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AÇÃO EXECUTIVA
PERSI
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Sumário[1]: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2]) 1. A comunicação pela instituição de crédito ao cliente bancário da sua integração em PERSI e da extinção deste, é matéria de conhecimento oficioso do tribunal, constituindo a sua falta uma exceção dilatória inominada e insuprível, que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância. 2. Cabe à instituição de crédito o ónus da prova de que efetuou aquelas comunicações, prova essa que, face ao disposto nos art. 364.º, n.º 1, e 393.º n.º 1, do CC, só pode ser feita através dos documento em causa, o que significa que o “suporte duradouro” a que se refere a al. g) do art. 3.º do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, é um requisito da forma que devem observar as comunicações no âmbito do PERSI. 3. Aquelas comunicações constituem declarações negociais recetícias, que só se tornam eficazes quando chegam ao poder do destinatário ou dele são ou podiam ser conhecidas, nos termos do art. 224.º, n.ºs 1 e 2 do CC. 4. Logo, para que possam ter-se por verificadas tais comunicações, é necessário que da matéria de facto provada, se possa concluir que a mensagem veiculada no respetivo documento chegou ao conhecimento do seu destinatário ou que foi efetuada em condições de por ele ser conhecida; 5. (...) o que não significa que tenham de ser feitas através de carta registada com ou sem aviso de receção, podendo elas ter lugar através de carta simples ou por correio eletrónico para endereço fornecido pelo cliente bancário. 6. A prova facto-indiciário consistente no envio das cartas contendo aquelas comunicações: - através de testemunhas, tratando-se de carta não registada; - através do respetivo registo, tratando-se de carta registada, faz presumir a sua receção pelo destinatário. 7. A simples apresentação nos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas ao cliente bancário, não constituem, por si só, prova do envio, e muito menos, da sua receção pelo destinatário, mas mero princípio de prova do seu envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova. _____________________________________________________ [1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original. [2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
BANCO, S.A., instaurou ação executiva contra F e S, com vista ao pagamento coercivo, por estes, da quantia de € 25 960,30.
No requerimento executivo alega o seguinte:
«1. O exequente é dono e legítimo portador de uma livrança na quantia de € 25.906,41 vencida em 24 de novembro de 2024 a qual se junta e se dá como integralmente reproduzida (Doc. nº 1).
2. A livrança foi subscrita pelo executado F.
3. A livrança ora dada à execução foi entregue ao exequente devidamente assinada pelo executado, no lugar reservado ao subscritor e com os demais elementos em branco, tendo o mesmo autorizado o seu preenchimento.
4. A livrança na quantia de € 25.906,41 destinou-se a garantir o bom pagamento das obrigações emergentes de um contrato de mútuo celebrado entre o exequente e o executado.
6. A executada S, deu o seu aval ao subscritor, apondo a sua assinatura no verso da livrança, por baixo da declaração "Bom por aval ao subscritor”.
7. Por sua vez, nos termos dos Artºs 77º e 32º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, o dador do aval é responsável da mesma forma que a pessoa por ele afiançada.
5. Previamente ao preenchimento da livrança, os executados foram integrados no PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de situações de incumprimento – no cumprimento de todas as disposições legais previstas no Dec. Lei 227/2012, de 25 de Outubro, tendo o mesmo sido extinto sem as prestações terem sido regularizadas ou o contrato reestruturado (Doc. nº 2).
6. Foram ainda os executados interpelados para regularizar as prestações em atraso sob pena do contrato ser resolvido.
7. Não obstante, os executados subsistiram na situação de incumprimento pelo que, o contrato de mútuo foi resolvido por falta de pagamento das prestações convencionadas.
8. A livrança não foi paga ao exequente na data marcada para o vencimento, nem posteriormente.
9. O exequente é, assim, credor dos executados da quantia inscrita na livrança.
A livrança dada à execução é título executivo nos termos do Art.º 703º, nº1, alínea c) CPC, sendo certa, líquida e exigível a dívida dela constante.
11. O Tribunal é territorialmente competente, nos termos do Art. 89.º n.º 1, do CPC».
Conclui assim:
«NESTES TERMOS requer-se a V. EX.ª que, e para os efeitos do artigo 726 nº 6 do C.P.Civil, se digne mandar citar os executados para pagar ao exequente a quantia de € 25.960,30 correspondente ao capital titulado na livrança, juros moratórios vencidos, e Imposto de Selo respetivo, bem como os juros vincendos, calculados às taxas legalmente aplicáveis até integral e efetivo pagamento, custas de parte e procuradoria da presente execução, ou para, no prazo de 20 dias deduzirem oposição».
