Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REGULAMENTO (EU) N.º 2015/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU
LUGAR DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
Sumário
I - O regulamento (EU) nº 2015/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, adoptou o conceito de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços como elemento de conexão do contrato com um lugar, identificando as obrigações características e relevantes, dessa forma determinando qual é o Estado-membro cujos tribunais são competentes para julgar qualquer que seja a concreta pretensão formulada no processo, desde que emergente desse contrato; II - Quando em litígio transnacional vem invocado pacto atributivo de jurisdição, é em absoluto irrelevante aferir da sua validade e/ou eficácia se o resultado que decorre da sua aplicação é exactamente o mesmo que resulta da sua não aplicação.
Texto Integral
Processo: 1703/24.0T8AVR.P1
Acordam os Juízes que integram a 3ª secção do
Tribunal da Relação do Porto
Relatório:
“A..., Ldª”, com sede na rua da ..., ..., Aveiro, intentou, perante o juízo central cível de Aveiro (J1), a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “B..., SA”, pessoa colectiva de direito Espanhol, com sede na Calle ..., Madrid, Reino de Espanha.
Alegou a autora, em súmula, na petição inicial, que em finais de 2018, princípios de 2019, celebrou com a ré acordo pelo qual a autora se vinculou a fornecer bens e prestar serviços numa obra sita em Madrid, concretamente a construção e montagem de geradores destinados a um hospital, mediante o preço de €690.750,00.
Invoca que, nos termos contratados, a ré adiantou à autora a quantia de €575.000,00, assumindo a obrigação de pagar o remanescente, € 115.750,00, logo após a conclusão dos trabalhos.
Afirma ter cumprido pontualmente a obrigação de fornecimento, não tendo recebido o remanescente do preço em falta, invocando encontrar-se tal valor em dívida, acrescido dos respectivos juros moratórios calculados à taxa legal, cujo valor, à data da propositura da acção, líquida em € 48.651,47.
Alega que, a acrescer, a ré solicitou ainda à autora o fornecimento e montagem, na mesma obra sita em Madrid, de unidades especiais de UPS, no valor global de €77.591,00, quantia não paga pela ré.
Entende ser-lhe devido tal valor, acrescido dos respectivos juros moratórios, cujo valor, à data da propositura da acção, computa em € 29.532,41.
Afirma ainda ter fornecido à ré um gerador a diesel, no valor de € 19.250,00, quantia ainda não paga pela ré, valor que exige, acrescido de juros moratórios, cujo valor, à data da propositura da acção, computa em € 8.087,37.
Conclui pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de €298.862,25, acrescida de juros moratórios contados da citação.
Citada, a ré apresentou contestação, na qual, em súmula, começa por invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, na medida em que, afirma, no contrato celebrado entre autora e ré consta pacto atributivo de jurisdição aos tribunais do Reino de Espanha, norma que, na sua perspectiva, respeita o estabelecido no nº 1 do artigo 25º do Regulamento (UE) nº 1215/2015 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012.
Defende que o fornecimento dos segundo e terceiro equipamentos pela autora identificados na sua petição integraram-se na mesma obra que justificou a contratação entre autora e ré, a eles se devendo aplicar o mesmo clausulado.
Entende verificar-se a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, e pede a sua absolvição da instância.
Aceita ter celebrado com a autora o contrato invocado na petição inicial, no âmbito do qual reconhece ter entregue à autora €575.000,00.
Afirma que a obrigação de pagamento da restante quantia, €115.750,00, estava contratualmente dependente da apresentação pela autora da totalidade da documentação relativa aos equipamentos fornecidos.
Alega que a autora não cumpriu a obrigação de fornecimento e montagem dos equipamentos isenta de vícios, nem procedeu à entrega da documentação dos mesmos legalmente obrigatória, o que originou diversos atrasos no cumprimento das obrigações que a ré havia assumido para com terceiros.
Defende já ter liquidado a quantia de €19.500,00 que a autora agora exige novamente quanto ao fornecimento do gerador a diesel.
Impugna os fundamentos da acção.
Em sede de reconvenção, re-afirma os prejuízos por si sofridos com o incumprimento da autora [custos com a eliminação dos vícios e penalizações impostas por terceiros], e liquida estes em €328.140,25.
Declara pretender a compensação de parte deste valor com o crédito da reconvinda no montante de €115.750,00, e exige o pagamento do remanescente, € 212.390,25, quantia acrescida de juros de mora, liquidando os já vencidos em € 69.662,26.
Conclui pedindo a improcedência da acção e a procedência da reconvenção, nos termos acima referidos.
A autora apresentou réplica, na qual, em súmula, quanto à excepção de incompetência absoluta do tribunal, defende que o pacto de jurisdição invocado pela autora já não se encontra em vigor, por a sua eficácia ter cessado no momento em que a autora deu por finda a colocação dos equipamentos, em Agosto de 2020.
