FILHO MAIOR
PRESTAÇÕES ALIMENTARES
FGADM
PRESSUPOSTOS DE INTERVENÇÃO
Sumário

I - O pagamento das prestações alimentares pelo FGADM depende da verificação cumulativa dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 1.º e n.º 2 dos artigos 2.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de Maio.
II - O FGADM assegura o pagamento das prestações de alimentos ao menor residente em território nacional quando:
i) a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida; e
ii) o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
III - Tendo o beneficiário já atingido a maioridade, constitui pressuposto para a intervenção do FGADM que aquele não tenha ainda concluído o seu processo de educação ou formação profissional, estando qualquer deles em curso.

Texto Integral

Processo n.º 4358/18.7T8PRT-C.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Família e Menores do Porto – ...

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

Por sentença de 7.01.2019 foi fixada em € 150,00, a actualizar em €2,00, em Janeiro de cada ano, a pensão de alimentos a favor de AA, nascida a ../../2004, a pagar até ao dia 30 de cada mês pelo seu progenitor, BB.

Na sequência dessa decisão, CC, avô da AA, com ela residente, deduziu incidente de incumprimento relativo a alimentos contra BB, alegando a falta de pagamento, desde Janeiro de 2019, da prestação de alimentos fixada.

Tal incidente foi julgado procedente, por decisão e 29.04.2022, fixando a mesma em € 5.940,00 (prestações vencidas desde Janeiro de 2019 e Março de 2022, sendo o valor actual da pensão de € 156,00 ) a quantia em dívida.

Consta da mesma decisão: “Atenta a impossibilidade de obter o pagamento coercivo da pensão através dos mecanismos previstos no artigo 48.º do RGPTC, solicite relatório com vista a aferirmos dos pressupostos de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, a juntar aos autos no prazo máximo de 30 dias”.

Em cumprimento do ordenado no despacho proferido a 14.6.2022, o requerente juntou certidão de matrícula da AA atestando que a mesma se achava matriculada na Faculdade ... da Universidade do Porto, no ano lectivo 2021/2022, com vista à obtenção de licenciatura em Filosofia.

A 29.04.2022 foi proferida a seguinte decisão:

“Na sequência da impossibilidade de obter o pagamento coercivo da pensão de alimentos através dos mecanismos previstos no artigo 48º do RGPTC, foi elaborado relatório social com vista à intervenção do FGADM.

Cumpre decidir.


*


Por documentos (sentença e assento de nascimento constantes do processo principal, informação do ISS de 01/07/2022 e relatório social junto em 15/07/2022) está assente que:

1. Por sentença proferida em 07/01/2019, foi fixada em € 150,00 mensais a pensão de alimentos a pagar pelo requerido à sua filha AA, nascida em ../../2004, cuja residência foi fixada junto do avô materno, até ao dia 30 de cada mês e a atualizar anualmente, em janeiro, em € 2,00;

2. O requerido não se encontra vinculado a qualquer entidade empregadora nem aufere prestações sociais.

3. a jovem vive com a mãe, os avós maternos e dois primos, sendo um maior de idade, sendo de € 1.135,44 o rendimento ilíquido mensal do agregado familiar;

4. a jovem frequenta a licenciatura em filosofia da Faculdade ... da Universidade do Porto.


*


De acordo com o disposto no artigo 3º do decreto-lei 164/99, na redação introduzida pela Lei 64/2012, de 20/12, o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos a menores quando:

- a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los não satisfaça tal obrigação pelas formas previstas no artigo 189º da OTM;

- o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, tendo-se em conta a capitação de rendimentos do agregado familiar.

Face ao disposto no artigo 1º/2 da Lei 75/98, de 19/11, na redação introduzida pela Lei 24/2107, de 24/05, em caso de filhos maiores é ainda pressuposto de intervenção do FGADM que o seu processo de educação ou formação profissional ainda esteja em curso (cfr artigo 1905º/2 do Código Civil).

No caso concreto, o requerido, judicialmente obrigado a prestar alimentos, não cumpre tal obrigação, não sendo possível o recurso aos mecanismos previstos no artigo 48º do RGPTC, por não auferir salário ou prestações sociais.

