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NEGÓCIO USURÁRIO
REQUISITOS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da relatora - art. 663º/7 CPC): I. São requisitos do negócio usurário (art. 282º do Código Civil): (i) a existência de uma situação de fragilidade concreta (v.g. necessidade, inexperiência); (ii) a exploração dessa situação de fragilidade pela outra parte; (iii) a obtenção ou a promessa, na sequência dessa exploração, de benefícios excessivos ou injustificados. II. Para que a alteração das circunstâncias conduza à resolução do contrato ou à modificação do seu conteúdo, exige o artigo 437º, designadamente, que se trate de uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afectando o equilíbrio do contrato, envolvendo lesão para uma das partes.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
COEFICIENTÓTIMO-UNIPESSOAL LDA. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ALPHABETPASSION - LDA., peticionando que:
1) O tribunal reconheça e declare judicialmente que o contrato de arrendamento celebrado entre a ré e a autora é judicialmente anulado e é judicialmente declarado que a ré e a autora celebraram entre si um contrato de arrendamento em que a renda mensal é de €1030,00 mensais, ou, subsidiariamente, que o tribunal reconheça e declare judicialmente que o contrato de arrendamento celebrado entre a ré e a autora é judicialmente modificado no sentido de ser judicialmente estipulado que o valor da renda mensal é de €1030,00 para manter-se na relação contratual de arrendamento entre a autora e a ré o mesmo valor de renda por m2, ou seja, o valor de renda de €1030 por 400m2 de espaço arrendado pela ré à autora tal como foi praticado pela ré em relação à autora o valor de renda de €2060 (dois mil e sessenta euros) por 800m2 de espaço arrendado à autora;
2) O Tribunal reconheça e declare judicialmente que, em consequência da procedência do pedido referido em 1), a autora pagou à ré a renda mensal de €1030,00 atempadamente relativamente aos meses de Março de 2020 a Fevereiro de 2021, tudo com todas as legais consequências, designadamente reconhecendo e declarando que a autora não deve qualquer valor pecuniário à ré a título de rendas entre Março de 2020 a Fevereiro de 2021.
3) O Tribunal reconheça e declare judicialmente como verificadas as alterações supervenientes das circunstâncias em que assentaram a celebração do contrato de arrendamento em 28.02.2020 e que reconheça e declare judicialmente que as alterações supervenientes das circunstâncias determinaram a modificação do dito contrato de arrendamento no sentido de prolongar-se até 14.04.2021;.
4) O Tribunal reconheça e declare judicialmente que, em consequência da procedência do pedido referido em 1) e em 3), a autora pagou à ré a renda mensal de €1030,00 atempadamente relativamente ao mês de Março de 2021 e que pagou atempadamente à ré a renda no valor de €480,66 relativamente aos 14 dias de Abril de 2021;
5) O Tribunal reconheça e declare judicialmente que em consequência da procedência do pedido referido em 1), em 3) e em 4) a autora pagou à ré relativamente aos 14 dias de Abril de 2021 a mais a quantia de €549,34 dos €480,66 devidos, o que determina o enriquecimento sem causa da ré no correspondente valor de €549,34 com o correspetivo empobrecimento da autora, pelo que se peticiona ao tribunal a condenação da ré a devolver à autora os mencionados €549,34
Para tanto alegou, em síntese, que:
- Entre Autora, na qualidade de arrendatária, e Ré, na qualidade de senhoria, foi celebrado em 28 de fevereiro de 2020 um contrato de arrendamento do espaço com a área de 400 m2 da fração autónoma designada pela letra ...do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ... da freguesia de ..., para aí funcionar uma oficina de reparação automóvel explorada pela Ré;
- Esse contrato deve ser declarado nulo, por se verificarem os requisitos da usura, ou, pelo menos, alterado, sendo reduzido o valor da renda, dado que anteriormente, até aquela data, havia vigorado um outro contrato de arrendamento, que tinha por objeto toda a fração autónoma, com a área de 800 m2, e o mesmo valor da renda (2.060 €/mês);
- A Autora opôs-se à renovação do contrato de arrendamento, mas, pelo facto de o estado de emergência ainda vigorar a 01-03-2021, quando o contrato deveria findar, a Autora teve de aí continuar a laborar até 14-04-2021, mantendo-se o contrato em vigor até à data em que lhe foi possível entregar as chaves do locado, altura em que foi possível realizar a recalibração de máquinas existentes na oficina por funcionários que se deslocaram do território continental português.
A Ré apresentou contestação, em que se defendeu por excepção (invocando a ineptidão da petição inicial e a litispendência), bem como por impugnação, e deduzindo ainda reconvenção, na qual peticionou a condenação da Autora no pagamento da quantia de 14.100 €, alegando, para tanto e em síntese, que:
- A Autora sempre foi arrendatária apenas de metade da fração, correspondente a 400 m2, que vinha efetivamente ocupando, conforme resulta do contrato de arrendamento celebrado entre as partes;
- A Autora deixou de pagar pontualmente as rendas, estando inclusivamente pendente uma ação executiva para cobrança das rendas devidas;
- A Autora “rescindiu” o contrato de arrendamento, que, de qualquer modo, acabou revogado, tendo a Autora entregado as chaves do locado quando já não estava a laborar no mesmo, pelo que deverá ser condenada no pagamento de 5.600 € dado o tempo que ocupou o locado sem efetuar qualquer pagamento;
- Aí deixou sucatas e danificou o piso, paredes, tetos, instalações sanitárias e eletricidade, levando a que a Ré suportasse uma despesa no valor de 8.500 €, relativa à limpeza do locado, retirada de sucatas, reparação de danos a nível do piso, paredes, tetos, instalações sanitárias, eletricidade e relativas à retirada de transporte e processamento de óleos minerais usados e descontaminação do local.
A Ré-reconvinte também peticionou a condenação da Autora como litigante de má fé.
A Autora replicou, pugnando pela improcedência das exceções.
Foi realizada audiência prévia, na sequência do que veio a ser proferido despacho saneador, que não atendeu a defesa por exceção e admitiu a reconvenção, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sendo estes os seguintes:
- Aferir quais os motivos que determinaram a renovação do contrato, em 28 de fevereiro de 2020;
- Aferir se existiu algum vício da vontade da Autora na celebração da referida renovação;
- Aferir se, em virtude desses eventuais vícios, deve ser reduzido o montante da renda a metade no período posterior a 28 de fevereiro de 2020;
- Aferir se a Autora apenas usava e ocupava de facto metade do locado;
- Aferir se existiu acordo para redução da renda durante o estado de emergência e calamidade;
- Aferir por que motivo teve a Autora de continuar a funcionar de 01 de março de 2021 a 14 de abril de 2021 e se essa continuação foi, efetivamente, necessária;
- Aferir quais os valores que foram pagos pela Autora e relativos a que meses;
- Aferir se a Autora ocupou o locado entre 01 de março de 2021 e 14 de abril de 2021 sem efetuar o pagamento de qualquer valor;
- Aferir se são devidos pela Autora à Ré valores relativos a esse período;
- Aferir se a Autora utilizou parte do locado como habitação, sem autorização da Ré;
- Aferir se foi necessário, por parte da Ré, proceder à limpeza do locado, retirada de sucatas, reparação de danos a nível do piso, paredes, tetos, instalações de sanitários e eletricidade;
- Aferir qual o montante despendido pela Ré devido a essa necessidade e se deve a Autora ser condenada ao pagamento do mesmo;
- Aferir se foi necessária a retirada, transporte, processamento de óleos minerais usados e, consequentemente, descontaminação do local;
- Aferir quais os montantes despendidos a esse propósito pela Ré e se deve a Autora ser condenada ao pagamento dos mesmos;
- Aferir se a Autora agiu de má fé;
- Aferir se a Ré agiu de má fé.
As partes apresentaram reclamações que vieram a ser apreciadas (apenas por despacho de 26-04-2023), tendo sido decidido aditar ainda os seguintes temas da prova:
- Aferir dos motivos da não desocupação pela Autora uma vez notificada da denúncia do contrato, datado de 01-03-2014;
- Aferir se à data da celebração do novo contrato a Autora vinha ou não utilizando e ocupando a totalidade do armazém;
- Aferir os fundamentos para a celebração de um novo contrato entre as partes;
- Aferir se o contrato celebrado em 28 de fevereiro de 2020 entre a Autora e a Ré é ou não usurário e aferir das respetivas consequências de ser ou não ser usurário;
- Aferir se o contrato celebrado em 28 de fevereiro de 2020 entre a Autora e a Ré vigorou ou não até 14 de abril de 2021 e por que razões vigorou ou não até essa data e aferir das respetivas consequências de ter vigorado ou não até essa data;
- Aferir se findo esse contrato a Autora desocupou ou não as instalações e por que motivo.
Foi realizada audiência de discussão e julgamento, com respeito pelos formalismos legais.
Foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto:
A. Jugo totalmente improcedentes todos pedidos efetuados pela Autora Coeficientótimo-Unipessoal Lda., não declarando nada do que foi por si peticionado.
B. Absolvo a Ré ALPHABETPASSION – LDA. do pedido de condenação enquanto litigante de má fé.
C. Absolvo a Autora Coeficientótimo-Unipessoal Lda. do pagamento dos montantes peticionados pela Ré ALPHABETPASSION – LDA. a título de enriquecimento sem causa.
D. Absolvo a Autora Coeficientótimo-Unipessoal Lda. do pagamento da totalidade dos montantes peticionados pela Ré ALPHABETPASSION – LDA. a título de indemnização por limpezas, retirada de sucata e descontaminação.
E. Condeno a Autora Coeficientótimo-Unipessoal Lda. como litigante de má fé no pagamento de uma indemnização à Ré ALPHABETPASSION – LDA. da quantia de 1.020,00 € (10 U.C.’s).
F. Condeno a Autora Coeficientótimo-Unipessoal Lda. ao pagamento de 70% das custas processuais.
G. Condeno a Ré ALPHABETPASSION – LDA. ao pagamento de 30% das custas processuais.»
Inconformada com a sentença, veio a autora dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
1º
DA PRIMEIRA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
A douta sentença recorrida julgou como provado que:
33- Em Portugal o estado de emergência esteve em vigor de 19.03.2020 até 02.05.2020 e de 06.11.2020 até 30.04.2021
“34- No dia 02 de Abril de 2020, a Ré enviou à Autora um e-mail com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor Dr. AA,
Junto envio a fatura relativa ao mês de Abril de 2020, da renda do armazém sito em ....
A mesma reflete a redução de 50% a ser efetivada durantes os meses de Abril e Maio e/ou enquanto se mantiver o Estado de Emergência.
Desde já grato pela compreensão de V. Exa., com os melhores cumprimentos, A gerência”
“O facto 34 resultou provado do documento 53 junto com a petição inicial, que reproduz o e-mail enviado pela Ré à Autora.
Note-se que este e-mail não deixa quaisquer dúvidas quanto ao período de vigência da redução: Abril e Maio ou enquanto se mantiver o Estado de Emergência.” – negrito nosso.
2º
E a douta sentença recorrida em vez de reconhecer e declarar judicialmente que as rendas de Novembro de 2020, de Dezembro de 2020, de Janeiro de 2021 e de Fevereiro de 2021 são no valor de metade cada uma delas julgou nula e erroneamente totalmente improcedentes todos os pedidos efectuados pela autora quando a autora peticionou que o Tribunal reconhecesse e declarasse que a renda mensal é de €1.030,00 e que esse valor é a metade da renda prevista no novo contrato de arrendamento (celebrado a 28.02.2020) aqui em causa, pelo que os referidos fundamentos da sentença recorrida estão em insanável e manifesta oposição com a decisão de julgar totalmente improcedentes todos os pedidos efectuados pela autora, o que fere, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., a douta sentença de nulidade, que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DA SEGUNDA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
3º
A causa de pedir constante na petição inicial e que fundamenta os pedidos deduzidos pela autora na petição inicial é, entre outros, a existência de usura no contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020, ou seja, é o facto do contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 ser usurário.
4º
Ora, a douta sentença recorrida julgou como provado que:
“2- A Autora foi, desde 01 de Março de 2014, arrendatária da fração autónoma designada pela letra “...”, com a área de 800m2”, sita no r/c, unidade destinada a armazém, do prédio urbano em propriedade horizontal sito em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ..., da dita freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ....”
“3- O valor da renda inicial foi de €2000,00 (dois mil euros) mensais.”
“6- O contrato de arredamento supra referenciado vigorou desde o dia 01 de Março de 2014 até ao dia 28 de Fevereiro de 2019 porquanto foi celebrado pelo prazo inicial de 5 anos.”
“7- O contrato de arrendamento supra referenciado renovou-se por um ano de 28 de Fevereiro de 2019 até 28 de Fevereiro de 2020.”
“8- A Ré passou, por compra, a ser dona da supra discriminada fração A, cuja propriedade mostra-se registada a favor da ré pela AP. ... de 2019/11/13.”
“9- A Ré passou, por efeito da dita compra, a ocupar a posição jurídica de senhorio no contrato de arrendamento.”
10- A Autora foi notificada, através de carta registada com aviso de receção, em 12 de Novembro de 2019, da oposição à renovação do Contrato de Arrendamento.
11- A correspondência foi enviada para a Rua .... E rececionada em 13/11/2019 e para a Rua ..., rececionada em 13/11/2019.
“12- O contrato de arrendamento findou no dia 28 de Fevereiro de 2020.”
“13- No dia 28 de Fevereiro de 2020 que foi o último dia de vigência do contrato de arrendamento, foi celebrado novo contrato de arrendamento.”
“16- O valor da renda mensal pago pela Autora à Ré em Janeiro e em Fevereiro de 2020 foi de €2060,00 (dois mil e sessenta euros), atento o respetivo critério de atualização da renda previsto na cláusula 4.2 do contrato de arrendamento.”
25- A 28 de Fevereiro de 2020 a Autora não tinha outro espaço físico para poder instalar a respetiva oficina de reparação automóvel para continuar com a respetiva laboração.
26- A oficina explorada pela Autora a 28 de Fevereiro de 2020 era constituída, entre outros, pelos seguintes equipamentos: (..)”
“27- No dia 28 de Fevereiro de 2020 a Autora tinha no espaço arrendado os equipamentos e os pneus acima discriminados.”
17- A Ré no novo contrato de arrendamento celebrado a 28 de Fevereiro de 2020 estipulou que arrendava metade da dita fração A e metade do respetivo estacionamento exterior à Autora por uma renda mensal de €2060,00 (dois mil e sessenta euros).
5º
Em suma, a sentença recorrida julgou como provado que:
a autora foi arrendatária, ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento, da dita totalidade da fracção autónoma “A” de 800M2 desde 01.03.2014 a 28.02.2020.
a autora foi arrendatária, ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento, da dita fracção autónoma “A” durante 6 (seis) anos de 01.03.2014 a 28.02.2020.
A ré passou, por compra da dita fracção autónoma “A”, a ser a senhoria da autora no âmbito do primitivo contrato de arrendamento.
O primitivo contrato de arrendamento que vigorou por 6 (seis) anos terminou no dia 28.02.2020 e que tinha como valor de renda a pagar pela autora à ré o valor de €2.060,00 (dois mil e sessenta euros).
que a 12.11.2019 foi deduzida oposição à renovação do contato primitivo de arrendamento e que de 13.11.2019 até 28.02.2020 mediaram apenas três meses e meio para findar a 28.02.2020 o primitivo contrato de arrendamento, pelo que a douta sentença recorrida julga como provados todos os requisitos da verificação de usura e em plena contradição insanável decide julgar como totalmente improcedentes todos os pedidos realizados pela autora com fundamento no contrato de arrendamento usurário.
