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PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ENTREGA
LOCAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INSOLVÊNCIA DA LOCATÁRIA
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da relatora - art. 663º/7 CPC): A declaração de insolvência da locatária, depois de operada a resolução dos contratos de locação por incumprimento daquela, não obsta ao prosseguimento dos autos de procedimento cautelar destinado à entrega dos bens objecto da locação, os quais não integram a massa insolvente, por serem da propriedade do locador.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
TRATON MOBILITY SERVICES PORTUGAL, S.A. intentou a presente providência cautelar não especificada contra TRACOCER, LDA., pedindo a apreensão e entrega imediata à requerente dos veículos automóveis de transporte de mercadorias, marca SCANIA, melhor identificados na petição inicial, porquanto, tendo procedido à resolução dos contratos de aluguer celebrado com a Requerida, por falta de pagamento das prestações ajustadas, as respetivas viaturas não foram devolvidas, o que provoca uma lesão grave e irreparável do direito da Requerente.
A Requerida deduziu oposição, invocando que a sua declaração de insolvência constitui uma excepção peremptória que conduz à sua absolvição do pedido.
Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente, por provado e, em consequência, determino se proceda à imediata apreensão policial e entrega à requerente dos veículos automóveis de transporte de mercadorias da marca SCANIA, melhor identificados no ponto 2) dos factos provados, bem como das respetivas chaves e documentos. Fiel depositário: o indicado pela Requerente. Condeno a requerida nas custas deste procedimento cautelar, nos termos mencionados no artigo 539.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”
Inconformada com a decisão, veio a requerida dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
A. A Requerente interpôs a presente Providência Cautelar, com vista à apreensão das viaturas dadas de aluguer à Requerida.
B. A Requerida deduziu oposição invocando o douto acórdão do STJ no processo 785/09.9 TTFAR.E1.S1, o qual vem fixar jurisprudência no sentido de que toda e qualquer ação movida contra a insolvente, deverá ser extinta por inutulidade superveniente da lide.
C. Invocou ainda que a Requerida acordou com a Requerente que iria comprar e liquidar as 33 viaturas, pelo valor nominal de € 15.000,00, acrescido de IVA, cada uma, ou seja num total de € 495.000,00.
D. Liquidando todas as semanas duas viaturas.
E. O que até já aconteceu com duas viaturas, sem que a Requerente desse conhecimento desse facto aos autos.
F. Ou seja, foi dada ordem de apreensão de viaturas que estão liquidadas.
G. Foi, aliás, dada ordem de apreensão de todas as viaturas, no dia seguinte à prolação da sentença, sem que a mesma tenha transitado em julgado.
H. O tribunal a quo, andou mal quando não teve em conta o douto acórdão do STJ, supra referido, devendo ser revogada a sentença do tribunal a quo, ordenando-se a extinção da instância, nos termos do art. 277.º, alínea e) do CPC, por inutilidade superveniente da lide, cfr. douto acórdão do STJ no processo 785/09.9 TTFAR.E1.S1
Conclui a recorrente que deve o recurso ser julgado procedente.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir:
- efeito da declaração de insolvência da requerida/apelante no procedimento cautelar;
- verificação dos pressupostos da providência cautelar requerida.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Factos provados
O tribunal de 1ª instância julgou indiciariamente provados os seguintes factos [transcrição]:
1. A Requerente exerce a atividade de “Transportes rodoviários públicos ocasionais de mercadorias nacionais e internacionais. Aluguer de veículos sem condutor. Comercialização e distribuição de veículos automóveis, peças e acessórios e a prestação de serviços de manutenção e reparação dos produtos do seu objecto.”
