INJUNÇÃO
TRANSAÇÃO COMERCIAL
CONCEITO
Sumário

I - O conceito de transacção comercial para efeitos do Dec.-Lei n.º 62/2013 deve ser encontrado através da aplicação das normas de direito comunitário.
II - Esse ordenamento consagrou uma definição ampla através da qual o legislador comunitário regula o cumprimento de uma obrigação e não a disciplina de um contrato, pressupondo apenas um crédito unitário correspondente a uma obrigação pecuniária própria, e não os contratos que fundamentam e deram causa ao nascimento dessa obrigação.
III - Se estamos perante uma cessão contratual, nos termos do qual a apelante cedeu a um terceiro a posição contratual que detinha nos contratos relativos a um jogador pelo preço global de 577.500,00 euros, e o apelado se comprometeu a assegurar o pagamento de determinada garantia, estamos perante uma relação comercial cujo objecto ou contraprestação é uma prestação pecuniária, isto é, que consiste numa quantia em dinheiro.
IV - Logo, apesar do pagamento ser assegurado por uma garantia pessoal, estamos perante uma transacção comercial, no sentido amplo que pode ser processualizada nos termos do regime em causa.

Texto Integral

Processo nº 2039/24.1YIPRT.P1

Sumário:

…………………………………………………

…………………………………………………

…………………………………………………


*

*


1. Relatório

“A..., Lda.” intentou requerimento de injunção contra AA, alegando que o requerido prestou fiança a favor da requerente num contrato de cessão da posição contratual que esta celebrou com a empresa B...; Fze Alegou ainda que obrigação é comercial, dado que, AA é um empresário em nome individual, que exerce como agente de futebol, estando registado com a FA Association inglesa, tendo celebrado o contrato no exercício da atividade de AA enquanto agente de futebol, e a A..., Lda. aqui Requerente, e que ao tempo exercida atividade de agente desportivo.

Veio o Requerido alegar que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para utilização da Injunção, uma vez que sendo uma pessoa singular e a alegada dívida ultrapassar os €15.000, se verifica uma exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, prejudicando o conhecimento de mérito por parte do Tribunal e implicando a absolvição do Requerido da Instância.

Notificada para se pronunciar a Requerente veio dizer que a atividade do requerido é de agente de futebol, pelo que o mesmo é agenciador de negócios- para clubes e jogadores, sendo que o art. 230.º do Código Comercial, no seu 3º, define como empresas comerciais singulares ou coletivas, as referentes a agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto ao público, e mediante salário estipulado.

Foi proferido despacho que decidiu: “ julga-se verificada a exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, por não ser este o meio adequado à cobrança de uma dívida ao fiador, pelo que se absolve o requerido da instância”.

Inconformada veio a autora interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, todos do Código Processo Civil).


*


2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões:

A- Do pedido, e da causa de pedir invocada, o fundamento de acção decorre da celebração de um contrato de transmissão de posição contratual de agenciamento de um jogador que decorreu da prestação de um empréstimo ao Devedor, tendo em conformidade com a entrega de capital, que foi alegada, o Devedor entregue ao Credor uma declaração confessória, onde se obrigava como devedor ao pagamento da quantia de Eur.825.000,00;

B- Ainda, como decorre do pedido e da causa de pedir, a declaração confessória foi emitida por um agente de futebol, em benefício de uma sociedade comercial, e na sequência de um empréstimo, no valor de Eur.577.000,00, tal como invocado no requerimento de injunção;

C- A emissão de uma declaração confessória de divida, na sequência de uma entrega de capital com vista à celebração de um contrato, entre empresas comerciais, é uma transacção comercial para efeitos do disposto no Dec.-Lei n.º 62/2013;

D- Com efeito, no requerimento de injunção apresentado, o Credor não invoca como fundamento do pedido a prestação de fiança, mas a declaração confessória do devedor, que não se reconduz à prestação de fiança;

