PROCESSO ESPECIAL DE DESPEJO
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário

Pese a causa prejudicial se situar no processo comum tal não é impeditivo de fazer actuar a mesma num processo especial de despejo, porquanto a este não chegou a ser aposto o título executivo por força da oposição havida.

Texto Integral

Processo Nº 13694/24.2T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1

*



Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro.
1º Adjunto: Juíza Desembargadora Judite Pires
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Manuela Barroco Esteves Machado


*


Sumário:
…………………………………..
…………………………………..
…………………………………..




*



I – RELATÓRIO

Os presentes autos tiveram o seu início como procedimento especial de despejo, tendo como Requerente A.... NIPC ...00, e Requerida B..., Lda, NIPC ...03, os quais na sequência de oposição da Requerida (26.12.2024), em 10.01.2025, foram objecto de remessa ao Tribunal nos termos do n .º 1 do art.º 15.º H, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
*

Na aludida oposição a Requerida pugna pela suspensão da instância até que seja proferida decisão final, transitada em julgado, no âmbito do Processo n.º 17795/24.9T8PRT, o qual corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 1.
Alega, para o efeito, que pediu, nesse processo, que fosse declarada nula ou anulável a deliberação do Conselho de Administração da A. que determinou a resolução do contrato de arrendamento em causa nestes autos.
*

Notificada a A. para se pronunciar quanto ao alegado em sede de oposição (arts. 3º, nº 3, do CPC, e 15º-H, nº 3, do NRAU), veio em 24.02.205 pugnar pelo indeferimento do pedido de suspensão da instância.
*

Em 24.04.2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Face ao exposto, dúvidas inexistem que, em caso de procedência da acção acima referida, a presente acção perderá a razão de ser, dado que deixará de existir a declaração de resolução que a fundamenta.
Assim, determino a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no Proc. n.º 17795/24.9T8PRT, corre os seus termos no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6.
Notifique.”
*

Não se conformando com o despacho em causa, vem a Autora interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho datado de 24.04.2025, o qual determinou a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no Processo n.º 17795/24.9T8PRT, o qual corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6.
B. O despacho recorrido enferma de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 272.º do CPC, devendo, como tal, ser revogado por V. Exas. pelas razões que infra se densificam.
6 Por configurar um processo especial sincrético.
Vejamos com maior detalhe as razões que dão mote ao presente recurso,
C. Dispõe o citado artigo 272.º, n.º 1 do CPC que, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”, acrescentando o n.º 2 de tal preceito legal que, “a existência de causa prejudicial não justifica, só por si, a suspensão da instância, porquanto a declaração desta dependerá sempre da ponderação que o juiz faça, à luz do normativo do n.º 2 do artigo 272.º do Código de Processo Civil”7.
D. Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
E. Cumpre referir desde logo referir que o Procedimento Especial de Despejo “é um procedimento qualificado como um «“processo especial sincrético”, declarativo e executivo, através do qual tem lugar a “formação de título suficiente para despejo, seja em caso de não oposição do inquilino ao requerimento, seja por emissão de decisão judicial de despejo, em caso de oposição não procedente do inquilino, integrado por uma fase processual que visa a constituição do título executivo e por uma fase executiva destinada à entrega do locado e pagamento coercivo das rendas e despesas em falta”, conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.04.2024, proferido no âmbito do processo n.º 2132/23.8T8STS-A.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt. e Cfr. Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, p. 1160 e 1169.
F. Ora, no presente processo, discute-se não só a legalidade da resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente A... e a Recorrida, bem como, em caso de procedência, a possibilidade de Recorrente obter o título executivo de desocupação do locado.
G. Por sua vez, no âmbito do processo n.º 17795/24.9T8PRT, pretende a Recorrida aquilatar da legalidade da Deliberação que determinou a resolução unilateral do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e, ainda, a condenação da aqui Recorrente no pagamento de uma indemnização por alegado incumprimento contratual,
H. Sendo que, em caso de improcedência da referida ação– o que outra solução não se concede – encontra-se a Recorrente inevitavelmente obrigada a recorrer à via executiva se a Recorrida não proceder à desocupação voluntária do locado, perpetuando-se uma situação de manifesta e atentatória ilegalidade com todos os constrangimentos daí decorrentes.
I. Destarte, atendendo os fundamentos supra enunciados e por força da natureza urgente e especial do processo especial de despejo, andou mal o Tribunal a quo ao suspender a presente instância uma vez que na mesma se discute a validade da resolução do contrato de arrendamento, sendo, inclusive, possível obter o título executivo tendo em vista o despejo coercivo.
J. De facto, a manutenção da decisão suspensão da instância dos presentes autos, que assumem natureza urgente, por força da ação declarativa que corre os seus termos sob o processo n.º 17795/24.9T8PRT, o que de forma alguma se concede, eternizará o litígio, com todas as consequências nefastas que daí advêm.
9 Por configurar um processo especial sincrético.
K. Pelo exposto, o despacho recorrido padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 272.º do CPC, devendo, em virtude disso, ser revogado pelo Tribunal ad quem, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes.
Conclui pela revogação do despacho recorrido.
*

