vários processos) que constavam da nota de serviços prestados.
R. Encontrando-se assim todas as dívidas vencidas, deve ser imputada na que oferece menor garantia ao credor. Pois bem, as dividas aos Recorrentes tinham e têm todas as mesmas garantias gerais. E, nos termos da Lei, entre dividas igualmente garantidas, deve considerar-se a mais onerosa.
S. Neste sentido, o Tribunal da Relação do Porto: “III - Segundo o disposto no artigo 783.º do CC, se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere (n.º 1), não podendo, porém, designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial (n.º 2). IV - Quando o devedor não faça a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data (n.º 1) e não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, de forma rateada, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763º, nº2) (cf. artigo 784.º do CC).”
4 Processo n.º 533/20.2T8FLG.P1, de 27-01-2022
T. Deste modo, devendo ser imputada na mais onerosa, essa divida é precisamente a que se mostra em execução na ação que os presentes são apensos. Isto porque é a dívida de 20.000,00€ (vinte mil euros) constante na nota de serviços prestados de 32.000,00€ (trinta e dois mil euros). Como atrás se referiu, à divida do processo ao qual foi imputado o valor mais dispendioso.
U. Por conseguinte, a decisão recorrida devia ter considerado que os pagamentos foram para cumprimento da dívida em execução; porque é assim que impõe o regime legal!
V. E, consequentemente, estando demonstrado o pagamento da quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) e em face do reconhecimento da imputação de outros valores e a redução do pedido, a Recorrente nada deve aos Recorridos.
X. Acresce que o Tribunal “a quo” parece ser também do entendimento que, sendo esses pagamentos anteriores à prolação da sentença em execução, não revestem qualquer efeito extintivo da obrigação titulada pela sentença dada à execução.
Z. Contudo, e em primeiro lugar, e como se mencionou, a sentença proferida e dada à execução, foi-o com base na revelia da Recorrente.
AA. Por outro lado, e estando demonstrado o pagamento a obrigação exigida pelos Recorridos e em execução, é inexequível a obrigação exequenda.
BB. De facto, a obrigação em execução, como acima se demonstrou, é inexigível à Recorrente por já ter sido cumprida.
CC. E, por conseguinte, sendo a obrigação em execução inexigível, tal facto constitui fundamento de oposição à execução, e, consequentemente, deve a execução ser declarada extinta.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, deve o presente recurso ser julgado por provado e procedente, devendo o douto Tribunal revogar a decisão recorrida, nos precisos termos do presente recurso.”.