6º
A ré (que é a mesma senhoria do contrato primitivo e do novo contrato), sabendo que a 28.02.2020 a autora (que é a mesma inquilina do contrato
primitivo e do novo contrato) não tinha outro espaço físico para continuar a laborar senão o da identificada fracção “A” (que é o mesmo locado do contrato primitivo e do novo contrato), aumentou no novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 a renda para o dobro do valor por m2 relativamente à mesma arrendatária e ora autora, pelo que estão verificados todos os requisitos da usura estabelecidos no artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
7º
Em suma, a sentença recorrida julgou, por um lado, que o novo contrato de arrendamento foi celebrado no dia 28.02.2020 e que foi no último dia de vigência do primitivo contrato de arrendamento e sem que a autora tivesse outro espaço físico para instalar a oficina de reparação automóvel para poder continuar com a respectiva laboração e, por outro lado, julgou que a ré não estipulou um contrato de arrendamento usurário e que não explorou a situação de necessidade da autora decorrente do facto de ter de continuar a desenvolver o seu objecto social na fracção autónoma onde laborara durante os últimos seis anos consecutivos porquanto não tinha outro espaço físico para o efeito e de em consequência a ré ter obtido para si a partir de 01.03.2020 com a celebração do novo contrato o dobro da renda que até 28.02.2020 recebera/obtivera da autora.
8º
Ou seja, a sentença recorrida julgou como provado que no dia 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço para poder laborar e em contradição insanável decidiu não haver qualquer situação de necessidade da autora em manter-se naquele espaço através de novo contrato de arrendamento ainda que este tivesse reduzido para metade a área arrendada e ainda que tivesse para metade da área arrendada passado a explorar a necessidade da autora em permanecer no locado e a cobrar por apenas metade da área arrendada o mesmo valor de renda de €2.060,00 que até 28.02.2020 fora paga pela autora pela totalidade da fração “A”, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., a douta sentença recorrida é nula, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DA TERCEIRA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
9º
A douta sentença recorrida julgou como provado que:
“25- A 28 de Fevereiro de 2020 a Autora não tinha outro espaço físico para poder instalar a respetiva oficina de reparação automóvel para continuar com a respetiva laboração.”
“27- No dia 28 de Fevereiro de 2020 a Autora tinha no espaço arrendado os equipamentos e os pneus acima discriminados.”
10º
E em plena contradição insanável a douta sentença recorrida julgou como não provado que:
“I) A Autora não tinha a 28 de Fevereiro de 2020 como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social, designadamente para continuar a funcionar com a respetiva oficina de reparação automóvel, a não ser por continuar a arrendar a fração da propriedade da ré.”
11º
Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., a douta sentença recorrida é nula, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DA QUARTA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
12º
A douta sentença recorrida refere que:
“A Ré peticionou, em sede de reconvenção, a condenação da Autora ao pagamento de 3.500,00€ a título de despesas de limpeza, e reparação do locado e ao pagamento da quantia de 5.000,00€ para limpeza de sucatas, óleos minerais e descontaminação.”
No mais, é nosso entendimento que a Ré não pode exigir na pretende ação os valores.
O contrato previa expressamente que “no momento da restituição do Local Arrendado haverá lugar a vistoria a realizar pelo SENHORIO ou por quem o representar, na presença da ARRENDATÁRIA, sendo lavrado o respetivo auto, do qual se fará constar as anomalias que não sejam, em opinião do SENHORIO ou de quem o representar, decorrentes de uso normal e prudente da área dada em arrendamento, e o prazo eventualmente requerido para as eliminar, sendo o referido auto assinado por ambas as partes” e que “caso a Arrendatária não elimine as anomalias detetadas e devidamente registadas poderá o SENHORIO mandar executá-las, exigindo á ARRENDATÁRIA o reembolso de todas as despesas em que haja fundadamente incorrido, por força de tal execução, comprometendo-se a ora ARRENDATÁRIA a pagar as mesmas”.
A Ré abdicou dessa vistoria, não tendo interpelado a Autora para eliminar as anomalias detetadas. Assim sendo, não pode agora vir exigir este valor, uma vez que tal conduta consubstancia abuso de direito, na modalidade de veniere contra factum proprium, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
13º
E a douta sentença recorrida refere paradoxalmente que:
No caso em apreço, inexistem motivos pelos quais a Ré deva ser condenada em litigância de má fé, uma vez que os seus pedidos reconvencionais improcederam por falta de prova ou por o uso abusivo do locado não configurar motivo de indemnização, mas sim fundamento de resolução do contrato em causa.”
14º
Pelo que a sentença recorrida refere expressamente que a ré actuou em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium e, em plena contradição insanável, não condenou a ré como litigante de má fé por ter vindo
em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, peticionar a condenação da autora no pagamento de €3.500,00 a título de despesas de limpeza e reparação do locado e no pagamento da quantia de €5.000,00 para limpeza de sucatas, óleos minerais e descontaminação e por, consequentemente, a ré ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia e nem poderia ignorar, o que fere, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., a douta sentença recorrida de nulidade, que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DA RÉ E DA QUINTA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA
15º
O enriquecimento sem causa da ré peticionado pela autora não foi apreciado pelo Tribunal recorrido, pelo que a douta sentença recorrida é, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nula, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com toda as legais consequências.
16º
Ora, pela infra referida alteração superveniente das circunstâncias, o contrato de arrendamento prolongou-se até 14.04.2021 e com fundamento na existência de usura no contrato de arrendamento de 28.02.2020, a autora em março de 2021 pagou os €1.030,00 de renda relativa a abril de 2021.
17º
Pelo que tendo o contrato de arrendamento cessado no dia 14.4.2021, dividindo os €1.030,00 de renda mensal pelos 30 dias de Abril de 2021 obtemos o valor diário de renda de €34,33, o que a multiplicar pelos 14 dias de renda de Abril de 2021 ascende a €480,66 de preço de renda devida relativamente aos 14 dias de renda de Abril de 2021.
18º
Pelo que tendo a autora pago em Março de 2021 à ré €1.030,00 de renda relativa a Abril de 2021, a ré enriqueceu-se sem justa causa para o efeito no valor de €519,34 que devem de ser restituídos pela ré à autora, o que se requer que assim seja julgado pelo Tribunal ad quem, conforme peticionado pela autora na PI.
DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS PELO TRIBUNAL AD QUO
19º
A ré faltou conscientemente à verdade dos factos quando alegou na sua douta contestação com reconvenção que a autora sempre fora, mesmo ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento, arrendatária de apenas metade da fracção autónoma, correspondente a 400m2 e à respectiva metade do estacionamento exterior, em causa nos autos, uma vez que usava tão-somente essa área de 400m2 antes do contrato celebrado com a Ré e ainda assim a ré faltando à verdade mereceu erroneamente toda a credibilidade por parte do Tribunal recorrido.
DO PRIMEIRO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
20º
O Tribunal ad quo julgou erroneamente como provado que:
“15- O contrato foi negociado e subscrito pelo ora mandatário forense da Autora e fiador, em seu nome pessoal e na qualidade de único gerente e legal representante da Autora.”
21º
O mandatário forense da autora e que também é legal representante da autora nunca foi arrendatário da identificada fracção “A” e nunca teve a ré por senhoria, pelo que o contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 não foi negociado e nem subscrito em nome pessoal do mandatário da autora e nem em nome pessoal do legal representante da autora, até porquanto o mandatário da autora foi apenas fiador da autora e nunca foi arrendatário da identificada fracção “A”.
22º
Pelo que julgar como provado que o contrato celebrado a 28.02.2020 foi negociado e subscrito em nome pessoal do mandatário da autora e que é em simultâneo o legal representante da autora consubstancia erro de julgamento que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DO SEGUNDO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
A sentença recorrida refere expressamente que:
“Quanto ao facto 15, o mesmo resultou provado do documento 2, junto com a petição inicial (…).”
24º
Trata-se de erro de julgamento da sentença recorrida porquanto o documento 2 junto de fls. 22 a 25 dos autos com a petição inicial é o contrato de arrendamento primitivo e não é o contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020.
25º
As declarações de parte do legal representante da autora, que foram nesta parte corroboradas pelas declarações de parte do legal representante da ré e também corroboradas pelo depoimento da testemunha BB, são no sentido que o contrato de arrendamento em causa nos autos foi remetido no dia 28.02.2020 por email pela secretária do legal representante da ré para o email do legal representante da autora quando o legal representante da ré já se encontrava no dia 28.02.2020 no gabinete do legal representante da autora e que o contrato foi imprimido e foi discutido na parte nova e diferente do contrato primitivo e que era a prestação de fiança e que em tudo o resto se manteria igual ao contrato primitivo (quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda).
26º
Sendo que o legal representante não se apercebeu que a área arrendada passaria a ser metade da que constava no contrato primitivo e que consequentemente o preço da renda por m2 aumentava para o dobro e embora o legal representante tivesse declarado que ainda que se tivesse apercebido que a área arrendada seria a de metade do contrato primitivo teria na mesma de assinar o novo contrato de arrendamento (o que não só não exclui como reforça o carácter usurário do novo contrato de arrendamento através do qual a ré explorou a necessidade da utora tr de permanecer na identificada fracção “A”) porquanto a autora não tinha outro espaço físico para continuar a laborar a partir de 01.03.2020 a não ser na identificada fracção “A” onde laborava desde 01.03.2014, necessidade que foi explorada pela ré para aumentar o preço da renda por m2 para o dobro.
27º
Pelo que deverá ser julgado como provado, o que se requer, pelo Tribunal ad quem que:
“O contrato de arrendamento foi remetido no dia 28.02.2020 para o email do legal representante da autora, foi debatido quanto à questão da prestação da fiança e foi assinado no gabinete do legal representante da autora por este na convicção de que em tudo o mais mantinha-se igual ao contrato de arrendamento primitivo quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda.”
DO TERCEIRO FACTO JULGADO ERRONEMAENTE 28º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como provado que: “23- A Autora assinou o contrato de forma livre, consciente e voluntariamente.”
29º
A sentença recorrida refere expressamente que:
“Os factos 23 e 24 resultaram provados do depoimento e declarações de parte do legal representante da Autora, Sr. Dr. AA, das declarações de parte do legal representante da Ré, Sr. Dr. CC e do depoimento da testemunha BB (que desempenhou funções na sociedade Ré).
O legal representante da Autora referiu que o seu objetivo era que o novo contrato celebrado não previsse fiança; porém, a existência dessa fiança foi exigida pela Ré, tendo o legal representante da Autora acabado por concordar com a celebração do contrato.
Conforme já foi referido, o legal representante da Autora alegou que estava convencido que o contrato previa uma área de 800m2; porém essa parte do seu depoimento não mereceu qualquer credibilidade como se verá infra.
Assim, nem das próprias declarações de parte do legal representante da Autora se vislumbra como é que possa ter existido algum tipo de coação, aproveitamento ou engano.”
30º
Ora, o legal representante da ré referiu ao legal representante da autora que o contrato era em tudo igual ao contrato primitivo (incluindo área arrendada e preço da renda), com excepção da prestação da fiança e o legal representante da autora porque confiou no legal representante da ré e porque a autora não tinha outro espaço a 28.02.2020 para continuar a laborar assinou o contato convencido que, com excepção da fiança que foi debatida e aceite, o novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 mantinha-se em tudo igual ao primitivo contrato de arrendamento (quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda e se assim fosse não haveria, como é óbvio, usura).
31º
Somente em Maio de 2020, quando a autora preparava-se para subarrendar a metade da fracção “A” a outra empresa e quando deixou de ter acesso, por mudança da fechadura pela ré, à metade do locado é que se apercebeu que fora enganada pela ré e que fora objecto de um contrato de arrendamento usurário que por necessidade do espaço para continuar a laborar aumentou a renda à autora para o dobro da renda que cobrava até 28.02.2020 e neste sentido, o depoimento da testemunha DD confirma que:
A Autora preparava-se, posteriormente a 28.02.2020, para subarrendar a metade da fracção “A” à empresa Acertotal Consultoria de Condomínios Lda.
A Autora foi impedida de usar a metade da fracção “A” por mudança da fechadura realizada pela ré.
32º
E neste sentido, o depoimento da testemunha EE confirma que:
A Autora preparava-se para em Maio de 2020 subarrendar a metade da fracção “A” à empresa Acertotal Consultoria de Condomínios Lda e que depois não conseguir fazê-lo por ter sido impedida de usar a metade da fracção “A” por mudança da fechadura realizada pela ré.
33º
E consequentemente por a ré ter aumentado usurariamente o preço da renda por m2 para o dobro, a autora pagou de Março de 2020 a Fevereiro de 2021 e até 14.4.2021 o valor do preço de renda mensal ao m2 igual ao valor do preço de renda ao m2 previsto no contrato primitivo, ou seja, pagou €1.030,00 por metade da fracção “A” que é igual a pagar €2.060,00 pela totalidade da fracção “A”, pois que a autora perante um contrato de arrendamento usurário em acção directa e em estado de necessidade (porquanto não tinha outro espaço físico para continuar a laborar) realizou justiça por mãos próprias relativamente ao contrato de arrendamento usurário de que foi objecto: pagou à ré €1.030,00 de renda por metade da fracção “A” o que é igual a ter pago à ré €2.060,00 de renda pela totalidade da fracção “A”.
34º
Pelo exposto, deverá ser julgado como provado, o que se requer, pelo Tribunal ad quem que: “23-A Autora assinou o contrato de forma livre e voluntariamente convencida que, com excepção da prestação de fiança, mantinha-se em tudo igual ao primitivo contrato de arrendamento quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda por m2.”
DO QUARTO FACTO JULGADO ERRONEMAENTE
35º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente, conforme fundamentação infra que aqui dá-se por reproduzida, como provado que:
“31- O contrato findou em 01 de Março de 2021.”
36º
Pelo que deverá ser julgado como provado, o que se requer, conforme fundamentação infra que aqui dá-se por reproduzida, pelo Tribunal ad quem que:
“31- O contrato findou em 14.04.2021.”
DO QUINTO FACTO JULGADO ERRONEMAENTE
37º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente, conforme fundamentação infra que aqui dá-se por reproduzida, como provado que:
32- A Autora apenas entregou o locado em 14 de Abril de 2021, comunicando à Ré que tal se devia à vigência do estado de emergência.
38º
Pelo que deverá ser julgado como provado, o que se requer, conforme fundamentação infra que aqui dá-se por reproduzida, pelo Tribunal ad quem que:
32- O contrato de arrendamento findou em 14 de Abril de 2021 por alteração superveniente das circunstâncias não imputável à autora.”
DO SEXTO FACTO JULGADO ERRONEMAENTE
39º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como provado que:
“37- A Oficina Auto Fénix Unipessoal Lda. Começou a exercer a sua atividade comercial no locado sem qualquer autorização da Ré.”
40º
O depoimento da testemunha FF e o depoimento da testemunha DD confirmam que:
desde 2018 no locado ora em questão funcionavam a autora e a oficina Auto Fénix Unipessoal Lda. desde 2018 no locado ora em causa existia afixada no respectivo exterior publicidade da autora e publicidade da oficina Auto Fénix Unipessoal Lda. em 2019 no locado ora em causa funcionavam a autora e a oficina Auto Fénix Unipessoal Lda.
41º
O depoimento da testemunha DD confirma que, quando a ré passou a ser senhoria da autora, continuaram a funcionar no locado ora em causa a autora e a oficina Auto Fénix Unipessoal Lda e que tal facto era do conhecimento do legal representante da ré.
42º
Pelo exposto, o Tribunal ad quem deverá, o que se requer, julgar como não provado que:
37- A Oficina Auto Fénix Unipessoal Lda. começou a exercer a sua atividade comercial no locado sem qualquer autorização da Ré.”
DO SÉTIMO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
43º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“A) A Ré celebrou o contrato com a Autora no dia 28 de Fevereiro de 2020 sabendo da situação de necessidade em que a Autora se encontrava à data para celebrar novo contrato de arrendamento do espaço para a autora continuar, na sobredita fracção A, a funcionar com a oficina de reparação.”
