ARTICULADOS
CORREÇÃO DE ERROS DE ESCRITA
LIMITES FORMAIS
Sumário

I - Caso sejam apresentadas duas alegações de recurso, só podem ser processualizadas as primeiras, porque nessa data estabilizou-se a instância
II - O art. 146º, do CPC visa, no nº1 a correcção de meros erros de escrita ou de cálculo, pressupondo, pois, uma simples alteração de algumas palavras, contas ou expressões, já constantes da peça processual. E, no nº2, a correcção de vícios puramente formais.
III - Essa norma não pode ser aplicada quando a parte não pretende a correcção de nenhuma das palavras contidas no requerimento inicial, mas “apenas” a “simples” adição de 30 novas páginas, as quais incluem as conclusões e indicação das normas violadas.
IV - Para aferir a existência de uma mera correcão ou alteração substancial deve atender-se a um critério formal (número de alterações), e, fundamentalmente material determinando se os novos elementos respeitam e mantém a estrutura da peça anterior, ou pelo contrário se a transformam em algo diverso.
V - Se o apelante com a “correcção” criou funcionalmente uma nova peça processual com um pedido distinto, indicação de normas violadas e 12 conclusões que não existiam é evidente que não está a corrigir nada mas sim a apresentar algo novo e distinto.
VI - Actua com negligência grave o apelante que entregou um articulado que era um mero esboço, sem quaisquer conclusões ou normas violadas, sem que (alegadamente) se tenha apercebido desse lapso que, note-se terá detectado apenas no dia seguinte.
VII - Esse erro não se ficou a dever a nenhum facto externo, mas sim a uma conduta clara e concreta do ilustre mandatário da parte pelo que não pode ser permitido à luz do instituto do justo impedimento.
VIII - Pretender que a simples aplicação das normas que impõem a prática de actos processuais numa determinada data viola o direito de acesso ao aparelho jurisdicional é omitir que, se os direitos patrimoniais da parte foram violadas o seu ressarcimento deverá ser obtido através da instauração de uma concreta acção contra o eventual autor dessa lesão e não pela adulteração das normas legais que existem para garantir a normal e uniforme tramitação das acções e recursos de todos os utentes.

Texto Integral

Proc.4931/24.4T8PRT.P1


Sumário:

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1. Relatório

A... - Companhia de Seguros, S.A., NIPC ..., com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra AA, portador do cartão de cidadão n.º ..., portador da Carta de Condução n.º ..., nascido em ../../1994, com domicílio na Praceta ..., ... ..., pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 41.185,18 (quarenta e um mil cento e oitenta e cinco euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros vincendos, contados desde a citação até total e efectivo pagamento.

Alegou, em suma que no dia 04 de Abril de 2021, pelas 2h15m, o veículo segurado na A., conduzido pelo R., circulava na Rua ..., quando, sem qualquer razão que o justificasse, se atravessou perpendicularmente na naquela rua e foi embater com a frente na parte lateral esquerda do ..-VX-.., ou seja, também perpendicularmente a este último. O sinistro ficou a dever-se a culpa manifesta do R., pois conduzia de forma desatenta e pouco cautelosa, eventualmente em excesso de velocidade, e com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 1,77 g/l (gramas por litro), que descontada a margem de erro máximo admissível corresponde a uma taxa de 1,628 g/l. Uma vez que o condutor do veículo seguro pela A. foi o responsável pela ocorrência do sinistro, a A. suportou os custos da reparação do veículo ..-VX-.., a qual ascendeu a € 39.618,90 (trinta e nove mil seiscentos e dezoito euros e noventa cêntimos), e ainda o custo com o aluguer de uma viatura de substituição, enquanto o ..-VX-.. se encontrava a ser reparado, o qual ascendeu ao valor de € 1.566,28 (mil quinhentos e sessenta e seis euros e vinte e oito cêntimos). Por força da cláusula 31.º alínea c) das Condições Gerais da Apólice e do artigo 27.º, n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei no 291/2007, de 21 de agosto, a A. tem o direito de regresso sobre o R., relativamente aos danos a cujo ressarcimento se viu obrigada perante o terceiro lesado.

