I - Para que nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil ocorra a interrupção da prescrição é necessário: a) que o prazo prescricional ainda não esteja esgotado nem se esgote nos cinco dias posteriores à instauração da acção, b) que a citação não tenha sido realizada nesses cinco dias, c) que o facto de a citação não ter sido realizada nesses cinco dias não seja imputável ao credor, d) que a citação venha a ser realizada.
II - A prescrição é uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor, pelo que é o demandado que tem o ónus de a arguir.
III - As causas de suspensão e de interrupção da prescrição são factos novos em relação aos factos destinados ao preenchimento desta excepção; têm a natureza de excepção à excepção, cabendo ao demandante, ao qual foi aposta a prescrição, o ónus de arguir esses factos para afastar a excepção da prescrição.
IV - Apenas estão excluídos dessa regra os factos que foram de conhecimento oficioso do tribunal, v.g. aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil), designadamente os factos processuais ocorridos no próprio processo, ou seja, especificamente a causa de interrupção da prescrição do artigo 323.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
V - Não tendo o demandante, na resposta à excepção da prescrição, invocado a causa de interrupção do reconhecimento do direito, nem tendo junto com os articulados qualquer documento donde isso possa resultar, está impedido de suscitar a questão somente no recurso da decisão que julgou o seu direito prescrito.
SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório:
No dia 16.05.2024, AA, contribuinte fiscal n.º ...50, titular do bilhete de identidade n.º ...72, residente em ..., ..., instaurou acção judicial contra a A..., Sucursal em Portugal, pessoa colectiva com o n.º ...36 de identificação e de contribuinte fiscal, e sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe €5.626,22 de indemnização, acrescida de juros de mora legais.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que no dia 18.05.2021, pelas 8.15 horas, o veículo automóvel que lhe pertence mas que na altura era conduzido pela sua nora foi embatido por um veículo segurado pela ré, tendo esse embate ocorrido por culpa exclusiva do condutor deste e provocado danos na frente direita e central do veículo do autor cuja reparação importa em €5626,22.
O autor requereu a citação urgente da ré; os autos foram conclusos no dia 20.05.2024 e nesse dia foi ordenada a citação; esta concretizou-se no dia 22.05.2024, conforme aviso de recepção junto.
A ré apresentou contestação, na qual, além do mais, arguiu a prescrição do direito do autor por terem decorrido mais de três anos entre o acidente e a sua citação para a acção.
O autor respondeu à matéria da excepção.
Após a audiência prévia, foi proferida decisão, conhecendo da excepção da prescrição e julgando prescrito o direito do autor.
Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
a) A acção foi tempestivamente proposta em 16 de Maio de 2024, dentro do prazo legal de três anos, considerando a interrupção da prescrição operada pelo reconhecimento do direito.
b) Assim, deve a decisão recorrida ser revogada e os autos prosseguirem para apreciação do mérito do pedido indemnizatório.
[…] e) No passado dia 18 de Maio de 2021, pelas 08:15 horas, a nora do Autor, BB, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com matrícula ..-..- XV, propriedade deste, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., e CC conduzia o veículo com matrícula ..-CG-.., segurado na Ré através da apólice n.º ...41, tendo ocorrido um sinistro entre os dois veículos.
f) A presente acção foi instaurada em 16 de Maio de 2024 e a Ré foi citada a 22 de Maio de 2024.
g) O Tribunal a quo julgou prescrita a pretensão do Autor, fundamentando-se no disposto no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, por entender que o prazo de três anos se iniciou a 18 de Maio de 2021 e terminou a 19 de Maio de 2024.
h) Todavia, tal decisão enferma de erro de julgamento, assentando numa interpretação meramente formalista dos prazos de prescrição e desconsiderando princípios fundamentais do direito processual civil e do direito das obrigações, nomeadamente os princípios da boa-fé, cooperação e protecção da confiança
i) Nos termos do artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, o prazo de prescrição de três anos para a responsabilidade civil extracontratual conta-se "a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete".