E- Decorre do Art.º 10º n. 2 do Dec.-Lei n.º 62/2013, que, sendo remetida a distribuição a injunção, o processo passa a correr os seus termos sob a forma ordinária, devendo ter-se como presente que a remessa à distribuição ocorre quer por ter havido oposição, quer por se ter frustrado a notificação do Requerido, e por forma a que o Tribunal faça seguir os termos para citação judicial do Réu, sendo que, em ambos os casos, passando a correr o processo sob a forma comum, não há obstáculo a que o tribunal aprecie a questão;

F- Com efeito, a excepções dilatórias correspondem às situações que impedem o tribunal de apreciar o pedido, o que não sucede com os procedimentos de injunção que foram remetidos à forma comum, por força da sua distribuição, valendo o requerimento injuntivo como petição inicial, e a oposição como contestação;

G- Com efeito, no âmbito da fase declarativa do processo, o uso indevido do procedimento de injunção determinaria a remessa do processo á forma devida, o que, no caso se traduziria na sua distribuição como procedimento comum, o que já teve lugar ope legis, em face da remessa do procedimento para distribuição;

H- Não se prefigura assim que possa haver lugar, no caso concreto à absolvição da instância, o que deve ser declarado, ordenando-se a revogação da decisão e a baixa do processo para que prossiga os seus termos até final, como é de devido;


*


2.2. O apelado contra-alegou, conforme requerimento cujo teor se dá por reproduzido, concluindo que: Em função do que antecede, é manifesto que bem andou o Tribunal de Primeira Instância ao julgar verificada a existência da excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção e, em consequência, ter absolvido o Réu da instância.

3. questão a decidir

Determinar se a presente acção integra uma transacção comercial para efeitos do decreto-lei nº 62/2013 de 10 de maio.


*

*


4. Motivação de facto

1. A... Lda intentou um requerimento de injunçao formulando o seguinte pedido e alegando os seguintes factos “Em 29 de Abril de 2020, a Requerente celebrou com a empresa B...; FZE, um contrato de cessão de posição contratual, referente ao contrato de agenciamento do jogador BB, ao tempo vinculado ao ..., pelo preço de Eur.577.500,00, cuja cópia se fará juntar em devido tempo ao processo. DE acordo com os termos do contrato de cessão de posição contratual, seria transmitida`à Requerente a posição contratual entre a indicada B... e o clube inglês ..., em face do qual o clube pagaria um conjunto de comissões pela contratação do jogador. No mesmo contrato, o Requerido prestou fiança a favor da Requerente, não só pelo valor do crédito transmitido, como por todas as obrigações e créditos decorrentes do contrato celebrado, e referente ao contrato cedido. Porque do referido contrato resultavam outros créditos, na mesma data, o Requerido confessou-se como devedor da quantia de Eur.825.000,00 à Requerente, quantia essa que teria que ser paga em 30 de Outubro de 2020, como se comprova pelo documento a juntar, e em relação ao qual foi efectuada a autenticação notarial. Pese embora a obrigação tenha prazo certo, até à presente data, nada foi pago. A obrigação é comercial, dado que, AA é um empresário em nome individual, que exerce como agente de futebol, estando registado com a FA Association inglesa, tendo celebrado o contrato no exercício da actividade de AA enquanto agente de futebol, e a A..., Lda. aqui Requerente, e que ao tempo exercida actividade de agente desportivo. O Requerido reside em Itália, sendo contudo, nos termos do Art.º 89º n. 1 do CPC, o presente tribunal competente, por ser o que corresponde ao do local onde a obrigação deveria ter sido cumprida, dado que se trata de obrigação pecuniária que deve ser cumprida no domicilio do credor ao tempo do cumprimento.. O valor do capital em divida é de Eur.825.000, 00 São devidos juros comerciais nos termos do Art.º 102 § 2 e 5, consiiderando que a transação foi celebrada ao abrigo do Dec.-Lei n.º 62/2013. O valor é: 30/10/2020 3 1 /12/2022 7,00% 125.309,59€