Citado regularmente, o R. apresentou contestação na qual alegou que não era ele quem conduzia o veículo ..-IX-.., aquando do acidente a que se reportam os autos, mas o seu amigo BB, acrescentando que pediu aquele seu amigo para conduzir aquele veículo porque bebera ao jantar e, posteriormente, em vários bares na baixa do Porto. Contudo, o BB não estava habituado a conduzir um veículo com 500 cv de potência como o IX, capaz de acelerar dos 0 aos 100 kms/h. em cerca de 4 segundos e, ao acelerar, perdeu o controle do IX, indo embater num veículo estacionado. Mal se deu o acidente, o R. apercebeu-se da gravidade dos danos no IX e entrou em pânico, temendo a reacção de seu pai, que obviamente iria ficar furioso por ter confiado um carro tão valioso e de estimação como o IX a um amigo. E foi pelo exposto que, quando compareceram as autoridades no local, o arguido declarou que era o próprio quem vinha a conduzir e que se tenha submetido ao teste de álcool no sangue que os agentes de autoridade lhe deram a fazer, tendo apresentado a TAS de 1,628 g/l.

Após instrução e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente condenando o R. a pagar à A. a quantia de € 41.185,18 (quarenta e um mil cento e oitenta e cinco euros e dezoito cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Inconformado veio o réu apresentar recurso no dia 06/01/2025, pelas 23,49 horas, no 3.º dia útil após o termo do prazo (de 40 dias) de que dispunha para recorrer da decisão proferida, com o pagamento da respectiva da taxa de justiça e multa, (tendo em conta que o seu objecto também é a reapreciação da matéria de facto).

Esse recurso foi admitido nos seguintes termos recurso de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (art.ºs 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 633.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.ºs 1 e 7, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, todos do CPC).

Todavia o apelante veio a apresentar em 07/01/2025, pelas 18,55 horas, novas alegações de recurso, ao qual anexou uma motivação de recurso mais extensa e completa do que a anterior.

Esse recurso não foi admitido, por despacho, por ser apresentado fora do prazo legal.

Inconformado com essa decisão veio o apelante apresentar RECLAMAÇÃO por requerimento de 10.3.25, a qual foi admitida por despacho de 8.4.25 e decidida, determinando-se que o objecto da mesma seja apreciado no âmbito deste recurso.

Mais tarde, em 14.3.25 veio interpor recurso do despacho que não admitiu as suas “segundas alegações”, o qual foi admitido nos seguintes termos “de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (art.ºs 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 633.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, al. g), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código Processo Civil)”.


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Importa, pois, decidir em primeiro lugar a questão suscitada no recurso de apelação em separado admitido.

2.1. O apelante apresentou as seguintes conclusões

1 – A decisão em crise, em que se diz “Não admito a versão final da motivação do recurso apresentada pelo R./Recorrido em 07/01/2025, pelas 18,55 horas, por ser extemporânea.” é ilegal e deve ser revogada.

2 – Por força de tal decisão, o Tribunal a quo está formalmente a admitir o recurso do ora Recorrente, mas inacabado, com base num ficheiro PDF erradamente anexado ao requerimento de interposição de recurso de dia 06/01/2025.

3 – Trata-se claramente de um ficheiro que não passava de um documento de trabalho em que nem sequer se formula ou diz formular quaisquer conclusões.

4 – Isto quando o ficheiro remetido aos autos logo no dia seguinte, 07/01/2025 estava concluído às 23:45:26 horas do dia 06/01/2025 como se comprova das suas propriedades informáticas.

5 – Sendo esse, obviamente, o ficheiro que se pretendia anexar ao requerimento de interposição de recurso.