j) No presente caso, embora o acidente tenha ocorrido em 18 de Maio de 2021 e o Autor tenha tomado conhecimento do sinistro nessa data, a dinâmica subsequente evidencia que não se consolidou, de imediato, o pleno conhecimento da extensão e efectividade do seu direito indemnizatório.
k) Após o acidente, em 20 de Maio de 2021, foi elaborado um relatório técnico que qualificou a viatura como perda total, determinando o início de negociações entre as seguradoras envolvidas.
l) No âmbito dessas negociações, foi comunicado ao Autor, em 18 de Junho de 2021, que se propunha uma indemnização de €1.900,00, sujeita à dedução do valor do salvado, proposta essa que foi reiterada em 29 de Junho de 2021 e em 13 de Julho de 2021.
m) Em 21 de Julho de 2021, a Ré reafirmou a sua posição, reconhecendo a responsabilidade pelo pagamento de uma indemnização, embora mantendo divergência quanto à quantificação do valor.
n) Ora, nos termos do artigo 325.º, n.º 1 do Código Civil, “a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”
o) A interrupção da prescrição por reconhecimento do direito é uma figura de grande relevância prática, fundada no princípio da boa-fé e da confiança do titular do direito. O reconhecimento revela uma atitude do devedor que justifica a expectativa do credor de que o seu direito será satisfeito, motivo pelo qual se entende adequado permitir o reinício do prazo de prescrição.
p) O reconhecimento pode ser expresso ou tácito. Conforme dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, o reconhecimento tácito só releva quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
q) A jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário que o reconhecimento consista numa confissão formal ou solene da obrigação. Basta que do comportamento do devedor (ou seu representante) resulte de forma clara e inequívoca o reconhecimento da existência do direito do credor, independentemente da aceitação integral dos seus termos.
r) Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 12-10- 2017, proferido no proc. n.º 1561/13.0TBSCR.L2-2: “Tal significa que, para haver reconhecimento com eficácia de interrupção da prescrição, é necessário que haja, ao menos, através de factos, afirmações pessoais, comportamentos ou atitudes, o propósito de reconhecer o direito da parte contrária – cf. neste sentido Ac. STJ de STJ 18.11.2004 (Pº 04B3459)”.
s) No caso vertente, a proposta de indemnização feita pela seguradora da Ré, reiterada por diversas comunicações, constitui um reconhecimento expresso da responsabilidade, ainda que limitado ao montante oferecido, o que é suficiente para interromper a prescrição.
t) De notar que a interrupção da prescrição, nos termos do artigo 326.º do Código Civil, faz com que comece a correr novo prazo de prescrição a partir do acto interruptivo e não apenas suspende o prazo anteriormente iniciado.
u) Assim, o acto de reconhecimento praticado pela Ré reiniciou o prazo de prescrição, afastando a conclusão a que chegou o Tribunal a quo de que o prazo teria decorrido de forma contínua desde o acidente.
v) Além disso, durante as negociações, o Autor actuou em conformidade com os princípios da boa-fé e da confiança legítima na resolução do litígio, não podendo ser prejudicado pelo decurso do tempo enquanto confiava na resolução amigável do litígio.
w) A acção foi proposta em 16 de Maio de 2024, dentro do prazo legal, considerando a contagem correcta com base no conhecimento efectivo do direito e/ou na suspensão/interrupção do prazo prescricional.
x) A citação da Ré em 22 de Maio de 2024 não prejudica esse entendimento, uma vez que a instauração tempestiva da acção interrompeu o prazo.
y) A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo assenta num formalismo excessivo e desconsidera os princípios de justiça material, boa-fé, cooperação e acesso ao direito.
z) Pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e os autos prosseguirem para apreciação do mérito do pedido indemnizatório.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue indeferir a excepção de prescrição determine o prosseguimento dos autos e a remessa dos autos para julgamento.
A recorrida não respondeu.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se o direito do autor se encontra prescrito.
