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APOIO JUDICIÁRIO
MODALIDADE DE PAGAMENTO FASEADO
CESSAÇÃO DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário
Sumário:1 O artigo 13º, n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto deve ser interpretado em conformidade com a unidade do sistema jurídico e com a finalidade do mecanismo da protecção jurídica, enquanto instrumento de garantia do acesso ao direito e aos tribunais, não podendo ser exigido à parte economicamente mais débil, por violação do princípio da igualdade, um encargo superior com as custas do processo do que aquele que é suportado pela parte que não beneficia de apoio judiciário, quando se mostre já assegurado o pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual. _____________________________________________ 1. Elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade – cf. art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
** I – RELATÓRIO CC2 intentou contra AA3, BBe outros a presente acção para restituição de posse relativamente ao veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo X3 LCI DIESEL, com a matrícula ..-ZH-.., pedindo o reconhecimento da sua posse e a condenação dos réus no pagamento de indemnização no valor de 34 850,00 € ou, se ainda possível, a sua condenação na restituição do veículo automóvel.
Os réus AA e BB juntaram procuração forense a favor de mandatário judicial em ... de ... de 2023 e apresentaram contestação em ... de ... de 2023, juntando documentos comprovativos do requerimento de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, apresentado junto do serviço competente da Segurança Social em ...2....44
Em ... de ... de 2023 os réus remeteram aos autos o documento comprovativo da decisão incidente sobre o requerimento de protecção jurídica, proferida em ... de ... de 2023, que deferiu o pedido na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, no valor mensal de 160,00 €, tendo procedido, nessa data, ao pagamento da primeira prestação.5
Em ... de ... de 2024, ... de ... de 2024 e ... de ... de 2024, os réus procederam ao pagamento das prestações mensais, sendo a última no valor de 132,00 €.6
Em ... de ... de 2025 foi proferido o seguinte despacho:7 “I. Conforme resulta dos autos foi concedido aos Réus AA e BB o benefício de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, no valor mensal de € 160,00. Tal pagamento faseado deve ser mensalmente comprovado no processo, devendo o pagamento da primeira prestação ser comprovado no prazo de 10 dias após a notificação da decisão proferida pela Segurança Social (cfr. artigo 24.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho). Acresce que, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, o pagamento das prestações apenas pode ser cessado quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado seja superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial. No caso, os Réus apenas comprovaram o pagamento de três prestações no valor unitário de € 160,00 e de uma última prestação no valor de € 132,00, perfazendo o valor global de € 612,00, que corresponde ao valor da taxa de justiça inicial da presente acção (6 UC’s) – cfr. artigo 6.º, n.º 1 e tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais. Sucede que, conforme resulta do supra expendido, para manterem o benefício do apoio judiciário, os Réus apenas poderiam cessar o pagamento das prestações quanto tivessem liquidado o montante correspondente a 4 vezes da taxa de justiça inicial, ou seja, € 2.448,00. Assim, uma vez que os pagamentos efectuados pelos Réus ainda não perfizeram a indicada quantia, a partir da qual poderiam cessar o pagamento, restam-lhes duas opções: ou liquidam as prestações vencidas com o acréscimo da multa prevista no artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ou prescindem do apoio judiciário, junto dos competentes serviços da Segurança Social, passando doravante a ser integralmente responsáveis pelas taxas de justiça e demais encargos do processo, designadamente as devidas por eventuais incidentes ou recursos a que haja lugar. Em face do exposto, proceda-se à notificação dos Réus AA e BB para, no prazo de 10 dias: - liquidarem as prestações vencidas com o acréscimo da multa prevista no artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; Ou - prescindirem do apoio judiciário concedido, comprovando-o nos autos. Notifique.”
Em ... de ... de 2025, os réus AA e BB vieram interpor o presente recurso, cuja motivação terminaram com as seguintes conclusões (que se transcrevem apenas na parte relevante para a identificação das questões a apreciar):8
[…]
2. Após a liquidação integral do montante devido pelo impulso processual suspenderam os pagamentos, de resto conforme é possível interpretando de forma integrada os n.º 1 e 2 do artigo 13.º, n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, à luz da hermenêutica jurídica atual suportada por larga jurisprudência de tribunais superiores. […]
4. Ora da leitura do preâmbulo afere-se, sem grande margem para dúvidas, que estando pago o valor da taxa de justiça devida, o beneficiário pode suspender os pagamentos faseados, sem prejuízo de eventual acerto a final. […]
7. Constatando-se a insuficiência económica e concessão de proteção jurídica aos Recorrentes, se os mesmos fossem obrigados a pagar um valor superior a quatro vezes a taxa de justiça do processo, isto é 2.448,00€ (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros) tal resultaria numa manifesta desigualdade processual. Que não faz qualquer sentido nem à luz da lei e sua interpretação nem à luz da jurisprudência.