Defende que, tendo sido acordado entre as partes o pagamento do fornecimento dos bens e serviços à autora através de uma conta bancária domiciliada em Portugal, o elemento de conexão relevante [lugar do cumprimento da obrigação] determina a competência dos tribunais portugueses.
Impugna os fundamentos da reconvenção, negando os vícios que a reconvinte invoca e impugnando o prejuízos invocados.
Conclui pedindo a improcedência da excepção dilatória de incompetência absoluta e a improcedência da reconvenção.
É então proferida sentença que, julgando procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, absolve a ré da instância.
É desta decisão que, inconformada, a autora vem interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [rectificando-se a numeração, que contém uma repetição no número XLII]:
1- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, com a referência n.º 137740608, em que se decidiu:” A violação da competência convencional internacional, decorrente de um pacto atributivo de jurisdição, tem como consequência a incompetência do tribunal, exceção dilatória que determina a absolvição da instância - arts. 576.º, n.º e 577.º, alínea a), do CPC. Pelo exposto, julgo os tribunais portugueses incompetentes internacionalmente para conhecer do presente litígio e, em consequência, absolvo a Ré B..., S.A., da instância;
2- A nosso ver, o tribunal a quo errou quando foi na esteira do invocado pela ré em sede de matéria de exceção de incompetência internacional.
3- Está em causa a apreciação da licitude e validade da cláusula atributiva de jurisdição do contrato de fornecimento de bens e prestação de serviços celebrado entre as partes;
4- O tribunal a quo, sem qualquer fundamentação ou quando muito uma fundamentação genérica, tendo considerado, a posição da ré “Aderimos, avançamos, já, à tese da Ré.”!
5- O dever de fundamentação das decisões judiciais prende-se intimamente com a necessidade de credibilização dos atos decisórios perante a coletividade, impedindo que assentem em critérios puramente discricionários;
6- Tanto nas sentenças como nos despachos o juiz está vinculado ao princípio da legalidade material;
7- O princípio da precisão ou coerência inculca que os motivos apresentados pelo órgão decisor não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos que tornam o raciocínio que lhe está subjacente em algo imprestável para a inteligibilidade da decisão;
8- A doutrina entende que sentenças, insuficientemente motivadas, escondem uma parcela de poder arbitrário;
9- Como se refere no acórdão de 5/3/2015 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Bettencourt de Faria e disponível em www.dgsi.pt), “o dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, visa impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e colocar a instância de recurso em posição de exprimir, com maior certeza, um juízo concordante ou divergente”. E assim é porque “a falta, em termos absolutos, da fundamentação (mas já não a mediocridade, a deficiência ou o cariz erróneo desta) impede a prossecução” desses objectivos, “pelo que é ajustado considerar que a cominação da nulidade para tal omissão deriva da influência da preterição dessa formalidade na decisão final”;
10- No que respeita à doutrina, Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221) ensina que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais”;
11- No caso concreto não se trata de uma deficiência de fundamentação (mesmo que grave), por ter sido identificada a previsão legal mas não ter sido indicado de forma percetível porque é o tribunal recorrido considerou o art. 94.º, n.º do CPC e o artigo 25.º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, mas de uma total e absoluta falta de fundamentação, porque não é possível apreender qualquer linha de raciocínio que levasse à consideração conclusiva expressa na decisão recorrida;
12- Parte para a transcrição do artigo 94.º, n.º 1 do CPC, a seguir menciona o art. 25.º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, e transcreve o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/05/2019, Proc. N.º 3793/16.0T8VIS.C1.S1 – www.dgsi.pt, limitando-se a transcrever o sumário do douto acórdão, excluído, apenas o ponto VI. desse mesmo sumário. E depois refere que” (…) O pacto atributivo de jurisdição designa com clareza que competentes serão os Juízos e Tribunais de Madrid.”;
13- A afirmação da ausência de preenchimento da previsão constante do preceito legal identificado, sem a indicação da realidade factual subsumível à previsão legal, a par do percurso lógico que conduz à afirmação conclusiva da falta de preenchimento de tal previsão trata-se de falta de fundamentação do decidido, porque é totalmente omisso qualquer raciocínio nesse sentido, e sendo que só nessa medida se poderia observar a utilização do silogismo judiciário;
14- Na doutrina de Rui Manuel Pinto Soares Pereira Dias “um juiz deverá em geral interpretar as regras de direito internacional privado para dar efeito ao que se tenha demonstrado, haja sido a intenção comum das partes”;
15- A questão premente é saber se existe um pacto de jurisdição e, caso exista, apurar da sua validade;
16- No que respeita à competência internacional dos tribunais portugueses, estabelece o art.° 59.° do CPC que: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”;
17- E o art. 94.º do CPC, com a epígrafe: “Pactos privativo e atributivo de jurisdição”, dispõe que:
1- As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica;
2- A designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja exclusiva em caso de dúvida;
3- A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;
b) Ser aceite pela lei do tribunal designado;
c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra;
d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente;
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham diretamente o acordo quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido”;
18- Um desses regulamentos que importa é o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável desde 10 de janeiro de 2015;
19- O art.º 25º do referido Regulamento que:
«1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita;
b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou
c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.