44º
A sentença recorrida julgou como provados os factos 25) e 27), Pelo que a ré sabia perfeitamente que a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço físico para continuar a laborar a não ser na identificada fracção “A” e explorando essa situação de necessidade do locado ora em causa para a autora continuar a laborar passou a cobrar por metade do locado os mesmos €2.060,00 que cobrava pela totalidade do locado e é neste facto que inegavelmente reside a usura por aumentar para o dobro o valor do preço da renda por m2 que cobrava à autora pela totalidade do espaço e locado de que fora igualmente senhoria da autora ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento.
45º
Ora, não teria havido exploração pela ré da situação de necessidade da autora de ter de continuar a laborar na identificada fracção “A” por não ter outro espaço físico para onde instalar a oficina de reparação automóvel se a ré continuasse a cobrar os mesmos €2.060,00 pela totalidade do locado e não passasse a cobrar os mesmos €2.060,00 por apenas metade do locado e a Ré aproveitou-se da situação de necessidade da Autora de manter-se a laborar na identificada fração “A” da propriedade da Ré para celebrar o novo contrato de arrendamento estipulando a renda de €2.060,00 por metade do locado, quando anteriormente o valor da renda era €2.060,00 pela totalidade do locado precisamente porque sabia que a Autora não tinha outro local para mover as máquinas da respectiva oficina que encontravam-se a 28.02.2020 na identificada fracção “A” para poder continuar a laborar e que a autora era conhecida por todos os seus clientes como laborando desde sempre (01.03.2014) na identificada fração “A”.
46º Ora, a sentença recorrida refere que:
“Se a Autora estava convencida que o contrato se mantinha exatamente com a mesma área e valor como é que se pode considerar que estava numa condição de desespero e suscetível de ser aproveitada por terceiros? Não se compreende.”
“A Autora alegadamente estaria convencida (o que é falso, como se verá infra) que estava a arrendar a mesma área, logo, não estaria fragilizada no momento da celebração.”
47º
Ora, se o novo contrato mantivesse o mesmo valor de €2.060,00 de renda mensal para a mesma área locada de 800m2 e da totalidade do estacionamento exterior não haveria nem conflito judicial e nem haveria usura e aí sim teria havido a celebração de um novo contrato em tudo igual ao contrato primitivo quer em área e quer em preço de renda por m2, com excepção da prestação de fiança que o novo contrato previu.
48º
A situação de necessidade que a ré explorou foi a de saber que entre 13 de Novembro de 2019 e 28.02.2020 a ré não tinha como obter um outro espaço físico para laborar após 01.03.2020 e que a 28.02.2020 não tinha outro espaço físico para laborar e razões pelas quais celebra um novo contato de arrendamento igual ao primitivo contrato tão somente quanto ao valor da renda mensal de €2.060,00 mas para apenas metade da área da fracção “A” e é neste facto de aumentar o preço da renda por m2 para o dobro que reside a usura do novo contrato de arrendamento: estabelecer o mesmo valor de renda para metade da área anteriormente arrendada na totalidade à autora.
49º
Estamos a falar das mesmas partes contratantes (senhoria e ré e arrendatária e autora) e do mesmo locado (identificada fracção “A”) com a diferença do valor da renda ter passado para o dobro precisamente pelo facto da ré saber que a 28.02.2020, data em que foi celebrado o novo contrato de arrendamento e em que findava o primitivo contrato de arrendamento, a autora não tinha outro espaço para onde poder continuar a laborar.
50º Ora, a sentença recorrida refere que:
“Independentemente dessa incompatibilidade de argumentos, que não é muito relevante uma vez que não restam quaisquer dúvidas ao Tribunal (como se verá infra) que o legal representante da Autora tinha perfeito conhecimento de que estavam a ser arrendados apenas 400 m2, cumpre frisar que não existiu nenhuma exploração da situação de necessidade da Autora.”
“Estamos perante uma sociedade cujo legal representante é um (experiente) advogado, não se vislumbrando como é que o mesmo seria ludibriado quando o contrato é claro e cristalino.”
51º
Ora, a situação é precisamente a inversa: ainda que (e mesmo que) o legal representante da autora se tivesse apercebido – que não se apercebeu até porquanto na contestação com reconvenção da ré e nas palavras do legal representante da ré o novo contrato era igual ao primitivo contrato de arrendamento com excepção da prestação de fiança – e ainda que tivesse perfeito conhecimento que estavam a ser arrendados apenas 400m2 desse facto não resultaria a eliminação do carácter usurário do novo contrato de arrendamento porquanto o novo contrato de arrendamento mantém a renda mensal de €2.060,00 do primitivo contrato de arrendamento mas apenas para metade da área primitiva de 800m2 e do respectvo estacionamento exterior e é neste facto que reside a usura do novo contrato de arrendamento: estabelecer o mesmo valor de renda de €2.060,00 para metade da área arrendada (400m2 e metade do estacionamento exterior) quando o contrato primitivo estabelecia a renda mensal de €2.060,000 para 800m2 e para a totalidade do respectivo estacionamento exterior e quando a ré sabia que a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço físico para continuar a laborar e que mantinha, no dia 28.02.2020, a oficina na identificada fracção “A” e consequentemente ou sujeitar-se-ia à celebração de um novo contrato de arrendamento (que em 28.02.2020 não se apercebeu ser um contato usurário) ou teria a autora de deixar de laborar por não ter outro espaço físico para o efeito.
52º Ora, a sentença recorrida refere que:
“A Autora não tinha outras instalações para laborar porque não diligenciou nesse sentido, tendo posteriormente aceite, de livre vontade, celebrar um novo contrato com o mesmo valor por metade da área que havia arrendado anteriormente.”
É a liberdade contratual a funcionar, sem qualquer obstáculo (inclusive legal, como se verá infra).
O facto de a Autora não ter diligenciado pela mudança para outras instalações e não ter tido em atenção a logística que tal mudança implicaria atendendo ao peso e dimensões das máquinas em nada é imputável à Ré, mas sim à Autora.
Assim, não se vislumbra qualquer situação de necessidade especial por parte da Autora que devesse ser atendida ou que fosse suscetível de ser explorada.
53º
Ora, a situação é precisamente a inversa: é por a ré saber que a autora não tinha a 28.02.2020 outro espaço físico para continuar a laborar que não tinha outra alternativa senão a de sujeitar-se ao novo contrato de arrendamento que a ré aumentou para o dobro o valor da renda por apenas metade da área primitivamente arrendada e é esta necessidade premente da identificada fracção “A” para a autora poder continuar a laborar ou em alternativa ter de deixar de laborar por falta de espaço físico para o efeito que foi usurariamente explorada pela ré (que na contestação com reconvenção alegou que a autora sempre fora arrendatária apenas de metade da fracção mesmo ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento para pretender fazer valer a tese que o novo contrato de arrendamento foi igual ao primitivo contrato de arrendamento quer quanto à área e quer quanto ao preço da renda por m2) para passar
a cobrar nada mais e nada menos do que o dobro do preço de renda por m2.
54º
O Tribunal recorrido desatendeu, como expressamente consta transcrito da douta sentença recorrida, por completo ao desequilíbrio de forças e ao desequilíbrio de poder entre a ré/senhoria e a autora/arrendatária porquanto à ré e senhoria não faltariam e não faltaram candidatos para arrendar a identificada fracção “A” e a autora não tinha à data de 28.02.2020 outro espaço físico para poder arrendar e para poder continuar a laborar a não ser ter de continuar na identificada fracção “A”.
55º
Nesse sentido, a testemunha DD refere no depoimento prestado em audiência de julgamento que o acesso e a utilização pela autora de metade da fracção “A deixou de conseguir fazer-se por ter havido pela ré uma mudança do canhão da fechadura dessa mesma metade e sem que a autora, através do respectivo representante legal e sem que a própria testemunha o soubesse, tivesse obtido prévio conhecimento para o efeito e que a partir do momento em que a autora se apercebeu que era locatária de apenas de metade da fracção “A” passou em consequência a realizar o pagamento de metade dos €2.060,00 de renda.
56º
E os pagamentos realizados pela autora também provam que a autora passou, desde Maio de 2020, data a partir da qual apercebeu-se que fora enganada quanto à área locada ser apenas de metade (400m2 e metade do estacionamento exterior) e já não na totalidade de 800m2 e da totalidade do respectivo estacionamento exterior, a pagar apenas metade dos €2.060,00 por metade do locado: a autora passou a pagar €1.030,00 por 400m2 (metade) que é igual ao preço por m2 a pagar €2.060,00 por 800m2 (totalidade).
57º
Conforme resulta do contrato de arrendamento primitivo, na respectiva cláusula 4.4, junto a fls 23 dos autos e junto como DOC. 2 (e que não se mostra impugnado e nem infirmado por qualquer outra prova) com a petição inicial, a autora sempre pagou no mês anterior a renda relativa ao mês seguinte.
58º A Autora pagou a favor da ré:
a 02.12.2019, o montante de €2060,00 a título de renda de Janeiro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 54.
a 07.01.2020, o montante de €2060,00 a título de renda de Fevereiro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 55.
A 05.02.2020, o montante de €2060,00, a título da renda de Março de 2020, conforme resulta de comprovativo que se junta como a 02.03.2020, a favor da ré, e por estar convencida que continuava a ser arrendatária dos 800m2 e da totalidade do respectivo estacionamento exterior a título da renda de Abril de 2020, a quantia de €2060,00, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 57.
59º
No mês de Maio de 2020 e no mês de Junho de 2020, a autora, por se ter apercebido em Maio de 2020 que fora impedida de usar metade da fracção “A” e que fora arrendada tão-somente metade da identificada fracção “A”, não abonou qualquer pagamento à ré no mês de Maio de 2020 e não abonou qualquer pagamento à ré no mês de Junho de 2020.
60º
E o dobro da renda que a autora pagara relativamente a Março de 2020 (no valor de €2.060,00 por apenas 400m2) e relativamente a Abril de 2020 (no valor de €2.060,00 por apenas 400m2) perfez o pagamento de €4.120,00 que corresponderam aos €1.030,00 de renda relativamente a cada um dos quatro meses, a saber: Março de 2020 (€1.030,00), Abril de 2020 (€1.030,00), Maio de 2020 (€1.030,00) e Junho de 2020 (€1.030,00).
61º A autora pagou:
em junho de 2020, os €1.030,00 relativos à renda de Julho de 2020,conforme resulta dos DOC. 58 e DOC. 59 juntos com a PETIÇÃO INICIAL a 24.06.2020, pelas 12:30:41 horas, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Agosto de 2020, conforme resulta de comprovativo que se junta como DOC. 60.
a 24.06.2020, pelas 12:38:16, a favor da ré a quantia de €1030,00 relativos à renda de Setembro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 61.
a 01.07.2020, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Outubro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 62.
a 03.08.2020, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Novembro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 63.
a 01.09.2020, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Dezembro de 2020, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 64.
a 01.10.2020, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Janeiro de 2021, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 65.
a 02.11.2020, a favor da ré, a quantia de €1030,00 relativos à renda de Fevereiro de 2021, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 66.
62º
A sequência lógica dos pagamentos de €1.030,00 de renda mensal relativamente aos meses de Março de 2020 a Fevereiro de 2021 por apenas metade dos 800m2 e metade do estacionamento exterior da identificada fracção “A” é perfeitamente consentânea com o erro em que a Autora foi explorada quanto à celebração de um contrato de arrendamento igual ao anterior e primitivo contrato de arrendamento, com excepção da questão da fiança, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
63º
E, por outro lado, resulta do depoimento da testemunha DD que logo que a autora apercebeu-se que fora impedida de usar a metade da fracção “A” e que fora arrendada apenas metade da identificada fracção “A” começou a procurar outro espaço físico para instalar a oficina de reparação automóvel, até porque a partilha da identificada fracção “A” e do respectivo estacionamento exterior com a outra empresa arrendatária da outra metade da fracção “A” passou a criar dificuldades de laboração à autora, sobretudo no que concernia à entrada e saída de veículos automóveis de clientes da autora, tendo sido inclusive equacionado mudar de instalações para a garagem da casa de morada de família do legal representante da autora, o que não veio a ser possível concretizar-se
64º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
A) A Ré celebrou o contrato com a Autora no dia 28 de Fevereiro de 2020 sabendo da situação de necessidade em que a Autora se encontrava à data, por não ter outro espaço físico para onde laborar, para celebrar novo contrato de arrendamento do espaço para a autora continuar, na sobredita fracção A, a funcionar com a oficina de reparação.
DO OITAVO FACTO JULGADO ERRONEMAENTE
65º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“B) A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 explorando a situação de necessidade da Autora porquanto os elevadores, a máquina de alinhamento de pneus e todo o equipamento necessário ao funcionamento da oficina de reparação automóvel da Autora são máquinas pesadas que têm de ser desmontadas, transportadas para outro local, têm de ser montadas e têm, para poderem funcionar, de ser calibradas no novo espaço físico, o que demora no mínimo cerca de 2 a 3 meses para operacionalizar.”
66º
Primeiramente, resulta julgado provado pela sentença recorrida que:
em 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço físico para laborar senão a identificada fracção “A” e que em 28.02.2020 a oficina da autora continuava instalada na totalidade da identificada fracção “A”.
em 13 de Novembro de 2019 houve a oposição pela ré da renovação do primitivo contrato de arrendamento.
entre 13 de Novembro de 2019 e 28.02.2020 mediaram tão-somente três meses e meios: Meio mês de Novembro de 2019, Dezembro de 2019, Janeiro de 2020 e Fevereiro de 2020.
67º
E como resulta das regras da experiência comum para que a autora viesse a conseguir um novo espaço para onde mudar-se com a respectiva oficina de reparação automóvel o tempo médio para o efeito é de um ano ou de mais de um ano, ou seja, caso a autora não continuasse na identificada fracção “A” a partir de 01.03.2020 só arranjaria um novo espaço para poder continuar a laborar não antes de Novembro de 2020, o que na prática significaria deixar de poder laborar entre 01.03.2020 e Novembro de 2020, o que consubstanciar a “morte” e a insolvência da autora.
68º
Aliás, conforme resulta do depoimento da testemunha FF que confirmou que é muito difícil arranjar espaços industriais no Funchal e na ilha da Madeira e que levou mais de um ano para consegui-lo e que confirmou que as máquinas da autora não conseguem funcionar sem a respectiva calibragem, que foi tão somente possível ser prestada à autora em Abril de 2021.
69º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“B) A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 explorando a situação de necessidade da Autora porquanto os elevadores, a máquina de alinhamento de pneus e todo o equipamento necessário ao funcionamento da oficina de reparação automóvel da Autora são máquinas pesadas que têm de ser desmontadas, transportadas para outro local, têm de ser montadas e têm, para poderem funcionar, de ser calibradas no novo espaço físico, o que demora no mínimo cerca de 1 mês para operacionalizar.”
DO NONO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
70º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“C) A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 a Ré fê-lo explorando a situação de necessidade da Autora porque a autora era conhecida no mercado pelos respetivos clientes, parceiros de negócios, fornecedores, pelas empresas de reboques, como funcionando no dito espaço físico que consubstancia a supra discriminada fração A da propriedade da Ré.”
71º
A ré sabia que:
a autora laborava na identificada fracção “A” há seis anos: desde 01.03.2014 a 28.02.2020.
deduziu oposição à renovação do contrato em 12 de Novembro de 2019 e que o contrato findava no dia 28.02.2020.
a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço físico para laborar pelo que a autora ou sujeitava-se ao novo contrato de arrendamento (que posteriormente soube que era usurário) ou teria de fechar definitivamente as portas e “insolver”.
a 28.02.2020 a autora mantinha instalada a oficina na totalidade da área da identificada fracção “A”.
que é de um ano ou de mais de um ano o tempo para a autora conseguir outro espaço físico para poder laborar e sabia que caso a autora ficasse um ano sem laborar por ter de sair da identificada fracção “A” tal facto representaria a morte e a insolvência da autora.
os clientes da autora estavam habituados às instalações da autora desde 01.03.2014 e sabia que se a autora tivesse de fechar portas por não poder continuar na identificada fracção “A” perderia por esse facto a respectiva carteira de clientes (o que constitui facto notório porquanto quando uma empresa deixa de laborar os respectivos clientes passam a procurar novas empresas concorrentes e o mesmo sucederia com a autora que caso deixasse de laborar por não ter espaço físico para o efeito veria os respectivos clientes procurarem outras empresas concorrentes da autora perdendo em consequência a carteira de clientes).