2. na epígrafe Exposição dos factos que fundamentam a pretensão foi alegado que: Data do contrato: 29-04-2020 Período a que se refere: 29-04-2020 a 30-10-2020 Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços Contrato nº: até à presente data; Outras quantias: € 0,00 Taxa de Justiça paga: € 153,00 Capital: € 825 000,00 Juros de mora: € 199 763,01 à taxa de: 0,00%, desde € 1 024 916,01 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: O(s) requerentes(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos, no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de 01/01/2023 30/06/2023 9,50% 38.650,68€ 01/07/2023 22/11/2023 11,00% 35.802,74€ Total: 199.763,01€

3. Na sua oposição o requertido admite que “está, efectivamente, registado como Agente de Jogadores de Futebol, qualidade que o habilita nos termos da legislação nacional e internacional aplicável, a celebrar contratos de representação com jogadores e clubes de futebol”.

4. Mais alega que “O Requerente não presta os referidos serviços como empresário em nome individual, ou seja como sócio único de uma sociedade comercial unipessoal, mas sim como pessoa singular com capacidade jurídica para celebrar os citados contratos de representação”.

5. O acordo celebrado entre a requerente e um terceiro foi denominado como contrato de cessão de posiçao contratual junto aos autos em 11.11.24 e 21.2.25,, e cujo restante teor se dá por reproduzido.

6. Nesse acordo consta:

7. Na cláusula quarta:




8. Consta do documento junto em 11.11.24 e 21.2.25, o seguinte:



*


5. Motivação Jurídica

O processo de injunção originalmente criado DL n.º 269/98, de 1 de é uma providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 euros (artigo 1.º do presente DL), ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL 62/2013, de 10 de maio, neste caso, independentemente do valor da dívida (artigo 10.º deste DL). [1]

Trata-se, assim, de um processo não jurisdicional, com vista à criação de um título executivo extrajudicial, ao qual o requerido, tendo sido pessoalmente notificado para pagamento de uma quantia pecuniária, não deduziu oposição.

O DL 32/03, de 17 de Fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, procedeu a alterações ao regime da injunção (art.ºs 7º e 8º), alargando o âmbito da sua aplicação ao atraso de pagamento em transacções comerciais, independentemente do valor da dívida. Significa isto que, posteriormente à entrada em vigor desse diploma o procedimento de injunção passou a poder ser utilizado, independentemente do valor peticionado, desde que, estejam preenchidos os requisitos constantes desse diploma.

Refira-se que até à entrada em vigor das alterações previstas no DL nº 107/2005, de 1 de Julho existiam dois regimes diferenciados a observar, no caso de frustração do procedimento de injunção, cujo critério determinativo assenta no valor da dívida. Se o valor peticionado fosse igual ou inferior à alçada do tribunal de primeira instância, a dedução de oposição determina a cessação do procedimento de injunção, com passagem à tramitação dos autos, após distribuição, como acção declarativa especial[2]. Se, pelo contrário o valor peticionado fosse superior à alçada do tribunal de primeira instância, a dedução de oposição determinava a remessa dos autos ao tribunal competente e a aplicação da forma de processo comum[3].

Posteriormente, e a partir de 15.9.05, com a entrada em vigor das alterações previstas no DL nº 107/2005, de 1.7.[4], esse regime mantém-se idêntico com o alargamento de aplicação da tramitação da acção especial até ao limite da alçada da relação e com o prosseguimento sob a forma comum apenas e só quando o valor processual ultrapassa esse limite.

Nessa medida a utilização do procedimento de injunção em montantes superiores à alçada do tribunal de comarca (até 15 de Setembro de 2005) ou, actualmente, em montante superior ao tribunal da Relação, dependia do preenchimento dos requisitos previstos nesse diploma, nomeadamente, no que respeita ao seu âmbito objectivo, de estarmos perante uma transacção comercial.

Posteriormente o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio veio transpor a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011 e adoptou um regime especial para as transacções comerciais entre empresas, o qual é aplicável aos contratos celebrados a partir da entrada em vigor do mesmo.

