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ACÇÃO ESPECIAL DE CONVOCAÇÃO JUDICIAL DE ASSEMBLEIA
PARTE PASSIVA
Sumário
Sumário: (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil) O processo de jurisdição voluntário de convocação judicial de assembleia geral, previsto e regulado no artigo 1057º do Código de Processo Civil, não é dirigido contra ninguém, pelo que a petição inicial pode ser dirigida apenas ao tribunal, sem indicação de qualquer Requerido.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
A “Associação Humanitária de Bombeiros de Parede “A..D…” intentou a presente acção de jurisdição voluntária, requerendo a convocação judicial de assembleia geral de sócios da própria Requerente, ao abrigo do art. 1057º do Cód. Proc. Civil, em petição inicial com o seguinte teor: “Associação Humanitária de Bombeiros de Parede “A…D…” (…), foi convidada a pedir autorização como condição de prosseguimento da ação .../19, a correr na Instância Central J 4., e, por não o ter feito, no prazo determinado a provar que o fizera, sabendo-se que não, foi então absolvida da instância, pelo que vem a Requerente, nos termos do artigo 278 e do artigo 279 ambos do C P C, independentemente de fazer seguir as inconstitucionalidades que arguiu perante o não conhecimento do recurso de Revista, e, a título subsidiário admitindo a hipótese de a ação .../19, estar sujeita a autorização, questão que ainda não transitou em julgado, e que poderá transitar, quer pelo decurso do tempo sem nenhuma ação, quer por surgir a autorização dependente de deliberação da Assembleia Geral, a inutilizar a utilidade da continuação da lide, nessa ação 387/19, em termos de a lide dispensar autorização, vem requerer a convocação da Assembleia Geral da Requerente, e fá-lo por apenso ao processo .../20, nos termos do artigo 267 nº 1 do Código de Processo Civil, a correr na Instância Central J 3, porquanto a não valer a ação 387/19, serão os Réus nela demandados terão nela a qualidade de litisconsortes, que devem integrar ou substituir os demandados e chamados na aqui, referida e identificada ação principal, também aqui identificada, com o número .../20, a correr na Instância Central J 3, como assim parece à demandante, e, caso assim se não entenda virá a propor no prazo legal a ação de que porventura dependerá este requerimento de Convocação da Assembleia Geral da Requerente, para os fins que constam do seu articulado, nos termos e com os fundamentos seguintes, e, olhando previamente os factos notórios constantes do Registo Comercial: 1. O primeiro registo provisório por natureza foi o registo por Inscrição registado pela Inscrição 7. 2. Nele pede-se a prorrogação do prazo do prazo de vigência da presidência do conselho de administração registada em AV 2 à Inscrição 6, e, Inscrito a título definitivo garantido pela presunção do artigo 11 do Código do Registo Comercial que nunca ninguém ilidiu, ou se propôs ilidir .., 3. Todos os outros registos provisórios por natureza são-no, obviamente, por dependência do primeiro registo provisório por natureza – o da Inscrição 7 – por força do artigo 64 do Código do Registo Comercial e suas respetivas alíneas. 