2. No exercício da sua atividade a Requerente celebrou com a Requerida, entre outros, nove (9) Contratos de Aluguer de Veículo Automóvel de Mercadorias Sem Condutor – Contrato de Locação Operacional n.ºs R.--959, R.--960, R.--961, R.--962, R.--963, R.--.964, R.--965, R.--966 e R.--979, que têm por objeto veículos automóveis pesados de mercadorias, conforme se discrimina de seguida:
a) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - contrato de Locação Operacional N.º R.--959, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: quatro (4) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…012, matrícula ..-RL-..;
- chassis nº YS2R4X…950, matrícula ..-RL-..;
- chassis nº YS2R4X…946, matrícula ..-RL-..;
- chassis nº YS2R4X…940, matrícula ..-RL-...
b) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--960, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: quatro (4) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…495, matrícula ..-RP-..;
- chassis nº YS2R4X…359, matrícula ..-RP-..;
- chassis nº YS2R4X…362, matrícula ..-RP-..;
- chassis nº YS2R4X…364, matrícula ..-RP-...
c) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--961, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: dois (2) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…648, matrícula ..-RR-..;
- chassis nº YS2R4X…640, matrícula ....
d) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--962, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: cinco (5) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…773, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…868, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…911, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…851, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…832, matrícula ....
e) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--963, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: quatro (4) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…450, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…431, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…015, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…991, matrícula ..-SZ-...
f) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--964, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: quatro (4) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…754, matrícula ..-TD-..;
- chassis nº YS2R4X…743, matrícula ..-TD-..;
- chassis nº YS2R4X…664, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…654, matrícula ....
g) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--965, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: quatro (4) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…136, matrícula ..-TL-..;
- chassis nº YS2R4X…006, matrícula ...;
- chassis nº YS2R4X…994, matrícula ..-TL-..;
- chassis nº YS2R4X…339, matrícula ..-TL-...
h) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--966, celebrado em 21/12/2023:
• Objeto: três (3) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…330, matrícula ..-TO-..;
- chassis nº YS2R4X…501, matrícula ..-TO-..;
- chassis nº YS2R4X…436, matrícula ....
i) Contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional N.º R.--979, celebrado em 19/01/2024:
• Objeto: cinco (5) veículos automóveis pesados de transporte de mercadorias, marca SCANIA:
- chassis nº YS2R4X…857, matrícula ..-VV-..;
- chassis nº YS2R4X…805, matrícula ..-VV-..;
- chassis nº YS2R4X…841, matrícula ..-VV-..;
- chassis nº YS2R4X…987, matrícula ..-VV-..;
- chassis nº YS2R4X…047, matrícula ..-VV-...
3. Por força dos nove (9) Contratos de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor - Contrato de Locação Operacional, a Requerente obrigou-se a dar de aluguer à Requerida os veículos automóveis pesados de mercadorias da Marca Scania, supra melhor identificados.
4. Cumprindo tal obrigação, nas datas acordadas, a Requerente procedeu à entrega dos veículos automóveis, supra identificados, à Requerida, que os passou a utilizar em seu único e exclusivo benefício.
5. Com a assinatura dos Contratos a Requerida obrigou-se a cumprir integralmente os respetivos clausulados, designadamente, a pagar à Requerente o valor das rendas mensais, nos termos e condições estabelecidos naqueles Contratos.
6. No âmbito dos Contratos supra identificados ficou acordado o pagamento de rendas mensais, através de débito direto em conta conforme condições contratuais acordadas.
7. Sucede que, a Requerida deixou de pagar as rendas conforme se obrigou no âmbito dos Contratos celebrados entre as partes.
8. Assim em, 20/12/2023, a Requerente e a Requerida celebraram “Confissão de Dívida com Aval e Plano de Pagamento nº F90104”.
9. No âmbito daquela “Confissão de Dívida com Aval e Plano de Pagamento nº F90104”, a Requerida confessou-se devedora à Requerente “da quantia de 1.316.212,01 Euros (um milhão, trezentos e dezasseis mil, duzentos e doze Euros e um cêntimo), relativo aos valores vencidos de rendas mensais entre o período de janeiro 2021 a novembro de 2023 e valores vincendos entre dezembro 2023 a março 2024, despesas e juros dos contratos de aluguer operacional celebrados entre as partes, conforme descrito no ANEXO I.”
10. Mais tendo acordado que, o pagamento daquela quantia seria efetuado em “48 prestações no valor de 27.421,08 €/cada, com início em 27/01/2024 e termo em 27/12/2027.”