72º
Ainda para mais estamos a falar de um armazém (fracção “A”) localizada num parque industrial e com afectação a armazéns e actividade industrial, conforme resulta da caderneta predial junta a fls. 25 verso e 26 dos autos, Sendo que obrigatoriamente, por lei, o novo espaço que a autora não tinha para onde mudar-se a 28.02.2020 também teria de ter afectação para armazéns e actividade industrial, o que sendo do conhecimento da ré determinou que a ré, aproveitando-se da necessidade da autora ter de continuar a arrendar a fracção “A” (licenciada apra armazéns e actividade industrial) para poder continuar a laborar, aumentasse usurariamente no novo contrato de arrendamento o preço da renda para o dobro do valor ao m2, pelo que resulta claro que a ré só deduziu oposição à renovação do primitivo contrato de arrendamento para assim poder ao abrigo do novo contrato de arrendamento aumentar o preço da renda à autora para o dobro por m2 arrendado.
73º
Só assim se explica a oposição pela ré da renovação do contrato de arrendamento primitivo para depois poder proceder à celebração de novo contrato de arrendamento com a autora e relativamente ao mesmo locado (ainda que na proporção de metade) para aumentar o preço da renda por m2 para nada mais e nada menos do que o dobro.
74º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“C) A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 a Ré fê-lo explorando a situação de necessidade da Autora porque a autora era conhecida no mercado pelos respetivos clientes, parceiros de negócios, fornecedores, pelas empresas de reboques, como funcionando no dito espaço físico que consubstancia a supra discriminada fração A da propriedade da Ré.”
DO DÉCIMO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
75º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“E) A Autora viu-se obrigada a aceitar celebrar novo contrato pelo período único de um ano, e sobre metade da fração A.”
76º
A própria sentença recorrida julgou como provado que:
a autora não tinha a 28.02.2020 outro espaço para instalar a respectiva oficina para continuar a laborar.
a 28.02.2020 a autora ainda mantinha na fracção “A” instalada a respectiva oficina.
77º
Pelo que naturalmente pela necessidade de continuar a laborar na identificada fracção “A” a autora viu-se obrigada a aceitar a celebração de novo contrato de arrendamento com a ré porquanto se não celebrasse novo contrato de arrendamento relativamente à identificada fracção “A” teria de retirar a respectiva oficina do locado em 01.03.2021 sem ter outro espaço físico para instalá-la e para poder continuar a laborar, ficando consequentemente impossibilitada de laborar a partir de 01.03.2020.
78º
Ora, parar de laborar por não ter espaço físico para o efeito significaria a “morte” ou a insolvência da autora porquanto mantendo os custos fixos, entre outros, de pagamento de salários e de todos os acréscimos legais (segurança social e IRS) e deixando de obter receitas por não ter onde instalar e consequentemente por não ter como continuar a laborar com a respectiva oficina rapidamente as despesas superariam as receitas até a um ponto de falência técnica (o que constitui facto notório) da autora e na prática a autora não teve outra solução e nem outra alternativa senão a de aceitar celebrar novo contrato de arrendamento com a ré porquanto ou celebrava o novo contrato de arrendamento com a ré e tinha espaço físico para continuar a laborar ou não celebrava com a ré novo contrato de arrendamento e não tinha espaço físico para continuar a laborar a partir de 01.03.2020.
79º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“E) A Autora viu-se obrigada a aceitar celebrar novo contrato de arrendamento com a ré por não ter a 28.02.2020 outro espaço físico para pode continuar a laborar a não ser a identificada fracção “A” da propriedade da ré.”
DO DÉCIMO PRIMEIRO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
80º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“F) A Autora assinou o contrato convencida que se mantinha a área de 800 m2.” 81º
A sentença recorrida refere que:
A Autora alega que celebrou o contrato com a Ré convencida de que o contrato previa o arrendamento de 800 m2 (data anteriormente explorada pela Autora) e não apenas 400 m2.
Tal versão foi reforçada pelo legal representante da Autora, Sr. Dr. AA, que referiu não se ter apercebido que a área arrendada era apenas de 400 m2, tendo confiado na palavra do legal representante da Ré, que lhe referiu que o contrato ficaria exatamente nos mesmos termos que o anterior, apenas com a diferença de existir uma fiança.
O legal representante da Autora referiu ainda que mesmo que se se tivesse apercebido que apenas estavam a ser arrendados 400 m2 teria celebrado o contrato, uma vez que estava numa posição de grande fragilidade.
82º
Ora, a ré alegou na respectiva contestação com reconvenção que a autora sempre arrendara, mesmo no âmbito do contrato de arrendamento primitivo, apenas metade da identificada fracção “A” e mesmo antes de ter celebrado o novo contrato de arrendamento com a ré para desta forma procurar fazer valer a tese de que o novo contrato de arrendamento era em tudo igual (quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda por m2) ao primitivo contrato de arrendamento, com excepção da prestação de fiança.
83º
Ora, a renda constante do novo contrato de arrendamento é exactamente igual à renda paga pela autora ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento: €2.060,00 mensais mas representa o dobro do preço de renda por m2 por arrendar apenas metade da identificada fracção “A”.
84º
Ora, a sinceridade do legal representante da autora, quando declarou em audiência de julgamento que mesmo que se tivesse apercebido que no novo contrato de arrendamento estavam a ser arrendados apenas 400m2 que ainda assim teria de celebrar o contrato por a autora não ter outro espaço físico para poder continuar a laborar, reforça a usura do novo contrato de arrendamento, pois que a autora não tinha outra solução senão de continuar na identificada fracção “A” e a ré aproveitando-se desse conhecimento e desse facto aproveita para no novo contrato de arrendamento aumentar o preço da renda por m2 para o dobro, o que nada tem a ver e em nada se relaciona com o facto do legal representante da autora ser advogado (experiente ou não experiente) e o que tudo a ver e em tudo se relaciona com o facto de no dia 28.02.2020 a autora não ter outro espaço físico para onde mudar-se e para poder continuar a laborar.
85º
E foi esta situação de necessidade da autora não ter a 28.02.2020 outro espaço físico para onde poder continuar a laborar que foi explorada pela ré que passou a cobrar os mesmos €2.060,00 de renda mensal por metade do locado (400m2) extactamente iguais aos €2.060,00 de renda mensal que cobrava à mesma autora pela totalidade do locado (800m2 e a totalidade do estacionamento exterior).
86º A sentença recorrida refere que:
“O legal representante referiu que apenas se apercebeu à posteriori que tinha sido arrendada apenas a área de 400 m2; porém essa versão não é minimamente lógica. Se se apercebeu à posteriori, o normal seria ter entrado em contato com o legal representante da Ré para esclarecer essa situação. Seria isso, aliás, que qualquer pessoa faria; porém, nenhuma comunicação existiu a esse respeito.”
87º
A própria sentença recorrida julgou como provado que:
“38- No dia 18 Junho de 2020, a Autora enviou email à Ré a solicitar a celebração de um novo contrato de arrendamento com a Auto Fénix Unip. Lda, bem como solicitando que a renda fosse de 1.000€.
39- A Ré rejeitou a proposta da Autora.”
88º
Pelo que a autora solicitou à ré a redução da renda para €1.000,00, o que foi categoricamente rejeitada pela ré.
89º
Pelo que a segunda “comunicação” que a autora optou por realizar em relação à ré foi precisamente a de passar a pagar metade da renda (sempre em mês ou meses anteriores ao mês a cujo pagamento da renda dizia respeito) para que o novo contrato de arrendamento ficasse (conforme consta da contestação com reconvenção da ré) igual ao primitivo contrato de arrendamento em termos de área arrendada e de preço ao metro quadrado: a autora pagou até 28.02.2020 o preço de €2.060,00 por 800m2 de locado e passou a pagar €1.030,00 por 400m2 de locado, o que se traduz no mesmo preço por m2 e que aí cumpre a igualdade quanto ao preço por m2 em relação ao primitivo contrato de arrendamento.
90º
Além do mais, a autora, após aperceber-se que a área arrendada no novo contrato de arrendamento era apenas de metade da área constante do primitivo contrato de arrendamento, fez várias propostas de redução da renda e/ou de celebração de novo contrato com a ré que foram todas rejeitadas pela ré e face à rejeição pela ré de todas as propostas realizadas pela autora, a autora não teve outra alternativa senão a de passar a pagar metade da renda pela metade do espaço arrendado e desta forma factual fugir às garras do novo contrato de arrendamento usurário (até porquanto não só não foram aceites quaisquer propostas de mudança do contrato celebrado a 28.02.2020 pela ré como a autora não tinha outro espaço físico para poder continuar a laborar a não ser na identificada fracção “A” da propriedade da ré).
91º A sentença recorrida refere que:
“No mais, se a Autora estava convencida que apenas deveria pagar metade da renda, então porque pagou 1.030,00 euros quando a Ré aceitou a redução para metade da renda nos meses de Abril e Maio? Seguindo a lógica da Autora, então a Autora nesses meses deveria ter pago apenas metade de 1.030,00 €.”
92º
Ora, a autora não pagou qualquer quantia/não transferiu qualquer quantia para a autora em Abril de 2020 e nem em Maio de 2020, conforme resulta de todos os comprovativos de pagamento juntos com a PI e aqui referenciados e discriminados na douta sentença recorrida.
93º
O que a autora fez foi o seguinte: quando em Maio de 2020 apercebeu-se que ficara sem acesso à outra metade da identificada fracção “A” e aí apercebeu-se que o novo contrato de arrendamento estabelecia o arrendamento de apenas metade da fracção “A” o pagamento de €2.060 feito em fevereiro de 2020 e o pagamento de €2.060,00 realizado em Março de 2020 totalizaram €4.120,00 que foram desdobrados em quatro pagamentos de €1.030,00 relativamente aos pagamentos das rendas de Março, Abril, Maio e Junho de 2020 e em Junho de 2020 a autora já pagou os €1.030,00 relativamente à renda de Julho e assim sucessivamente a autora pagou em mês ou em meses anteriores as rendas relativas ao mês seguinte ou a meses seguintes ao mês em que realizou o pagamento da renda de €1.030,00 como supra explicitado.
94º
E esta foi a forma (a única possível porquanto a autora não tinha outro espaço para poder continuar a laborar a não ser na identificada fracção “A” da propriedade da ré) em que a autora em estado de necessidade e em acção directa reagiu factualmente ao novo contato de arrendamento (que veio a aperceber-se ser usurário) pagando no âmbito do novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 o mesmo valor de renda por m2 que pagava ao abrigo do contrato de arrendamento primitivo.
95º
E a verdade é que a acção directa da autora passar a pagar no âmbito do novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 o mesmo valor de renda por m2 que pagava ao abrigo do contrato de arrendamento primitivo funcionou e permitiu que a autora continuasse a laborar na identificada fracção “A”, ainda que somente em metade dela, sem que a ré tivesse avançado para qualquer resolução contratual do contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020, o que permitiu à autora continuar a laborar no único espaço físico que tinha para o efeito: a identificada fracção “A”.
96º
A autora relativamente a Abril e a Maio de 2020 não pagou apenas €515,00 de renda à ré porquanto a reação de passar a pagar metade da renda foi em relação à renda estipulada no novo contrato de arrendamento que passava a cobrar os mesmos €2.060,00 por 400m2 de locado exactamente iguais aos €2.060,00 que a ré cobrava à autora por 800m2 de locado.
97º
A sentença recorrida refere que:
“O legal representante da Autora é advogado, sabendo que não pode decidir, unilateralmente, reduzir a renda a metade.”
98º
A autora não reduziu unilateralmente a renda e sim a autora em acção directa contra o contrato de arrendamento (usurário) de 28.02.2020 passou a pagar por 400m2 de locado o mesmo preço por m2 que pagava à ré por 800m2 de locado, ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento.
99º
A autora, após ser impedida de aceder á outra metade da identificada fracção “A” e após ter constatado no novo contrato de arrendamento que a área arrendada era apenas de metade reagiu da única forma que lhe foi factualmente possível reagir (até porquanto a autora continuava a precisar da identificada fracção “A” para continuar a laborar) ao novo contrato de arrendamento usurário celebrado a 28.02.2020: passar a pagar metade da renda por metade do locado e desta forma igualar a renda paga ao abrigo do contrato de arrendamento primitivo com a renda paga ao abrigo do novo contrato de arrendamento usurário de 28.02.2020.
100º
E posteriormente instaurando a autora a presente acção judicial, com o que procura a chancela judicial da referida acção directa (consubstanciada no pagamento da renda de €1.030 por 400m2 de locado o que é exactamente igual aos €2.060,00 pagos por 800m2 de locado) que tomou em estado de necessidade e em acção directa por não ter outro espaço para poder continuar a laborar senão na identificada metade da fracção “A” e desta forma reagir contra o contrato de arrendamento (usurário) de 28.02.2020 que aumentou a renda à autora para o dobro do preço por m2 sabendo que a autora não tinha como continuar a laborara a não ser na identificada fracção “A”.
101º
Aliás, se a ré não tivesse intenção de aumentar a renda para o dobro do preço nem teria deduzido oposição à renovação do contrato de arrendamento primitivo, sendo que a dedução pela ré de oposição à renovação do contrato primitivo para depois vir a celebrar novo contrato com a mesma inquilina/arrendatária evidencia a estratégia antecipadamente arquitectada pela ré de vir aumentar para o dobro o preço da renda por m2.
102º
A sentença recorrida refere que:
“O que sucedeu no caso em apreço é que após ter sido acordada a redução da renda a metade para os meses de Abril e Maio (e só para esses, como se verá infra), o legal representante da Autora decidiu não voltar a pagar a quantia contratada de 2.060,00 €.
Tão simples quanto isso, não restando quaisquer dúvidas ao Tribunal que assim foi.”
103º
Ora, não foi isso que aconteceu e tanto assim é que a autora não efectuou qualquer pagamento em Abril e em Maio de 2020 à ré.
104º
Pelo contrário, a autora pagou:
em Fevereiro de 2020 a renda de Março de 2020. em Março de 2020 a renda de Abril de 2020.
105º
E a autor quando se apercebeu em maio de 2020 que fora impedida de aceder à outra metade e que o novo contrato de arrendamento arrendava apenas metade da dita fracção “A” realizou o pagamento das rendas em metade do preço de €2.060,00, conforme supra explanado como única forma possível de reagir factualmente, e em acção directa em estado de necessiadade, ao novo contrato de arrendamento usurário que passara a cobrar à autora de renda o dobro do preço ao m2.
106º
A verdade é que a ré apresentou no dia 28.02.2020 no escritório do legal representante da autora o novo contrato de arrendamento à autora como sendo em tudo igual ao primitivo contrato de arrendamento (como a própria ré alega na douta contestação que a autora já ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento já só arrendara metade da fracção “A”), com excepção da prestação de fiança que a autora teve de aceitar por não ter outro espaço físico para poder continuar a laborar a não ser na identificada fracção “A”.
107º
E daí a razão de ser da ré ter alegado, com violação da verdade material, na contestação que a ré sempre fora arrendatária de apenas metade da identificada fracção “A” correspondente a 400m2 porquanto só usava essa área antes do novo contrato celebrado com a ré para tentar convencer o Tribunal que o contrato de arrendamento de 28.02.2020 era em tudo igual ao primitivo contrato de arrendamento quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda por m2, com excepção da prestação da fiança.
108º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“F) A Autora assinou o contrato convencida que se mantinha a área de 800 m2.”
DO DÉCIMO SEGUNDOO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
109º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“G) A Autora começou a pagar 1.030,00 € quando se apercebeu que a área arrendada era apenas de 400m2.”