2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à “forma escrita”. (…)
5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato. A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido»;
20- Na interpretação das normas sobre competência internacional, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros;
21- O tribunal a quo falhou na análise crítica do teor e alcance do próprio documento em que se arvora a sentença, validando a convenção de jurisdição e a eleição de foro, em termos que a mesma resulta extensiva a todo o conjunto de relações entre recorrente e recorrida, e às demais também referidas nos autos, portanto, a todas as pretéritas e às futuras;
22- Importa o princípio da autonomia da vontade que se fundamenta na autodeterminação das partes, que se exprime na escolha da jurisdição que, no seu juízo, é mais conveniente para os seus interesses; certeza e previsibilidade jurídicas proporcionadas pela fixação da jurisdição exclusivamente competente, e, na proteção da confiança recíproca;
23- Para o autor Luís de Lima Pinheiro, “O domicílio das partes em Estados diferentes é, em princípio, condição suficiente, mas não é condição necessária”;
24- Mas a determinação da jurisdição não pode ficar sujeita à livre escolha de uma das partes;
25- O pacto de jurisdição é um negócio jurídico que tem um efeito atributivo de competência aos tribunais de um Estado e um efeito privativo de competência dos tribunais de um Estado que, na sua falta, seriam competentes;
26- Quando diz respeito a uma relação contratual, o pacto de jurisdição constitui normalmente uma cláusula do negócio fundamental, que corresponde à cláusula 25 do contrato;
27- Os requisitos gerais dos pactos de jurisdição são: determinabilidade do litígio, internacionalidade do objeto do litígio, disponibilidade da matéria, interesse sério, respeito da competência exclusiva dos tribunais portugueses e forma escrita;
28- A escolha do foro não pode ser um inconveniente grave para a outra parte, porque levará a recorrente a recorrer, nesta situação numa posição mais desfavorecida, para o cumprimento das obrigações contratuais, isto é, do pagamento do preço, por parte da recorrida, a um outro Estado, que não o seu;
29- O interesse sério é qualquer motivo socialmente relevante ou fundamento objetivamente razoável, entendido em termos semelhantes ao «interesse digno de proteção legal» do n.º 2 do art. 398.º do Código Civil;
30- No caso presente, o interesse que presidiu à escolha da jurisdição, prepondera para o lado da recorrida, e, assim sendo, leva a uma incerteza;
31- A existência de um documento escrito (de teor constitutivo ou confirmativo), nos precisos termos constantes da alínea a) do nº 1 do art. 25º, assume a natureza de formalidade ad substantiam;
32- O pacto de competência para ser válido e eficaz, deve ter um cumprir um requisito formal atinente à exigência de forma escrita como modo inequívoco de manifestação de vontade dos outorgantes nesse sentido e um requisito substantivo, atinente ao objeto do acordo, sendo exigível que o pacto designe, com suficiente determinação, a relação jurídica e as questões emergentes da relação jurídica, designada que hão-de ser apreciadas e decididas – cfr. Ac. RC de 11.10.2022, p. 2038/20.2T8LRA.C1 in dgsi.pt;
33- Na doutrina do autor Rui Torres Vouga: “A validade dum pacto de jurisdição inclui todas as questões que afetam a força vinculativa desta convenção:
i) fundamentos de nulidade ex lege, incluindo a falta de requisitos formais e, especificamente, fundamentos de invalidade dos pactos de jurisdição destinados a proteger as partes mais fracas (cfr. as disposições visando proteger os segurados, os consumidores e os trabalhadores contidas nas secções 3 [artigo 15.º], 4 [artigo 19.º] e 5 [artigo 23.º] do Capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012) ou
ii) políticas fortes, fundamentos de resolução do pacto e, eventualmente,
iii) todas as questões relativas à formação e existência do pacto, em especial o necessário consentimento das partes (visto que, se, antes de mais, não existir o acordo das partes, ele não possui naturalmente nenhuma força vinculativa, tal como não tem nenhuma força vinculativa um pacto que, embora exista, é nulo e de nenhum efeito)”;
34- Segundo jurisprudência, a disposição do artigo 25.º do Regulamento n.º 1215/2012,, o juiz chamado a pronunciar-se tem a obrigação de analisar, in limine litis, se a cláusula atributiva de jurisdição foi efetivamente objeto de consenso entre as partes, que se deve manifestar de forma clara e precisa, tendo as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 25.º,n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012 por função, a este título, assegurar que o consenso seja efetivamente provado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2017, Leventis e Vafeias, C-436/16, EU:C:2017:497, n.o 34 e jurisprudência referida);
35- Será a competência do forum executionis conforme decidiu o Acórdão do STJ, de 11.11.2003, Proc. N.º 03ª3137;
36- Visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro» (Ac. STJ de 14.10.2004, cit.);
37- O consentimento deve ter sido expressado de forma clara e preciso;