11. Das prestações acordadas, à data de 15/04/2025, no âmbito da “Confissão de Dívida com Aval e Plano de Pagamento nº F90104”, a Requerida pagou, apenas, o valor global de 210.312,19 Euros (7 x 27.421,08 Euros + 18.364,63 Euros (parte da 8ª prestação).
12. Assim, e respeitante à “Confissão de Dívida com Aval e Plano de Pagamento nº F90104” a Requerente é credora da Requerida no valor global de 1.105.899,82 Euros (1.316.212,01 Euros – 210.312,19 Euros).
13. Ao supra descrito acresce que, no mês de março de 2024 a Requerente reiniciou o processamento das rendas que se venceram, e que já não estavam abrangidas pelo acordado na “Confissão de Dívida com Aval e Plano de Pagamento nº F90104”.
14. Assim, desde março de 2024 até à data de 15/04/2025, a título de rendas vencidas e não pagas, despesas de devolução e outros encargos contratualmente estabelecidos, a Requerida deve à Requerente a quantia de 332.226,96 Euros.
15. Até ao momento, não obstante as diversas negociações/conversações havidas, a Requerida não pagou, os valores em dívida e supra identificados, que na data de 15/04/2025, ascendiam ao montante global de 1.428.126,78 Euros (um milhão quatrocentos e vinte e oito mil cento e vinte e seis Euros e setenta e oito cêntimos) (1.105.899,82 Euros + 332.226,96 Euros).
16. A Requerida não pagou a quantia em dívida nem procedeu à entrega dos veículos automóveis.
17. A Requerente é a única e exclusiva proprietária dos veículos automóveis.
18. Até à presente data e, apesar de diversas solicitações, a Requerida não pagou mais nenhuma renda, acordada no âmbito dos supra identificados Contratos de Aluguer.
19. Face ao incumprimento a Requerente interpelou a Requerida e os seus Fiadores, através de cartas registadas com aviso de receção, datadas de 19/08/2024, notificando-os para procederem ao pagamento das rendas em falta.
20. As cartas foram todas recebidas.
21. Porém, apesar de todas e diversas solicitações, telefónicas e escritas, efetuadas pela Requerente, a Requerida continua em incumprimento, no pagamento das rendas e compromissos contratualmente assumidos.
22. Pelo que a Requerente procedeu à resolução dos Contratos de Aluguer, através de cartas registadas com aviso de receção enviadas à Requerida e aos seus Fiadores, com data de 12/12/2024.
23. As cartas de resolução enviadas para os Fiadores foram recebidas, contudo a remetida à Requerida veio devolvida com indicação de “Mudou-se”.
24. Assim, a Requerente voltou a enviar à Requerida, em .../.../2025, nova carta de interpelação para pagamento, que foi devidamente recebida.
25. Bem como, enviou à Requerida nova carta de Resolução dos contratos, em 11/02/2025, que foi devidamente recebida.
26. Todas as cartas supra referidas foram remetidas para as moradas indicadas pela Requerida.
27. As partes acordaram na Cláusula 12.ª (Resolução do contrato) das Condições Gerais dos Contratos de Aluguer que: “1. O incumprimento, pelo LOCATÁRIO, de quaisquer obrigações legais ou contratuais confere à SCANRENT a possibilidade de resolução do presente contrato, mediante carta registada dirigida ao LOCATÁRIO, e de pedir a apreensão imediata do veículo, sem qualquer aviso prévio, sendo todos os encargos daí emergentes da responsabilidade do LOCATÁRIO. 2. Sem prejuízo dos demais casos de resolução decorrentes da lei, a SCANRENT poderá resolver o contrato, com efeitos imediatos, nomeadamente nos seguintes casos: a) Não cumprimento, no prazo estabelecido, das obrigações de pagamento de qualquer que seja o valor decorrente do presente contrato; (…) i) Incumprimento de qualquer uma das demais obrigações do LOCATÁRIO se este, interpelado para o efeito, não suprir a sua falta no prazo de cinco dias. 3. Em qualquer dos casos estipulados no número anterior, a SCANRENT poderá resolver o contrato sem qualquer formalidade judicial, tomando, de imediato, posse do veículo alugado.”