Por outro lado, resulta da prova produzida que o agregado familiar da jovem tem como rendimento a quantia mensal de € 1.135,44, o que perfaz um rendimento per capita de € 264,06 (calculados nos termos previstos no artigo 5º do DL 70/2010, de 16/06), quantia inferior ao IAS, atualmente de € 443,20.

Por fim, apurou-se ainda que a jovem ainda não terminou a sua formação, frequentando a licenciatura em filosofia.

Assim, verificados que estão os requisitos a que alude o citado artigo 3º do decreto-lei 164/99, e atendendo à idade do jovem, aos rendimentos auferidos pelo seu agregado familiar e à pensão de alimentos fixada, decide-se fixar a prestação a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores em € 150,00, a atualizar anualmente, em janeiro, em € 2,00.


*


Notifique (artigo 4º/3 do decreto-lei 164/99)”.

Tendo os autos prosseguido os seus termos, neles veio a ser proferido o seguinte despacho:

“O relatório junto pelo ISS em 21/01/2025 permite concluir que o rendimento ilíquido mensal do agregado familiar onde se inserem a jovem AA continua a ser, “per capita”, inferior ao IAS.

Por outro lado, verificamos que o pai da jovem, obrigado judicialmente a prestar alimentos, continua sem os prestar voluntariamente, sendo inviável o recurso aos mecanismos previstos no artigo 48º do RGPTC, por não auferir salário ou prestações sociais (cfr informação do ISS de 27/01/2025).

Por fim, resulta do teor do referido relatório social que a jovem AA ainda não terminou a sua formação (cfr artigo 1º/2 da Lei 75/98, de 19/11, na redação introduzida pela Lei 24/2017, de 24/05).

Assim, nos termos do disposto e para os efeitos previstos nos artigos 3º/6 da Lei 75/98, de 19 de Novembro, e 9º/4 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, tem-se por efetuada a comprovação dos pressupostos que estiveram na base da prolação da decisão que determinou a intervenção do FGADM, a qual se mantém”.

Notificado de tal despacho e não se conformando com o mesmo, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, interpôs recurso de apelação para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, que entendeu estarem verificados todos os pressupostos de facto e de direito subjacentes à intervenção do FGADM.

II. Salvo o devido respeito, não pode o ora recorrente concordar com a decisão recorrida, pelos seguintes fundamentos.

III.A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, criou o FGADM, e o Decreto-lei n.º 164/99, veio regular a garantia dos alimentos devidos a menores previstos naquela Lei, com o objetivo de o Estado colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor.

IV. Da decisão de fixação das prestações a pagar pelo FGADM foi determinado, que o fundo pague mensalmente a favor da jovem AA, o valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por mês, a atualizar anualmente, em janeiro em € 2,00, valor que corresponde à pensão de alimentos fixada na regulação do exercício das responsabilidades parentais.

V. Nos termos do preceituado no artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e no art. 3.º do DL n.º 164/99, de 11 de maio, os pressupostos para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional são os seguintes:

- Que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos;

- A impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 48º do RGPTC;

- Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS.

VI. Da análise do Relatório datado de 11 de novembro de 2024, do ISS, verifica-se que a jovem apresentou certificado de matrícula referente ao ano de 2024/2025, pelo que a mesma continua o seu percurso de formação.

VII. Porém do referido Relatório e da documentação junta ao mesmo, constata-se que a jovem aufere rendimentos de trabalho por conta de outrem, com caráter mensal, como por exemplo em dezembro de 2024 que auferiu o montante de € 635,78, valor superior ao indexante dos apoios sociais.

VIII. Consequentemente, não se verifica um dos pressupostos necessários à intervenção do FGADM, dado que a jovem aufere rendimentos mensais de trabalho por conta de outrem, pelo que, não é possível ordenar a fixação do pagamento pelo FGADM da prestação substitutiva de alimentos a favor da mesma.

XIII. Assim, face ao supra exposto, somos do entendimento que não se encontram reunidos os pressupostos para intervenção do FGADM, pelo que deve ser determinada a cessação do pagamento das prestações.

O Ministério Público apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se, em concreto, se verificam os pressupostos que constituem a obrigação de o FGADM, em substituição do obrigado faltoso, prestar alimentos à AA.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório e, além deles, os seguintes, documentados nos autos:

1. A jovem AA encontra-se matriculada, no ano lectivo 2024/2025, e a frequentar o 1.º ano do curso de ..., na Universidade ....