III. Fundamentação de facto:
Relevam para a decisão a proferir os factos que constam do relatório.
IV. Matéria de Direito:
A questão jurídica que cabe decidir é se o direito dos autores se encontra prescrito por ter decorrido mais que os três anos que o artigo 498.º do Código Civil estabelece como prazo de prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil.
O instituto da prescrição visa dar resposta à preocupação da estabilização das situações jurídicas, de modo a dar às pessoas a segurança e a paz de saberem com antecedência o conteúdo da respectiva esfera jurídica, dando-lhes a oportunidade de fazerem a suas opções de vida, sabendo de antemão quais os direitos que possuem e quais as vinculações jurídicas a que estão sujeitas.
Em simultâneo visa proteger os devedores das dificuldades de prova resultantes do decurso do tempo e exercer pressão sobre o titular do direito para que não descure o seu exercício (cf. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1987, pág. 445-446; Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 159-162; Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 1983, págs. 373-374 e Vaz Serra, in Prescrição e Caducidade, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 107, pág. 285).
O fundamento da prescrição radica na negligência que o credor revela ao não exercer o seu direito durante o período de tempo em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Refere Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39 que a «prescrição justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça (.). Na verdade, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa do instituto, nem tão-pouco consensos ao nível doutrinário (.). Os seus principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos.»
Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, escreve que «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição.»
As disposições relativas à prescrição constituem uma secção do livro que contém a parte geral do Código Civil. As disposições dos artigos 300.º a 327.º são assim as disposições gerais da prescrição em sede de relações jurídicas, encontrando-se depois dispersas pelo Código Civil disposições específicas sobre a prescrição em vários domínios.
O artigo 498.º é uma dessas disposições. Esta norma está integrada numa das várias possíveis fontes de obrigações, no caso a responsabilidade civil e mais propriamente a responsabilidade por factos ilícitos, embora depois também seja aplicável à responsabilidade pelo risco (artigo 499.º). Resulta assim da sua localização sistemática e da coerência intrínseca do conjunto formado pelos artigos 483.º a 498.º, que constituem o regime jurídico particular da responsabilidade por factos ilícitos, que o artigo 498.º se aplica estritamente ao exercício dos direitos de indemnização por responsabilidade extracontratual.
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
Para o início de contagem desse prazo não é indispensável o conhecimento integral de toda a extensão dos danos que geram o direito de indemnização. O prazo de prescrição previsto do direito de indemnização do lesado por responsabilidade civil, previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, começa a contar, segundo estabelece de modo expresso a própria norma, da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
O prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual conta-se a partir do conhecimento, pelo lesado, da verificação dos pressupostos dessa responsabilidade, sendo certo que para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição o lesado tem conhecimento do direito de indemnização quando está em poder dos elementos que integram o instituto da responsabilidade civil: facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano (nesse sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2016, processo n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1, in www.dgsi.pt, onde se afirma que «o prazo de prescrição inicia-se com o conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização»).
Já Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, vol. II, pág. 298, escrevia em anotação ao artigo 498º do Código Civil que: «O prazo de três anos inicia-se com o conhecimento, por parte do lesado, “do direito que lhe compete”, quer dizer, da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir, quer esta se funde na culpa, quer no risco. Assim, o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele…».
Também Antunes Varela, in Direito das Obrigações, 7.ª edição, vol. I, pág. 620 e segs., escreveu o seguinte: «Sem prejuízo do prazo (de vinte anos) correspondente à prescrição ordinária (contado sobre a data do facto ilícito: cfr. arts. 498.°, nº 1, in fine e 309.°), o direito à indemnização fundada na responsabilidade civil está sujeito a um prazo curto de prescrição (três anos). A prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade (an debeatur e quantum debeatur), em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos (…), e por isso convém apressar o julgamento das situações geradoras de dano ressarcível. Fixou-se o prazo da prescrição em três anos (3), a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (…). E resolveu-se (em sentido oposto ao fixado no assento de 4-X-I966 para o direito anterior) uma questão bastante controvertida na doutrina e nos tribunais (…), que era a de saber se o início da contagem do prazo estava ou não dependente do conhecimento da extensão integral dos danos (…). Na intenção de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificaram, a lei tornou o início do prazo independente daquele conhecimento, atendendo à possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, cujo montante exacto será nesse caso definido no momento posterior da execução da sentença (…), quando não seja possível determinar logo a extensão exacta do dano (…)».
Nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação do devedor na acção na qual se manifesta a intenção de exercer o direito. A mera instauração da acção, exprimindo embora a intenção do credor de exercer o direito, não faz interromper a prescrição. Para esse efeito, é ainda necessário que o devedor tome conhecimento dessa intenção através da sua citação para a acção. Daí que a interrupção da prescrição ocorra não com a instauração da acção, mas apenas com a citação do réu demandado.
Como os danos ocorreram em 18.05.2021 e a citação da ré só teve lugar em 22.05.2024, datas separadas entre si por mais de três anos, em princípio quando a citação foi efectuada o direito do autor estava prescrito. Só assim não será se por outra razão se dever considerar interrompida a prescrição em data anterior à da concretização da citação.
Nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, «se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».
Ao estabelecer que a prescrição se interrompe apenas com a citação e já não com a instauração da acção, o artigo 323.º do Código Civil confronta o credor com uma circunstância que ele não pode controlar: a oportunidade da realização da citação.
Em condições normais, instaurada a acção, seguir-se-á a breve trecho a citação. Todavia, tal pode não suceder porque a máquina judiciária não funcionou com a diligência que era devida, porque o modo como está organizada a forma de processo conduz a que a citação apenas deva ser realizada após a prática de actos que o credor não controla ou por diversas outras razões.
Ora se a prescrição tem como motivação genética a inércia do credor, responsabilizando-o por uma omissão que ele tinha perfeitas condições para evitar, não parece compatibilizar-se com esse juízo o decurso de tempo imputável à máquina judiciária ou às regras processuais.
Por outras palavras, não parece justo que a protecção do devedor vá ao tempo de fazer com que o credor suporte o prejuízo de uma demora a que é inteiramente estranho (cf. Dias Marques, in Prescrição Extintiva, p. 148, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.03.2010, Serra Baptista, in www.dgsi.pt).
Para resolver este dilema, a norma estabelece que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias. Esta solução tem como razão de ser evitar que recaia sobre o credor, ainda que o mesmo tenha, diligentemente, instaurado a acção a tempo de a citação se fazer antes de se completar o prazo prescricional, o risco de isso não suceder por questões que lhe sejam totalmente alheias, não devidas a culpa sua.
Para que a interrupção da prescrição ocorra ao abrigo do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil é necessário, em primeiro lugar, que o prazo prescricional ainda não esteja esgotado nem se esgote nos cinco dias posteriores à instauração da acção, depois que a citação não tenha sido realizada nesses cinco dias; a seguir que o facto de a citação não ter sido realizada nesses cinco dias não seja imputável ao credor, e finalmente que a citação venha a ser realizada (o preceito só ficciona que a mesma teve lugar em data anterior, não que ela teve lugar).
Ora, no caso, a prescrição completava-se dentro dos cinco dias posteriores à instauração da acção (16 + 5 = 21.05.2024), pelo que o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil jamais teria, no caso, a viabilidade de fazer interromper o prazo de prescrição antes de ele se completar (uma vez decorridos três anos sobre o dia 18.05.2021).
O autor, nas alegações de recurso, opõe a essa conclusão a causa de interrupção da prescrição resultante do reconhecimento do direito pela ré por via das propostas de regularização do sinistro que teria apresentado ao autor (artigo 325.º do Código Civil).
Quid iuris?
Nos termos do artigo 303.º do Código Civil, o tribunal não pode suprir oficiosamente a prescrição, esta necessita de ser invocada por aquele a quem aproveita para poder ser conhecida e produzir efeitos.