28. As partes acordaram na Cláusula 29.ª (Comunicações entre as partes) das Condições Gerais dos Contratos de Aluguer que: “As notificações ou comunicações entre a SCANRENT, LOCATÁRIO E FIADOR serão consideradas válidas e eficazes se forem efetuadas para as respetivas sedes sociais ou domicílios, tal como identificados neste Contrato ou que, posteriormente, sejam informados, por carta registada com aviso de receção às demais partes.”
29. Não obstante as diligências e insistência da Requerente para o efeito, a Requerida não procedeu, por si ou por interposta pessoa, à restituição dos veículos automóveis.
30. Não tendo devolvido os veículos automóveis, a Requerida indicia não ter a intenção de o fazer, mas sim de os manter na sua posse e fruição, sem qualquer título legítimo, o que inevitavelmente provocará, atenta a natureza dos bens, a respetiva desvalorização, resultante do decurso do tempo e desgaste pelo uso.
31. A Requerida, ao constituir-se mera detentora dos veículos automóveis cria as condições para deixar de ser diligente na respetiva utilização, não os sujeitando, nomeadamente, à assistência técnica prevista, necessária e exigível, ainda que por intermédio da Requerente, conforme estava obrigada por força, designadamente, do disposto na cláusula 15.ª das Condições Gerais dos Contratos em apreço.
32. A Requerida pode mesmo deixar de pagar os prémios de seguro, por força e nos termos do disposto na cláusula 9.ª das Condições Gerais.
33. Ademais, a Requerida continua a utilizar os veículos automóveis em proveito próprio sem proceder, no entanto, ao pagamento de qualquer quantia à Requerente.
34. A utilização e o decurso do tempo contribuem para a depreciação do valor dos veículos automóveis.
35. O descrito supra constitui impedimento para a Requerente promover contactos com interessados na futura aquisição dos veículos, bem como de dispor daqueles e de lhe dar um adequado uso/fim.
36. A Requerida foi declarada insolvente no âmbito de Processo Judicial que se encontra a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 1 – Proc. .../23
37. No âmbito daquele Processo de Insolvência a Requerida apresentou Plano de Insolvência que se encontra em fase de apreciação pelos credores.
*
III.2. Apreciação jurídica
Na oposição à presente providência cautelar intentada contra si com vista à apreensão e entrega dos veículos automóveis de mercadorias que lhe foram dadas de aluguer mediante o contrato de locação firmado com a requerente/locadora, a requerida/locatária e ora apelante invocou, a título de excepção, a sua declaração de insolvência (por ter sido decretada a sua insolvência no dia 23/05/2024, pelo Juízo de Comércio de Lisboa- Juiz 1, no processo nº .../23), pugnando pela sua absolvição do pedido.
O tribunal a quo julgou procedente a providência e consequentemente determinou que se procedesse “à imediata apreensão policial e entrega à requerente dos veículos automóveis de transporte de mercadorias da marca SCANIA, melhor identificados no ponto 2) dos factos provados, bem como das respetivas chaves e documentos.”