*
Na primeira vez que os autos lhe foram conclusos, o senhor juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
«Deve a exequente, no prazo de dez dias, fazer prova do envio das cartas aos executados para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 – sob pena de o requerimento executivo ser liminarmente indeferido – art. 726.º, n.ºs. 4 e 5, do CPC».
*
Notificado desse despacho, o exequente juntou, no que para aqui e agora releva, os seguintes documentos:
«S
Lisboa, 29 de janeiro de 2024
Assunto: Responsabilidades em incumprimento
N/Ref.: ____PER
Exmo(a) Senhor(a),
Verificamos que permanecem em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, em que V. Exa. figura como interveniente da(s) responsabilidade(s) assumidas pelo(a) Sr.(a) F.
Face ao exposto, vimos informar que o Sr(a) F passou a partir da data de emissão desta carta, a estar integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.
Mais informamos que a manter-se a situação de incumprimento a mesma será comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Na eventualidade de V. Exa. necessitar de qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar os nossos serviços através do número de telefone do Centro de Contados do Banco, abaixo indicado.
No caso de, entretanto, os valores identificados já terem sido regularizados, agradecemos que considere esta carta sem efeito.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt."»,
e
«F
Lisboa, 29 de janeiro de 2024
Assunto: Responsabilidades em incumprimento
N/Ref.: ____PER
Exmo(a) Senhor(a),
Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V.Exa integrado(a) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.
No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito.
Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa. enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:
(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;
(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa., nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa. suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.
Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do número de telefone do Centro de Contados do Banco, abaixo indicado, ou através dos canais habituais.
Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.”»
*
Em seguida, foi proferido o seguinte despacho:
«1. O BANCO, S.A. propôs acção executiva, sob a forma de processo ordinária, para pagamento de 25.960,30 euros contra F e S, com fundamento no incumprimento a partir de 02-12-2023 (confrontem-se as cartas juntas ao requerimento executivo, onde se refere “Crédito Pessoal ____, aparecendo este número na livrança) de um contrato de crédito pessoal celebrado entre as partes, garantido por livrança oferecida como título executivo.
2. Em 16 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho a cometer à exequente o dever de em 10 dias “fazer prova do envio das cartas aos executados para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 – sob pena de o requerimento executivo ser liminarmente indeferido – art. 726.º, n.ºs. 4 e 5, do CPC”; em resposta, em 21 de Janeiro de 2025, a exequente veio “juntar os comprovativos do cumprimento do disposto no Dec.-Lei 227/2012 de 25 Outubro (PERSI)”.
3. Apreciando.
Não oferece dúvida para o Tribunal e para a exequente (que juntou documentos alusivos à integração e à extinção do PERSI), que, após o incumprimento temporário do contrato de crédito pessoal celebrado entre mutuante (instituição financeira e exequente) e os mutuários (consumidores e executados), a primeira estava obrigada a cumprir quanto aos segundos, o disposto nos arts. 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, ou seja, “informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro” e “(…) da extinção do PERSI”.
As referidas “informações através de comunicação” são declarações receptícias, ou seja, apenas se consideram eficazes quando recebidas ou conhecidas pelo destinatário (ou quando não recebidas por culpa do destinatário) – art. 224.º, n.ºs. 1 e 2, ex vi do art. 295.º, ambos do CC, de onde:
- primeiro, a junção de cartas alusivas à integração e extinção do PERSI desacompanhadas de prova complementar do seu envio (v.g. talão de registo postal de expedição, de onde, por presunção judicial – art. 351.º do CC, o tribunal poderia concluir pela recepção das mesmas no lugar de destino) – sendo que o número de documento indicado no canto superior esquerdo de cada carta não é o número do registo postal de expedição, porque introduzido no campo do rastreio do site dos CTT nenhum resultado aparece – conduz à conclusão de que a exequente não provou o envio das cartas para integração e extinção do PERSI aos executados, como solicitado expressamente no despacho anterior (“no prazo de dez dias, deve a exequente (…) fazer prova do envio de cartas aos executados para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 (..)” e,
- segundo, o cumprimento do referido procedimento (PERSI) é uma condição de procedibilidade judicial – art. 18.º, n.º 1, al. b) daquele diploma, cuja falta de demonstração, como é o caso, configura excepção dilatória, de conhecimento oficioso, determinante, neste momento, do indeferimento do requerimento executivo – art. 726.º, n.º 5, do CPC.