O art. 10º, desse diploma, estabeleceu que:

“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.

2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. (…)

4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.

Ou seja, se, como pretende a autora apelante estivermos perante uma transacção comercial que visa obter o pagamento de uma obrigação pecuniária a única consequência da oposição será a “remessa dos autos para o tribunal competente”, o que não ocorrerá, apenas se o réu dever ser qualificado como consumidor e a origem da divida não ser uma transação comercial.

2. Da transacção comercial

Decidiu o tribunal a quo que os autos não podem ser aplicáveis ao pedido formulado, pois, “ a causa de pedir em que fundamenta o pedido injuntivo contra o Réu não se funda em qualquer transação comercial, mas, sim, numa garantia pessoal prestada pelo requerido”.

Resta, portanto, decidir se a confissão de dívida e/ou fiança podem ou não ser qualificadas como uma transação comercial.

Neste caminho, importa, porém, frisar que o essencial não é a qualificação da ordem jurídica interna mas a interpretação à luz do direito comunitário face ao seu primado.

O actual conceito de “transação comercial” é um conceito autónomo definido na alínea b) do artigo 3º do citado diploma, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”, sendo que empresa para efeitos do mesmo diploma é “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares” (alínea d) do artigo 3º do decreto-lei nº 62/2013 de 10 de maio).[5]

Historicamente a versão inicial desse diploma (art. 3º, al. a), do DL nº 32/2003) dava uma definição de transacção comercial semelhante, como “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidade públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.

Existe, portanto uma definição ampla, semelhante ao conceito já contido no procedimento de injunção, e através da qual o legislador comunitário regula o cumprimento de uma obrigação e não a disciplina de um contrato.

Ou seja, o legislador comunitário (e por maioria de razão o nacional que transpôs o diploma) pressupõem e regulam apenas um crédito unitário correspondente a uma obrigação pecuniária própria, e não os contratos que fundamentam e deram causa ao nascimento dessa obrigação.[6]

É, pois, indiferente se estamos perante uma garantia pessoal. O essencial é apenas que a estejamos perante uma relação comercial cujo objecto ou contraprestação seja uma prestação pecuniária, isto é, que consista numa quantia em dinheiro.

Teremos de notar que o conceito comunitário deste conceito (transação comercial) é amplo.

Assim o AC de 9.7.2020, processo C-199/19 considerou que o conceito de transação comercial “deve ser interpretada à luz dos considerandos 8 e 9 desta diretiva, dos quais resulta que a mesma visa todos os pagamentos efetuados para remunerar transações comerciais, incluindo as realizadas entre empresas privadas, e com exclusão das transações efetuadas com os consumidores e de outros tipos de pagamentos.

Do mesmo modo, o conceito de prestação de serviços, “deve ser valorado “através de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União Europeia”.

E que “o tratado FUE dá ao conceito de «serviço» uma definição ampla, de modo a abarcar qualquer prestação que não esteja abrangida por outras liberdades fundamentais, com a finalidade de não deixar escapar uma atividade económica ao âmbito de aplicação das liberdades fundamentais”.[7]

Mais recentemente o Ac TJUE de 1.12.22, processo nº C-419/21 decidiu: “a utilização da expressão «qualquer transação» evidencia que o conceito de «transações comerciais», como foi recordado no n. 20 do presente acórdão, deve ser entendido em sentido amplo e, por conseguinte, não coincide necessariamente com o conceito de «contrato». Esta disposição estabelece duas condições para que uma transação possa ser qualificada de «transação comercial». Esta transação deve, por um lado, ser efetuada entre empresas ou entre empresas e entidades públicas. Por outro lado, deve conduzir ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração”.

Por sua vez o considerando 8) da DIRECTIVA 2011/7/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 16 de Fevereiro de 2011 expressa: “O âmbito de aplicação da presente directiva deverá limitar-se aos pagamentos efectuados para remunerar transacções comerciais. A presente directiva não deverá regulamentar as transacções com os consumidores, os juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efectuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou os pagamentos efectuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efectuados por companhias de seguros. Os Estados-Membros deverão também ter a possibilidade de excluir as dívidas que forem objecto de processos de insolvência, incluindo processos destinados à reestruturação da dívida”.