No que concerne à excepção invocada pela requerida, pode ler-se na sentença o seguinte: «Os presentes autos têm por objecto nove (9) Contratos de Aluguer de Veículo Automóvel de Mercadorias Sem Condutor – Contrato de Locação Operacional celebrados entre a Requerente e a Requerida. No âmbito daqueles contratos a Requerente alugou à Requerida diversos veículos automóveis de transporte de mercadorias da marca SCANIA cuja apreensão é requerida, em consequência do incumprimento contratual da Requerida, que levou à posterior resolução dos Contratos. Ora, os veículos automóveis são, indiscutivelmente, propriedade da Requerente, apesar de continuarem em poder da Requerida, que deixou de possuir qualquer título legítimo para se manter no gozo dos mesmos. Ora, como bem salientou a Requerente, os presentes autos não visam acautelar qualquer crédito da mesma sobre a Requerida. Não se pretende, igualmente, a obtenção de qualquer providência de tutela judicial que possa contender com bens e ou direitos apreendidos para a massa insolvente. Assim, é manifesto que a declaração de insolvência da Requerida não constitui qualquer causa de extinção da presente instância, designadamente por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, como parece sugerir aquela: a instância cautelar, atenta a sua finalidade, continua a manter na íntegra o respetivo conteúdo útil, não obstante a insolvência da Requerida (sobre esta matéria, embora a propósito da providência de entrega judicial intentada ao abrigo do art. 21.º DL n.º 149/95, de 24 de julho, mas que vale, por argumento de identidade de razão, para o caso dos autos, cf. Acs. da RG de 29/10/2013, proc. 5766/13.5TBBRG.G, da RC de 04/04/2017, proc. 2534/16.6T8LRA.C1, da RL de 05/12/2024, proc. 13796/23.2T8SNT.L1-6, e da RE de 3.5.2007, proc. 813/07-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt) Improcede, pois, o fundamento de defesa oposto ao procedimento cautelar.»
(sublinhado nosso)
No recurso sustenta a apelante que deduziu oposição à providência, invocando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 785/09.9 TTFAR.E1.S1, o qual fixou jurisprudência no sentido de que toda e qualquer ação movida contra a insolvente deverá ser extinta por inutilidade superveniente da lide.
Contra posiciona-se a apelada, considerando que a declaração de insolvência da apelante não impossibilita o efeito útil normal da presente providência cautelar, nem importa a inutilidade superveniente da lide.
Aduz, para tanto, que:
- a apreensão dos veículos foi requerida em consequência do incumprimento contratual definitivo da recorrente que levou à posterior resolução dos contratos pela recorrida, sendo tais veículos automóveis, da propriedade única e exclusiva da recorrida;
- apesar da resolução contratual operada pela recorrida, os veículos automóveis continuam na posse da recorrente que, até ao momento, se tem recusado a proceder à respetiva entrega.
- os presentes autos de providência cautelar não visam acautelar qualquer crédito sobre a Recorrente; para isso serve o processo de insolvência onde a Recorrida já reclamou os seus créditos.
- os referidos veículos automóveis não foram apreendidos para a massa insolvente, nem tinham de ser, porque não pertencem à insolvente.
- a decisão a proferir no âmbito dos presentes autos não irá de forma alguma influenciar a composição da massa insolvente.
O objecto do presente recurso cinge-se, no essencial, à questão do efeito da declaração de insolvência da requerida/apelante no procedimento cautelar.
Como resulta da factualidade provada, a requerida foi declarada insolvente em 23/5/24, no âmbito de processo do Proc. nº .../23 do Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 1 (facto 38).
Mais resulta do acervo indiciariamente dado como assente que:
- No exercício da sua atividade, a requerente celebrou com a requerida, nove contratos de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor (identificados no facto 2), que têm por objecto veículos automóveis pesados de mercadorias;
- No âmbito de tais contratos ficou acordado o pagamento de rendas mensais;
- A Requerida deixou de pagar as rendas e mantendo-se o incumprimento, a requerente procedeu à resolução dos contratos, através de cartas registadas datadas de 12/12/24 e 3/2/25, que foram recebidas.
- Não tendo devolvido os veículos automóveis, a requerida indicia não ter a intenção de o fazer, mas sim de os manter na sua posse e fruição, sem qualquer título legítimo, o que provocará, atenta a natureza dos bens, a respetiva desvalorização, resultante do decurso do tempo e desgaste pelo uso.
Extrai-se do apurado que a resolução dos contratos de locação por parte da locadora/ora apelada, derivada do incumprimento do pagamento das rendas, ocorreu antes da declaração de insolvência da locatária/ora apelante.
No âmbito do processo de insolvência pode a locadora, como já fez, reclamar o crédito das rendas.
Quanto aos veículos objecto dos contratos de locação, não foram nem podiam ser apreendidos naquele processo, porquanto não pertencem à apelante, sendo da exclusiva propriedade da apelada.
Donde, não ocorre qualquer inutilidade da presente lide, cuja finalidade é a entrega dos veículos à apelada.