4. Tanto bastará para interpretar os factos inscritos na certidão do Registo Comercial, seja ela a permanente, que vai sempre sendo atualizada… 5. Seja ela a que V. Exa. possa obter, não permanente, e que se esgota na data em que foi emitida. Posto isto, 6. O membro registado pela Inscrição 6, no Averbamento 2, devidamente publicitado, encontra-se impedido por sucessivos e ilegais registos provisórios por natureza, de pretensos membros de órgão sociais, eleitos com oposição da ora requerente. Pelo que, 7. E assim, tem fundamento para, como lhe é imposto, sob pena de ter de suportar das consequências da não observância da convocação da assembleia com o fim de se pronunciar sobre a autorização da ação levada a cabo, e da que pretende levar a cabo, nos prazos sequentes à absolvição da Instância, requerer como aqui requer, nos termos do artigo 1057 do C P C, a convocação da assembleia geral de associados da Associação Humanitária de Bombeiros de Parede “A…D…”, com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto 1 – Perda da qualidade de associados por terem estado, de acordo com os registos contabilísticos, por mais de treze meses consecutivos, sem efetuarem os pagamentos das quotas de associados. Ponto 2 - Autorização para a proposição e prosseguimento de uma ação judicial com fundamentos idênticos aos contra eles movida, com o número .../19, a correr na Instância Central Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste. 8. Tendo em consideração os factos alinhados de 1 a 6, e sendo neste momento o único membro da administração a ouvir, o aqui constante da Inscrição 6, no Averbamento 2, AA, requer a V. Exa., por apenso como requerido, ou não, conforme outra coisa for entendido (artigo 193 nº 3 de Código de Processo Civil - CPC) se digne ordenar a Convocação da Assembleia Geral da Requerente, e, designar para presidente da mesa da assembleia geral a Senhora Chefe de Serviços e de Tesouraria, BB, por estar dentro dos registos contabilísticos, ou a sua substituta CC, ou ainda o Bombeiro de primeira DD, que se tem mostrado dentro dos assuntos, escolhendo estes quem os secretariar, ou, para a referida presidência da Mesa da Assembleia Geral, outro qualquer nome a indicar pelo Tribunal. 9. A eventual apensação de um processo especial -, onde se formula um pedido caracterizador da especialidade, que se poderia formular na própria ação, como a de se requerer se ordene uma convocação de assembleia geral - a uma ação ou processo comum, não implica que haja perda de autonomia das ações. 10. A Requerente tem direito isenção de custas bem como, no processo a cuja apensação se requer, a apoio judiciário, na forma de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, bem como a obter agente de execução Termos em que requer a V. Exa. se digne ordenar a convocação da Assembleia Geral e em que junta a certidão permanente da Requerente, seja por apenso ou em termos a determinar consoante o disposto no artigo 193 nº 3 do C P C”
Em 04/11/2024, foi proferido despacho com o seguinte teor (Referência Citius nº 153896732): “Conforme se assinalou em sede de decisão anterior, os presentes autos são configurados como uma acção especial de convocação judicial de assembleia geral, enquadrada nas acções especiais referente ao exercício de direitos sociais, e cujo regime processual encontra previsão nos artigos 1057º e ss do Código de Processo Civil. Como regra geral, é dotado de legitimidade activa para este processo especial qualquer "interessado" na realização da assembleia geral. Será, para estes efeitos, considerado “interessado”. quem tiver o direito (ou o dever) de requerer a convocação extrajudicial da assembleia. Os presentes autos são intentados pela Associação Humanitária de Bombeiros de Parede A…D… contra a Assembleia Geral Associação Humanitária de Bombeiros de Parede A…D…. Considerando que a assembleia geral de uma associação não é dotada de personalidade judiciária, e podendo não estar verificada um dos pressupostos processuais para prosseguimento da presente acção, convida-se o Autor para, no prazo de 10 dias, querendo, pronunciar-se - art. 3º/3 do Código de Processo Civil.”
A Requerente pronunciou-se nos termos constantes do requerimento de 07/11/2024 (Referência Citius nº 26688964).