A prescrição é assim, como já se assinalou, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor. Logo, caso pretenda opor-se ao exercício do direito de crédito pelo demandante, é o demandado que tem o ónus de a arguir, porque quem tem o ónus de alegar e fazer a prova de todos os factos impeditivos do direito do autor é o réu. Uma vez arguida a prescrição pelo demandado, o tribunal passa a poder conhecer dessa excepção, julgando-a verificada ou não.
As causas de suspensão e de interrupção da prescrição são factos novos em relação aos factos destinados ao preenchimento desta excepção e, por isso, podem efectivamente assumir a natureza de excepção à excepção, cabendo então ao demandante, ao qual foi aposta a prescrição, o ónus de arguir esses factos para afastar a excepção da prescrição arguida pelo demandado (assim, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-3-2010, proc. n.º 1472/04.OTVPRT-C.S1, in www.dgsi.pt).
Apenas estão excluídos dessa regra os factos que forem de conhecimento oficioso do tribunal, v.g. aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil). É o caso dos factos processuais ocorridos no próprio processo, ou seja, especificamente a causa de interrupção da prescrição do artigo 323.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
A interrupção da prescrição pela citação e o momento em que se deve considerar verificada essa interrupção, em regra, são questões que dependem exclusivamente de factos processuais ocorridos no seio do próprio processo onde a prescrição é arguida e por isso podem ser conhecidas pelo tribunal com fundamento nos factos que são do seu conhecimento oficioso.
Quando para verificar a existência de alguma causa de suspensão ou interrupção da prescrição for necessário usar factos que extravasem o âmbito do processo e da respectiva tramitação, então sim, é necessário que o demandante, confrontado com a invocação da prescrição e pretendendo demonstrar que o respectivo prazo se suspendeu ou interrompeu, alegue esses factos para o tribunal poder conhecer deles e pronunciar-se sobre a causa de suspensão ou interrupção do prazo arguida por essa via. É manifestamente o caso do eventual reconhecimento do direito pelo devedor.
Acrescem dois aspectos.
Por um lado, não estão juntos aos autos quaisquer documentos que contenham as alegadas propostas de indemnização apresentadas ao autor, razão pela qual é inviável discutir em que medida essa junção pode substituir a alegação expressa da excepção à excepção.
Por outro lado, só agora, nas próprias alegações de recurso, o autor alude a essas propostas e invoca a figura do reconhecimento do direito como causa de interrupção da prescrição.
Efectivamente, quando, na sequência da notificação do tribunal, o autor respondeu por escrito à matéria da excepção arguida pela ré na contestação, o autor não alegou esse reconhecimento, nem, aliás, nenhuma outra causa de interrupção da prescrição. Na ocasião, o autor referiu somente a circunstância de alegadamente só ter sabido que a seguradora do veículo causador dos danos era a ré «em Junho» (artigos 12 e 13 da resposta).
Isso significa que, nessa ocasião, o autor não arguiu quaisquer factos susceptíveis que constituírem uma excepção (a interrupção) à excepção (da prescrição), teceu apenas considerações sobre o momento em que se devia considerar iniciada a contagem do prazo de prescrição (sem êxito, pelas razões antes expostas). Tendo sido notificado expressamente para responder à matéria da excepção, o autor tinha o ónus de nessa resposta arguir todos os meios de defesa que tivesse para opor à matéria da excepção, sob pena de ficar precludida a sua invocação em momento posterior, designadamente só agora nas alegações de recurso.
Em suma, não apenas a decisão recorrida que julgou prescrito o direito do autor é correcta, como a questão ora suscitada nas alegações de recurso para impedir essa conclusão (o reconhecimento do devedor) não é sequer passível de ser conhecida pelo tribunal por ser questão carecida de arguição e a sua arguição não ter sido feita no momento processual definido.
Improcede pois o recurso.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, o qual as não paga se cingirem à taxa de justiça pela interposição do recurso e o recorrente estar dispensado do seu pagamento.
Porto, 22 de Setembro de 2025.
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]