6 – Trata-se de ficheiros com o mesmo exato texto, só que o remetido por erro tem apenas 10 páginas e o remetido dia 07/01/2025 mas concluído às 23:45:26 horas de 06/01/2025 tem 0,20 mb e 40 páginas (quando o ficheiro junto em 06/01/2025 tem apenas 0,10 mb e 10 páginas)

7 - O requerimento do signatário de 07/01/2025 pelo qual juntou o ficheiro PDF de alegações que julgava ter junto em 06/01/2025 consubstancia, assim, um pertinente e adequado requerimento de correção de vício puramente formal, permitido pelo art.146.º do CPC.

8 – Do qual não resulta qualquer prejuízo para o regular andamento dos autos e nem sequer para a contraparte.

9 – Trata-se, por isso, de corrigir um mero vício formal em que, naturalmente, não se incorreu por dolo ou culpa grave (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, I, Almedina, 1958, pág.337).

10 - O erro de seleção de um ficheiro diverso daquele que se pretendia anexar é, hoje, uma contingência que a utilização da informática tornou mais passível de ocorrer, sendo por isso muito mais compreensível e aceitável (Cfr. Ac. RG, de 01/10/2015, P.590/14.0T8VCT-B.G1)

11- A admissibilidade da junção e consideração do ficheiro PDF junto em 07/01/2025 resultaria ainda da consideração da figura do justo impedimento.

12 – É que, logo que detetado o erro, o signatário apresentou, de imediato, o seu requerimento de 07/01/2025 com o qual juntou as alegações concluídas às 23:45:26 horas de 06/01/2025, o que de imediato expos ao tribunal.

13 – Dito de outro modo, logo o invocou e supriu ao remeter o ficheiro correto, concluído às 23:45;26 de 06/01/2025 (sendo que o requerimento de interposição do recurso foi submetido via Citius às 23:49:45 desse mesmo dia).

14 – Do que resulta que a parte não tentou beneficiar nem beneficiou de qualquer alargamento de prazo – a peça que pretendia anexar estava concluída às 23:45:26 do dia final do prazo.

15 – Tudo a determinar que a decisão em crise seja substituída por outra que admita o recurso com as alegações elaboradas em 06/01/2025 às 23:45:26 horas mas por erro juntas em 07/01/2025, desconsiderando-se o mero ficheiro de trabalho remetido na primeira data.

16 – De todo o modo, sempre deverá ser facultado ao Recorrente corrigir a peça anexada no Citius no dia 06/01/2025 pela consideração das conclusões já remetidas aos autos no ficheiro enviado em 07/01/2025 (cfr. Ac. STJ, de 07/10/2020, P.1075/16.6T8PRT.P1.S1 e Ac. RE, de 26/04/2024, P.1560/21.8T8EVR-A.E1).

17 – Ao decidir de outra forma, o Tribunal a quo interpretou erradamente e com isso violou os arts. 140º e 146 CPC.

18 – Tendo igualmente violado o princípio da adequação formal plasmado no art. 547.º CPC cujo escopo é assegurar um processo equitativo permitindo a correção de lapsos que não prejudiquem a contraparte nem comprometam a tramitação daquele.

19 - De todo o modo, não obstante a sua incompletude, a alegação remetida em 06/01/2025, face a já aí alegado (de facto e direito) é suficiente para concluir que não era o Recorrente quem conduzia o IX.

20 - O que sempre legitimaria a crítica da sentença proferida violou o art.624.º do CPC como expressamente sinalizado neste texto, conduzindo à improcedência da ação e revogação da sentença.

21 - Acresce que a interpretação dos arts.140.º nº 1 e 2 e 146.º n.º, 2 CPC no sentido de não permitir a simples correção de um erro formal, decorrente da anexação de um ficheiro PDF distinto do que se pretendia selecionar, um e outro concluídos antes do termo do prazo legal para interposição do recurso, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP).