2. Encontra-se ainda a trabalhar, auferindo rendimentos regulares.

3. O seu agregado familiar é composto por cinco elementos.

4. Os rendimentos do agregado familiar provenientes do trabalho ascendem a € 1.082,69, recebendo ainda outros rendimentos no valor de € 466,54, correspondente à pensão mensal do requerente, avô da AA, sendo de € 1.549,23 o total dos rendimentos recebidos pelo agregado.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro[1]: “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação”.

Prevê, por sua vez, o artigo 2.º, n.º 1 do mesmo diploma que “As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores”, sendo que o tribunal, na determinação desse montante, “atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor[2].

Por sua vez, o Decreto-Lei n.° 164/99, de 13 de Maio, que veio regulamentar aquele diploma, definindo no seu artigo 3.º os pressupostos de que depende a garantia de atribuição dos alimentos a menores por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, estabelece:

“1 - O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:

a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
 b) O menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respetivo agregado familiar não seja superior àquele valor.

3 - O agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei n.º 15/2011, de 3 de maio, e pelos Decretos-Leis n.os 113/2011, de 29 de novembro, e 133/2012, de 27 de junho.

4 - Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.

5 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, devendo aquele atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

6 - Os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas coletivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo.

O pagamento das prestações alimentares pelo FGADM depende da verificação cumulativa dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 1.º e n.º 2 dos artigos 2.º da Lei 75/98, e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei nº 164/99, citados.

A natureza e função da obrigação cometida ao Estado, prosseguida através do FGADM, em caso de incumprimento por quem estava judicialmente obrigado, da prestação alimentar devida a menores, permitem concluir que não se exige que a obrigação atribuída ao referido Fundo se contenha dentro dos limites da prestação fixada para o primitivo devedor.

Com efeito, a obrigação do FGADM nasce ex novo após o incumprimento do devedor originário, é autónoma em relação à obrigação deste, e tem a justificá-la a sua função social, constituindo expressão concreta e concretizada do dever que a Constituição reserva ao Estado na protecção dos direitos da criança e no apoio que deve desenvolver para tornar efectivos esses direitos.

Como faz notar o acórdão desta Relação de 24.05.2005[3], “são, de facto, bem diferentes os critérios que o CC fixa para a determinação dos alimentos em relação aos previstos para o caso de ressarcimento através do Fundo.

O que bem se compreende. É que quanto ao Fundo, o que está em causa é apenas satisfazer as necessidades essenciais resultantes do princípio programático contido na Constituição da República, qual seja, o «...acesso às condições de subsistência mínima...», suficientes para proporcionar condições essenciais ao desenvolvimento do menor e a uma vida digna, devendo o tribunal atender aos aspectos referidos no citado artº 3º, nº 3 do DL nº 164/99.

Portanto, são, seguramente, prestações bem diferentes aquela a cargo do Fundo e a prevista no CC, com critérios bem diferenciados, sendo patente que o montante da prestação fixada pelo tribunal apenas constitui um dado a ponderar na fixação do novo valor.

Assim, desde logo, a prestação do Estado não pode ver-se como um mero meio de satisfação da prestação em dívida. Trata-se de uma nova e autónoma prestação. Autónoma e actual que não visa que se tenha querido garantir ao menor os alimentos a que o progenitor estava obrigado por decisão anterior e que não satisfez.

Se esta prestação visa assegurar, no desenvolvimento da política social do Estado, a necessária protecção da criança, relativamente ao acesso da mesma às condições de subsistência mínimas - tem esta prestação, portanto, a natureza de prestação social visando o reforço da protecção social que o Estado deve a menores, e não de mera obrigação de garantia da prestação que o tribunal fixara anteriormente--, já a prestação de alimentos fixada ao abrigo do CC apenas consubstancia a forma de concretização de um dos deveres em que se desdobra o exercício do poder paternal”.

No Acórdão de 07.07.2009 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 09A0682[4], em plenário das suas Secções Cíveis[5], afirma-se: “a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo. A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.

Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar (…).