8. Com efeito a interpretação exarada no despacho alvo de recurso transforma o benefício de proteção jurídica num efetivo encargo porquanto o esforço económico da parte beneficiária é muito superior ao que teria de suportar sem o referido benefício e largamente superior ao esforço das demais partes.
9. Tendo os recorrentes pago integralmente a taxa de justiça devida pelo impulso processual, não há fundamento legal e processual para a aplicação da multa prevista artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
10. A decisão proferida não é compatível com nenhuma das exigências do princípio da igualdade das partes e com os objetivos de garantia de acesso ao direito por parte de quem, como os RR., não têm capacidade económica para pagar de uma só vez a taxa de justiça, e traduz-se na imposição ao beneficiário do apoio judiciário um ónus de pagar um valor muito superior ao valor da taxa de justiça previsto no Regulamento das Custas, a liquidar pelas demais partes.
11. E sempre terão os RR. de referir que, caso assim não se entenda, deve o art.º 13º da Portaria 1085-A/2004 de 31/08 quando interpretado no sentido de o beneficiário tendo pago o valor da taxa de justiça devida e que suspenda os pagamentos, seja condenado a pagar a totalidade das prestações em dívida acrescida de multa de igual montante ou perda do benefício de apoio judiciário concedido, ser declarado inconstitucional por violar o disposto nos artigos 18º n.º 2 e 20º n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa […]
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
* II – OBJECTO DO RECURSO
Tendo presente o estatuído nos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil9 e atentas as conclusões da alegação dos recorrentes há apenas que apreciar se, mostrando-se o pago o valor devido a título de taxa de justiça inicial pela apresentação da contestação, podiam os réus suspender o pagamento do valor mensal fixado em sede de atribuição do benefício de apoio judiciário.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Os apelantes insurgem-se contra a decisão supra transcrita no âmbito da qual o Tribunal a quo considerou, de acordo com o disposto no art.º 13º, n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto (que aprovou os Critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica), que o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado apenas pode cessar o respectivo pagamento quando o somatório das prestações pagas for superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial e, por força dessa interpretação, determinou que os réus deveriam liquidar as prestações vencidas desde o último pagamento efectuado (em ... de ... de 2024), acrescido da multa prevista no art.º 570º, n.º 3 do CPC ou prescindir do apoio judiciário.
Trata-se, pois, de efectuar a interpretação da norma vertida no art.º 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, que sob a epígrafe “Limitação do número de prestações do pagamento faseado” estatui do seguinte modo: “1 - Se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quando o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC. 2 - Caso o beneficiário suspenda o pagamento das prestações, nos termos do número anterior, e da elaboração da conta resulte a existência de quantias em dívida por parte do mesmo, o seu pagamento pode ser efectuado, de forma faseada, em prestações de montante idêntico ao anteriormente estipulado pelos serviços de segurança social.”
Sobre esta matéria foram já proferidas diversas decisões pelos tribunais superiores em sentido uniforme e que se acompanha.
Assim, no acórdão do Tribuna da Relação de Lisboa de ...-...-2023, 20825/20.0T8LSB-D.L1-610 discorreu-se a este propósito do seguinte modo:
“A fim de extrairmos o verdadeiro sentido da norma, não podemos perder de vista que a referida portaria fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da protecção jurídica, respondendo “ao propósito de simplificação do procedimento administrativo gizado na lei, atribuindo, simultaneamente, uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado cujo valor da prestação, apurado nos termos da lei e concretizado pela presente portaria, se situe no intervalo entre um valor fixo e o valor fixo imediatamente seguinte. Nestes casos, o montante a liquidar é, pois, definido por referência ao valor fixo mais baixo. Ainda no âmbito do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, prevê-se a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações sempre que o respectivo somatório atinja determinado montante, sem prejuízo de eventual acerto a final”, conforme se pode ler no respectivo preâmbulo. Por conseguinte, a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações destina-se a constituir uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e não um encargo para os mesmos. Por isso, a aplicação deste preceito ao beneficiário do apoio judiciário não pode conduzir a que, num determinado momento processual, aquele fique numa posição mais desvantajosa do que a parte que não goza de tal benefício. Assim, da leitura integral do preceito referido, resulta que o ali estipulado só faz sentido se as prestações disserem respeito a valores devidos numa fase adiantada do processo e não quando apenas esteja em dívida a taxa de justiça inicial. Se assim não for entendido, então o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado redundaria não num benefício, mas numa sobrecarga para o requerente do apoio judiciário. Na verdade, no caso concreto, enquanto a parte contrária, sem apoio judiciário, pagou uma taxa de justiça de €306,00, o ora Apelante, por lhe ter sido concedida a possibilidade de pagamento faseado, teria de pagar €1224,00 e só após esse pagamento poderia suspender o pagamento das prestações.”