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2.2. A parte contrária, contra-alegou, argumentando, em suma, que:

1. Em causa está o (in)cumprimento de um prazo!

2. E a discussão torna-se ainda mais relevante porque em causa está um prazo peremptório, pelo que será forçoso concluir que, após aquele dia 6/01/2025, extinguiu-se o direito do Recorrente praticar o acto, pelo que no nosso entendimento andou bem o Tribunal a quo que, em cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC decidiu por indeferir o requerimento e o requerido a 07.01.2025.

3. Até porque outro entendimento ia subverter todo o objectivo da fixação dos prazos e, bem assim, da igualdade de direitos entres as partes, Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 15.01.2023 no processo 493/09.0TCFUN.L1-1, disponível in www.dgsi.pt “Se fosse admitido que, ao abrigo da possibilidade de correcção de erros materiais, se pudesse substituir uma peça processual por outra totalmente distinta, para além do prazo peremptório que a lei adjectiva fixa para a prática do acto, estar-se-ia a subverter completamente a tramitação processual, abrindo-se a porta para que, mediante a utilização ardilosa de um procedimento deliberadamente assumido com vista à ulterior alegação de erro material, não mais fossem respeitados os prazos peremptórios legalmente fixados para a prática dos actos processuais”.

4. A alegação, pelo mandatário da parte recorrente, de que ocorreu um deficiente manuseamento informático do programa CITIUS, em consequência do qual foram enviadas (embora dentro do prazo de recurso) peças processuais (alegações de recurso) que nada tinham a ver com o processo a que se destinavam, não corresponde a qualquer situação totalmente imprevisível e completamente obstaculizadora da prática correcta do envio das alegações de recurso pertinentes, pelo que não configura uma hipótese de justo impedimento, nos termos e para os efeitos previstos no art. 146º do CPC.”

5. O caso em apreço tão pouco pode configurar uma hipótese de justo impedimento, nos termos e para os efeitos previstos no art. 146º do CPC, pois como resulta do Acórdão do STJ de 17/4/2012 (Proc. nº 4592/06.2TBVFR.S1; Relator – MÁRIO MENDES), cujo texto integral está também acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt - «um deficiente manuseamento informático do programa CITIUS, em consequência do qual foram enviadas (embora dentro de prazo de recurso) peças processuais que nada tinham a ver com a acção a que se destinavam, não corresponde a qualquer situação totalmente imprevisível e completamente obstaculizadora da prática correcta do envio das alegações de recurso pertinentes». «Ocorre, nesse caso, um erro da total responsabilidade dos recorrentes (ou de quem por si manuseou deficientemente o programa informático), sobre quem impendia o dever de cuidado traduzido na prévia verificação da conformidade dos documentos enviados, de forma a prevenir qualquer anomalia, como aquela que se registou, que não pode enquadrar-se no conceito de justo impedimento»

6. O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do artº 139º do Cód. Proc. Civil – vide nestes sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.03.2013, Processo n.º 1627/04.7TBFIG-A.C1. Ora, tendo o Recorrente lançado mão do prazo suplementar dos 3 dias úteis não pode vir agora alegar justo impedimento para ver admitidas as motivações de recurso juntas ao processo no dia 07.01.25

7. Pelo que, com o devido respeito por opinião contrário, entende a Recorrida que as motivações de recurso a considerar, para efeitos de fundamentos e limites do recurso, terá de ser o documento junto no dia 06.01.2025, Sob pena de se estar a beneficiar o Recorrente, através de um alargamento injustificado do prazo para a interposição do recurso, para além dos prazos peremptórios fixados na lei, em concreto nos números n.º 1 e 7 do artigo 638.º e alíneas a) a c) do n.º 5 do artigo 139.º, ambos do CPC.


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3. Questão a decidir

1. Determinar se as alegações apresentadas em 07/01/2025, pelas 18,55 horas (um dia após o termo do prazo), podem ser configuradas como a mera correcção das anteriores ou, se assim não for devem ser admitidas com base no instituto do justo impedimento.

