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EXCEÇÃO PERENTÓRIA
FACTOS CONSTITUTIVOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Sendo invocada matéria de excepção na contestação cabe à R. o ónus da prova sobre tal matéria, pelo que deve a matéria de facto da excepção ser objecto de formulação pela positiva e não pela negativa.
Texto Integral
PROC. N.º 173/23.4T8ILH.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Competência Genérica Ílhavo - Juiz …
AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo que:
i. seja declarado resolvido o contrato de arredamento celebrado entre o autor e os réus,
relativo à fração identificada no artigo 1.º da petição inicial;
ii. os réus sejam condenados a restituir o locado identificado no artigo 1.º da petição ao autor, livre de pessoas e bens; iii. os réus sejam condenado a pagar aos autores as rendas já vencidas e não pagas, no valor que à data da propositura da ação se cifra em 4.550,00€, bem como as que se forem vencendo na pendência da ação e até efectiva entrega do locado;
iv. os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia de 1.000,00€, a título de danos não patrimoniais e, por fim, que vi. os réus sejam condenados a paga os juros de mora à taxa legal.
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Em síntese, os autores alegaram que celebraram com o réu um acordo escrito denominado de contrato de arrendamento, sendo que o objeto do referido acordo foi a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do tipo T2, destinado a habitação, do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ... – ..., ..., ... Ílhavo, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...90..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ...42/19891002-C, pela renda mensal de €350,00.
Mais referiram que o contrato teve o seu início no dia 01 de abril de 2014.
Contudo, segundo alegou, os réus não procederam ao pagamento das rendas relativas aos meses de fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro e fevereiro de 2023, num valor global de €4.550,00.
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Pese embora devidamente citados para a presente ação, apenas a ré CC apresentou contestação.
Em suma, pese embora confirmar a existência do predito acordo para ocupar o imóvel, mediante o preço alegado, referiu que foi casada com o réu BB e na constância deste casamento foram habitar o imóvel em referência. Todavia, por decisão de 21.10.2019 proferida no âmbito do Processo n.º ..., que correu termos no Juízo de Família e Menores de Aveiro – J1 foi prolatada sentença, já transitada em julgado, que declarou o divórcio destes réus.
Outrossim, alegou que no âmbito do referido processo de divórcio foi acordado que, além do mais, o réu BB ficaria a habitar no imóvel, tendo a incumbência de comunicar tal situação ao senhorio, aqui autor.
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Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, com fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, conhecidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e programados os autos a realizar na audiência final.
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Realizou-se a audiência final com observância do formalismo legal, tendo sido prolatada a seguinte Decisão:
“1) Declarar resolvido o contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais vigente entre os autor AA e os réus BB e CC, referente à fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do tipo T2, destinado a habitação, do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ... – ..., ..., ... Ílhavo, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...90..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ...42/19891002-C;
2) Condenar os réus BB e CC a entregar aos autores o prédio referido em a), livre de pessoas e bens;
3) Condenar os réus BB e CC no pagamento da quantia de €4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros), a título de rendas vencidas até à data da propositura da presente ação, bem como, no pagamento de todas as rendas que se venceram na pendência desta ação, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento, e as que se vierem a vencer até efetiva entrega do imóvel aos autores.
4) Absolver os réus do demais contra si peticionado.
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Custas a cargo dos autores e da ré, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique e registe.”
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela R./Apelante, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
I - Existe uma Douta Sentença que homologou o divórcio entre os aqui Réus, e que vincula o senhorio na parte em que estes acordaram em que a casa de morada de família ficava para o cônjuge marido, e que este terá comunicado ao Senhorio, bem como terá sido comunicado pelo Tribunal em cumprimento do disposto no artigo 1105º, nº 3 do Código Civil.
II - O ponto 6 dos factos dados como provados não podia ter sido dado como provado nesses moldes, pois o Réu não foi ouvido nos Autos, pelo que não se sabe o que é que ele fez, isto é, não se sabe se ele comunicou ou não ao senhorio as alterações ao contrato produzidas em 21-10-2019.
III - O Douto Tribunal a quo não apurou concretamente se o Réu comunicou ao Senhorio e também não apurou se o Tribunal de Família cumpriu o disposto no artigo 1105º, nº 3 do Código Civil.
IV - O divórcio ocorreu antes de as rendas estarem dívida, pelo que a ora Recorrente não pode ser responsabilizada por tais valores.