38- Esse requisito não está preenchido no caso presente, dado que seria como que a renúncia a um privilégio jurisdicional da recorrente;
39- Não seria aceitável, que consentimento prestado por ocasião da celebração de um dado contrato, mesmo que ele tivesse explicitamente a pretensão de pré-determinar todas as futuras relações jurídicas entre as partes;
40- A asserção do TJUE neste aresto foi a de reconhecer que é tarefa que caberá ao tribunal nacional a de interpretar a cláusula atributiva de jurisdição para o efeito de determinar que litígios estão cobertos pelo seu (suficientemente determinado) âmbito: cfr. TJUE, Powell Duffryn, 1992.03.10, cit., n.os 36 e 37; nesse sentido tb., v.g., TJUE, Benincasa, 1997.07.03, cit., n.º 31; TJUE, Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide SA v. Akzo Nobel NV et al., C-352/13 (2015.05.21), n.º 67.);
41- Os interesses de certeza e segurança jurídica não admitem que o consentimento prestado por ocasião da celebração do contrato, mesmo que ele tivesse a pretensão de pré-determinar todas as futuras relações jurídicas entre aquelas partes, se estendesse para todos os demais negócios que viessem a ser concluídos;
42- Também a cláusula atributiva de jurisdição, que se discute, na sua formulação escrita é uma formulação genérica, pouco determinável, como se transcreve “(…) se somente a la jurisdicion y competência de los Juzgados y Tribunales de Madrid.” Quais seriam? Que instâncias? Cíveis? De comércio?
43- Não se considera válida a cláusula atributiva de jurisdição;
44- A autonomia da vontade da determinação do Direito aplicável aos contratos obrigacionais constitui um princípio de Direito Internacional Privado;
45- Estamos em presença de uma obrigação contratual resultante de um contrato de compra e venda de bens, ou seja, o pagamento do preço;
46- Os equipamentos, os geradores foram “concebidos/construídos” em ... na sede da recorrente e os mesmos foram entregues à recorrida na sua sede, tendo os mesmos sido transportados para a Madrid, para a obra Hospital ..., em Madrid;
47- O ordenamento jurídico a ter em conta será o ordenamento jurídico português;
48- O presente contrato é misto, pois contém elementos de contratos tipificados na lei;
49- Na situação concreta a montagem/instalação dos equipamentos assume menor relevância por um lado expressa no valor que lhe é atribuído no descritivo final e, por outro lado, na causa de pedir, que incide sobretudo na prestação atinente à venda dos equipamentos;
50- Deverá aplicar-se o regime do contrato de compra e venda;
51- Como obrigações a cargo dos contraentes surgem para o vendedor, a obrigação de entregar a coisa (artigo 879.º, alínea b), do Código Civil) e para o comprador, a obrigação de pagar o preço (artigo 879.º, alínea c), do Código Civil);
52- O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (n.º 1 do art.º 762.º do Código Civil);
53- Do estipulado no contrato resulta que as quantias devidas seriam pagas pela recorrida em conformidade com a Cláusula 7. “(…) El pago de dicha fatura se realizará de inmediato por transferência bancaria tras la presentación de dicha factura”;
54- A lei aplicável à substância do negócio é, na falta de estipulação, a lei do lugar da melhor conexão (art. 41º do CC);
55- O contrato tem melhor conexão com Portugal;
56- A obrigação em questão é o crédito decorrente do contrato de fornecimento de bens e prestação de serviços;
57- Sendo que o que está em causa não é determinar qual o local para cumprimento de todas as obrigações resultantes do contrato;
58- O acordado era que o pagamento seria efetuado por transferência bancária para uma conta titulada pela recorrente e domiciliada em Portugal;
59- E ainda que se entendesse que nada se encontra estipulado quanto ao cumprimento da obrigação, o Código Civil, no seu art. 774º manda que a mesma se realize no domicílio do credor, no que toca a obrigações pecuniárias;
60- A recorrente, tem domicílio em Aveiro, Portugal, pelo que sempre seriam competentes para julgar a causa os Juízos Cíveis de Aveiro;
61- Não tem assim aplicação o 25º, nº 1, al. a) do Regulamento nº 1215/2012, de 12 de dezembro de 2012.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá assim ser o presente recurso julgado procedente por provado, revogando-se o aresto recorrido por violação de lei substantiva e errada aplicação de lei processual, particularmente por violação do artigo 25º do Regulamento 1215/2012, de 12 de dezembro de 2012, artigos 651º e 94º do Código de Processo Civil e 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Subsidiariamente e sem conceder, para a eventualidade de entenderem Vossas Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que existe dúvida sobre a possibilidade de invocação de direito nacional para aferir da formação da vontade negocial ao abrigo do artigo 25º do Regulamento (CE) Comunitário 1215/2012 de 12 de dezembro de 2012, entende a Recorrente que a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, no caso sub judice, nos termos do artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, será indispensável para a decisão da controvérsia jurídica que constitui objeto da presente ação.