110º
É o que resulta:
do supra exposto e, de igual modo, dos pagamentos das rendas supra referenciados/discriminados relativos às rendas de Março de 2020 a Fevereiro de 2021.
do facto da autora ter pago, a 02.12.2020, a favor da ré a quantia de €1030,00 relativa à renda de Março de 2021, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 67.
do facto da autora ter pago a 01.03.2021, a favor da ré a quantia de €1030,00 relativa à renda de Março de 2021, conforme resulta de comprovativo junto à PI como DOC. 68.
111º
E o dito pagamento a 01.03.2021 revela e prova que a autora quando realizou o pagamento da renda de abril de 2021 no montante de €1.030,00 ainda desconhecia a data em que os funcionários da empresa Conversa de Mãos Lda deslocar-se-iam à Madeira para efectuar a calibragem das máquinas e dos elevadores que compunham a oficina da Autora e daí a razão de ser do pedido da autora de condenação da ré a devolver à autora os €549,34 pagos além dos €480,66 devidos pelos 14 dias de renda de Abril de 2021.
112º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“G) A Autora pagou 1.030,00 € de renda mensal quando se apercebeu que a área arrendada era apenas de 400m2.”
DO DÉCIMO TERCEIRO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
113º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“H) Na cidade do Funchal são e eram, no ano de 2020, escassos outros armazéns onde pudesse funcionar a oficina de reparação automóvel da autora.”
114º
A douta sentença recorrida refere que:
“Relativamente ao facto H), inexistiram elementos concretos que permitem considerar provado que o número de armazéns onde pudesse funcionar a oficina da Autora eram escassos.
O Funchal é uma cidade de dimensão considerável, existindo seguramente diversos espaços suscetíveis ao efeito pretendido pela Autora, tanto que a Autora acabou por abandonar as instalações da Ré.
Pelo exposto, apesar de ser de escassa relevância para a decisão a proferir, resultou como não provado o facto H).”
115º
Os depoimentos das testemunhas DD e de EE que não se mostram infirmados por qualquer outra prova produzida em audiência de julgamento comprovam que em 2020 não só não eram escassos os espaços para onde a autora se pudesse mudar A PARTIR DE 28.02.2020 para poder continuar a laborar como a autora não tinha qualquer outro espaço a 28.02.2020 para onde se pudesse mudar, tendo sido considerado para o efeito inclusive a utilização da garagem da casa de morada de família do legal representante da autora, mas que não foi possível até porque estando licenciada para habitação própria e permanente não se mostra licenciada para armazém e actividade industrial (o que constitui facto notório).
116º
E a sentença recorrida ao referir que a escassez de espaços para onde a autora se pudesse mudar para continuar a laborar é de pouca relevância para a decisão a proferir revela que o Tribunal recorrido desatendeu aos factos que julgou como provados que em 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço para onde laborar e que em 28.02.2020 tinha a oficina instalada na identificada fracção “A” e, por outro lado, revela que a sentença recorrida erroneamente desatendeu à importância da autora não ficar a partir de 01.03.2020 sem laborar permanentemente na identificada fracção “A” (por não ter outro espaço físico para o efeito) tal qual o fazia e era conhecida desde 01.03.2014 (e há seis anos) até 28.02.2020.
117º
E a ré sabendo que a autora não tinha a 28.02.2020 outro espaço para onde poder continuar a laborar passa em novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020 a cobrar à mesma inquilina e ora autora o dobro (100% a mais) do valor de renda por m2 que cobrava à autora ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento (apesar da ré alegar na douta contestação com reconvenção que só era arrendatária de metade da fracção “A” ao abrigo do contrato primitivo de arrendamento e mesmo antes de celebrar o novo contrato de arrendamento).
118º
A factualidade de que os espaços eram escassos resultou, de igual modo, comprovado do depoimento da testemunha FF que referiu que é muito difícil encontrar um armazém industrial onde montar uma oficina até por experiência própria e que levou mais de um ano para ele próprio conseguir fazê-lo.
119º
Do depoimento da testemunha DD e do depoimento da testemunha EE resultam que não havia outros espaços físicos a
28.02.2020 para onde instalar a oficina da autora e que inclusive chegou a ser considerada como última hipótese a de utilizar para o efeito a garagem da casa de morada de família do legal representante da autora, o que não se mostrou viável.
120º
E constitui facto notório que se no ano de 2020 não fossem escassos os armazéns para onde pudesse funcionar a oficina da autora e que se a autora não tivesse de permanencer na identificada fracção “A” para poder continuar a laborar teria em Maio de 2020 a autora se mudado (porque nem a autora e nem qualquer empresa aceitaria um aumento para o dobro da renda por m2, o que constitui facto notório) para outro espaço físico quando se apercebera em Maio de 2020 que fora objecto de um contrato de arrendamento usurário que cobrava os mesmos €2.060,00 de renda mensal para a metade da área do contrato de arrendamento primitivo.
121º
Ou seja, a autora estava desde 01.03.2014 na totalidade (800m2) da identificada fracção “A” a laborar e quando em Maio de 2020 se apercebe que houvera erro quanto à área arrendada (apenas 400m2) e quanto ao preço de renda por m2 teria se houvesse outro espaço físico para arrendar e para laborar arranjado de imediato um novo espaço físico de 800m2 pelos mesmos €2.060,00 de renda ou teria arranjado de imediato um novo espaço de 400m2 pelos mesmos €1.030,00 de renda e só não o fez porque não havia outro espaço físico para onde se pudesse mudar e continuar a laborar porquanto não estaria pra sujeitar-se a um aumento de renda por m2 par o dobro do preço (o que constitui facto notório)
122º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“H) Na cidade do Funchal são e eram, no ano de 2020, escassos outros armazéns onde pudesse funcionar a oficina de reparação automóvel da autora e a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço apra continuar a laborar que não a identificada fracção “A”.”
DO DÉCIMO QUARTO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
123º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“I) A Autora não tinha a 28 de Fevereiro de 2020 como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social, designadamente para continuar a funcionar com a respetiva oficina de reparação automóvel, a não ser por continuar a arrendar a fração da propriedade da ré.”
124º
A douta sentença recorrida refere expressamente que:
“Quanto aos factos I) e J), os mesmos demonstraram-se como não provados. A Autora tinha um contrato de 05 anos em vigor antes de celebrar o contrato com a Ré, motivo pelo qual teve tempo mais que suficiente para planear a mudança de instalações.
Assim, se a Autora não diligenciou nesse sentido tal não pode ser imputado à Ré.”
125º
A sentença recorrida olvida:
tudo o supra exposto.
que tão-somente em 12 de Novembro de 2019 é que a ré deduziu oposição à renovação do contrato primitivo de arrendamento.
que entre 12 de Novembro de 2019 e 28.02.2020 distam apenas 3 meses e meio.
que o prazo razoável para a autora encontrar um novo espaço licenciado apra actividade industrial para mudar-se é ligeiramente superior a um ano e que se a autora saísse a 01.03.2020 do locado da propriedade da ré só conseguiria arranjar novo espaço para sensivelmente Novembro de 2020, o que obrigaria a autora a ficar sem laborar de 01.03.2020 a, pelo menos, Novembro de 2020.
os factos que julgou como provados de que a autora não tinha a 28.02.2020 outro espaço físico para continuar a laborar e que a 28.02.2020 mantinha a oficina montada na identificada fracção “A”.
126º
Ora, e se a inexistência a 28.02.2020 de outro espaço para a autora poder continuar a laborar não pode ser imputado à ré o mesmo não poderá dizer-se do facto da ré passar a cobrar no novo contrato de arrendamento o dobro da renda por m2 à autora precisamente por a 28.02.2020 celebrar o novo contrato de arrendamento em causa nos presentes autos sabendo que a ré a 28.02.2020 não tinha outro espaço para poder continuar a laborar.
127º
Até seria admissível a ré ter aumentado no novo contrato de arrendamento o valor da renda ao m2 mas jamais para o dobro do valor (e o aumento do valor da renda para o dobro do preço por m2 é inteira e usurariamente imputável à ré).
128º
E se a ré queria manter o contrato em tudo igual ao primitivo contrato de arrendamento porque é que deduziu oposição à renovação do contrato de arrendamento primitivo? Ora, fê-lo já com a estratégia antecipada de aumentar à mesma inquilina e ora autora o preço da renda ao m2 para o dobro do preço.
129º
Até porque de acordo com a regras da experiência comum se a autora tivesse um outro espaço físico para poder continuar a laborar que não a identificada fracção “A” jamais sujeitar-se-ia à usura do aumento para o dobro do preço de renda por m2, o que constitui facto notório e que aqui se invoca, tudo apra todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
130º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“I) A Autora não tinha a 28 de Fevereiro de 2020 como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social, designadamente para continuar a funcionar com a respetiva oficina de reparação automóvel, a não ser por continuar a arrendar a fração da propriedade da ré.”
DO DÉCIMO QUINTO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
131º
Pelo até aqui exposto, o Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“K) A Ré obteve com o novo contrato de arrendamento celebrado a 28 de Fevereiro de 2020 uma vantagem pecuniária excessiva e injustificada de 100% e que é manifestamente desproporcionada ao arrendamento de metade da área, que é de 400m2, anteriormente arrendada até 28.02.2020, que era de 800m2.”
132º
A ré cobrava da autora, ao abrigo do contrato de arrendamento primitivo, uma renda de €2.060,00 por uma área arrendada de 800m2 e com o novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020, sabendo que a autora não tinha outro espaço para poder continuar a laborar, passou a cobrar a mesma renda de €2.060,00 por apenas uma área de 400m2, o que significa que a ré passou a cobrar de renda mensal o dobro do preço por m2 arrendado, o que configura a prática de usura civil.
133º
A douta sentença recorrida afirma expressamente que:
“Relativamente ao facto K), o mesmo demonstrou-se como não provado em virtude de não se vislumbrar qualquer vantagem pecuniária excessiva e injustificada de 100% que seja manifestamente desproporcional.
Sem prejuízo das considerações jurídicas necessárias à boa decisão desta matéria (que serão analisadas infra), as partes acordaram em celebrar um contrato, independente do que vigorava anteriormente, em que era arrendada a área de 400 m2 pelo preço de 2.060,00 €.
Não se vislumbra nisso qualquer vantagem pecuniária excessiva, uma vez que a Autora e Ré negociaram e acordaram esse contrato, no âmbito da liberdade contratual.”
134º
A douta sentença recorrida olvida uma vez mais os factos que julgou como provados de que a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço físico para continuar a laborar e que a 28.02.2020 a oficina da autora continuava montada na identificada fracção “A” e que a ré sabendo que a autora não tinha outo espaço físico passou a cobrar a partir de 01.03.2020 o dobro do preço da renda por m2 que cobrou até 28.02.2020 quando a liberdade contratual da autora era a de ou garantir a continuidade da laboração na identificada fracção “A” ou de não o garantindo fechar as portas e deixar de poder laborar por não ter outro espaço físico para o efeito.
135º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“K) A Ré obteve com o novo contrato de arrendamento celebrado a 28 de Fevereiro de 2020 uma vantagem pecuniária excessiva e injustificada de 100% e que é manifestamente desproporcionada ao arrendamento de metade da área, que é de 400m2, anteriormente arrendada até 28.02.2020, que era de 800m2.”
DO DÉCIMO SEXTO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
136º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“J) Para remoção da maquinaria da oficina de reparação automóvel é necessária uma preparação logística de semanas.”
DO DÉCIMO SÉTIMO FACTO JULGADO ERRONEAMENTE
137º
O Tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provado que:
“L) O estado de emergência que começou em 06 de Novembro de 2020 e que vigorou até 15 de Abril 2021 impossibilitou entre Janeiro a Março de 2021 a empresa Conversa de Mãos Lda., sediada no Porto, de configurar a calibragem das máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis explorada pela autora porquanto os voos entre o continente português e a Ilha da Madeira estavam a ser desaconselhados pelas autoridades portuguesas e porque a própria empresa Conversa de Mãos Lda. quis proteger os respetivos funcionários do risco de infeção pelo vírus covid-19.”
138º
A sentença recorrida refere expressamente que:
“A Autora alega na presente ação que apenas lhe foi possível entregar as instalações no dia 14 de Abril de 2021, uma vez que até Março de 2021 a empresa capaz de proceder à calibragem das máquinas da Autora esteve impedida de se deslocar à R.A.M. porque esteve vigente o estado de emergência até ao dia 15 de Abril de 2021.
Esta argumentação não merece acolhimento e pouco sentido faz.
Em primeiro lugar, foi celebrado um contrato pelo prazo de um ano, em Fevereiro de 2020, tendo o primeiro estado de emergência em Portugal sido declarado em Março de 2020; ou seja, em Março de 2021 já não se verifica uma alteração superveniente e extraordinária das circunstâncias (conforme será melhor abordado infra), tendo tido a Autora tempo mais que suficiente para acautelar a sua saída.
No mais, a incongruência do alegado em sede de petição inicial é evidente, uma vez que a Autora alega que não foi possível à sociedade de calibragem viajar enquanto vigorou o estado de emergência, que vigorou até dia 15 de Abril de 2021; todavia, a chave foi entregue no dia 14 de Abril de 2021, ou seja, foi entregue durante a vigência do estado de emergência.
Não se verifica, assim, nenhuma causa ou motivo que justifique a entrega tardia da chave por parte da Autora.
Pelo exposto, resultaram como não provados os factos L) a N).”
139º
A sentença recorrida olvida que julgou como provado:
“33- Em Portugal o estado de emergência esteve em vigor de 19.03.2020 até 02.05.2020 e de 06.11.2020 até 30.04.2021.”
140º
E o facto da empresa Conversa de Mãos Lda ter optado, na sequência da existência do estado de emergência que vigorou de 06.11.2020 até 15.04.2021
e que não foi imputável a qualquer título à autora, por não fazer viajar os seus funcionários de Janeiro a Março de 2021 à Ilha da Madeira para calibrar a maquinaria da autora, tendo-o feito tão somente em Abril de 2021 não é, a qualquer título, imputável à autora, sendo que aquele serviço de calibragem da maquinaria da autora era condição sine qua non para que a autora pudesse passar a funcionar noutro espaço físico com as máquinas tecnicamente calibradas e consequentemente aptar a funcionarem.
141º
E em Março de 2021 verifica-se uma alteração superveniente e extraordinária das circunstâncias consubstanciada na existência do estado de emergência vigente de 06.11.2020 a 15.04.2021 que impediu que:
De Janeiro a Março de 2021 tivessem podido ser prestados os serviços de calibragem pela empresa Conversa de Mãos Lda à autora;
a 28.02.2021 o contrato de arrendamento em causa nos autos tivesse terminado e consequentemente fez com que se tivesse prolongado até 14.04.2021;
142º
Tanto mais que a 27.11.2020 a autora não tinha como prever que o estado de emergência que veio a ser decretado em 06.11.2020 viesse a vigorar até 15.04.2021 e que nessa sequência a empresa Conversa de Mãos Lda não viesse a prestar os serviços de calibragem de Janeiro a Março de 2021 e que só os viesse a prestar à autora em Abril de 2021.
143º
Não há incongruência nenhuma no facto da empresa Conversa de Mãos Lda ter, em função do estado de emergência vigente de 06.11.2020 a 15.04.2021, optado por não viajar para a Ilha da Madeira e por não prestar em Janeiro de 2021, em Fevereiro de 2021 e em Março de 2021 os serviços de calibragem da maquinaria da oficina da autora e tê-lo decidido realizar tão-somente em Abril de 2021.
144º
E resulta que as máquinas da oficina da autora só podem laborar depois de serem objecto de calibragem e consequentemente para não voltar a correr o risco de ficar sem laborar a autora só pôde mudar a maquinaria da sua oficina da identificada metade da fracção “A” para o novo espaço físico depois da Conversa de Mãos Lda estar em Abril de 2021 na Madeira para poder calibrar e por ter calibrado tal maquinaria no novo espaço físico para onde a autora se mudou em abril de 2021, o que justificou a entrega pela autora das chaves à ré apenas no dia 14.04.2021.