O tribunal a quo proferiu decisão em 24/01/2025, com o seguinte teor (Referência Citius nº 155184960): “Nos termos do despacho que antecede, o Tribunal convidou a requerente para se pronunciar sobre a eventual verificação da falta de personalidade judiciária da requerida Assembleia Geral Associação Humanitária de Bombeiros de Parede A…D…. A Requerente pronunciou-se nos termos que antecedem. Cumpre apreciar. As associações são pessoas colectivas. A assembleia geral de uma associação pode definir-se como um órgão representativo da vontade dos associados, incluindo na sua composição o universo pessoal correspondente ao substrato da pessoa colectiva, estando a sua competência fixada no art. 172º nº 2 do Código Civil. O nº2 do artigo 11º do Código de Processo Civil consagra o princípio da equiparação ou da coincidência, segundo o qual, tem personalidade judiciária quem tiver igualmente personalidade jurídica. A Ré, sendo, portanto, um órgão de pessoa colectiva, não tem personalidade jurídica. No entanto, a regra do art. 11º/2 do CPC comporta excepções, previstas nos artigos 12º e 13º do Código de Processo Civil, os quais permitem a extensão da personalidade judiciária a entidades que, por carecerem de personalidade jurídica, também não possuiriam personalidade judiciária. Não obstante, a Ré, sendo a assembleia geral de uma associação, não é nem uma pessoa singular, nem uma pessoa colectiva, nem tão pouco se enquadra na previsão dos aludidos artigos 12º e 13º do CPC. Como tal, não pode figurar como parte na presente acção, por não ter personalidade judiciária. A falta de personalidade judiciária constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição do réu da instância, cf. artigo 576.º, n.º 1 e n.º 2, artigo 577.º, alínea c) e artigo 578.º, e artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do Código do Processo Civil. Ocorrendo uma excepção dilatória insuprível, e uma vez que não houve lugar à citação da requerida para os termos da causa, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 590.º, do Código do Processo Civil, importa indeferir liminarmente a petição inicial. Valor da causa - €30.000,01 (artigos 303º, nº1 e 306º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Registe e notifique.”
Inconformada, a Autora recorre desta decisão, requerendo a sua revogação. Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1 As competências das assembleias gerais estão reguladas no artigo 172 do Código Civil. 2 E o nº 2 do preceito estipula literalmente o seguinte: “são necessariamente da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.” 3 Dito de outro modo, bem persuasivos, as Assembleias Gerais têm competências que são verdadeiros poderes… 4 São, ao fim e ao cabo, e, sem sombra de dúvidas, um órgão das associações cuja estrutura de órgãos se encontra regulada no artigo 162 do Código Civil. 5 Estipula o artigo 15 nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) que “a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de estar por si em juízo” e a norma a extrair identifica-se com a letra do preceito. 6 Rege o artigo 15 nº 2 CPC que “a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade de exercício de direitos” e a norma a extrair é a de que temos de nos pautar pela questão de saber se as assembleias gerais exercem, ou não, determinados direitos porque quanto a esses exercícios de direitos - e, quando respondemos com clareza que sim então… - temos de nos conformar com a circunstância de que têm na mesma medida capacidade judiciária. 7 Ora – como transcrevemos supra – compete à assembleia geral exercitar o direito à destituição de titulares, a autorizar a associação para demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo, e, então isso de exercitar esses direitos não consubstancia a capacidade para tanto?! 8 Entendemos seguramente que sim… mas é a V. Exas. que compete decidir.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil).
Assim, o objecto deste recurso consiste na apreciação da seguinte questão:
- se se verifica a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da “Requerida Assembleia Geral” da Requerente, como entendeu o tribunal recorrido.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam para a presente decisão as ocorrências fáctico-processuais que constam da parte I-Relatório desta decisão, que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A decisão recorrida julgou verificada a excepção dilatória de “falta de personalidade judiciária da requerida Assembleia Geral Associação Humanitária de Bombeiros de Parede A…D…”, discordando a apelante de tal entendimento.
Apreciemos.
Como resulta da petição inicial e, inclusive, foi reconhecido no despacho proferido em 25/09/2024, a presente acção consubstancia um processo de jurisdição voluntário [cuja regulamentação geral consta dos arts. 986º e ss do Cód. Proc. Civil] de convocação judicial de assembleia geral, previsto e regulado no art. 1057º do Cód. Proc. Civil, com o seguinte teor:
“1. Se a convocação de assembleia geral puder efectuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requer ao juiz a convocação. 2. Junto o título constitutivo da sociedade, o juiz, dentro de 10 dias, procede às averiguações necessárias, ouvindo a administração da sociedade, quando o julgue conveniente, e decide. 3. Se deferir o pedido, designará a pessoa que há-de exercer a função de presidente e ordenará as diligências indispensáveis à realização da assembleia. 4. A função de presidente só deixará de ser cometida a um sócio da sociedade quando a lei o determine ou quando razões ponderosas aconselhem a designação de um estranho; neste caso, será escolhida pessoa de reconhecida idoneidade.”