2. Apreciar depois, se necessário, se as alegações de recurso interpostas em 6.1.2025 podem ser admitidas.


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4. Motivação de facto

1. O R./recorrente apresentou o seu requerimento de interposição de recurso no dia 06/01/2025, pelas 23,49 horas, no 3.º dia útil após o termo do prazo (de 40 dias) de que dispunha para recorrer da decisão proferida, com o pagamento da respectiva da taxa de justiça e multa, uma vez que com o recurso pretende a reapreciação da matéria de facto.

2. Essas alegações, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, possuem dez páginas, não contém qualquer conclusão, indicação de normas violadas e pedido e terminam da seguinte forma: Razão pela qual decidiu que ii) “Face aos factos considerados provados, é manifesto que não se encontram reunidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo em questão, uma vez que não se provou que era o Arguido conduzia o veículo”. No mesmo sentido, entre outros, Ac. STJ, de 5/05/2016, P.215/05.5TBRMR.E1.S1 II - A presunção consagrada no citado normativo [art.624.º do CPC] só funciona, porém, quanto aos factos em relação aos quais se tenha provado que não foram praticados pelo arguido; quanto aos restantes – i.e., os que não foram considerados por, em obediência ao princípio “in dubio por reo”, não haver prova suficiente –, a presunção não funciona. A situação jurídica do Recorrente cabe nesta orientação jurisprudencial, uma vez que, como ficou provado no processo crime, este era transportado, ou seja, era passageiro e não condutor do IX. É que importa realçar que, não só a semântica como a própria lei fazem uma clara diferenciação, a qual é absolutamente nítida, entre o que é o condutor de um veículo e o que é uma pessoa transportada num veículo. De facto: i) Condutor: Art.24.º/1, do Código da Estrada “O condutor deve regular a velocidade…” .

3. No dia 7.1.25 às 18h55 o apelante apresentou um requerimento, no qual alega que as alegações anteriormente apresentadas não eram a versão final que pretendeu enviar .

4. Juntou então um documento intitulado alegações, com 40 páginas, cujo teor se dá por reproduzido, formula 11 conclusões e indica normas violadas.


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5. Motivação de Direito

Como afirmava um saudoso professor de direito a vida é mais rica do que o direito e, a situação dos autos reforça de forma evidente essa conclusão.

A parte interpôs o seu recurso 43 dias depois da sentença ter sido proferida, aguardando pelo último dia e hora (10 minutos antes do termo do mesmo), para apresentar as suas alegações, que afinal eram um simples esboço, facto que demorou mais 19 horas a descobrir e tentar rectificar com o envio (sic) “das alegações finais que já estavam finalizadas”.

Levanta-se, pois, a questão se poderá ou não substituir/complementar/corrigir essas alegações.

1. Da preclusão

Um dos princípios estruturantes do processo civil é o da preclusão, nos termos do qual cabe às parte organizar a sua defesa por forma a cumprir os prazos e injunções de cada forma do processo.

Porque, como salienta Manuel Andrade[1]há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques”.

Nestes termos, cabe às partes o ónus de assegurar que os atos processuais sejam praticados nos prazos legalmente previstos, sob pena de não poderem ser praticados mais tarde, porque decorrido o prazo perentório, extingue-se o direito de praticar o ato processual.

Não se diga sequer que este principio derroga o principio constitucional de acesso ao aparelho jurisdicional, pois, essa exigência é geral, abstracta e a única forma de garantir um tratamento uniforme e igualitário dos vários litigantes.


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Em segundo lugar, conforme é entendimento consensual nesta secção “Caso sejam apresentadas, no prazo legal, duas alegações de recurso, só podem ser processualizadas as primeiras porque nessa data estabilizou-se a instância”.[2] [3].

Desde logo, devido ao principio da estabilidade da instância e por outro pela proibição da prática de actos inúteis que, neste caso, seriam todas as alegações apresentadas até ao termo do prazo em número que ficaria na arbitrariedade da apelante.