145º
E por consequência da presente factualidade (da vigência do estado de emergência de 06.11.2020 a 15.04.2021 e de só em Abril de 2021 a calibragem ter sido possível realizar-se) que consubstancia alteração superveniente das circunstância em que fora celebrado o contrato de arrendamento em 28.02.2020 o contrato de arrendamento estendeu-se até ao dia 14.04.2021 porquanto se não tem sido a vigência do estado de emergência e a consequente vinda tão-somente em Abril de 2021 dos serviços de calibragem o contrato de arrendamento teria findado no dia 28.02.2021, factualidade esta que resulta do depoimento da testemunha DD.
146º
E neste sentido, a testemunha FF referiu no respectivo depoimento que a maquinaria da oficina da autora, designadamente os elevadores e a máquina de alinhamento dos pneus têm de ser calibrados para poderem funcionar e de forma correcta e que na Ilha da Madeira não há empresas que forneçam esses serviços de calibragem, sendo tão somente empresas do continente português que têm de deslocar-se à Ilha da Madeira para prestar tais serviços de calibragem (facto que também não é imputável à autora).
147º
E neste sentido, a testemunha DD referiu no respectivo depoimento que:
A empresa Conversa de Mãos Lda é sediada no Porto;
Que dado o estado de emergência, a dita empresa Conversa de Mãos Lda, até para protecção dos respectivos funcionários, não deslocou-se entre Janeiro a Março de 2021 à Ilha da Madeira para efectuar o serviço de calibragem da maquinaria da oficina da autora;
Que a mencionada empresa Conversa de mãos Lda só deslocou-se à Ilha da Madeira em Abril de 2021 e só em Abril de 2021 procedeu à calibragem da maquinaria da oficina da autora no novo espaço físico.
Que após a retirada da identificada fracção ”A” da maquinaria que compunha a oficina da autora e a conclusão da respectiva limpeza da dita metade da fracção “A”, as chaves foram entregues em Abril de 2021 pelo legal representante da autora ao legal representante da ré.
148º
Por outro lado, resulta das declarações de parte do legal representante da autora que após a conclusão dos trabalhos de transferência da oficina para outro espaço físico e dos trabalhos de limpeza do locado as chaves puderam ser entregues no dia 14.04.2021 ao legal representante da ré, com o consequente términus a 14.04.2021 do contrato de arrendamento que pela referida alteração superveniente das circunstâncias não imputável à autora (conforme resulta do email de fls. 65 dos autos) determinou o prolongamento do contrato de arrendamento de 01.03.2021 até 14.04.2021.
149º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“J) Para remoção da maquinaria da oficina de reparação automóvel é necessária uma preparação logística de semanas.”
150º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“L) O estado de emergência que começou em 06 de Novembro de 2020 e que vigorou até 15 de Abril 2021 impossibilitou entre Janeiro a Março de 2021 a empresa Conversa de Mãos Lda., sediada no Porto, de configurar a calibragem das máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis explorada pela autora porquanto os voos entre o continente português e a Ilha da Madeira estavam a ser desaconselhados pelas autoridades portuguesas e porque a própria empresa Conversa de Mãos Lda. quis proteger os respetivos funcionários do risco de infeção pelo vírus covid-19.”
151º
Ou deverá ser julgado pelo Tribunal ad quem como provado que:
A empresa Conversa de Mãos Lda., sediada no Porto, dado o estado de emergência que começou em 06.11.2020 e que vigorou até 15.04.2021, e por querer proteger os respectivos funcionários do risco de infecção pelo vírus covid-19, de Janeiro a Março de 2021 não viajou para a Ilha da Madeira e não configurou a calibragem das máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis da autora, tendo-o conseguido realizar, por decisão própria, tão-somente em Abril de 2021.
152º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“M) Somente em Abril de 2021, a empresa Conversa de Mãos Lda. Logrou calibrar as máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis explorada pela Autora.”
153º
Pelo exposto, deverá ser julgado (o que se requer) como provado pelo Tribunal ad quem que:
“N) Somente no dia 14 de Abril de 2021 a Autora pôde entregar as chaves à Ré.”
DA SUBSUBÇÃO JURÍDICA
154º
O contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré é um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo e fiança em que a ré passou a partir de 01.03.2020 a cobrar de renda mensal o dobro do preço de renda por m2 arrendado e relativamente ao preço que cobrou até 28.02.2020 bem sabendo que a autora não tinha a 28.02.2020 outro espaço físico para continuar a laborar a não ser a identificada fracção “A” onde laborava desde 01.03.2014, pelo que mostram-se cumpridos e preenchidos todos os requisitos da usura civil previstos no artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
155º
Deverá o contrato ser, de igual modo, modificado por erro, porquanto:
A ré convenceu a autora que o novo contrato em tudo seria igual ao contrato primitivo, com a excepção da prestação da fiança (e inclusive a ré continuou a insistir na contestação que no contrato primitivo a autora sempre fora arrendatária apenas de metade da fracção “A” -o que foi julgado correctamente como não provado – e que desta forma o novo contrato de arrendamento de 28.02.2020 seria igual ao primitivo contrato de arrendamento) e por isso a autora celebrou o novo contrato de arrendamento convencida que se mantinha em tudo igual (quer quanto á área arrendada e quer quanto ao preço da renda por m2) ao primitivo contrato, com excepção da prestação de fiança.
156º
Pelo que, para além do fundamento da existência de usura na celebração do novo contrato de arrendamento de 28.02.2020, o contrato de arrendamento ora em causa deverá ser modificado com base no erro da área arrendada no novo contrato não ser a mesma de 800m2 prevista no contrato de arrendamento primitivo, onde a ré também assumiu a posição de senhoria, e por a autora ter sido induzida em erro que o preço da renda manter-se-ia igual ao preço da renda constante do primitivo contrato de arrendamento.
157º
A sentença recorrida refere expressamente que:
“Aqui chegados, é entendimento do Tribunal que a pandemia de COVID 19 configura, efetivamente uma causa suscetível de enquadrar a alteração das circunstâncias; porém, a Autora não demonstrou quaisquer factos que demonstrem que as exigências por ela assumidas violem gravemente os princípios da boa fé.”
158º Ora, a verdade é que:
a autora e a ré celebraram a 28.02.2020 novo contrato de arrendamento pelo prazo de um ano.
a autora, em 27.11.2020, deduziu oposição à renovação do contrato de arrendamento ora em causa.
159º
Pelo que o contrato de arrendamento deveria ter terminado em 01.03.2021. 160º
Todavia, em 27.11.2020 a autora não tinha como saber:
que o estado de emergência vigoraria até 15.04.2021.
que a empresa Conversa de mãos Lda, com sede no Porto, por causa do estado de emergência e por opção própria de proteger os respectivos funcionários da contaminação pelo vírus da covid 19 só viria a realizar o serviço de calibragem das máquinas da autora em Abril de 2021.
161º
A pandemia covid 19 e o estado de emergência que veio a ser decretado a 06.11.2020 e que vigorou até dia 15.04.2021 e a impossibilidade da empresa Conversa de Mãos Lda realizar de Janeiro a Março de 2021 a calibragem das máquinas da autora configuram uma alteração superveniente das circunstâncias em que o contrato de arrendamento foi celebrado a 28.02.2020 que demonstram e que provam que a exigência assumida pela autora do contrato de arrendamento findar em 01.03.2021 viola gravemente os princípios da boa-fé porquanto a 27.11.2020 a autora não tinha como saber que o estado de emergência vigoraria até 15.04.2021 e não tinha como saber que a empresa Conserva de Mãos Lda, na sequência do estado de emergência e para protecção dos respectivos funcionários do risco de contaminação pelo vírus covid-19, não prestaria de Janeiro de 2021 a 28.02.2021 e nem em Março de 2021 os serviços de calibragem das máquinas da autora, serviço sem o qual as máquinas não podiam passar a funcionar no novo espaço físico, conforme resulta do email de 28.02.2021, pelas 21:30 horas, junto aos autos a fls. 65 e que não se mostra infirmado por qualquer outra prova produzida nos autos.
162º
Razões pelas quais o contrato de arrendamento não terminou no dia 28.02.2021 e prolongou-se até dia 14.04.2021, data em que após a conclusão da limpeza do locado, da retirada da maquinaria da oficina da autora do locado e da respectiva calibragem no novo espaço físico foi possível entregar as chaves do locado à ré e nesse dia 14.04.2021 foi possível findar o contrato de arrendamento, o que se requer que seja julgado como provado pelo Tribunal ad quem.
163º
Razões pelas quais a sentença recorrida julgou erroneamente como provado que:
31- O contrato findou em 01 de Março de 2021.”
164º
Pelo que deverá ser julgado como provado, o que se requer, conforme fundamentação supra e infra que aqui dá-se por reproduzida, pelo Tribunal ad quem que:
“31- O contrato findou em 14.04.2021.”
165º
Razões pelas quais a sentença recorrida julgou erroneamente como provado que:
“32- A Autora apenas entregou o locado em 14 de Abril de 2021, comunicando à Ré que tal se devia à vigência do estado de emergência.”
166º
Pelo que deverá ser julgado como provado, o que se requer, conforme fundamentação infra que aqui dá-se por reproduzida, pelo Tribunal ad quem que:
32- O contrato de arrendamento findou em 14 de Abril de 2021 por alteração superveniente das circunstâncias não imputável à autora.”
DO DEVER DE NÃO PAGAR INDEMNIZAÇÃO PELA AUTORA À RÉ
167º
A sentença recorrida refere expressamente que:
O contrato celebrado entre as partes previa que “se logo que finde o contrato o local arrendado não for restituído por causa imputável à arrendatária fica esta obrigada a pagar ao senhorio, a titulo de indemnização e até ao momento da restituição, o dobro da renda mensal estipulada por cada mês de mora, ou por cada dia de atraso”.
A Autora alega que apenas entregou o locado no dia 14 de Abril de 2021 e não no dia 01 de Março de 2021, devido à situação pandémica, que apenas findou no dia 15 de Abril de 2021, não tendo sido possível assegurar o transporte da maquinaria em data anterior.
Em primeiro lugar, já foram explanadas em sede de fundamentação da matéria de facto a incongruência dessa alegação.
A Autora refere que não pode entregar o locado anteriormente porque não conseguiu proceder à mudança das máquinas devido à vigência do estado de emergência, que vigorou até ao dia 15 de Abril de 2021; porém, entregou o locado dia 14 de Abril de 2021.
No mais, a Autora teve um ano para preparar a mudança de instalações, já sob o contexto de pandemia de COVID 19.
Se a Autora não logrou efetuar a mudança até ao dia 01 de Março de 2021, apenas à própria tal é imputável.
Pelo exposto, caberá à Autora o pagamento dos montantes pelo atraso do locado, não cumprindo declarar a sua desresponsabilização pelo pagamento dos mesmos.”
168º
A sentença recorrida olvida:
o supra exposto.
que Na audiência de julgamento resultou do depoimento das testemunhas FF e DD que não existem na Ilha da Madeira empresas que prestem serviços de calibragem e que a maquinaria da autora sem ser calibrada não pode funcionar, pelo que consequentemente a mudança dessa maquinaria sem a calibragem representaria a impossibilidade da autora laborar no novo espaço físico, razões pelas quais a autora teve de permanecer na identificada fracção “A até dia 14.04.2021.
169º
Razões pelas quais a autora manteve-se a laborar no locado para além de 28.02.2021 e razões, pelas quais, como supra referenciado, o contrato de arrendamento por alteração superveniente das circunstâncias em que fora celebrado em 28.02.2020 prolongou-se até 14.04.2021.
170º
Só tendo sido possível à autora concretizar a mudança da maquinaria para o novo espaço físico quando por razões relacionadas com o estado de emergência que vigorou desde 06.11.2020 até 15.04.2021 só foi possível à empresa Conversa de Mãos Lda realizar tão-somente em abril de 2021 a prestação dos serviços de calibragem da maquinaria da autora com a consequente possibilidade de continuação da laboração da autora no novo espaço físico.
171º
Pelo que cai por terra a fundamentação da sentença recorrida de que se a mudança da oficina não ocorreu até 01.03.2021 apenas é imputável à autora, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
172º
Pelo que deverá ser julgado como provado pelo Tribunal ad quem que o contrato de arrendamento pela referida alteração superveniente das circunstâncias em que foi celebrado a 28.02.2020 prolongou-se até 14.04.2021 e que não deve ser a autora condenada a pagar qualquer indemnização à ré, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DA SUPOSTA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA AUTORA
173º
A sentença recorrida refere expressamente que:
“A Autora, cujo legal representante é advogado, veio deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia nem poderia ignorar.
A Autora celebrou um contrato de forma livre e dentro da liberdade contratual que a lei estabelece, tendo, posteriormente vindo a alegar usura e aproveitamento por parte da Ré, alegando, ainda, não se ter apercebido de que havia celebrado o contrato de arrendamento por 400 m2, apresentando uma versão que não mereceu qualquer credibilidade pelo Tribunal.
Assim, será a Autora condenada ao pagamento da Ré do montante de 1.020,00 €, correspondente a 10 unidades de conta, entendendo-se esse valor justo e adequado, tendo por base os parâmetros da equidade.
174º
A sentença recorrida entende que por a autora não ter, no respectivo julgamento erróneo, provado a usura (que está mais do que provada até pelo facto da ré na constetsação alegar que a autora fora só arrendatária de metade da identificada fracção “A” ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento apra fazer valer a teste que o novo contrato de arrendamento em tudo manteve-se igual ao primitivo contrato de arrendamento) do contrato de arrendamento de 28.02.2020, por falta de alegada credibilidade, que deverá ser condenada no pagamento à ré do montante de €1.020,00.
175º
Ora, a usura do contrato de arrendamento de 28.02.2020 mostra-se provada nos presentes autos, pelo que a condenação da autora no pagamento à ré de €1.020,00 a título de litigância de má-fé configura um autêntico erro de julgamento que aqui se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA RÉ
176º A ré:
alegou na contestação que a autora, mesmo ao abrigo do contrato de arrendamento primitivo, sempre fora arrendatária de metade da identificada fracção “A”, mesmo antes de ter celebrado o novo contrato de arrendamento com a autora.
induziu em erro a autora na celebração do novo contrato de arrendamento que em tudo era igual ao primitivo contrato de arredamento, com excepção da prestação de fiança.
passou a cobrar à autora os mesmos €2.060,00 pelos 800m2 em que fora ao abrigo do primitivo contato de arrendamento senhoria da autora pelos 400m2 constantes no novo contrato de arrendamento de 28.02.2020 sabendo que a 28.02.2020 a autora não tinha outro espaço para continuar a laborar a não ser a identificada fracção “A” que locava desde 01.03.2014 até 28.02.2020.
pretendeu provar (conforme consta da respectiva contestação com reconvenção) em Tribunal que a autora sempre, mesmo ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento, arrendara apenas os 400m2 da identificada fracção “A”, mesmo antes de celebrar a 28.02.2020 o novo contrato de arrendamento para querer fazer valer a tese que o contrato de arrendamento de 28.02.2020 arrendara à autora os mesmos 400m2 que a autora sempre ocupara ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento quando a ré sabe e tinha o dever de saber que ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento a autora arrendara a totalidade da identificada fracção “A e não apenas a respectiva metade.
177º
Pelo que a ré por ter deduzido esta pretensão cuja falta de fundamento não devia e nem poderia ignorar deverá ser condenada como litigante de má fé tal qual mostra-se peticionado pela autora na respectiva petição inicial, tudo com todas as legais consequências.
178º
A douta sentença recorrida refere que:
No mais, é nosso entendimento que a Ré não pode exigir na pretende ação os valores.