Assim se fazendo Justiça!
A ré apresentou contra alegações, que findou com as seguintes conclusões:
1- Contrariamente ao que alega a Recorrente, o Tribunal a quo cumpriu o ónus de fundamentação da Sentença recorrida na medida em que:
(i) Conforme é entendido unanimemente pela jurisprudência e pela doutrina, e reconhecido pela própria Recorrente, só há lugar a violação do ónus de fundamentação das decisões judiciais nos casos de absoluta falta de fundamentação;
(ii) A Sentença recorrida contém uma enunciação completa das razões de facto e de direito que determinaram o convencimento do Tribunal a quo quanto à absolvição da instância;
2- Contrariamente ao que alega a Recorrente, o pacto de jurisdição é válido, eficaz e vinculativo entre as partes, na medida em que
(i) Constitui uma manifestação inequívoca do consentimento das Partes na atribuição de competência internacional aos “Juízos e Tribunais de Madrid”;
(ii) Cumpre todos os requisitos formais e materiais previstos no artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I bis;
3- Cumpre o requisito de validade substancial do pacto, na medida em que:
(i) A Cláusula 25 do Contrato determina com precisão a relação jurídica cujos litígios pretende regular, uma vez que prevê expressamente que se aplica a “(…) quantos litígios, controvérsias, discrepâncias, questões ou reclamações possam surgir quanto à interpretação e exato cumprimento deste Contrato, ou relacionadas com ele, direta ou indiretamente”;
(ii) A Cláusula 25 do Contrato designa com precisão e como competentes para apreciar quaisquer litígios emergentes desta relação jurídica, os “Juízos e Tribunais de Madrid”;
4- Adicionalmente, é importante sublinhar que a aferição dos requisitos que se impõem à válida celebração do pacto de jurisdição – para além daqueles que se encontram previstos no próprio artigo 25.º do Regulamento –, deve ser feita à luz da lei do Estado-membro designado, isto é, à luz da lei espanhola e não à luz da lei portuguesa conforme defende a Recorrente;
5- Donde resulta, estarem preenchidos os requisitos de validade do pacto de jurisdição previsto na Cláusula 25 do Contrato, o que o que determina a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio e a respetiva absolvição da Recorrida da instância em conformidade com o disposto nos artigos 96.º, alínea a) e 99.º do CPC;
6- Ainda que não existisse qualquer pacto de jurisdição, ou se entendesse que o pacto de jurisdição previsto na Cláusula 25 do Contrato não é válido (quad non), a aplicação do Regulamento Bruxelas I bis sempre determinaria a incompetência internacional dos tribunais portugueses, na medida em que nenhuma das regras de competência aplicáveis atribui competência aostribunais portugueses;
7- A regra residual do artigo 4.º, n.º 1 do Regulamento atribui competência aos tribunais do domicílio do demandado, o que no caso concreto implica a competência dos tribunais espanhóis, na medida em que a aqui Recorrida tem a sua sede social em Espanha;
8- A par e numa relação de alternatividade com esta norma de competência residual, o Regulamento estabelece uma série de regras de competência especiais, nomeadamente, o artigo 7.º, n.º 1, alínea a) que prevê que em matéria contratual, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
9- Sendo a obrigação objeto do presente litígio a obrigação de pagamento do preço e, devendo esta ser cumprida através de transferência bancária para conta sediada em Portugal – cf. Cláusula 7 do Contrato–, entende a Recorrente serem os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer do litígio – cf. Capítulo V da Alegação de Recurso;
10- Contudo, contrariamente ao que entende a Recorrente, o artigo 7.º, n.º 1, alínea a) não é aplicável ao presente caso, na medida em que o Contrato celebrado enquadra-se no regime específico da alínea b) do mesmo preceito;
11- De acordo com essa alínea, o “lugar do cumprimento da obrigação em questão” será o lugar do cumprimento da obrigação característica do contrato: o que, no presente caso, equivale a dizer o local da entrega e instalação dos equipamentos que deverá ser cumprida em Madrid, Espanha;
12- Donde procede, que nenhuma das normas de competência potencialmente aplicáveis atribui competência internacional aos tribunais portugueses, o que determina a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecer do presente litígio e a respetiva absolvição da Recorrida da instância em conformidade com o disposto nos artigos 96.º, alínea a) e 99.º do CPC;
13- Finalmente, não assiste qualquer razão à Recorrente para requerer, ainda que a título subsidiário, o reenvio prejudicial da presente ação para o TJUE, na medida em que, contrariamente ao que entende a Recorrente, não subsiste qualquer dúvida legitima quanto à interpretação do artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I bis;
14- Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se integralmente inalterada a sentença.