Por outras palavras, ao contrário do que defende a recorrente, a declaração da sua insolvência não impede ou torna inútil o procedimento cautelar para entrega dos referidos veículos, que estão ilegitimamente (face à resolução dos contratos) na posse da apelante.
Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos, acessíveis em www.dgsi.pt, cujos sumários se transcrevem:
- acórdão do TRE de 3/5/2007, P. 813/07-2, relator Mata Ribeiro:
« I - O facto de o locatário financeiro ter sido declarado insolvente, não obsta a que contra ele seja instaurada e prossiga, providência cautelar de apreensão e entrega judicial do automóvel que vinha usando no âmbito de contrato de locação financeira e que deixou de cumprir.
II – O bem em causa - o veículo automóvel – não é um bem que integre ou possa vir integrar a massa falida e a providência solicitada não é uma acção executiva (art. 88º do CIRE).»
- acórdão do TRP de 27/9/2017, P. 2222/16.3T8VFR.P1, relatora Lina Baptista:
I - As providências cautelares, na falta de regime especial, regem-se pelas regras gerais dos art.º 30.º e ss. do C.P.Civil atinentes à legitimidade processual.
II - Assim, a legitimidade de Requerente e Requerida numa providência cautelar há-de aferir-se por referência aos titulares dos interesses jurídicos relevantes, quer no lado ativo (em demandar), quer no lado passivo (em contradizer).
III - Na providência cautelar de entrega judicial (art.º 21.º do D.L. n.º 149/95, de 24 de julho) os titulares do interesse juridicamente relevante são, pelo lado ativo, a locadora e, pelo lado passivo, a locatária.
IV - A declaração de insolvência do locatário não prejudica ou contende, por qualquer forma, com esta fixação da legitimidade pelo lado passivo, uma vez que os bens objeto da locação financeira não integram a massa insolvente.
- acórdão do TRC de 13/5/25, P. 734/24.4T8CLD.C1
relatora Maria Catarina Gonçalves:
I – A declaração de insolvência da locatária – sem que haja sequer indicio de que o bem locado tenha sido (ainda que indevidamente) apreendido para a massa – não obsta ao prosseguimento do procedimento cautelar que, com vista à entrega judicial do bem e ao abrigo do art.º 21.º do Dec. Lei n.º 149/95 de 24/06, foi instaurado, antes dessa declaração de insolvência, com fundamento na alegada cessação (por resolução) do contrato de locação financeira em momento anterior, tendo em conta que o bem em causa pertence ao locador e não se integra na massa insolvente.
II – O periculum in mora não é requisito nem pressuposto da providência cautelar de entrega judicial a que se reporta o citado art.º 21.º, não sendo, por isso, exigível a sua alegação e prova.
III – A declaração de resolução efectuada pelo locador mediante carta que, apesar de não ter sido recebida pelo locatário, foi expedida, não só para a morada que constava do contrato, mas também para a morada que correspondia à sua efectiva sede social – e que, nessa medida, não foi recebida por culpa do destinatário (locatário) – considera-se eficaz, nos termos previstos no art.º 224.º, n.º 2, do CC, operando os seus efeitos e determinando, por isso, a resolução e cessação do contrato.
IV – A antecipação do juízo sobre a causa principal nos termos previstos no n.º 7 do art.º 21.º do citado diploma pressupõe a existência nos autos de elementos que, superando a prova sumária e a probabilidade séria que, nos termos nos n.ºs 2 e 4, são bastantes para decretar a providência, sejam suficientes e idóneos para formar um juízo definitivo sobre o direito do locador à entrega do bem nos termos previstos no n.º 1 do citado art.º 21.º, situação que se tem como verificada quando os autos fornecem prova segura (sem necessidade de prova adicional) do contrato de locação, do seu incumprimento e das concretas circunstâncias em que foi efectuada a resolução do contrato por parte do locador, impondo-se apenas extrair as consequências jurídicas desses factos, ao nível, designadamente, da validade e eficácia da declaração resolutiva.