O contrato previa expressamente que “no momento da restituição do Local Arrendado haverá lugar a vistoria a realizar pelo SENHORIO ou por quem o representar, na presença da ARRENDATÁRIA, sendo lavrado o respetivo auto, do qual se fará constar as anomalias que não sejam, em opinião do SENHORIO ou de quem o representar, decorrentes de uso normal e prudente da área dada em arrendamento, e o prazo eventualmente requerido para as eliminar, sendo o referido auto assinado por ambas as partes” e que “caso a Arrendatária não elimine as anomalias detetadas e devidamente registadas poderá o SENHORIO mandar executá-las, exigindo á ARRENDATÁRIA o reembolso de todas as despesas em que haja fundadamente incorrido, por força de tal execução, comprometendo-se a ora ARRENDATÁRIA a pagar as mesmas”.
A Ré abdicou dessa vistoria, não tendo interpelado a Autora para eliminar as anomalias detetadas. Assim sendo, não pode agora vir exigir este valor, uma vez que tal conduta consubstancia abuso de direito, na modalidade de veniere contra factum proprium, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.
179º
Pelo facto da ré, conforme consta da sentença recorrida, ter manifestamente actuado em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium deverá, de igual modo, ser condenada como litigante de má fé nos termos peticionados na PI, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
180º
Cumpre realçar que as declarações de parte, os depoimentos e os documentos mencionados nestas alegações de recurso não se mostram impugnados e nem infirmados por qualquer prova produzida em audiência de julgamento, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
181º
Pelo exposto, a recorrente peticiona que o Tribunal ad quem julgue como revogada a douta sentença recorrida na parte em que mostra-se recorrida e em consequência julgue como procedentes todos os pedidos constantes da petição inicial da autora, tudo para todos os efeitos leais, tudo com todas as legais consequências.
DAS INCONSTITUCIONALIDADES
182º
No âmbito do primitivo contrato de arrendamento: a ré foi senhoria da autora;
a autora foi arrendatária da ré.
o locado consistiu na totalidade da identificada fracção “A” de 800m2 e a renda cobrada, até 28.02.2020, pela ré à autora pelos 800m2 foi de €2.060,00 mensais.
183º
No âmbito do novo contrato de arrendamento celebrado a 28.02.2020: a ré continuou a ser senhoria da autora.
a autora continuou a ser arrendatária da ré.
o locado consistiu na metade (400m2) da identificada fracção “A” e a renda cobrada pela ré à autora pelos 400m2 continuou a ser de €2.060,00 mensais, pelo que a ré aumentou a renda à autora para o dobro do preço por m2 arrendado.
a autora não tinha outro espaço que não a identificada fracção “A” para poder continuar a laborar e a ré, sabendo deste facto e explorando a situação de necessidade da autora permanecer na identificada fracção “A” para poder continuar a laborar, a ré aumentou, a partir de 01.03.2020, à autora para o dobro o preço da renda por m2.
184º
Pelo exposto, constitui uma compressão intolerável do direito de defesa da autora e é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, por violação do artigo 204.º e por violação do artigo 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da plena jurisdição, a interpretação normativa do artigo 282.º, n.º 1, do Código Civil segundo a qual não é anulável, por usura, um novo contrato de arrendamento celebrado entre as mesmas partes contratantes senhoria e arrendatária relativamente ao mesmo locado, ainda que na proporção de metade, com o aumento para o dobro do preço da renda por m2 quando a senhoria sabia na data da celebração do novo contrato de arrendamento que a arrendatária não tinha outro espaço físico para poder continuar a laborar senão o do locado em que a renda passou para o dobro do valor que era praticado ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento, inconstitucionalidade e compressão intolerável do direito de defesa da autora que aqui se invocam para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
185º
Quando a ré sabia que a autora assinava o contrato de arrendamento porque acreditava que mantinha-se em tudo igual (quer quanto à área arrendada e quer quanto ao preço da renda) ao primitivo contrato de arrendamento, com excepção da prestação de fiança, o erro sobre a área arrendada e sobre o preço da renda por m2 (que passou para o dobro) configura o preenchimento dos requisitos do artigo 251.º e do artigo 247.º, ambos do Código Civil.
186º
Pelo exposto, constitui uma compressão intolerável do direito de defesa da autora e é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, por violação do artigo 204.º e por violação do artigo 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da plena jurisdição, a interpretação normativa do artigo 247.º e do artigo 251.º, ambos do Código Civil, segundo a qual não é anulável, por erro, um novo contrato de arrendamento celebrado entre as mesmas partes contratantes senhoria e arrendatária relativamente ao mesmo locado, com redução pela senhoria da área arrendada para metade e com o aumento pela senhoria para o dobro do preço da renda por m2 quando a senhoria sabia na data da celebração do novo contrato de arrendamento que a arrendatária não tinha outro espaço físico para poder continuar a laborar senão o do locado em que a renda passou para o dobro do valor que era praticado ao abrigo do primitivo contrato de arrendamento e que a arrendatária estava convencida que o novo contrato mantinha a área arrendada e o preço de renda por m2 constantes do primitivo contrato de arrendamento, inconstitucionalidade e compressão intolerável do direito de defesa da autora que aqui se invocam para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
187º
Quando a autora e arrendatária opõe-se em 27.11.2020 à renovação do contrato de arrendamento sem ter como saber que o estado de emergência decretado a 06.11.2020 prolongar-se-ia até 15.04.2021 e sem ter como saber que, devido ao referido estado de emergência, a empresa de prestação de serviços de calibragem da maquinaria da autora optaria por não prestar os serviços até 28.02.2021 e nem em Março de 2021, tendo decidido, por questões de protecção dos respectivos funcionários contra o risco de contaminação pelo vírus da covid 19, prestar tão-somente em abril de 2021 o serviço de calibragem da maquinaria da autora essencial ao respectivo funcionamento no novo espaço físico, o que fez com que o contrato de arrendamento tivesse de prolongar-se até 14.04.2021 por razões não imputáveis à autora e resultantes das referidas alterações supervenientes também não imputáveis à arrendatária têm-se por preenchidos os requisitos do artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil e quanto à modificação do contrato de arrendamento por o terminus do contrato de arrendamento em 28.02.2021 afectar gravemente os princípios da boa-fé e não estar a coberto pelos riscos próprios do contrato de arrendamento.
188º
Pelo exposto, constitui uma compressão intolerável do direito de defesa da autora e é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, por violação do artigo 204.º e por violação do artigo 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da plena jurisdição, a interpretação normativa do artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil segundo a qual não é modificável segundo juízos de equidade, por as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar terem sofrido uma alteração anormal, o fim de vigência de um contrato de arrendamento para data posterior à constante no dito contrato de arrendamento quando a arrendatária opõe-se em determinada data à renovação do contrato de arrendamento sem ter como saber que um estado de emergência decretado prolongar-se-ia até a uma data posterior à data final de vigência constante do contrato de arrendamento e sem ter como saber que, devido ao referido estado de emergência, a empresa de prestação de serviços de calibragem da maquinaria da arrendatária optaria por não prestar os serviços até à data final constante do contrato de arrendamento, tendo decidido, por questões de protecção dos respectivos funcionários contra o risco de contaminação pelo vírus da covid 19, prestar tão-somente em data posterior à data do fim da vigência constante do contrato de arrendamento o serviço de calibragem da maquinaria da arrendatária essencial ao respectivo funcionamento no novo espaço físico, não será suficiente para que o contrato de arrendamento seja alterado no sentido de ser prolongado até a uma data posterior à data prevista no contrato de arrendamento como a data do final da respectiva vigência por razões não imputáveis à arrendatária e resultantes das referidas alterações supervenientes também não imputáveis à arrendatária, inconstitucionalidade e compressão intolerável do direito de defesa da autora que aqui se invocam para todos os efeitos legais e legais consequências.
Conclui a recorrente que deve o recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida.
*
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir das seguintes questões:
- Nulidade decisória;
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Erros de julgamento de direito;
- Litigância de má fé;
- Inconstitucionalidade.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Factos
Factos provados
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]:
1. A Autora é uma sociedade comercial que tem como objeto social o comércio, manutenção, reparação e distribuição de veículos ligeiros, pesados e motociclos e de suas peças e acessórios, de máquinas e equipamentos industriais, de construção e de demolição; Comércio, reparação e manutenção de embarcações e suas peças e acessórios, aluguer de equipamentos industrial, lavagem de veículos, motociclos e de equipamento industrial, comércio, projeto, manutenção, reparação e instalação de equipamentos de AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado), energias renováveis, automatismos de acessos, projetos de RCCTE (características térmicas dos edifícios), comércio, instalação, reparação e manutenção de equipamento hídrico, gestão de frotas automóveis, coordenação de transportes e gestão de logística para empresas, inspeção e certificação de equipamento industrial.
2. A Autora foi, desde 01 de Março de 2014, arrendatária da fração autónoma designada pela letra “A”, com a área de 800m2”, sita no r/c, unidade destinada a armazém, do prédio urbano em propriedade horizontal sito em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número ..., da dita freguesia de ... e inscrito na matriz sob o artigo ....
3. O valor da renda inicial foi de €2000,00 (dois mil euros) mensais.
4. O primitivo senhorio foi o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., NIPC ... e com igual número de matrícula na Conservatória do Registo Comercial do Funchal.
5. A segunda senhoria foi a Oitante S.A., NIPC ..., por via do supra discriminado armazém ter passado para a respetiva esfera jurídica na sequência da resolução do BANIF operada pelo Banco de Portugal.
6. O contrato de arredamento supra referenciado vigorou desde o dia 01 de Março de 2014 até ao dia 28 de Fevereiro de 2019 porquanto foi celebrado pelo prazo inicial de 5 anos.
7. O contrato de arrendamento supra referenciado renovou-se por um ano de 28 de Fevereiro de 2019 até 28 de Fevereiro de 2020.
8. A Ré passou, por compra, a ser dona da supra discriminada fração A, cuja propriedade mostra-se registada a favor da ré pela AP. 3048 de 2019/11/13.
9. A Ré passou, por efeito da dita compra, a ocupar a posição jurídica de senhorio no contrato de arrendamento.
10. A Autora foi notificada, através de carta registada com aviso de receção, em 12 de Novembro de 2019, da oposição à renovação do Contrato de Arrendamento.
11. A correspondência foi enviada para a Rua ... e rececionada em 13/11/2019 e para a Rua ..., rececionada em 13/11/2019.
12. O contrato de arrendamento findou no dia 28 de Fevereiro de 2020.
13. No dia 28 de Fevereiro de 2020 que foi o último dia de vigência do contrato de arrendamento, foi celebrado novo contrato de arrendamento.
14. O contrato de arrendamento tinha como título, escrito a negrito e em letras maiúsculas: “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS COM PRAZO CERTO E FIANÇA”.
15. O contrato foi negociado e subscrito pelo ora mandatário forense da Autora e fiador, em seu nome pessoal e na qualidade de único gerente e legal representante da Autora.
16. O valor da renda mensal pago pela Autora à Ré em Janeiro e em Fevereiro de 2020 foi de €2060,00 (dois mil e sessenta euros), atento o respetivo critério de atualização da renda previsto na cláusula 4.2 do contrato de arrendamento.
17. A Ré no novo contrato de arrendamento celebrado a 28 de Fevereiro de 2020 estipulou que arrendava metade da dita fração A e metade do respetivo estacionamento exterior à Autora por uma renda mensal de €2060,00 (dois mil e sessenta euros).
18. A cláusula 7.6 do contrato previa que “findo o arrendamento, poderá o Senhorio optar por (i) exigir que todas as obras e benfeitorias realizadas passem a fazer parte integrante do Local Arrendado, sem que a ARRENDATÁRIA tenha direito a qualquer tipo de indemnização, direito de retenção ou qualquer outro direito; ou (ii) exigir que a ARRENDATÁRIA levante todas as benfeitorias realizadas no Local Arrendado, por forma a que o mesmo fique no estado em que atualmente se encontra.
19. A cláusula 10.2 do contrato previa que “findo o Contrato e até ao último dia de vigência do mesmo, a ARRENDATÁRIA obriga-se a entregar o Local Arrendado em bom estado de conservação, manutenção e limpeza, salvo as deteriorações decorrentes da normal utilização do mesmo e do decurso do tempo, bem como a entregar ao SENHORIO, as respetivas chaves e demais meios de acesso”.
20. A cláusula 10.3 do contrato de arrendamento estipulava que “no momento da restituição do Local Arrendado haverá lugar a vistoria a realizar pelo SENHORIO ou por quem o representar, na presença da ARRENDATÁRIA, sendo lavrado o respetivo auto, do qual se fará constar as anomalias que não sejam, em opinião do SENHORIO ou de quem o representar, decorrentes de uso normal e prudente da área dada em arrendamento, e o prazo eventualmente requerido para as eliminar, sendo o referido auto assinado por ambas as partes”.
21. A cláusula 10.4 do contrato de arrendamento estipulava que “caso a Arrendatária não elimine as anomalias detetadas e devidamente registadas poderá o SENHORIO mandar executá-las, exigindo á ARRENDATÁRIA o reembolso de todas as despesas em que haja fundadamente incorrido, por força de tal execução, comprometendo-se a ora ARRENDATÁRIA a pagar as mesmas”.
22. A cláusula 10.5 do referido contrato estipulava que “se logo que finde o contrato o local arrendado não for restituído por causa imputável à arrendatária fica esta obrigada a pagar ao senhorio, a titulo de indemnização e até ao momento da restituição, o dobro da renda mensal estipulada por cada mês de mora, ou por cada dia de atraso”.
23. A Autora assinou o contrato de forma livre, consciente e voluntariamente.
24. O contrato foi celebrado e assinado pelo Exmo. e Ilustre Mandatário da Autora na presente ação, seu representante legal e seu fiador.
25. A 28 de Fevereiro de 2020 a Autora não tinha outro espaço físico para poder instalar a respetiva oficina de reparação automóvel para continuar com a respetiva laboração.
26. A oficina explorada pela Autora a 28 de Fevereiro de 2020 era constituída, entre outros, pelos seguintes equipamentos:
- 1 máquina ECK 1890.
- 1 máquina de Nitrogénio.
- 1 compressor da marca Rubete modelo EVO1 5.5-10 e os dois tanques.
- 1 tanque de óleo.
- 1 Elevador da Marca SICE e modelo PDC.
- 1 Elevador da Marca SICE e modelo PDC 30.
- 1 bancada de madeira.
- 1 Elevador da Marca Easytech.
- 1 Carrinho vermelho de ferramentas Kroftools.
- 1 Carrinho vermelho de ferramentas Kroftools.
- 1 Elevador da Marca Konigstein de 4 Tonelas.
- 1 máquina de alinhamento e respectivo elevador com dois rampas metálicas.
- 1 carrinho verde de ferramentas Jonnesway.
- 1 desmontadora de pneus da Marca SICE e modelo S 43 GP.
- 1 calibradora da Marca Sice.
- 1 desmontadora da Marca REMA TIP TOP modelo NEO M887-2.
- 2 bancadas metálicas de trabalho.
- 1 bancada metálica cinza móvel com rodas de trabalho.
- 1 bancada metálica cinza móvel com rodas de trabalho.
- 1 Prensa Hidráulica de 30 T.
- 1 carrinho cinza de ferramentas Storjen e 1 máquina de diagnóstico.
- 1 carrinho cinza de ferramentas Syntium.
- 3 caixas de ferramentas.
- 7 caixas de ferramentas.
- 4 bidões metálicos de óleo.
- 1 bidão de plástico e 1 bidão metálico verde.
- 1 bidão de óleo de 200 litros.
- Pneus.
27. No dia 28 de Fevereiro de 2020 a Autora tinha no espaço arrendado os equipamentos e os pneus acima discriminados.
28. Os clientes da Autora estavam habituados a verem ser consertados os carros pela Autora naquele espaço arrendado.
29. Com o contrato celebrado com a Ré, a Autora recebeu de arrendamento apenas metade da fração A e metade do respetivo estacionamento exterior.
30. A Autora deduziu oposição à renovação do contrato de arrendamento.
31. O contrato findou em 01 de Março de 2021.
32. A Autora apenas entregou o locado em 14 de Abril de 2021, comunicando à Ré que tal se devia à vigência do estado de emergência.