Esta interpretação restritiva – a interpretação, que não se deve restringir à letra da lei11, é declarativa lata, média ou restrita, verificando-se este caso quando o espírito da norma fique aquém da sua letra12 - afigura-se ser aquela que conduz a um resultado conforme com os princípios que subjazem à concessão do benefício de apoio judiciário e com o acesso ao direito e aos tribunais, enquanto direito constitucionalmente consagrado no art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos -, com o qual a lei ordinária não pode conflituar.
Como se retira do Preâmbulo da mencionada Portaria, esta veio estabelecer, em conformidade com o estatuído na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (que atribui o benefício da protecção jurídica a todos quantos demonstrem estar em situação de insuficiência económica - cf. art.º 7º), os critérios objectivos que relevam para a apreciação e identificação da “situação de insuficiência económica do requerente”, de modo a que exista paridade na avaliação dos requerimentos e se garanta que o benefício é concedido a todos quantos deles carecem, mas só a quem realmente precisa e na medida da sua necessidade.
E como auxílio para a interpretação que cumpre efectuar da norma mencionada releva o que a propósito da modalidade de pagamento faseado se inscreveu no mencionado Preâmbulo: “Reconhecendo as vantagens, para o Estado e para os beneficiários da protecção jurídica, da uniformização dos montantes e das datas de liquidação das prestações correspondentes ao apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, definem-se cinco valores fixos de prestações e regras quanto à periodicidade da respectiva liquidação. A presente regulamentação responde assim ao propósito de simplificação do procedimento administrativo gizado na lei, atribuindo, simultaneamente, uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado cujo valor da prestação, apurado nos termos da lei e concretizado pela presente portaria, se situe no intervalo entre um valor fixo e o valor fixo imediatamente seguinte. Nestes casos, o montante a liquidar é, pois, definido por referência ao valor fixo mais baixo. Ainda no âmbito do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, prevê-se a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações sempre que o respectivo somatório atinja determinado montante, sem prejuízo de eventual acerto a final.”
Efectuando uma interpretação com observância da unidade do sistema jurídico e em atenção às circunstâncias que ditaram o estabelecimento da norma, sem se atender apenas ao seu sentido literal, não se pode deixar de ter presente que o objectivo do benefício é garantir o acesso ao direito e aos tribunais e a defesa e garantia dos direitos de quem apresenta insuficiência económica para, pelos seus próprios meios, aceder aos mecanismos jurisdicionais.
Por outro lado, o procedimento de concessão de apoio judiciário não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 88/2000, de ...0...13 – “Visando o apoio judiciário impedir que a carência económica das partes […] para suportar os custos da defesa dos seus direitos e interesses em tribunal obste a essa mesma defesa, impõe-se também que, por vias travessas, o pertinente procedimento não acabe por onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa […]”
Ainda que sejam tidos como constitucionalmente admissíveis os meros condicionalismos ou formalidades que, sem inviabilizar ou dificultar excessivamente o exercício do direito regulamentam os procedimentos de apoio judiciário14, tais exigências não podem representar, a final, um desequilibro entre o esforço financeiro que é exigido a um cidadão que não beneficie do apoio judiciário e aqueloutro que é pedido ao beneficiário.
Como os recorrentes dão conta nas suas alegações de recurso, constatada que foi a sua insuficiência económica, que determinou a concessão de protecção jurídica na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, não se compreenderia que estivessem eles obrigados a suportar, desde já, um custo de 2 448,00 €, equivalente a quatro vezes a taxa de justiça devida - cf. art.ºs 145º e 570º do CPC e art.º 6º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-A anexa – criando-lhes uma exigência de dispêndio monetário totalmente distinta daquela que até ao momento a parte não beneficiária de apoio teria de suportar.
Veja-se em idêntico sentido e com claríssima explanação sobre a interpretação adequada do mencionado art.º 13º da Portaria n.º 1085-A/2004, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de ...-...-2023, 28422/05.3YYLSB-B.L1-6:
“Depois, e a existirem diversas interpretações possíveis (como se admite ser o caso, máxime entre o sentido literal e a intenção real do legislador histórico), deve preferencialmente o intérprete propender para aquela que evite contradições normativas e valorativas, para a que melhor corresponde ao sentido das normas de escalão superior [assim se impondo v.g. um critério de interpretação que se mostre conforme com a Constituição] e, outrossim, para a que melhor corresponde às ideias rectoras do sistema.