Adicionalmente, deve ainda ser julgado integralmente improcedente o pedido de reenvio prejudicial formulado pela recorrente, na medida em que não subsiste qualquer dúvida quanto à correcta interpretação do artigo 25º do Regulamento Bruxelas I bis.
O recurso foi admitido como de apelação por despacho proferido a 25 de Junho de 2025 [referência nº 139275775], a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo o tribunal a quo lavrado pronúncia quanto à nulidade invocada.
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
**
*
II - Fundamentação
Como é sabido, o teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta, onde sintetiza as razões da sua discordância com o decidido e resume o pedido (nº 4 do artigo 635º e artigos 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil), delimita o objecto do recurso e fixa os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente.
Assim, atentas as conclusões da recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
A) A nulidade da decisão recorrida por omissão de fundamentação;
B) A (in)competência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação do objecto dos presentes autos;
C) A aplicação, neste momento processual, do mecanismo previsto no artigo 267º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia.
*
A matéria de facto relevante mostra-se já enunciada no relatório da presente decisão, e resulta da simples análise da tramitação processual na plataforma citius.
*
A)
A transparência dos fundamentos de cada decisão judicial constitui o pilar nuclear da sua legitimidade democrática, permitindo a qualquer interessado compreender os motivos e o racional do decidido, enquadrando este no conjunto de normas gerais e abstractas que integram o ordenamento jurídico vigente [«o dever de fundamentação explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual, da rejeição do segredo nos atos do Estado, da necessidade de avaliação dos atos estaduais, aqui se incluindo a controlabilidade, previsibilidade, fiabilidade e a confiança nos atos do Estado» - Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume II, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, página 527].
É pela fundamentação que os destinatários da decisão a compreendem, e a ela aderem ou dela discordam, lançando mão dos mecanismos processualmente legitimados.
Mas a nulidade da sentença a que se refere a alínea b) do artigo 615º do Código de Processo Civil dirige-se à total omissão de fundamentação, e não à fundamentação apenas insuficiente ou deficiente – é que apenas na primeira hipótese se poderá afirmar estar irremediavelmente afectado o raciocínio de que a decisão judicial deve constituir o corolário, a estrutura do silogismo judiciário que confere base à decisão enquanto norma-de-um-caso.
Tratando-se de decisão incompleta, deficiente ou mesmo errada, no limite poderemos estar perante erro judiciário, a resolver nos quadros normais do recurso para re-apreciação da decisão de mérito – esta é a jurisprudência absolutamente pacífica dos nossos tribunais superiores [veja-se, a título meramente exemplificativo, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 08 de Outubro de 2020, processo nº 5243/18.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/].
No caso em apreço, defende a recorrente, «não se trata de uma deficiência de fundamentação (mesmo que grave), por ter sido identificada a previsão legal mas não ter sido indicado de forma percetível porque é o tribunal recorrido considerou o art. 94.º, n.º do CPC e o artigo 25.º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, mas de uma total e absoluta falta de fundamentação, porque não é possível apreender qualquer linha de raciocínio que levasse à consideração conclusiva expressa na decisão recorrida» [conclusão 11ª].
Afigura-se óbvio que a extensão do dever de fundamentação deve medir-se pela concreta posição pelas partes assumida quanto ao objecto do litígio.
A autora, na sua petição inicial, afirmou ter celebrado determinado(s) negócio(s) com a ré.
Esta, na contestação, defendeu que para a apreciação do litígio trazido a juízo pela autora serão competentes os tribunais do Reino de Espanha, em virtude de pacto atributivo de jurisdição entre as partes celebrado.
E a autora, na réplica, expressamente aproveitando o momento para tomar posição quanto à excepção de incompetência absoluta arguida pela autora, em momento algum questionou a existência ou validade do pacto esgrimido pela autora, limitando-se a defender que já não possuía força vinculativa entre as partes [artigos 6º a 9º da réplica], e ainda que o elemento conexão relevante no caso [o lugar de pagamento] torna irrelevante o pacto atributivo em causa [artigo 10º da réplica].
Ou seja, a própria autora aceitou a existência e validade do pacto invocado pela ré, apenas questionando a sua eficácia.
Na sequência, surge totalmente compreensível a opção do tribunal a quo em assentar o seu raciocínio no pressuposto da existência e validade de um acordo que nenhuma das partes colocou em causa, de imediato debruçando-se sobre as normas cuja aplicação pressupõem essa existência e validade – precisamente o artigo 94º do Código de Processo Civil e o artigo 25º do regulamento (EU) nº 2015/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro.
O que não se compreende, pelo contrário, é que a autora, no momento próprio, nenhuma objecção tenha levantado à existência e validade do pacto atributivo de jurisdição invocado pela ré, e agora defenda a inexistência de fundamentação a propósito de questão a que anteriormente nem se referiu.
Não ocorre o vício invocado.