4. Pelo exposto, na falta de prova produzida sobre o envio de cartas aos executados para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10, do que se conclui pelo não cumprimento de tal condição da acção, indefiro o requerimento executivo.
Condeno a exequente no pagamento das custas – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
Notifique».
*
É desta decisão que a exequente vem agora recorrer, concluindo assim as respetivas alegações:
«1. As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
3. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal.
4. As cartas simples juntas pelo Recorrente constituem princípio de prova do envio da comunicação e poderiam vir a ser corroboradas pelo depoimento de testemunhas ou mesmo em depoimento de parte, caso viessem a ser impugnadas em Embargos de Executado.
5. O despacho liminar de indeferimento deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, o que claramente não se verifica nos presentes autos.
6. Assim sendo, deverá a despacho recorrido ser revogado, sendo substituido por outro que ordene a citacao dos Executados.
NORMAS VIOLADAS:
Arts 17 do Dec-Lei 227/2012 e 726 nº 2 al. b) do C.P. Civil».
O apelante remata assim:
«NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, devendo ser ordenada a citação dos Executados
Justiça».
***
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se os executados foram corretamente integrados no PERSI.
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que resulta do relatório que antecede.
*
3.2 – Fundamentação de direito:
No Ac. do S.T.J. de 28.02.2023, Proc. n.º 7430/19.2T8PRT.P1.S1 (Manuel Aguiar Pereira), in www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:
«Como facilmente se depreende o PERSI tem uma notória vertente negocial que torna imprescindível o estabelecimento de comunicações entre a entidade bancária e os clientes bancários nele integrados.
O PERSI desenvolve-se, na realidade, em três fases distintas:
- uma fase inicial, regulada no artigo 14.º do Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro, cujo nº. 4 dispõe expressamente que “no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.”
- uma fase de avaliação e proposta, regulada no artigo 15.º do mencionado diploma, cujo nº 4 prevê igualmente a formulação de uma proposta de regularização da situação em incumprimento em suporte duradouro;
- uma fase de negociação regulada no artigo 16.º do citado Decreto Lei 227/2012, de 25 de outubro.
A extinção do PERSI, regulada no artigo 17.º do mesmo diploma, é igualmente comunicada pela instituição de crédito ao cliente bancário em suporte duradouro, descrevendo o respectivo fundamento legal, só produzindo efeito após tal comunicação.
Porque se trata de um mecanismo de prevenção tendente a viabilizar o cumprimento das obrigações decorrentes da celebração dos contratos de mútuo bancário, entre a data da integração (obrigatória) do cliente bancário no PERSI e a sua extinção, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar acções judiciais para satisfação do seu crédito (artigo 18.º do Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro).
É pacífica a jurisprudência, nomeadamente dos Tribunais da Relação, no sentido de que a comunicação aos clientes bancários da sua integração em PERSI e da sua extinção é matéria de conhecimento oficioso do tribunal e que a sua falta constitui excepção dilatória insuprível que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.
Igualmente pacífica parece ser a jurisprudência no sentido de que cabe às entidades bancárias o ónus de provar que efectuou as comunicações legalmente previstas.
A exigência de que as comunicações relativas à integração em PERSI e à sua extinção sejam efectuadas em “suporte duradouro” tem na sua base (para além do controle institucional da própria actividade bancária) a remoção de dúvidas – no contexto de um relacionamento potencialmente litigioso entre o Banco e os clientes – sobre a circunstância de a entidade bancária ter cumprido com as obrigações a que está adstrita para com o cliente no âmbito da tentativa de regularização de situações de incumprimento no exercício da actividade bancária de concessão de crédito aos consumidores.
Tal expressão (“suporte duradouro”) acaba por traduzir uma forma aligeirada e adaptada às realidades presentes do conceito de documento contido no artigo 362.º do Código Civil: objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar um facto.
Como tem sido pacificamente decidido, integra-se no conceito de “suporte duradouro” o documento escrito em papel ou guardado com recurso a meios informáticos porque susceptíveis de acesso para leitura em momento posterior à sua elaboração em ordem a demonstrar a realidade da comunicação e dos termos em que teve lugar.
Deve assim concluir-se que, face ao disposto nos artigos 364.º n.º 1 e 393.º n.º 1 do Código Civil, a prova da existência de tal comunicação – e dos termos em que foi realizada – só pode ser provada através do documento em causa.
Dito de outro modo, o “suporte duradouro” a que se refere o Decreto Lei 227/2012, de 25 de outubro, é um requisito da forma que devem observar as comunicações no âmbito do PERSI.