A propósito deste processo, esclarece João Labareda, in “Notícia sobre os processos destinados ao exercício de direitos sociais”, publicado na Revista “Direito e Justiça”, Vol. XIII, 1999, Tomo 1, p. 43-111 (pese embora se reporte ao art. 1486º do Cód. Proc. Civil, mantém toda a pertinência no caso dada a similitude da letra e do espírito daquela norma com o actual art. 1057º do Cód. Proc. Civil): “(…) Quando se verifiquem os requisitos da convocação judicial, o interessado requerê-la-á. Então, feita a junção do título constitutivo da sociedade, o juiz procede às diligências que repute necessárias ao esclarecimento da factualidade pertinente e, logo decidirá. Esclarece a lei que ao tribunal assiste a faculdade - mas não o dever – de ouvir a administração da sociedade, se isso lhe parecer conveniente às circunstâncias do caso. De realçar é o facto de este processo não ser dirigido contra ninguém, nem mesmo contra quem se tenha recusado a efectuar a convocação, devendo fazê-la, ou sequer, se for esse o caso, contra quem tenha impedido a realização ou funcionamento da assembleia. A decisão, quando ordene a convocação, comportará três partes distintas, embora complementares: o deferimento do pedido propriamente dito, a designação de quem há-de exercer a função de presidente da mesa - que será normalmente um dos sócios, salvo quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 3 do art. 1486º - e a promoção das diligências que se mostrem indispensáveis a que a assembleia se realize e funcione.” (p. 86, com sublinhado nosso).
De igual forma, também Teresa Anselmo Vaz, a p. 186 e nota 56 da sua obra “Contencioso Societário”, Livraria Petrony, realça esta particularidade deste processo: o próprio requerimento de convocação judicial pode ser dirigido apenas ao tribunal, ou seja, sem indicação de quaisquer Requeridos, e “nem a sociedade ou qualquer órgão desta, são citados para contestar”, estabelecendo o preceito “apenas que o juiz ouça a administração da sociedade, mas subordinando tal audição a um critério de pura conveniência” (pese embora a Autora também se reporte ao art. 1486º do Cód. Proc. Civil, os seus esclarecimentos mantêm toda a pertinência no caso dada a similitude da letra e do espírito daquela norma com o actual art. 1057º do Cód. Proc. Civil, como já se referiu).
Aqui chegados, debrucemo-nos sobre a petição inicial dos autos.
Tem sido ajuizado pela jurisprudência que, na interpretação das peças processuais - articulados e decisões judiciais - são aplicáveis, por força do disposto no art. 295º do Cód. Civil, os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236º, nº 1 do mesmo diploma, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes da peça processual, para o que se deve ainda lançar mão do princípio, aplicável aos negócios formais, do mínimo de correspondência verbal, isto é, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – cfr. art. 238º, nº 1 do Cód. Civil.
Ora, de acordo com as regras de interpretação acima enunciadas, não podemos deixar de reconhecer que, lida a petição inicial, não resulta da mesma que a “Assembleia Geral” da Requerente seja demandada como Requerida/Ré. Daquele articulado apenas emerge que o mesmo é dirigido ao tribunal, sendo peticionada “a convocação da Assembleia Geral”, pelos fundamentos de factos aí invocados.
Assim sendo, ou seja, não revestindo a Assembleia Geral da Requerente a posição jurídica de demandada/Requerida/Ré, não ocorre a excepção de falta de personalidade judiciária desta, ao contrário do que entendimento do tribunal a quo.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, procede a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida, prosseguindo os autos os seus trâmites nos termos do disposto no nº 2 do art. 1057º do Cód. Proc. Civil.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação procedente, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, prosseguindo os autos os seus trâmites nos termos do disposto no nº 2 do art. 1057º do Cód. Proc. Civil.
Sem custas.
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Lisboa, 23 de Setembro de 2025
Cristina Silva Maximiano
Carlos Oliveira
Ana Rodrigues da Silva