Logo, é evidente e seguro que o apelante não pode pretender substituir as alegações já apresentadas pelas posteriores, pelos motivos expostos e porque, na data dessa apresentação já tinha decorrido o prazo para a prática do acto.

2. Da aplicação do art. 146 do CPC

Pretende o apelante que deve ser aplicado o regime do suprimento de erros de escrita e materiais nos termos do art. 146º, do CPC.

Esta norma dispõe que

“1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.

2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”.

O âmbito de aplicação da norma é claro e preciso, visa, no nº1 a correcção de meros erros de escrita ou de cálculo, pressupondo, pois, uma simples alteração de algumas palavras, contas ou expressões, já constantes da peça processual.[4]

E, no nº2, a correcção de vícios puramente formais.

Ora, nenhuma destas situações se verifica, no caso presente.

Bastará referir que a parte não pretende a correcção de nenhuma das palavras contidas no requerimento inicial, mas “apenas” a “simples” adição de 30 novas páginas, as quais incluem as conclusões e indicação das normas violadas.

Ou seja, a parte pretende apresentar umas novas alegações e não “apenas” rectificar de qualquer modo as anteriores.

Depois, o conceito de erros de escrita é encontrada sistematicamente no art. 614º, nº1, do CPC que dispõe sob a epígrafe Retificação de erros materiais “«1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”. [5]

Ora, in casu é manifesto que não estamos perante qualquer erro de escrita ou lapso formal, mas sim pela simples omissão de parte essencial de alegações e conclusões.

Caso fosse necessário, poder-se-ia usar um critério material ou formal.

Do ponto de vista formal bastaria contabilizar as palavras que se pretendem aditar para se concluir que não estamos perante uma mera correcção, mas sim pela adição de inúmeros elementos que transformam a peça apresentada na sua dimensão noutra estruturalmente diferente. Uma correcção que pretende a adição de 30 novas páginas não pode, naturalmente ser qualificada como mera rectificação ou sequer alteração.

Do ponto de vistas material (que é naturalmente o mais relevante) bastaria notar que, os novos elementos, não respeitam e mantêm a estrutura da peça anterior, mas, pelo contrário, transformam-na em algo diverso, criando funcionalmente uma nova peça processual com pedido distinto, indicação de normas violadas e 12 conclusões.

Depois, se necessário for, bastará dizer que essa norma nunca seria aplicável porque “não se aplica a invocado erro (de cálculo ou de escrita) que não decorre da simples leitura da petição inicial e documentos que a acompanham, nem é objetivamente comprovável”[6].

Por fim, sempre diremos que essa norma também nunca poderia ser aplicável porque a mesma depende de que “a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave” do apelante.

Esta culpa deve ser apreciada em abstracto pela diligência de um “bom pai de família” em face das circunstâncias de cada caso, aplicando, pois, o critério do art. 487º, do CC .

Entre nós a negligência é classificada em três categorias: grave, se a atuação não for conforme aos princípios que a generalidade das pessoas observa; leve, se for omitida a diligência normal; e levíssima, quando se omitam os cuidados que só as pessoas muito prudentes e escrupulosas tomam.[7]

Segundo Vaz Serra, “deve atender à diligência dos homens que procedem com consciência do seu dever”, sendo de repudiar “os abusos e imprudências que, conquanto arreigados na prática, são injustificados[8].

Ora, no caso presente teremos de notar que o apelante entregou um articulado que era um mero esboço, sem que se tenha apercebido desse lapso que, note-se podia ser facilmente constatado caso tivesse ou catalogado o documento de forma adequada ou, simplesmente, vislumbrado a última página.

Depois, teremos de notar que a prática dos acto gera um pdf imediatamente consultável pelos mandatários, que teria permitido que o apelante se tivesse apercebido desse lapso de imediato[9] e assim praticar o acto com a junção das alegações correctas que “supostamente” já estavam realizadas.

Porém, essa verificação foi completamente omitida e (sem que se explique porquê), e só cerca de 19 horas depois é que as alegações finalizadas foram juntas aos autos.