V - A Recorrente pretende que seja renovada a prova, designadamente que o Réu seja inquirido para esclarecer se comunicou ao Senhorio as alterações ao contrato decorrentes dos acordos de divórcio, e bem como seja oficiado ao Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 1, para que se informe se foi dado cumprimento ao disposto no artigo 1105º nº 3 do Código Civil, no âmbito do processo nº ....
VI - Indicam-se como violadas as normas constantes dos artigos 622º do C.P.C., e o artigo 1105º, nº 3 do Código Civil, entre outras.
Conclui pelo provimento do recurso.
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Os AA. apresentaram contra-alegações, referindo, em síntese, ter arrendado o apartamento ao casal, pelo que era este que tinha de cumprir o contrato celebrado, pelo que, independentemente, do Tribunal de Família não ter cumprido o disposto no artº 1105º, nº 3, do C. Civil, tal não desonerava a Ré do pagamento das rendas.
Pugna pela improcedência do recurso.
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No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (C. P. Civil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões a decidir no presente recurso, são as seguintes:
- Se existem razões válidas para que haja lugar à renovação da prova, repetindo-se a Audiência de Julgamento nessa parte, no sentido de que o Réu seja inquirido para esclarecer se comunicou ao Senhorio as alterações ao contrato decorrentes dos acordos de divórcio, e em que termos é que o fez, e bem como seja oficiado ao Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 1, para que se informe se foi dado cumprimento ao disposto no artigo 1105º nº 3 do Código Civil, no âmbito do processo nº ..., e ser a final a Recorrente absolvida dos pedidos contra ela formulados.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS
1.1. Factos provados
O tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1. Encontra-se registado a favor do autor a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do tipo T2, destinado a habitação, do edifício constituído em propriedade horizontal sito na Avenida ... – ..., ..., ... Ílhavo, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...90..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ...42/19891002-C.
2. No dia 22.04.202014, o autor e os réus celebraram um acordo escrito denominado “contrato de arrendamento”, no qual, como início no dia 01.04.2014, o autor cedia ao réu o gozo do prédio descrito em 1., para que este nele habitasse, com um prazo de 3 (três) anos, com eventuais renovações sucessivas por igual, mediante o pagamento mensal da quantia de 350,00€.
3. O valor descrito em 2) era pago no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito, entregue no domicílio do autor.
4. Por decisão datada de 21.10.2019, no âmbito do processo n.º Processo n.º ..., que correu termos no Juízo de Família e Menores de Aveiro – J1 foi prolatada sentença, já transitada em julgado, que declarou o divórcio destes réus.
5. No âmbito do predito processo, ficou acordado que o réu BB ficaria a habitar o imóvel, com a obrigação de comunicar tal circunstância ao autor.
6. O réu BB não informou o autor do referido em 5.
7. Entre aos meses de fevereiro a dezembro de 2022 e janeiro e fevereiro de 2023, o autor deixou de receber a quantia referida em 2).
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1.2. Factos não provados
a) Com o descrito em 7) o autor sofreu sortes prejuízos; incómodos e dessossego.
b) Com o descrito em 7) o autor passou a dormir com dificuldades; a sofrer de ansiedade e mal-estar geral.
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1.3 - A Apelante pretende que este Tribunal reaprecie a decisão em relação ao ponto 6) dos factos provados, tendo por base meios de prova que indicam.
Dispõe o art. 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda susceptível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do C. P. Civil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O citado normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do C. Civil e arts. 495.º a 526.º do C. P. Civil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do C. P. Civil, excepto na parte em que constituam confissão; a prova por inspecção (art. 391.º do C. Civil e arts. 490.º a 494.º do C. P. Civil); a prova pericial (art. 389.º do C. Civil e arts. 467.º a 489.º do C. P. Civil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do C. Civil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do C. Civil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do C. P. Civil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”, vide Castro Mendes, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do C. Civil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do C. Civil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do C. Civil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do C. Civil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do C. Civil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do C. Civil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto, vide PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
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1.4 - Do invocado erro de julgamento.
Antes de mais, importa dizer que a Apelante cumpre os ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, previstos no art. 640.º, n.º 1, do C. P. Civil, e daí que se mostrem asseguradas as condições formais para conhecermos do recurso nessa matéria.
A propósito, cabe dizer que quando houver sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto, por falta de indicação clara dos pontos de facto impugnados, não indique os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando não tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida, tal efeito apenas se repercutiria nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos, vide Abrantes Geraldes, pag. 207, in Recurso em Processo Civil, anotação ao artº 640º do CPC.