B)
A decisão recorrida baseou-se na cláusula 25ª do contrato indiscutivelmente celebrado entre as partes, junto aos autos pela autora [documento 1 junto com a petição inicial] e aceite pela ré [artigo 13º da contestação], para concluir ter sido válida e eficazmente celebrado pacto atributivo de jurisdição que afastou a competência dos tribunais da República Portuguesa para apreciar os litígios emergentes dos acordos invocados na petição inicial.
Literalmente, do documento que a autora reconhece ter sido subscrito com vista a reger o relacionamento negocial com a ré consta uma cláusula, a 25º, que determina a submissão dos litígios emergentes do contrato à jurisdição e competência dos juízos e tribunais de Madrid.
A autora questiona agora a validade dessa cláusula, seja afirmando que a solução que dela decorre não corresponde a um interesse justificado, seja alegando que não emerge de consentimento da recorrente, seja ainda por a sua formulação verbal se mostrar vaga e genérica.
Em primeiro lugar convirá recordar ser fora de dúvida estarmos perante litígio de natureza transnacional, atento o facto de a autora possuir sede em território português e a ré vir identificada na própria petição inicial como pessoa colectiva de direito espanhol, possuindo sede no Reino de Espanha.
Conforme jurisprudência totalmente pacífica dos nossos tribunais superiores, a competência absoluta dos tribunais [designadamente a competência internacional] afere-se em função da relação material controvertida tal como apresentada pelo autor, independentemente de qualquer juízo de prognose quanto ao mérito da acção [cfr, neste sentido, e por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 04 de Março de 1997 (publicado na Colectânea de Jurisprudência/STJ, 1997, tomo V, página 125) e de 01 de Março de 2018 (processo nº 1203/12.0TBPTL.G1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2018:1203.12.0TBPTL.G1.S1.78?search=hkR2vXK2dF9l5dcq_fE), bem como o decidido pelo Tribunal de Conflitos nos seus acórdãos de 2 de Julho de 2002 (conflito nº 01/2002, disponível em https://files.dre.pt/gratuitos/acordaos/2002/32600.pdf) e de 05 de Fevereiro de 2003 (conflito nº 06/2002, disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-sta/32600-2004-4046402)] – nº 1 do artigo 38º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais [Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto].
Naturalmente, como decorre do nº 4 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 59º do Código de Processo Civil, a regulamentação europeia quanto à competência internacional sobrepõe-se às regras do direito interno.
A autora pretende a não aplicação da cláusula 25ª do contrato e, na sequência, a conclusão pela competência internacional dos tribunais portugueses.
Mas apenas sucede que, ainda que as partes não tivessem celebrado qualquer pacto atributivo de jurisdição válido e eficaz, seriam competentes para a apreciação do litígio os tribunais do Reino de Espanha e nunca os da República Portuguesa – como, aliás, a recorrida bem refere.
Explicando.
Ponderemos a hipótese de autora e ré terem celebrado os 3 acordos de fornecimento de bens e prestação de serviços referidos na petição inicial, mas sem reduzir a qualquer escrito as cláusulas da vinculação.
Tratando-se de litígio transnacional no âmbito da União Europeia, ao caso sempre seria aplicável o disposto no Regulamento (EU) nº 2015/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro.
Ora, essencialmente face à alegação pela autora feita na sua petição inicial, não há qualquer dúvida estar nos autos em causa o fornecimento e colocação de diversos equipamentos em determinado local [concretamente, o Hospital ...] de Madrid, Reino de Espanha – é o que linear e claramente resulta do alegado nos artigos 6º, 10º, 13º, 23º, 24º, 27º, 46º, 47º, 59º, 60º, 62º, 69º da petição inicial.
O cerne da questão passa por entender o que se deve considerar englobado na expressão vertida nos dois parágrafos da alíneas b) do nº 1 do artigo 7º do regulamento (EU) nº 2015/2012 [no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados] – todas as obrigações emergentes de um contrato de compra e venda de bens ou de um contrato de prestação de serviços, ou apenas a obrigação principal nele assumida por uma das partes, em concreto pelo fornecedor/vendedor ?
Em primeiro lugar recorde-se constituir intenção declarada do legislador europeu por princípio ligar a competência dos tribunais dos estados membros ao domicílio do requerido, em qualquer caso assegurando a previsibilidade, para o requerido, do critério definidor da competência [considerandos 15) e 16) do regulamento (EU) nº 2015/2012], bem como minimizando a possibilidade de serem instaurados processos concorrentes [considerando 21) do regulamento (EU) nº 2015/2012].
Restringir qualquer dos parágrafos da alínea b) do nº 1 do artigo 7º do regulamento (EU) nº 2015/2012 à obrigação essencial de uma das partes no contrato [o vendedor/fornecedor do serviço] naturalmente abriria a porta a que a mesma relação jurídica fosse discutida, não só em processos diferentes, mas também em países diferentes, com regras materialmente diversas – o que é claramente contrário à intenção explicada no considerando 21) do regulamento (EU) nº 2015/2012.