- acórdão do TRL de 5/12/24, P. 3796/23.2T8SNT.L1-6, relatora Cláudia Barata:
I - A declaração de insolvência da locatária não prejudica ou colide com os autos de providência cautelar de entrega a que alude o artigo 21º do Decreto Lei nº 149/95, de 24 de Junho, uma vez que os bens objecto da locação financeira não integram a massa insolvente, mas são antes propriedade do locador.
II – Tratando-se de bens móveis propriedade da Recorrida/Locadora e excluídos que estão dos bens a apreender como fazendo parte da massa insolvente, nada obsta ao decretamento da providência cautelar
III – A declaração de insolvência da locatária, depois de operada a resolução dos contratos de locação financeira por incumprimento da locatária, não obsta ao prosseguimento dos autos de procedimento cautelar de entrega.
IV – O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014 não se aplica aos autos de providência cautelar de entrega a que alude o artigo 21º do Decreto Lei nº 149/95, de 24 de Junho, uma vez que o objecto destes autos consiste na entrega de bens móveis – veículos - , e não ao reconhecimento de qualquer direito de crédito que a locadora tenha sobre a locatária.
V – Os requisitos da providência cautelar de entrega judicial são apenas e tão só os seguintes: a) a existência de um contrato de locação financeira; b) o termo do contrato quer por resolução, quer por decurso do prazo sem que o locatário tenha exercido o direito de compra do bem; c) a não restituição do bem pelo locatário ao locador; d) a probabilidade séria de existência do direito.
VI - O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria de verificação destes requisitos.
VII - O locador não necessita de alegar, nem de demonstrar, o justificado receio da sua lesão. Tal receio, como de resto entende a doutrina e a jurisprudência dominantes, é presumido (jure et de jure) por lei, independentemente do tipo de bem (móvel ou imóvel) em causa.
Perfilhamos esta linha jurisprudencial, segundo a qual a declaração de insolvência da locatária não prejudica ou colide com os autos de providência cautelar visando a entrega dos bens objecto do contrato de locação, uma vez que os bens objecto da locação não integram a massa insolvente (a qual só abrange os bens do devedor - art. 46º do CIRE), sendo da propriedade do locador, sendo ainda certo que a entrega do bem locado, que constitui a finalidade da providência não se confunde com o crédito das rendas (devendo este ser reclamado no processo de insolvência).
Resta frisar que não colhe o argumento da recorrente quanto a aplicação ao caso da jurisprudência firmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2013, proferido no processo nº 785/09.9TT.E1.S1, relator Melo Lima, assim sumariado (no ponto 1): “1. Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
Como vimos, na presente providência não se pretende o pagamento de qualquer quantia, mas apenas a entrega dos bens objecto da locação. Para além de que a declaração de insolvência é posterior à resolução dos contratos de locação. Donde, não é aqui aplicável o citado aresto.
Em face do exposto, é forçoso concluir que a declaração da insolvência da apelante não acarreta a inutilidade ou impossibilidade superveniente da presente lide, improcedendo o recurso neste ponto.
No mais, a recorrente não põe em crise os concretos pressupostos que determinaram a procedência da providência, ou seja, a existência do direito e o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave ou dificilmente reparável.
Seja como for, é manifesto que tais pressupostos se verificam no caso presente, tal como entendeu o tribunal recorrido, considerando, por um lado, a probabilidade séria da existência do direito (decorrente do incumprimento contratual por parte pela locatária, que deixou de pagar as prestações pecuniárias mensais a que estava obrigada, o que levou à resolução do contrato por parte do locador) e por outro, o periculum in mora (não tendo a apelada restituído os veículos, indicia não ter intenção de o fazer, mas sim de os manter na sua posse e fruição, sem título legítimo, com a consequente desvalorização e desgaste das viaturas e impossibilitando a locadora de dispor das mesmas na sua actividade comercial), o que conduz à procedência da providência nos termos em que foi requerida e decretada.
Destarte, não merecendo censura a análise jurídica da decisão recorrida, impõe-se a sua confirmação.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 23 de Setembro de 2025
Ana Mónica Mendonça Pavão
Ana Rodrigues da Silva
Carlos Oliveira