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1 – A R/Apelante não se conforma com a parte final do ponto 6 da matéria de facto dada como provada, na sentença ora recorrida, pois o Réu não foi ouvido nos Autos, pelo que não se sabe o que é que ele fez, isto é, não se sabe se ele comunicou ou não ao senhorio as alterações ao contrato produzidas em 21-10-2019.
O teor do ponto 6 dos factos provados é o seguinte:
“6. O réu BB não informou o autor do referido em 5.”
Conhecendo.
O Tribunal a quo fundamentou da seguinte forma:
“Aliás, o facto 4) a 6), que se traduz aos termos da dissolução do casamento entre os réu, o Tribunal valorou, além das declarações de parte da ré, os documentos que esta juntou com a sua contestação, nomeadamente o documento 2), que diz respeito à ata com sentença da decretar o divórcio e o destino a dar à casa de morada de família.”
E antes fundamentou ainda:
“Aqui chegados, e antes de avançar com a explanação do raciocínio logico-dedutivo deste Tribunal para consignar o elenco de factos provados e não provados, importa deixar duas notas.
A primeira diz respeito à circunstância de um dos réus, no caso o réu BB não ter deduzido qualquer tipo de articulado defensivo.
Ora, na conjugação dos artigos 567.º e 568.º, ambos do CPC considerando-se confessados os factos articulados pelo autor caso o réu não os conteste, exceto se, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.
Desta feita, salvo melhor opinião, o que ressalta desta norma é que ao réu não contestante apenas aproveita a impugnação que o réu contestante tenha deduzido.
A segunda nota reporta-se à próprios posição que o réu tomou no âmbito dos presentes autos, na medida em que foi requerido o seu depoimento de parte e, pese embora regulamente notificado para o efeito, sem causa justificativa, faltou ao julgamento, pelo que, à luz da livre apreciação, o Tribunal apreciará a sua conduta para efeitos probatórios, nos termos do artigo 357º, n.º 2, do Código Civil, isto conjugado com o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPC.”
A impugnação é, manifestamente, de indeferir pelo seguinte.
Em primeiro lugar, nos termos do artº 342º, nº 2, do CC, “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”
No caso sub judicio a Ré apresentou contestação onde invocou no ponto 3:
“Com efeito, a Ré e o Réu foram casados, tendo-se divorciado em 21-10-2019, no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Aveiro – Juiz 1, conforme Acta que se junta como Doc. n.º 2
4 - Ficou acordado pela Ré e pelo Réu que “A casa de morada de família fica atribuída ao Réu, comprometendo-se este a comunicar a alteração ao Senhorio (para o arrendamento ficar só em seu nome).”
Na sequência da contestação, por a mesma conter matéria de excepção, foi o A. notificado, o qual respondeu em 17.10.2023, tendo invocado nunca ter sido informado de qualquer separação ou divórcio
Na prova requerida pela R. foram juntos dois documentos, entre os quais a cópia da certidão de homologação do divórcio, bem como depoimento de parte da mesma e do R. revel.
Na sequência do despacho saneador em 02.01.2024 volta apenas a pedir o depoimento de parte do co-R..
Ora, a R./Apelante, representada por advogado, invocou excepção (desvinculação do pagamento da renda, por causa do divórcio ocorrido em 21.10.2019, tendo o co-R. ficado vinculado à obrigação de comunicação ao senhorio), pelo que nos termos do artº 342º, nº 2, tinha o ónus de prova do senhorio ter sido informado do divórcio pelo co-Réu para não ser co-responsável pelo contrato que celebrou com o A.
Sucede que não fez prova alguma de tal facto, sendo certo que foi invocado pelo A./senhorio na resposta não ter recebido qualquer informação do divórcio da R., pelo que esta se queria fazer valer-se da excepção, estando representada por advogado, se queria fazer valer-se do disposto no artº 1105º, nº 3, do CC, o qual dispõe “A transferência ou a concentração acordadas e homologadas pelo juiz ou pelo conservador do registo civil ou a decisão judicial a elas relativa são notificadas oficiosamente ao senhorio.”, tinha diligenciado/requerido que se oficiasse ao tribunal para saber se houve ou não notificação.
Com efeito, em processo civil continua a vigorar o princípio do ónus da prova, bem como predomina o princípio do dispositivo e da aquisição processual, nos termos do artº 413º do CPC. Igualmente, não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, vide Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 342.