Inexistindo, anteriormente à decisão do requerimento do incidente de incumprimento, qualquer obrigação do Fundo pela satisfação da prestação alimentar, não tem este que assegurar o pagamento das prestações vencidas e não pagas antes desse momento, pelas quais é responsável o devedor que a tal estava obrigado.
Por outro lado, a obrigação do Fundo é uma obrigação criada ex novo pela decisão que a determina e, por isso, só nasce nesse momento, com pressupostos legais próprios, podendo ter um conteúdo diferente da obrigação de alimentos do originário devedor (…)”.

Importa, assim, e também como é apontado no citado Acórdão, atentar na natureza social da obrigação que recai sobre o Fundo, que apenas se constitui com a decisão judicial que, analisando os necessários pressupostos, fixa a obrigação que o onera.

Ou seja: aferidos os pressupostos e requisitos fundamentadores da intervenção do Fundo de Garantia, no incidente de incumprimento, e sendo reconhecida a sua obrigação, é quantificada a prestação dos alimentos, que pode não ser coincidente com a prestação do devedor originário, e só então, com a determinação dessa prestação, esta se torna líquida e exigível.

Como se retira do citado Acórdão do STJ, “não há paridade entre o dever paternal e o dever do Estado quanto a alimentos, pois não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo. Enquanto o art. 2006º está intimamente ligado ao vínculo familiar, nos termos do art. 2009º do C.C. (e daí que, quando a acção é proposta, os alimentos já seriam devidos), a Lei nº 75/98 cria uma obrigação nova, imposta a entidade que, antes da respectiva decisão, não tinha qualquer obrigação de os prestar”.

Este é também o entendimento expresso no acórdão desta Relação de 24.02.2022[6], subscrito, na qualidade de adjunta, pela aqui relatora: “Verificados que estejam os pressupostos de que depende a atribuição dos alimentos a cargo do Fundo (art.º 3º do Decreto-lei nº 164/99[9]), a lei não determina que este novo obrigado, por substituição do devedor originário que foi judicialmente obrigado, deve satisfazer a pensão anteriormente fixada. Antes enuncia um critério para a fixação do montante a pagar pelo FGADM, estabelecendo até, para o efeito, um limite máximo[10], com recurso à produção de provas (art.º 2º, nº 1, da Lei 75/98 e art.º 4º, nºs 1 e 2 do Decreto-lei nº 164/99). De modo diferente do previsto no art.º 2004º do Código Civil, a lei não estabelece aqui diretamente, como elemento de critério definidor da medida dos alimentos, a ponderação dos meios daquele que houver de prestá-los ou do obrigado originário, mas um critério formal, matemático, que funciona apenas em função das necessidades primárias ou elementares de cada criança, a atualidade da situação e a efetiva realização do seu interesse (proteção e desenvolvimento integral – art.º 69º da Constituição), sem considerar as possibilidades do devedor originário.

[...] Como resulta dos fundamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2009, de 7 de julho[11], a prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade atual do menor. Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar (art.ºs 5º e seg.s do Decreto-lei nº 164/99)[12].

O art.º 1º, nº 2, al. c), do Decreto-lei nº 70/2010 trata expressamente estas prestações como apoio social.

A nota preambular ao Decreto-lei nº 70/2020 é muito clara ao realçar a necessidade de estender a sua aplicação a todos os apoios sociais concedidos pelo Estado, cujo acesso tenha subjacente a verificação da condição de rendimentos, assim visando critérios de harmonização e igualdade, realçando também a importância de conter, de forma sustentada, o crescimento da despesa pública, reduzindo, designadamente, por vida do critério do apuramento da capitação dos rendimentos, os casos em que esses apoios são efetivamente concedidos.

Com efeito, compreende-se que o legislador, no art.º 3º, nº 1, al. a) do Decreto-lei nº 70/2010 tenha em mente os rendimentos ilíquidos do trabalho dependente. Não o diz ali expressamente, mas por desnecessidade, já que tal resulta expresso do subsequente art.º 6º”.

No caso aqui em discussão, na sequência do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, no que concerne aos alimentos fixados a favor da então menor AA, deduzido contra o seu progenitor, obrigado à prestação dos mesmos, e constatando-se a impossibilidade de obter o seu pagamento coercivo através dos mecanismos previstos no artigo 48º do RGPTC, foi, por decisão de 29.04.2022, fixada aquela prestação em € 150,00/mês, a actualizar em € 2,00, todos os meses de Janeiro de cada ano, a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, considerando-se, para o efeito, acharem-se reunidos os requisitos a que alude o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99.