O conceito de comunicação através do “suporte duradouro” (ou documento) encerra em si uma finalidade primordial que é a de levar ao conhecimento do destinatário o teor da mensagem nele contida.
Acresce que no caso das comunicações previstas no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, estamos em presença de declarações negociais que só se tornam eficazes quando chegam ao poder dos destinatários ou deles são ou podiam ser conhecidas (artigo 224.º n.º 1 e 2 do Código Civil).
Ou seja, para que possa ter-se por verificada a comunicação em causa importa que dos factos apurados se possa concluir que a mensagem veiculada no documento chegou ao conhecimento do seu destinatário ou que foi efectuada em condições de por ele ser conhecida.
Não resulta, porém, do respectivo regime legal que as comunicações relativas ao PERSI tenham de ser efectuadas através de carta registada com ou sem aviso de recepção, podendo elas ter lugar através de carta simples ou por correio eletrónico para endereço fornecido pelos clientes bancários.
Daí que, comprovada que seja a existência do “suporte duradouro” contendo o teor da comunicação exigida pelo regime legal do PERSI, se tenha por admissível o recurso a qualquer meio de prova para comprovação complementar do cumprimento da obrigação da entidade bancária de levar ao conhecimento dos destinatários o seu teor e, bem assim, a extração de ilações sobre a matéria a partir dos factos conhecidos (artigo 349.º e 351.º do Código Civil)».
No caso concreto, o exequente juntou aos autos, a convite do tribunal, os documentos acima transcritos.
Segundo Luís Filipe Pires de Sousa, no âmbito das relações contratuais em geral, «é comum que as comunicações entre as partes ocorram pelo envio de carta, simples ou registada. Quando a relação entra em fase litigiosa, é comum que uma das partes negue a receção da carta. Neste contexto, há que valorar o envio da carta como indício da sua receção (indício missio). Ou seja, desde que se prove o facto-indiciário do envio da carta (por testemunhas, tratando-se de carta não registada ou pelo registo, tratando-se de carta registada), haverá que presumir a sua receção. O que fundamenta a presunção é a máxima da experiência no sentido da fiabilidade dos serviços de correios no sentido de que o transporte se efetiva corretamente e a carta chegou em condições ao destinatário. (...).
No que tange ao conteúdo da carta remetida (quer pelo banco quer por outro remetente qualquer), deverá presumir-se que o conteúdo da mesma é o afirmado pelo remetente uma vez que o destinatário pode facilmente desvirtuá-lo, demonstrando outro conteúdo através da exibição do suporte da mensagem ou, não disponde deste, cabe-lhe assumir a responsabilidade pela sua destruição ou extravio»[3].
No Ac. do S.T.J. de 13.04.2021, Proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 (Graça Amaral), in www.dgsi.pt, afirma-se:
«I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.
III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada.
IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.»
No Ac. da R.E. de 28.09.2023, Proc. n.º 609/21T8ELV.E1 (Elisabete Valente), in www.dgsi.pt, afirma-se:
«(...) as cartas simples ou e-mails endereçados ao devedor para as moradas que constam do contrato celebrado, correspondem a um facto-indiciário, a um princípio de prova, podendo o mesmo ser complementado por outro meio de prova, mormente testemunhal, realçando que a lei não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das ditas comunicações, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do referido suporte duradouro a que se reporta a lei e que se tivesse sido intenção do legislador exigir que a prova do envio e receção das comunicações fosse feita através de um meio prova como seja o registo postal ou o aviso de receção, decerto tê-lo-ia consagrado expressamente (sendo que o intérprete se encontra sujeito às regras da interpretação do artigo 9.º do Código Civil, não podendo ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso).
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da remessa. Ou, por outras palavras, a exigência “ad probationem” apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal».
No Ac. da R.P. de 07.03.2024, Proc. n.º 6753/23.0T8PRT-A.L1 (Paulo Dias da Silva), in www.dgsi.pt, afirma-se:
«(...) quer a comunicação de integração no PERSI, quer a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576, nº 2, do Código de Processo Civil).
No que se refere à concretização do conceito de comunicação em suporte duradouro, a alínea h) do artigo 3.º define-a como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”.
Ou seja, a lei exige uma determinada forma de levar ao conhecimento dos devedores que os mesmos foram integrados no PERSI e, também, que este foi declarado extinto. Com efeito, e nos termos do citado diploma legal, a comunicação - quer da integração do devedor no PERSI, quer a extinção deste - deve ser feita em “suporte duradouro”, isto é, através de «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas» - cfr. artigo 3.º, alínea h), do citado D/L n.º 227/2012.