No seguimento do referido por último, certo é que estamos em crer que o entendimento subscrito pelo Primeiro Grau casa muito mal com o elemento teleológico subjectivo do legislador expresso no preâmbulo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto […] e, ademais, apesar de a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ter alterado o regime de acesso ao Direito e aos tribunais [transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2003/8/CE do Conselho, de 7 de janeiro, que estabeleceu regras jurídicas mínimas relativas ao apoio judiciário nos litígios transfronteiriços, e dando concretização aos princípios constitucionais de acesso ao Direito e de garantia de tutela jurisdicional efetiva], mal se compreende que possa a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, por em causa o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º, nº 2 […] da Constituição da República Portuguesa, a ponto de, na prática, do artº 13, nº 1, da Portaria resultar que“quem não tem capacidade económica para litigar – socorrendo-se por isso do mecanismo do pagamento faseado –, pode ter que pagar o quádruplo do que paga quem tem essa capacidade económica, nos casos em que o pleito não prossiga sem a liquidação de taxa de justiça inicial”.
Para ultrapassar a referida incongruência, e sendo verdade que não cabe ao intérprete da Lei assumir o Papel do legislador [a interpretação de uma regra jurídica não deve ser criativa, no sentido de criar fora da regra], nada impede porém que, quando na presença de contradições normativas e valorativas, enverede o aplicador da Lei por uma interpretação restritiva, e no pressuposto de que, se “um princípio foi estabelecido a favor de certas pessoas, pode e deve retorcer-se em beneficio delas, por interpretação restritiva”.”
Ora, a possibilidade de suspensão do pagamento das prestações destina-se a constituir uma vantagem adicional aos beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado e não um encargo que se apresenta ainda mais penalizante do que o singelo pagamento da taxa de justiça devida.
A aplicação da norma do art.º 13º, n.º 1 da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, em conformidade com a interpretação efectuada pela 1ª instância conduziria a um resultado inadmissível por violador do princípio da igualdade, pois que o beneficiário do apoio judiciário ficaria, num determinado momento processual, em posição mais desfavorável do que a parte que não goza de tal benefício.
Assim, como se concluiu também no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25-10-2024, 170/23.0T8FAR-B.E1, “da leitura integral do preceito referido, resulta que o ali estipulado só faz sentido se as prestações disserem respeito a valores devidos numa fase adiantada do processo e não quando apenas esteja em dívida a taxa de justiça inicial. Se assim não for entendido, então o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado redundaria não num benefício, mas numa sobrecarga para o requerente do apoio judiciário.”
A seguir-se uma interpretação literal da norma do art.º 13º da referida Portaria n.º 1085-A/2004 como a propugnada pelo tribunal a quo, sempre se teria de, em consonância com o sustentado pelos apelantes, formular um juízo de inconstitucionalidade, pois tal interpretação coloca em crise o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º, n.º 2 da Constituição. Com efeito, seria dificilmente sustentável que o legislador ordinário pudesse exigir ao beneficiário do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, que para lograr suspender o pagamento das prestações, houvesse ainda de efectuar, ainda numa fase inicial do processo e quando apenas lhe é exigido o pagamento da taxa de justiça inicial, o pagamento de quantia superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial.
Em conclusão, não deve ser exigido aos recorrentes, beneficiários de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, o pagamento de montantes superiores aos que são devidos por litigante que não beneficia de apoio judiciário, porque, de contrário, a parte economicamente mais débil suportaria um encargo maior com as custas do processo do que aquela que não beneficia de tal apoio, o que constituiria, para além da infirmação da finalidade da protecção jurídica, uma clara violação do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
A apelação procede, com a consequente revogação da decisão recorrida, determinando-se a cessação dos pagamentos faseados da taxa de justiça, por, nesta fase, já se encontrar totalmente liquidada a taxa de justiça devida pelo impulso processual.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A pretensão que os apelantes trouxeram a juízo merece provimento.
Dado que a autora não influenciou a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não pode ser considerada vencido para os efeitos previstos no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seriam os recorrentes.
No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas em qualquer das suas vertentes (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).
* IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Sem custas.
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Lisboa, 23 de Setembro de 202515 Micaela Sousa Luís Filipe Pires de Sousa Carlos Oliveira
_____________________________________________________
2. NIF ....
3. NIF ....
4. Ref. Elect. 37135859 dos autos principais.
5. Ref. Elect. 38019309 dos autos principais.
6. Ref. Elect. 38347303, 38652681 e 38946179 dos autos principais.
7.Ref. Elect. ... dos autos principais.
8. Ref. Elect. 42750756 dos autos principais.
9. Adiante designado pela sigla CPC.
10. Acessível em https://data.diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/20825-2023-....
11. Cf. Art.º 9º, n.º 1 do Código Civil.
12. Cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado – I – Parte Geral, CIDP 2020, pp. 103-104.
13.Acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000088.html.
14. Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Volume I UCP, 2ª edição revista, pág. 314.
15. Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.