Ou seja, existem aqui vários actos gravemente negligentes que violam o normal dever de cuidado de um mandatário forense médio, mais a mais, quando, neste caso, o apelante estava já a praticar o acto nos dez últimos minutos de um prazo que se iniciou 40 dias antes[10].

Teremos assim de concluir que a aplicação do art. 146º, do CPC sempre teria de ser afastada porque o lapso foi praticado por negligencia grave do apelante.


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3. Da aplicação do instituto de justo impedimento

Pretende, por fim, o apelante que esse lapso sempre teria de ser justificável nos termos do art. 140º, do CPC.

Vejamos

Na nossa anterior lei processual o instituto do justo impedimento tinha uma formulação cerrada, concreta e definida.

Era, então jurisprudência pacifica entre nós que justo impedimento seria o "evento normalmente imprevisível, estranho a vontade das partes, que a impossibilite da pratica do acto, por si ou por mandatário"[11].

Daí o entendimento pacifico de que esse instituto seria incompatível com a imprevidência de quem o invoca, além de implicar a imediata prática do facto aquando do termo da impossibilidade.

Contudo o nosso actual diploma flexibilizou este conceito ao colocar, nas palavras de Lopes do Rego[12] o cerne da figura na inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu mandatário.

Ou seja, actualmente o critério fundamental a apreciar será, não já a imprevisibilidade do evento em si, mas fundamentalmente a existência ou não de culpa da parte ou do seu mandatário na ocorrência desse facto e na sua superação.

Ora, o evento que a parte quer justificar é a remessa por engano de um rascunho ao invés do articulado finalizado. Mesmo dando de barato que esse articulado estava efectivamente finalizado no momento do envio, é evidente que essa troca de ficheiros só se ficou a dever a um lapso (como vimos grave) do Sr. Mandatário que terá trocado os ficheiros.

Saliente-se ainda que a gravidade dessa falta de diligência é agravada porque o mesmo Sr. mandatário teve ainda dez minutos para verificar, através de um pdf, se o documento que apresentou correspondia ou não ao pretendido, mas essa constatação só correu 19 horas depois.

Ou seja, a negligência é dupla, ocorreu no envio e depois na falta de verificação desse mesmo envio.

A ser assim é evidente que o evento, mesmo na formulação actual não se ficou a dever a nenhum facto externo, mas sim a uma conduta clara e concreta do ilustre mandatário da parte.

Teremos, ainda de salientar, mais uma vez que essa conduta é tanto mais grave quando o sistema citius permite a visualização imediata do documento junto ao processo através de um PDF e no caso, sem qualquer explicação, o apelante pretende que só 19 horas depois se apercebeu desse erro por si cometido.

É, pois, evidente que não se encontram preenchidos os requisitos do justo impedimento e que este instituto nunca poderia justificar a trica de ficheiros realizada pelo próprio mandatário sem qualquer doença ou factor externo.

4. Da violação das normas constitucionais

Pretende por fim o apelante que: senão for admitido a sua apelação apresentada 19 horas depois do prazo limite estar-se-á a violar gravemente o seu direito de acesso à jurisdição.

Sobre esta matéria, bastará dizer que as regras gerais e abstratas aplicadas a todos os litigantes e que implicam a existência de ónus processuais só podem ser consideradas violadoras do acesso à jurisdição se forem desproporcionais, exageradas e arbitrárias. Não será, este o caso, pois, o tribunal a quo limitou-se a exigir ao apelante aquilo que se exige a dezenas de milhares de recorrentes, isto é, que entreguem as suas apelações, neste caso, 43 dias depois de serem notificados da decisão.

Depois, sempre diremos, que se os direitos patrimoniais da parte foram violadas o seu ressarcimento deverá ser obtido através da instauração de uma concreta acção contra o eventual autor dessa lesão e não pela adulteração das normas legais que existem para garantir a normal e uniforme tramitação das acções e recursos.