Razoável e compreensível será que o elemento de conexão «local onde os bens foram ou devam ser entregues» releve quanto à competência para apreciar qualquer litígio emergente da relação jurídica em presença.
E por isso se compreende que constitua jurisprudência absolutamente pacífica do Tribunal de Justiça da União Europeia, formada à luz do regulamento (CE) nº 44/2001, de 16 de Janeiro, cujo artigo 5º, nº 1, possuía redacção em absoluto idêntica à norma actualmente vertida no nº 1 do artigo 7º do regulamento (EU) nº 2015/2012, que se deva tomar «(…) como referência, quanto aos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, já não a obrigação controvertida na acção, mas antes a obrigação característica do contrato, impondo uma definição autónoma do “lugar de cumprimento enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual” [ponto 54 do acórdão do TJ de 23 de Abril de 2009, proc. C-533/07, caso Falco Privatstiftung, Thomas Rabitsch contra Gisela Weller-Lindhorst, disponível em https://juris.stj.pt/3556%2F22.3T8PNF.P1.S1/M1_swEkOE1j0lVHc4X1GhtXCZU0?search=eGKwFq7lXJmzJ3RQrAk].
Este também tem sido o entendimento pacífico do nosso Supremo Tribunal de Justiça na matéria [veja-se, por todos, o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14 de Dezembro de 2017, processo nº 143378/15.0YIPRT.G1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2017:143378.15.0YIPRT.G1.S1.C2?search=6kEBQYWU1m5dKIwO_oM, bem como no seu recente acórdão de 27 de Fevereiro de 2025, processo nº 3556/22.3T8PNF.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/3556%2F22.3T8PNF.P1.S1/M1_swEkOE1j0lVHc4X1GhtXCZU0?search=eGKwFq7lXJmzJ3RQrAk] – ou seja, repete-se, o elemento de conexão relevante [local de entrega dos bens; local de prestação dos serviços] determina a competência relativamente a qualquer das obrigações jurídicas emergentes de um determinado relacionamento contratual, independentemente da concreta obrigação cujo cumprimento a parte exige em juízo.
Portanto, mesmo tendo em conta que a recorrente, nestes autos, exige o cumprimento de uma obrigação estritamente pecuniária, porque indiscutivelmente funda o seu pedido num contrato misto de compra e venda de bens e prestação de serviços ao caso seria aplicável a alínea b) do nº 1 do artigo 7º do regulamento (EU) nº 2015/2012, caso inexistisse pacto atributivo de jurisdição.
E, na hipótese em apreço, qual deve ser considerado «o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues» e os serviços «foram ou devam ser prestados» ?
Obviamente temos de recorrer ao alegado pela autora na sua petição – e, como acima se referiu, apenas lendo o articulado inicial facilmente nos apercebemos de a autora se ter vinculado a fornecer e instalar determinados equipamentos num local da cidade de Madrid, Reino de Espanha.
Ou seja, mesmo que o contrato celebrado fosse omisso quanto à competência internacional para conhecer de litígio entre as partes, para a apreciação deste sempre seriam competentes os tribunais do Reino de Espanha, nunca os tribunais portugueses.
Logo, no que aqui e neste momento nos ocupa [a competência internacional dos tribunais portugueses] é em absoluto irrelevante que o artigo 25º do contrato celebrado seja válido e eficaz ou não – em qualquer caso, seja com base na validade, seja com base na invalidade do clausulado, impõe-se a absolvição da instância.
C)
Por último, obviamente não assiste razão à recorrente quando pugna pela aplicação do mecanismo previsto no artigo 267º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia.
É que, por um lado, inexiste qualquer polémica ou dúvida que o sentido das normas fixadas no artigo 7º do regulamento (EU) nº 2015/2012 deve ser o acima indicado – competentes para a apreciação de litígio transnacional emergente de contrato de compra e venda e/ou prestação de serviços serão os tribunais do Estado-Membro onde, nos termos contratuais, os bens foram ou deviam ter sido ser entregues, ou os serviços foram ou devia ter sido prestados.
Por outro, atenta a absoluta identidade de resultados que decorre da aplicação do pacto atributivo de jurisdição e da sua não aplicação, é notoriamente irrelevante ao desfecho do litígio a possibilidade de invocar o direito nacional para aferir da formação da vontade negocial ao abrigo do artigo 25º do Regulamento (CE) Comunitário 1215/2012, de 12 de dezembro.
O recurso não tem fundamento.
*
Sumário – nº 7 do artigo 663º do Código de Processo Civil:
…………………………………………………………………….
…………………………………………………………………….
…………………………………………………………………….
**
*
Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença proferida em 1ª instância.
Mais se condena a recorrente nas custas do recurso – artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 22/9/2025.
António Carneiro da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida
José Manuel Correia