A Requerida não apresentou contra-alegações.
*

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. arts. 638º, nº 1, parte final, 644º, nº 2, al. c), 645º, nº 1, al. b), e 647º, nº 1, todos do CPC, e 15º-S, nº 10, do NRAU).
No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recur-so.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*


II. OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, importa apreciar e decidir:
- Saber se se é de revogar a decisão do tribunal “a quo” por não se verificar fundamentos de suspensão da instância.
*


III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos são os acima mencionados no relatório.
*


2. OS FACTOS E O DIREITO

2.1. Nos presentes autos está em causa a apreciação de se verificarem os requisitos de suspensão da instância.

Conhecendo:
Estabelece o artigo 272º do Código de Processo Civil:
1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou ocorra outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência da causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos superem as vantagens. (…).
Daqui decorre que a relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda acção, se discutir, em via principal, uma questão essencial para a decisão da primeira, a causa dependente.
Por sua vez, a fase de averiguação da prejudicialidade, não importa nem cabe ao tribunal pronunciar-se sobre a bondade da acção que se pretende ver suspensa nem daquela que pode ser causa dessa suspensão (antecipando um juízo sobre o mérito de qualquer dessas acções).
Mais, se enunciando que «o nº 1 da norma citada, embora atribua ao tribunal uma faculdade de suspender ou não a instância na causa, não concede um poder discricionário, que o juiz exerça ou não consoante o entenda conveniente. Concede-lhe, porém, considerável margem de liberdade para verificar a utilidade e conveniência processual da suspensão.
São diversas as razões que levam a qualificar uma causa como prejudicial relativamente a outra e ela surge desde logo quando a decisão a proferir na causa prejudicial possa afectar o julgamento da outra ou quando a decisão da causa prejudicial puder destruir o fundamento ou a razão de ser da causa dependente (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, I, 384, e em Comentário ao CPC, 3º, 268).
Existe prejudicialidade quando se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão a proferir na causa dependente e que não pode resolver-se nesta a título incidental ou como se afirma no Ac. STJ, de 04/07/2002, em ITIJ/net, proc. 02B1800, haverá uma relação de dependência ou prejudicialidade quando a “decisão de uma causa depende do julgamento de outra já instaurada, ou seja, quando esta última tenha por objecto a apreciação de uma concreta questão cuja solução final seja susceptível de afectar a consistência jurídica ou prático-económica da situação dirimenda” na causa dependente, tornando inútil até a apreciação da questão da causa dependente.
A questão da prejudicialidade pode colocar-se por em ambas as acções se discutir, a título principal, questões interdependentes, sendo essencial que surjam com um traço comum, qual seja o de a decisão a proferir numa poder afectar a decisão a proferir na outra, independentemente da não coincidência das causas de pedir nas diferentes acções».
“Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda” (Prof. A. dos Reis, Comentário ao Cód. Proc. Civil, 3.º-206, citado in Ac. R.P., de 25-6-1969: JR, 15.º-670, conforme anot. ao artigo em causa, do Cód. Proc. Civil Anot., do Dr. Abílio Neto.
Importa, desde já, referir que a existência de prejudicialidade ou dependência, para efeitos de suspensão da instância, não pressupõe a identidade de sujeitos e de pedidos, sendo apenas necessário que exista, entre as duas causas, a conexão necessária para que a decisão de uma delas tenha a virtualidade de afectar e interferir com a decisão da segunda (aliás, a identidade de sujeitos e de pedidos - acompanhada identidade de causa de pedir - conduziria à verificação da exceção de litispendência e consequente absolvição da instância e não à mera suspensão da instância).