Os recorridos apresentaram contra-alegações, pedindo que seja negado provimento ao recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II – OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, o recurso é apenas de direito, cabendo, em última análise, apreciar se deve ser alterada a decisão, com a procedência do recurso e consequente extinção da execução, nomeadamente com base no pagamento da quantia exequenda.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal de 1ª Instância considerou provada a seguinte matéria de facto (não impugnada):
A) Nos autos de ação declarativa por honorários que, sob o nº 1200/23.0T8STS, correram termos pelo Juízo Local Cível de Santo Tirso, intentada pelos aí Autores, ora exequentes, contra a aí Ré, ora executada/embargante, foi proferida sentença no dia 25 de outubro de 2023, transitada em julgado no dia 29 de novembro de 2023, condenando a aí Ré, ora executada, a pagar aos aí Autores, ora exequentes, a quantia de € 16.521,07 (dezasseis mil e quinhentos e vinte e um euros e sete cêntimos), valor que inclui IVA e a retenção na fonte, acrescendo, quanto à parcela de € 14.923,07 (catorze mil e novecentos e vinte e três euros e sete cêntimos), devidos juros vencidos e vincendos, contabilizados desde citação e até efetivo pagamento integral (cfr. traslado junto aos autos principais);
B) Tal condenação diz respeito aos honorários por serviços de advocacia prestados pelos aí Autores, ora exequentes, à aí Ré, ora executada, no âmbito da ação declarativa intentada por B..., S.A., contra a ora executada, e que correu termos sob o nº 621/18.5T8PVZ (cfr. traslado);
C) E nessa sentença foi dado como provado que “39. Por conta da quantia dos referidos honorários a Ré, em janeiro de 2023, entregou aos Autores, quanto à ação em causa, a quantia de 3.076,92€ (5.000,00€ para o pagamento de todos os honorários), comprometendo-se a liquidar o remanescente nos meses subsequentes, em prestações e de acordo com um plano que se comprometeu propor.” (cfr. traslado)
D) Os ora exequentes enviaram à ora executada a comunicação eletrónica datada de 28 de junho de 2022, acompanhada de nota de honorários no valor total de € 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), sem IVA, pelos serviços de advocacia prestados nos processos nº 621/18.5T8PVZ, 3753/18.6T8STS, 721/13.8BEPNF, 57/15.0BEPNF e 4/17.4BEPNF (cfr. documento nº 1 (um) junto com a contestação);
E) Em 26 de julho de 2023, a executada pagou à exequente Dr.ª CC, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) (cfr. documento nº 2 (dois), de transferência bancária, junto com a petição inicial);
F) Os ora exequentes enviaram à ora executada a comunicação eletrónica datada de 13 de setembro de 2023, através da qual informaram a ora executada que o mesmo servia para, como combinado, confirmar que o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) pago por aquela no mês de julho de 2023 foi imputado para pagamento parcial dos honorários e despesas devidas nos processos nº 3753/18.6T8STS, 721/13.8BEPNF, 57/15.0BEPNF e 4/17.4BEPNF (cfr. documento junto com a contestação);
G) Em 18 de setembro de 2023, a executada entregou em numerário ao exequente Dr. AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) (cfr. documento nº 3 (três), de declaração, junto com a petição inicial);
H) A qual foi imputada aos honorários devidos pelo patrocínio noutros processos;
I) Em 25 de Outubro de 2023, a executada entregou em numerário ao exequente Dr. AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) (cfr. documento nº 4 (quatro), de declaração, junto com a petição inicial);
J) Tendo a quantia de € 576,92 (quinhentos e setenta e seis euros e noventa e dois cêntimos) sido imputada aos honorários devidos pelo patrocínio noutros processos e a quantia de € 4.423,18 (quatro mil e quatrocentos e vinte e três euros e dezoito cêntimos) imputada aos honorários peticionados na sentença dada à execução;
L) Em 9 de fevereiro de 2024, a executada pagou ao exequente Dr. AA, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) (cfr. documento nº 5 (cinco) de transferência bancária junto com a petição inicial);
M) A qual foi imputada na totalidade ao pagamento dos honorários peticionados na sentença dada à execução.
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IV - MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Começa a recorrente por alegar que a decisão judicial que serviu como título executivo é uma decisão judicial não contestada, proferida à revelia da aí ré, agora executada/embargante.
Sem invocar em concreto quais as consequências que dessa alegação pretende retirar, o certo é que tal facto apenas teria relevância se a recorrente tivesse invocado a situação prevista na al. e) do art. 696.º do CPC, por remissão do art. 729.º, al. d) do mesmo diploma legal, ou seja, apenas no caso de tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, tenha faltado a citação ou a citação feita seja nula; o réu não tenha tido conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável ou o réu não tenha podido apresentar a contestação por motivo de força maior.
Ora, nenhuma dessas situações foi alegada, pelo que se afigura irrelevante que o processo declarativo tenha corrido à revelia, sendo certo que a respetiva decisão transitou em julgado e não foi interposto recurso de revisão.
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Prossegue a recorrente referindo-se à nota de honorários, invocando que a mesma não obedece aos requisitos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, por, alegadamente, não apresentar os serviços prestados e valores correspondentes devidamente discriminados.
Quanto a esta questão, apenas diremos que tendo o valor devido a título de honorários sido fixado na ação declarativa que serve de base à execução a que estes embargos se mostram apensados, a qual transitou em julgado, a questão levantada não pode ser apreciada neste recurso, devendo ter sido invocada na ação declarativa.
Nos presentes autos não interessam já os meios de prova carreados para a ação declarativa, não podendo aqui ser apreciada a bondade da nota de honorários.
Fixado o valor devido a título de honorários, por decisão transitada em julgado, já não pode esse valor ser discutido nestes autos, não podendo este tribunal pronunciar-se sobre a validade da nota de honorários.
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Nos termos do disposto no art. 10.º, nº 5 do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”.
O art. 703.º do CPC prevê as espécies de títulos que podem servir de base à execução.
Nos presentes autos, o título dado à execução é constituído por uma sentença condenatória, transitada em julgado.
A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta de algum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva (cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, pág. 193).
Sendo o título executivo uma sentença, podem constituir fundamentos dos embargos de executado apenas os elencados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, a saber:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executada:
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
No caso em apreciação, não se verificando nenhuma das situações previstas nas alíneas a) a f), h) e i) do preceito citado, apenas na alínea g) do art. 729.º do CPC, a situação poderia ser integrada, enquanto verificação de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, como é o caso do pagamento invocado pela recorrente, mas apenas desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
Ora, a recorrente alega que procedeu ao pagamento do valor de € 10 000,00 (dez mil euros), precisamente o montante da quantia exequenda, após a redução requerida pelos exequentes, valor que entende que deveria ter sido imputado na dívida do processo em causa, e não na de outros processos mencionados na nota de honorários.
Fundamenta esse seu entendimento no disposto nos arts. 783.º e 784.º do Código Civil.
Vejamos.
No que diz respeito à imputação do cumprimento, dispõe o art. 783.º do Código Civil:
“1. Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efetuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que cumprimento se refere.
2. O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efetuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial.”.
O art. 784.º do Código Civil, por sua vez, prevê que:
“1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data.
2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º.”
Ora, está demonstrado que a Recorrente efetuou o pagamento da quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) aos recorridos.
Estando, nos termos legais, à sua escolha designar as dívidas a que se refere esse cumprimento, o certo é que a recorrente não fez essa designação.
E não a tendo feito, há que usar as regras supletivas previstas no já citado art. 784.º, ou seja, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data, e, ainda, em caso de não ser possível aplicar nenhuma dessas regras, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente.
As regras supletivas a aplicar mostram-se sucessivas, apenas se aplicando a seguinte se não for possível resolver a situação com a anterior, pelo que, no caso, estando todas as dívidas vencidas, deve o cumprimento ser imputado entre as várias dívidas vencidas, na que oferecer menor garantia para o credor.
Ora, tal como os recorridos referem, a dívida em causa, confirmada por sentença transitada em julgado que constitui título executivo, não é de todo a que oferece menor garantia aos credores, antes pelo contrário, precisamente por estar reconhecida pro sentença e disporem de título executivo para a sua cobrança, o que não acontece com as dívidas resultantes de outros processos.
Afigura-se, assim, correta a imputação dos valores pagos nessas outras dívidas que não a dívida exequenda.
E assim sendo, a dívida exequenda não se mostra paga, pelo que bem decidiu o tribunal recorrido ao julgar improcedentes os embargos de executado, o que tem como consequência o normal prosseguimento da execução.

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V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar não provido o recurso, mantendo a decisão recorrida que julgou os embargos de executado improcedentes e absolveu os embargados dos pedidos.

Custas a cargo da recorrente (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).








Porto, 2025-09-22
Manuela Machado
Isabel Peixoto Pereira
Paulo Duarte Teixeira