O princípio do dispositivo significa que cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, cabendo às partes o impulso processual (artº 3º, nº 1, do CPC., a disponibilidade do objecto do processo e do termo do processo.
“Assim, a amplitude de poderes/deveres decorrentes do principio do inquisitório não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
Por consequência, neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia, uma vez que o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste.”, vide entre outros, AC. TRG, de 19.11.2020, Relator Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt.
Revertendo o exposto aos presentes autos, estando nós no âmbito de uma excepção, facto impeditivo, cabia à R./Apelante, no âmbito do dispositivo e do ónus da prova (artº 342º, nº 2, do CC) diligenciar, carrear para os autos a prova que considerava relevante e necessária para fundamentar os factos em que estribava a causa de pedir da excepção invocada e que era necessária para os fins/desiderato que se propunha obter com a mesma.
Estando nós no âmbito de direitos disponíveis, no âmbito do dispositivo do direito das partes, pretender que o juiz fizesse uso do princípio inquisitório, ínsito no artº 411º do CPC, mais não seria que subverter as regras do ónus da prova a que as partes estão obrigadas, em benefício de uma e detrimento da outra.
A Ré/apelante invocou uma excepção e cabia-lhe apresentar os meios de prova atinentes à consubstanciação da excepção, facto positivo, concretamente do senhorio/Apelado ter sido notificado pelo Ré ou pelo Tribunal (artº 1105º do CC) no âmbito do processo divórcio de que se tinha desvinculado do contrato de arrendamento.
Ou seja, o Tribunal recorrido nem sequer precisava de dar por provado o facto negativo 6), porquanto o ónus da prova cabia à R./apelante, a qual, como atrás se viu, não fez prova alguma do facto em que assentava a excepção, pelo que até se torna redundante o facto do tribunal recorrido ter dado por provado o facto negativo 6), porquanto sempre a excepção improcederia, atento o ónus da prova a que a R./estava sujeita, não cabendo ao A. fazer prova de tal facto invocado na excepção.
Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse, o Tribunal foi mais além daquilo que o ónus da prova exigia, ou seja, deu por provado um facto negativo e que até nem era necessário, porquanto, como já visto, o ónus da prova cabia à R./Apelante de fazer prova do facto positivo e não ao senhorio/Apelado fazer prova de um facto negativo.
Em todo o caso, como bem se diz na sentença recorrida, nos termos do artº 567º, nº 1, do CPC. (efeito da revelia), “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”
E por sua vez o artº 568º, a), do CPC, estatui que “Não se aplica o disposto no artigo anterior: a) Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.”
Ou seja, a revelia não opera quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.
Sendo de salientar que o benefício concedido aos réus revéis se circunscreve à matéria impugnada pelo réu contestante.
Assim, os factos que não sejam efectivamente impugnados consideram-se confessados em relação a todos os réus, artº 574, nº 2, do CPC e alínea a) do artº 568º do CPC.
E nos termos do artº 357º, nº 2, do CC, “Se for ordenado o depoimento de parte ou o comparecimento desta para prestação de informações ou esclarecimentos, mas ela não comparecer ou se recusar a depor ou a prestar as informações ou esclarecimentos, sem provar justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta da parte para efeitos probatórios.”
Por outro lado, as excepções eventualmente deduzidas pelo réu contestante, especialmente as de carácter inoficioso, apenas a este aproveitam.
Ora, a R./apelante não fez prova do facto positivo da excepção invocada (notificação do senhorio do divórcio e que ficava o co-Réu a residir no arrendado), pelo que o Sr. Juiz tendo fundamentado as razões pelas quais deu por provado o facto 6) negativo e com as quais se concorda, aliás, a testemunha DD é clara em referir que nunca foram informados do divórcio dos RR, ter-se-á de concluir ser de improceder o pedido de impugnação de tal facto e consequente envio do processo para o tribunal da 1ª instância para produção de nova prova.
Assim sendo, improcede a impugnação da matéria de facto em causa.
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1.5 Síntese conclusiva:
Nenhuma matéria há a alterar nos factos provados e não provados.
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2 - OS FACTOS E O DIREITO.
A Apelação da R./Apelante assentava na alteração da matéria de facto o que foi indeferido, pelo que se mantém a decisão recorrida.
Assim sendo, improcede o recurso.
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IV – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto:
a) Na total improcedência do recurso interposto pela Ré/Apelante, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo da Apelante – artigo 527º, do Código de Processo Civil.