Tal «suporte duradouro» pode ser o papel mas também pode ser um meio electrónico, como um email ou um CD-ROM. E, assim sendo, como efectivamente o é, as comunicações em causa podem ser feitas através de carta.
E até através de carta simples porquanto o D/L n.º 227/2012 impõe apenas que a comunicação seja feita em “suporte duradouro”.
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2021, proc. n.º 173/21.9T8ENT-A.E1, relator Manuel Bargado, consultável em www.dgsi.pt., «As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal».
Essencial, diremos nós, é que as declarações de integração dos devedores no PERSI e a extinção deste Plano, quando é o caso, ainda que formalizadas em carta simples (como sucedeu no caso presente) cheguem ao poder dos devedores ou se tornem deles conhecidas.
Ou seja, estamos, sem dúvida, perante comunicações que, para produzirem os efeitos respectivos, têm de chegar ao poder ou ser conhecidas pelo(s) cliente(s) bancário(s) que está(ão) em situação de incumprimento do(s) contrato(s) de crédito. Dito de outro modo, estamos perante declarações receptícias (artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil), o que significa que tem de ser feita a prova não só da sua existência mas também do seu envio aos devedores e recepção por estes, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito porquanto se trata de condição indispensável para o exercício do direito (de crédito) que pretende fazer valer (...)».
No Ac. da R.E. de 15.09.2022, Proc. n.º 181/19.0T8ENT.E1 (Cristina Dá Mesquita), in www.dgsi.pt, afirma-se:
«(...) se o legislador exige uma determinada forma para as comunicações em causa nos autos, de forma a que se possa fazer prova das mesmas, a prova quer da existência das referidas declarações quer do seu envio aos devedores não pode ser feita com o recurso a prova testemunhal, considerando o disposto nos artigos 364.º, n.º 2 e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil, aplicáveis por analogia. A menos que, diremos nós, o facto a provar esteja já tornado verosímil por um começo de prova escrita. Ou seja, existindo nos autos prova documental suscetível de permitir ao julgador convencer-se da verificação dos factos alegados, então será de admitir a produção de prova testemunhal. Com efeito, e como nos dá conta Luís Filipe de Sousa[4], a jurisprudência na esteira da construção doutrinária de Vaz Serra, vem admitindo expressamente três exceções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393.º, n.ºs 1 e 2 e 394.º do CC, a saber: (i) existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado; (ii) impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal; e (iii) ocorrência da impossibilidade de prevenir a perda, sem culpa, da prova escrita. In casu, o apelante sustenta que as cartas de integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI por ele juntas aos autos servem como princípio de prova do próprio envio das mesmas, posição que tem suporte na jurisprudência do Ac. RL de 05.01.2021, processo n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, relatora Conceição Saavedra, Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 e Ac. RE de 14-10-2021, proc. n.º 2915/18.0T8ENT.E1, relator Mário Coelho, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Na esteira da jurisprudência constante, nomeadamente, do Ac. RL de 21.05.2020 supra referido, e do Ac. RC de 15-12-2021, processo n.º 930/20.3T8ACB-A.C1, relator Luís Cravo, julgamos que esse princípio de prova escrita não pode consistir no próprio documento cuja existência, expedição para o(s) devedor(es) na data nele indicada e sua receção pelo(s) destinatário(s) estão a ser averiguados nos autos.
O que vale por dizer que as cartas de comunicação da integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI juntas pelo exequente aos autos não servem como princípio de prova do envio e receção pelos executados daquelas cartas».
Retornando ao caso concreto, estão juntas aos autos as missivas acima transcritas.
A existência dessas missivas não se confunde:
- nem com o seu envio;
- nem, muito menos, com a sua receção pelos executados.
Por conseguinte, não tendo a exequente, apelante, demonstrado a integração dos executados, aqui apelados, no PERSI, coisa que, aliás, deve ser feita no momento da instauração da execução, outra coisa não resta do que confirmar o acerto da decisão recorrida que, ante a verificação da exceção dilatória inominada e insuprível de preterição dos procedimentos do PERSI, mesmo após convite para o efeito, indeferiu o requerimento executivo.
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IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo da apelante – arts. 572.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.
Lisboa, 23 de setembro de 2025
José Capacete
Rute Alexandra da Silva Sabino Lopes
Alexandra de Castro Rocha
_____________________________________________ [3]Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., Almedina, 2017, pp. 298-299. [4]Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, p. 221.