Fazendo, nossas as palavras do Ac da RE de 12.9.24, nº1880/19.1T8STR-X.E1 (Isabel Imaginário) “O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.”

Improcede, pois, a apelação e por via disso mantém-se o despacho recorrido que não admitiu a “correcção” da apelação apresentada em 6.1.25.


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7. Da processualização das alegações de recurso apresentadas em 6.1.25

Dos factos provados resulta claro que essa alegação não contém nenhuma conclusão, nem sequer a indicação de normas violadas ou qualquer pedido.

É, o próprio apelante a admitir que “o ficheiro PDF submetido não corresponde à versão final pretendida juntar desta alegação, correspondendo, antes, a uma minuta provisória, incompleta e sem conclusões” (nosso sublinhado).

Compulsado o mesmo é claro que essas alegações não estão completas, não fazem menção de qualquer norma violada e não possuem qualquer conclusão.

Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

E, a falta de conclusões gera a rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº2, al b), do CPC, não havendo lugar a aperfeiçoamento.[13]

Impõe-se, pois, a rejeição desse recurso.


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8. Deliberação

Pelo exposto este tribunal julga não provido o recurso autónomo interposto e, por via disso, mantém integralmente o despacho proferido pelo que considera que a única apelação efectivamente apresentada é a de 6.1.2025, a qual por manifesta falta de conclusões, é rejeitada nos termos do art. 641º, nº2, al. b), do CPC.

Custas das duas apelações a cargo do apelante porque decaiu de ambas totalmente.


Porto, 22.9.2025
Paulo Duarte Teixeira
Isabel Peixoto
Paulo Aguiar Vasconcelos
__________________
[1] Manuel Andrade, Noções elementares de Processo Civil, p. 382.
[2] Ac da RP de 4.7.24, nº 749/22.7T8ALB (Paulo Teixeira) e Ac da RP de 15.6.23, nº 4056/18.1T8VFR-B (Paulo Teixeira).
[3] Ac da RP de 17.12.18, nº n.º 337/16.7T8PRT.P1 (Filipe Caroço); RP de 18.5.20, 4424/18.9T8VFR-A.P1 (Jerónimo Freitas); RP de 15.5.2020, nº 2274/19.4T8VNG-A.P1 (José Carvalho).
[4] Ac do STJ de 7.10.2020, nº 1075/16.6T8PRT.P1.S1 (Abrantes Geraldes) .
[5] Cfr. Ac do STJ de 03.6.2015, nº 3937/09.8TTLSB.L1.S1
[6] Ac da RC de 10.9.24, nº 1211/22.3T8GRD-A.C1 (Fonte Ramos), e Ac da RL de 10.4.25, nº 5058/03.8TVLSB.L1-6 (António Santos).
[7] Nuno Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 435.
[8] Adriano Vaz Serra, “Culpa do Devedor ou do Agente”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, 1957, pp. 13-151, p. 46
[9] E não 19 horas depois do termo do prazo.
[10] Convém não esquecer que a sentença foi proferida em 4.11.2024 e que o acto estava a ser praticado em 6.1.25, pelas 23.50 minutos, ou seja, quase dois meses depois.
[11] AC STJ DE 1991/05/09 IN AJ ANO1 PAG17; AC STJ DE 1986/10/16 IN BMJ N360 PAG534.; AC RL DE 1989/04/20 IN CJ 1989 TII PAG143.; AC STJ DE 1989/04/05 IN BMJ N266 PAG446.; AC RP DE 1991/03/18 IN BMJ N405 PAG535; AC STJ DE 1988/10/21 N380 PAG444.; AC STJ DE 1996/02/06 IN CJSTJ 1996 TI PAG73.; AC STJ DE 1993/10/21 IN CJSTJ 1993 TI PAG81.
[12] In Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 125.
[13] Entre vários Ac do STJ de 19.10.21, nº 3657/18.2T8LRS.L1.S1 (Tibério Silva).