Sendo que, no proc. nº C-643/23, o TUE decidiu que “uma pessoa singular que se dedique com habitualidade, mediante contrapartida em dinheiro, e enquanto freelancer à profissão de atriz, ainda que não possua uma estrutura organizada de meios (na medida em que se limita desempenhar tal atividade, não dispondo de instalações próprias, nem staff, ou quaisquer utensílios ou equipamentos afetos à sua atividade profissional), é de qualificar como empresa»

Por causa disso, entre nós, o Ac da RP de 23.2.23, nº 50892/22.5YIPRT.P1 (Paulo Teixeira) decidiu que: “nos termos do DL 63/2013 o conceito de transação comercial deve ser interpretado de forma ampla, de acordo com a intenção do legislador comunitário, por forma a impedir a sua aplicação, essencialmente, aos contratos celebrados com consumidores”.

E, o Ac da RL de 19.12.24, nº 1163/20.4T8OER-A.L1-7 (Diogo Ravara) salientou que “por força dos princípios do primado do Direito da União Europeia e da interpretação conforme o Direito da UE, o conceito de empresa a que se refere o art. art. 3º, al. d) do DL nº 62/2013, de 10-05 deve ser interpretado à luz do art. 2º/3 da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, tal como o mesmo é interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia”. [8]

À luz desta interpretação, que, como vimos, não atende à caracterização de qualquer figura contratual, mas antes valora o elemento teleológico, a situação dos autos terá de ser qualificada como uma transacção comercial.

Desde logo. porque a transação comercial é uma cessão contratual (documento junto em 21.7.25), nos termos do qual a apelante cedeu a um terceiro a posição contratual que detinha nos contratos relativos a um jogador pelo preço global de 577.500,00 euros.

Por seu turno o réu/apelado:

 

Tendo em conta que o réu/apelado admite exercer a actividade de agente de futebol e ter sido nessa qualidade que interveio nesse acordo parece seguro que estamos perante uma transacção comercial (art. 230º, nº2, do C Comercial).

Segundo LUÍS DE LIMA PINHEIRO[9] o conceito de prestação de serviços, neste âmbito, “deverá ser entendido em sentido amplo, “abrangendo a actividade subordinada de qualquer natureza, incluindo a actividade realizada no interesse de outrem”.

E, conforme salienta o supra referido Ac da RL de 19.12.24, “sendo o contrato de agência uma modalidade do contrato de mandato comercial, não restam dúvidas de que no contexto da situação em análise nos presentes autos, a atividade desenvolvida pela exequente e embargada é de qualificar como fornecimento de serviços. De outra banda, se qualificarmos o contrato de agenciamento de artistas e modelos como contrato de prestação de serviços, não deixaremos de atingir a mesma conclusão”.

Temos, por isso, por verificada a vertente subjectiva do conceito de transação comercial.

Depois, note-se o negócio celebrado entre as partes diz respeito à cedência de direitos de um contrato de agenciamento de representação de um jogador com clube da Premier League e que o seu valor é elevado.

É, pois inequívoco que não estamos nem perante nenhuma quantia com origem em responsabilidade extra-contratual, nem perante a intervenção de um consumidor mas sim perante uma actividade de um empresário em nome individual que exerce atividade enquanto agente de futebol.[10]

Logo, estamos perante uma transacção comercial, no sentido amplo [11] que pode ser processualizada nos termos do regime em causa.


*

3. Da natureza pecuniária da prestação

O conceito de obrigação pecuniária a que se reporta este diploma tem vindo a ser interpretado de modo restrito, limitando a quantia monetária ao objecto directo da prestação, de tal modo que “quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objetivo da admissibilidade do procedimento de injunção. Será este o caso, por exemplo, das situações de enriquecimento sem causa, indemnização por benfeitorias, obrigação e restituir o valor da coisa como consequência da nulidade ou resolução (art. 289º do CC), e as obrigações de restituição as quantias recebidas em virtude do contrato de mandato”[12].

Daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.” [13]

Ora, é precisamente isso que acontece no presente caso.

A apelante pretende obter o pagamento de 830 mil euros, a qual resulta de uma confissão de dívida subscrita pelo réu, outorgada nos termos e por causa do contrato de cessão de posição contratual.

Existe, por isso uma causa contratual, que consiste numa quantia pecuniária.

Acresce, por fim, que esta é a única questão que faz parte do recurso e que, por isso, pode ser apreciada por este tribunal.


*


7. Deliberação

Pelo exposto este tribunal colectivo julga a presente apelação procedente e por via disso, revoga o despacho proferido determinando a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum nos termos do artigo 10º, nº 2 do decreto-lei nº 62/2013 de 10 de maio, tendo em conta o valor dos autos e a dedução de oposição.


*

Custas a cargo do apelado porque decaiu inteiramente.


*


Porto em 22.9.25

Paulo Duarte Teixeira

Ana Vieira

Francisca Mota Vieira





__________________________

[1] Paulo Duarte Teixeira, Os pressupostos objectivos e subjectivos do procedimento de injunção”, Themis, 13, 2006, que seguimos de perto.
[2] Art.ºs 1º, 4º, 16º e 17º do DL 269/98, de 1 de Setembro, e seu anexo, cuja redacção permaneceu incólume, pois, as alterações introduzidas pelo DL 32/03, de 17 de Fevereiro, incidiram apenas sobre os art.ºs 7º, 10º, 11º, 12º, 12º-A e 19º do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.
[3] Art.ºs 3ºe 7º do DL 32/03, de 17 de Fevereiro..
[4] E sucessivas alterações.
[5] Ac da RP de 6.5.24, nº 2327/23.4YIPRT.P1 (Carlos Gil).
[6] Ennio Russo, La Nuova Disciplina dei Ritardi di Pagamento nelle transazioni commerciali, Contratto e Imprensa, 203, p. 445 e segs..
[7]  Acórdão de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C452/04, EU:C:2006:631, n. 32.
[8]Cfr. ainda Maria Raquel Guimarães In Algumas notas preliminares sobre o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, RED https://cij.up.pt//client/files/0000000001/6_703.pdf
[9] Direito aplicável aos contratos com consumidores”, ROA, ano 61, 2001, I, p. 162..
[10] Note-se que para exercer a atividade de empresário desportivo exige a lei que a pessoa (singular ou coletiva) esteja registada, como tal, junto da federação desportiva da respetiva modalidade. Por seu turno, dispõe o art. 6º do Regulamento de Intermediários da Federação Portuguesa de Futebol (comunicado nº 310, de 1.4.2015, da FPF), que só podem exercer a atividade de intermediário desportivo as pessoas registadas na F.P.F. (nº 1), devendo o intermediário requerer o seu registo sempre que participe numa transação (nº 2), podendo o registo ser requerido para uma época desportiva (nº 3). (entre vários Acs da RL de de 9.11.2023, P. 77412/22.9YIPRT.L1-6 (Eduardo Peterson Silva); de 11.1.2024, P. 77416/22.1YIPRT.L1-8 (Carla Cristina Figueira Matos); de 7.5.24, nº 59309/22.4YIPRT.L1-7 (Cristina Coelho); de 11.1.24, nº 77416/22.1YIPRT.L1-8 (Carla Matos).
Salientamos, porém, que o conceito comunitário de empresa “não se confunde com a de personalidade jurídica e que o conceito abrange todas as entidades que exerçam actividades de natureza económica”.
[11] Note-se que nunca o réu/apelado ousou alegar que não foi ou seria remunerado pela sua intervenção na cessão dos direitos de representação dos autos.
[12] Ac da RL de 19.12.24, nº 1163/20.4T8OER-A.L1-7 (Diogo Ravara).
[13] Paulo Duarte Teixeira, ob. cit.