Desde então, e até à decisão recursivamente impugnada, sempre o FGADM procedeu ao pagamento da quantia fixada, sem questionar o seu valor ou obrigação.

Com base no relatório elaborado pelo ISS a 11.11.2024, que dá conta que a jovem AA trabalha, auferindo rendimentos mensais regulares, entende o recorrente que não estão preenchidos os critérios para continuar a beneficiar das prestações pelo FGADM.

Como refere o despacho proferido a 5.12.2024, “...o requerente comprovou nos autos que a jovem frequenta o 1.º ano do curso de ... na Universidade ....

Assim sendo, a circunstância de a jovem se encontrar a trabalhar não obsta, por si só, ao pagamento da prestação, o que só ocorrerá se, por força dos rendimentos por si auferidos, o agregado familiar não reunir os requisitos para beneficiar da prestação”.

Resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 1, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 11 de Maio, que o FGADM assegura o pagamento das prestações de alimentos ao menor residente em território nacional quando:

- a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida; e

- o menor não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

Tendo o beneficiário já atingido a maioridade, como é o caso, constitui pressuposto para a intervenção do FGADM que aquele não tenha ainda concluído o seu processo de educação ou formação profissional, estando qualquer deles em curso – artigo 1.º n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.

A capitação do rendimento do agregado familiar da AA cifra-se em €430,34, cálculo efectuado de acordo com os critérios definidos no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, de resto, indicado pelo ISS, no designado “Cálculo da Condição de Recursos”.

Esse rendimento é claramente inferior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) para o ano de 2025, fixado em € 552,50 pelo artigo 2.º da Portaria n.º 6-B/2025/1, de 6 de Janeiro).

Acresce que o relatório do ISS, de 11.11.2024, apenas menciona que “a jovem em causa AA, se encontra a trabalhar, com rendimentos regulares mensais, não reúne os critérios para beneficiar da atribuição do fundo”.

Não concretiza, todavia, em que se traduzem os alegados rendimentos regulares mensais, não especificando os valores mensais auferidos, ou, sequer, o montante médio recebido no anterior ano fiscal, limitando-se a referir que num mês auferiu € 1.082,69 e que em Dezembro de 2024 esse valor foi € 635,78.

Se ao ISS competia a averiguação dos valores recebidos pelo agregado familiar da jovem AA, e, especificamente, o valor concreto dos invocados rendimentos regulares mensais pela própria auferidos, não se compreende a alusão aos dois indicados, apenas por excederem o IAS, quando o que conta é o valor médio dos rendimentos por ela auferidos.

Também o ISS na informação prestada não identifica a entidade empregadora ou processadora dos rendimentos pagos à AA, nem especifica a regularidade do trabalho de onde provêm os rendimentos por ela recebidos, qual o vínculo laboral, desconhecendo-se se resultam de actividade duradoura ou apenas pontual.

Não basta a indicação, absolutamente descontextualizada, da existência daqueles valores, superiores ao IAS, auferidos pela AA para, sem aqueles outros elementos – que competia ao ISS averiguar e indicar – se concluir que não se mostram reunidos os requisitos necessários para a intervenção do FGADM.

E não existindo elementos que permitam ajuizar que a mesma aufere rendimentos ilíquidos regulares superiores ao IAS, é aos rendimentos do seu agregado familiar que importa atender, sendo, neste caso, incontroverso que o valor dos mesmos, per capita, é inferior ao IAS.

Nestas circunstâncias, não merece censura a decisão recorrida, sendo, por isso de manter, improcedendo o recurso.


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Síntese conclusiva:

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.

Sem custas - artigo 4.º al. v) do Regulamento das Custas Processuais.

[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]

Porto, 22.09.2025

Judite Pires

Álvaro Monteiro

Isabel Silva





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[1] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio.
[2] Nº 2 do citado normativo
[3] Processo nº 0530542, www.dgsi.pt.
[4] www.dgsi.pt
[5] Que, perante a controvérsia suscitada também a propósito da questão relativa à data a partir da qual é devida a prestação alimentício a cargo do FGADM, veio em uniformização da jurisprudência, fixar a seguinte doutrina: “A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.
[6] Processo n.º 4359/17.2T8MTS-A.P1, www.dgsi.pt.