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/02/1993, publicado in www.dgsi.pt, a prejudicialidade “(…) pressupõe uma coincidência parcial de objetos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas”. Como se refere no mesmo acórdão, citando Miguel Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, a prejudicialidade a que se refere o referido preceito, verifica-se quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva e pode definir-se como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objeto processual (o objecto processual dependente) sem interferir na análise de um outro (o objecto processual prejudicial).
Daí que, a “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos.
Assim, pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal" - cfr. Manuel de Andrade, "Lições de Processo Civil", págs. 491 e 492.
Reconduzindo-nos ao caso sub judice, constata-se que no âmbito do Processo n.º 17795/24.9T8PRT do Juízo Central Cível do Porto, acção declarativa comum em que é autora a aqui Ré “B..., Lda.” e rés a aqui A. “A...” e o “Município ...” é pedido “a declaração de nulidade do ato administrativo datado de 15.02.2024, praticado pelo Conselho de Administração da Ré A..., o qual procedeu à resolução/cessação do contrato de arrendamento comercial celebrado em 23.02.2022.”
Ou seja, estamos perante um pedido que afecta a legalidade da deliberação do Conselho de Administração da aqui A. que determinou a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
Ora, pese o processo 17795/24.9T8PRT ser um processo comum e os presentes autos caracterizarem-se por um processo especial de despejo, tal facto não é impeditivo de fazer actuar a causa prejudicial, caso a mesma exista, como é o caso dos autos, sendo irrelevante o facto de poder ser perpetuado o litígio, tanto mais que no aludido processo já foi proferida decisão ainda que não transitada, sobre a apreciação da questão da deliberação do acto do Conselho de Administração.
Atente-se que no caso sub iudicio ainda não há título executivo, atenta a oposição deduzida pela Ré, pelo que não se pode falar na existência de título executivo/direito já efectivamente declarado ou reconhecido, versus prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente.
Estando nós perante duas acções declarativas, ainda que uma sob a forma especial de despejo, é evidente ser de aplicável a causa de prejudicialidade prevista no nº 1, do artº 272º do CPC.
Diga-se ainda que se afigura a este Tribunal, face ao conteúdo da causa de pedir na acção 17795/24.9T8PRT, inexistir qualquer das causas de afastamento da suspensão da instância, previstas no nº 2, do artº 272º, do CPC, ou seja, que a acção 17795/24.9T8PRT tenha sido intentada unicamente para se obter a suspensão nestes autos e a causa dependente (presentes autos) estejam tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens, atente-se que na aludida acção já foi prolatada decisão, ainda que não transitada, a apreciar a questão da nulidade do Conselho de Administração.
Assim sendo, tem de se considerar, como fez a decisão recorrida, haver causa prejudicial de suspensão da instância (artº 272º, nº 1, do CPV), pelo que terá o recurso de improceder.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
*




IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção em negar provimento ao recurso da Apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
*
As custas do recurso serão suportadas pelos Apelantes, artº 527º do CPC..

Notifique.











Porto, 22 de Setembro de 2025

Álvaro Monteiro.
Judite Pires
Maria Manuela Barroco Esteves Machado