33. Em Portugal o estado de emergência esteve em vigor de 19.03.2020 até 02.05.2020 e de 06.11.2020 até 30.04.2021.
34. No dia 02 de Abril de 2020, a Ré enviou à Autora um e-mail com o seguinte teor: “Exmo. Senhor Dr. AA, Junto envio a fatura relativa ao mês de Abril de 2020, da renda do armazém sito em .... A mesma reflete a redução de 50% a ser efetivada durantes os meses de Abril e Maio e/ou enquanto se mantiver o Estado de Emergência. Desde já grato pela compreensão de V. Exa., com os melhores cumprimentos, A gerência”.
35. No dia 16 de Abril de 2020 a Autora solicitou que o valor da renda passasse a 500,00 €.
36. A Ré rejeitou a redução.
37. A Oficina Auto Fénix Unipessoal Lda. começou a exercer a sua atividade comercial no locado sem qualquer autorização da Ré.
38. No dia 18 Junho de 2020, a Autora enviou email à Ré a solicitar a celebração de um novo contrato de arrendamento com a Auto Fénix Unip. lda, bem como solicitando que a renda fosse de 1.000€.
39. A Ré rejeitou a proposta da Autora.
40. No dia 07 de Janeiro de 2020 a Autora pagou a favor da Ré o montante de €2060,00.
41. No dia 05 de Fevereiro de 2020 a Autora pagou a favor da Ré o montante de €2060,00.
42. No dia 02 de Março de 2020 a Autora pagou a favor da Ré o montante de €2060,00.
43. No dia 01 de Junho de 2020 a Autora pagou a favor da ré a quantia de €1000,00, tendo posteriormente pago a quantia de 30,00 €.
44. No dia 24 de Junho de 2020 a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
45. No dia 24 de Junho de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
46. No dia 01 de Julho de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
47. No dia 03 de Agosto de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
48. No dia 01 de Setembro de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
49. No dia 01 de Outubro de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
50. No dia 02 de Novembro de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
51. No dia 02 de Dezembro de 2020, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
52. No dia 01 de Março de 2021, a Autora pagou a favor da Ré a quantia de €1030,00.
53. A Autora nunca enviou à Ré qualquer missiva a solicitar que a renda fosse reduzida a metade.
54. A Autora propôs à Ré que aceitasse compensar eventuais valores das rendas em falta por alegadas benfeitorias deixadas no local.
55. A Autora nunca devolveu quaisquer faturas nem recibos.
56. A Autora nunca reclamou de quaisquer faturas ou recibos.
57. A entrega das chaves pela Autora à Ré ocorreu no dia 14 de Abril de 2021.
58. Uma vez na posse das instalações procedeu a R. à realização de uma vistoria, tendo-se verificado que:
- A Autora procedeu à deposição de óleos minerais e produtos contaminantes num poço existente no piso do prédio.
- A Autora a procedeu à deposição de resíduos e lixos na parte traseira, incluindo um veículo semidesmantelado.
- A Autora procedeu ao desmantelamento dos escritórios, e bem assim destruindo benfeitorias, nomeadamente casas de banho, varandas, instalações elétricas e arrecadações.
59. A Ré veio a ter conhecimento de que a Autora procedeu à alteração do locado, transformando clandestinamente uma mezanino destinada a escritórios em habitação, de três assoalhadas.
60. No dia da entrega da chave a Ré não notificou a Autora para reparar quaisquer danos existentes no locado.
Factos não provados
O tribunal de 1º instância julgou não provados os seguintes factos:
A. A Ré celebrou o contrato com a Autora no dia 28 de Fevereiro de 2020 sabendo da situação de necessidade em que a Autora se encontrava à data para celebrar novo contrato de arrendamento do espaço para a autora continuar, na sobredita fracção ..., a funcionar com a oficina de reparação.
B. A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 explorando a situação de necessidade da Autora porquanto os elevadores, a máquina de alinhamento de pneus e todo o equipamento necessário ao funcionamento da oficina de reparação automóvel da Autora são máquinas pesadas que têm de ser desmontadas, transportadas para outro local, têm de ser montadas e têm, para poderem funcionar, de ser calibradas no novo espaço físico, o que demora no mínimo cerca de 2 a 3 meses para operacionalizar.
C. A Ré estipulou a renda de 2.060 euros por 400 m2 a Ré fê-lo explorando a situação de necessidade da Autora porque a autora era conhecida no mercado pelos respetivos clientes, parceiros de negócios, fornecedores, pelas empresas de reboques, como funcionando no dito espaço físico que consubstancia a supra discriminada fração A da propriedade da Ré.
D. A Autora sempre foi arrendatária apenas da metade da fração, correspondente a 400 m2, uma vez que só usava essa área antes do contrato celebrado com a Ré.
E. A Autora viu-se obrigada a aceitar celebrar novo contrato pelo período único de um ano, e sobre metade da fração ....
F. A Autora assinou o contrato convencida que se mantinha a área de 800 m2.
G. A Autora começou a pagar 1.030,00 € quando se apercebeu que a área arrendada era apenas de 400m2.
H. Na cidade do Funchal são e eram, no ano de 2020, escassos outros armazéns onde pudesse funcionar a oficina de reparação automóvel da autora.
I. A Autora não tinha a 28 de Fevereiro de 2020 como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social, designadamente para continuar a funcionar com a respetiva oficina de reparação automóvel, a não ser por continuar a arrendar a fração da propriedade da ré.
J. Para remoção da maquinaria da oficina de reparação automóvel é necessária uma preparação logística de semanas.
K. A Ré obteve com o novo contrato de arrendamento celebrado a 28 de Fevereiro de 2020 uma vantagem pecuniária excessiva e injustificada de 100% e que é manifestamente desproporcionada ao arrendamento de metade da área, que é de 400m2, anteriormente arrendada até 28.02.2020, que era de 800m2.
L. O estado de emergência que começou em 06 de Novembro de 2020 e que vigorou até 15 de Abril 2021 impossibilitou entre Janeiro a Março de 2021 a empresa Conversa de Mãos Lda., sediada no Porto, de configurar a calibragem das máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis explorada pela autora porquanto os voos entre o continente português e a Ilha da Madeira estavam a ser desaconselhados pelas autoridades portuguesas e porque a própria empresa Conversa de Mãos Lda. quis proteger os respetivos funcionários do risco de infeção pelo vírus covid-19.
M. Somente em Abril de 2021, a empresa Conversa de Mãos Lda. logrou calibrar as máquinas que integram a oficina de reparação de automóveis explorada pela Autora.
N. Somente no dia 14 de Abril de 2021 a Autora pôde entregar as chaves à Ré.
O. A Autora contratou os serviços da empresa Servinasa que procedeu à limpeza do locado antes da entrega das chaves.
P. Para a limpeza do locado, nomeadamente retirada de sucatas, e reparação de danos a nível do piso, paredes, tetos, instalações sanitários e eletricidade, da responsabilidade da Autora, a Ré foi obrigada a suportar uma despesa orçada em 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros).
Q. É necessária a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) para proceder à retirada transporte e processamento de óleos minerais usados, e consequente descontaminação do local.
R. A utilização e ocupação do locado como habitação representou para a Autora um benefício não inferior a 400€ por mês.
S. A utilização do locado destinado a armazém e oficina para também habitação representou para a Autora um enriquecimento sem causa no montante correspondente à renda que deixou de auferir.
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O tribunal de 1ª instância consignou ainda que:
Todos os demais factos foram desconsiderados pelo presente Tribunal por serem irrelevantes, conclusivos ou consubstanciarem matéria de direito.
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III.2. Mérito do recurso
III.2.1. Nulidades decisórias
Invoca a apelante a nulidade da decisão recorrida, por violação do disposto no art. 615º c) do Código de Processo Civil (cf. conclusões do recurso 1º a 18º).
Sob a epígrafe regra da substituição ao tribunal recorrido, dispõe o art. 665º/1 do Código de Processo Civil que: «Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação».
Decorre da regra aqui consagrada que, em princípio, é irrelevante, porque inútil, conhecer da nulidade da decisão impugnada, na medida em que se impõe ao tribunal ad quem o suprimento da nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (arts 665.°, n° 1 e 684.°, n.º 1, do CPC) – neste sentido, v. acórdão do TRC de 27/6/2023, P. 2808/22, Henrique Antunes, in www.dgsi.pt.
Sendo invocados vários fundamentos pelo recorrente, entre os quais a nulidade decisória, a apreciação desta revela-se um acto inútil (art. 130º do Código de Processo Civil), se a decisão sob recurso puder ser confirmada ou revogada com base nos outros fundamentos aduzidos na apelação (v. acórdão do TRP de 25/3/2021, P. 59/21.7T8VCD.P1, www.dgsi.pt.)
Neste conspecto, pode ler-se no acórdão do TRL de 3/12/2024, P. 2844/20.8T8ALM-E.L1, relator Paulo Ramos de Faria, in www.dgsi.pt.: “De todo o modo, sempre se dirá que, logicamente, terão de ser casos em que possa ser afirmada a utilidade das duas pronúncias (em simultâneo), isto é, em que possam conviver com utilidade – o que significa que terão de ser casos em que o conhecimento “do objeto da apelação” não é possível relativamente a todo o objeto da decisão impugnada (tertium non datur)”.
No caso e atendendo a que se rejeitará a impugnação da matéria de facto (no ponto III.2.2), apenas caberá apreciar a “terceira nulidade”, que a apelante invocou nos seguintes termos (conclusão 9º):
A douta sentença recorrida julgou como provado que:
“25- A 28 de Fevereiro de 2020 a Autora não tinha outro espaço físico para poder instalar a respetiva oficina de reparação automóvel para continuar com a respetiva laboração.”
“27- No dia 28 de Fevereiro de 2020 a Autora tinha no espaço arrendado os equipamentos e os pneus acima discriminados.”
10º
E em plena contradição insanável a douta sentença recorrida julgou como não provado que:
“I) A Autora não tinha a 28 de Fevereiro de 2020 como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social, designadamente para continuar a funcionar com a respetiva oficina de reparação automóvel, a não ser por continuar a arrendar a fração da propriedade da ré.”
11º
Pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., a douta sentença recorrida é nula, nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.”
A nulidade da sentença a que se reporta a 1ª parte da alínea c) do art. 615º ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, isto é, a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” (v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código Processo Civil Anotado, Almedina, 4ª edição, vol 2º, pág. 736).
Porém, esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se (Lebre de Freitas, A Ação declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., p. 381).
Donde, apenas ocorre a nulidade da sentença prevista no art. 615º/1 c) do Código Processo Civil, quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença.
Por isso, a inexatidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Se a decisão em referência está certa ou não, é questão de mérito, que não de nulidade da mesma.
Volvendo ao caso dos autos e analisando o texto da sentença, não divisamos qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
Aliás, a apelante limita-se a alegar a contradição entre os mencionados factos provados e um facto não provado, mas não extrai daí a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão.
Seja como for, não detectamos oposição entre afirmar, como se provou, que a 28 de Fevereiro de 2020 a Autora não tinha outro espaço físico para poder instalar a respetiva oficina de reparação automóvel e dar como não provado que naquela data a autora não tinha como arranjar um novo espaço para continuar a prossecução do respetivo objeto social. São duas realidades diferentes.
De resto, refira-se que, como o tribunal assinalou, quer em sede de motivação da matéria de facto, quer em sede de fundamentação jurídica, o provado nos pontos 25 e 27 nenhuma relevância assumiu para a decisão da causa.
Avaliar o acerto da decisão, designadamente se o tribunal de 1ª instância extraiu da matéria provada as consequências que deveria, é uma questão de mérito, que não uma questão de nulidade.
Flui do exposto que a decisão recorrida não padece da apontada nulidade, improcedendo este segmento do recurso.
No mais, e em face do supra exposto, conjugando a regra da substituição (art. 665º/1) com os princípios da limitação dos actos (art. 130º) e da prevalência da decisão de mérito (art. 278º/3) e considerando que, no caso vertente, o conhecimento das demais nulidades invocadas não prejudicaria o conhecimento do objecto do recurso, afigura-se inútil o conhecimento dessas outras nulidades, pelo que não se aprecia as mesmas. III.2.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, estabelece o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º/2 al. a) do Código de Processo Civil).
Tais ónus são de cumprimento cumulativo, sob pena de imediata rejeição do recurso, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto (neste sentido, v. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, pág. 199; e os seguintes acórdãos: do STJ de 27/10/2016, Ribeiro Cardoso; de 27/09/2018, Sousa Lameira; de 3/10/2019, Maria Rosa Tching; e de 2/2/2022 - revista n.º 1786/17.9T8PVZ.P1.S1-1ª Secção, Fernando Samões; e do TRG de 19/06/2014, Manuel Bargado; de 18/12/2017, Pedro Damião e Cunha; e de 22/10/2020, Maria João Matos – todos acessíveis em www.dgsi.pt.)
Acresce que, a reapreciação do julgamento de facto pela Relação, destina-se primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que, atento o preceituado no citado artigo 662º/1 do CPC, se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, impondo decisão diversa. Significa que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha.
Por esta razão, a lei exige ao recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados.
No que tange à rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 7ª Ed., Almedina, 2022, p. 200-201, elenca as situações em que deve verificar-se tal rejeição: “a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.): d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.”
(realce e sublinhado nossos)
Como sustenta o mesmo autor, estas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, sendo “uma decorrência do princípio de autorresponsabilidade das partes, impedindo que a decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (ob. cit. pág. 201).
Conforme se afirmou no acórdão do STJ de 24.04.2018 (P.140/11.0TBCVD.E1, disponível em www.dgsi.pt), «o art. 640º, nº 1 do CPCivil impõe um certo número de ónus à parte que impugne a decisão sobre a matéria de facto. Compreendem-se sem dificuldade estas exigências legais, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não está concebido em termos de reescrutínio indiscriminado ou global da materialidade subjacente à causa, mas sim em termos de aferição de pontuais erros de julgamento (os concretamente identificados pelo recorrente). E, de outro lado, visa a lei o rigor na forma de acusação do mau julgamento dos factos, de modo a obviar a impugnações dilatórias, levianas ou carecidas de fundamento probatório objectivo».
A ora apelante impugna um conjunto de factos dados como provados (15, 23, 32, 31, 37) e não provados [A), B), C), E), F), G), H), I), K), J), L), M), N)], criticando a valoração que o tribunal a quo fez da prova gravada (testemunhal e por declarações de parte).
Ao longo da alegação recursória, a apelante não indica as passagens da gravação em funda o recurso da matéria de facto, nem procede à transcrição da prova gravada, embora declare que protesta juntar a transcrição dos depoimentos para que remete.
Em sede de contra-alegações, diz a apelada que a não junção das transcrições da prova torna o recurso intempestivo e inadmissível e impede a recorrida de apresentar resposta ao recurso.
Nesta instância recursiva, por requerimento apresentado em 2/9/25 (ref. citius 774809), veio a recorrente juntar aos autos “a transcrição integral dos depoimentos das testemunhas FF, DD e de EE, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.”, juntando um documento constituído por 134 páginas.
Em resposta (requerimento de 8/9/25), pugnando pela rejeição do recurso, a recorrida aduz, na parte que aqui releva, o seguinte:
«15. Apesar de alegar que o recurso tinha por objeto a reapreciação da prova, não fez junção das transcrições a que estava obrigado, não indicando a matéria da prova que pretendia ver reapreciada, e de forma anómala e sem qualquer fundamento legal e/ou justificativo de motivo impeditivo e/ou superveniente, protestou juntar futuramente, o que só veio a fazer agora decorridos 7 meses, 34 semanas, e 239 dias!!
16. Nas suas alegações a A. não indicou qualquer prova gravada que pretendia reapreciar, apenas protestando juntar a transcrição.
17. O que é manifestamente, salvo todo o respeito por opinião contrária, inadmissível em sede de recurso.
18. Impedindo a R. e Recorrida de sobre ela se pronunciar ou responder em sede de contra-alegações.
32. Nas alegações de recurso não é permitido a apresentação ou o protesto de junção de documentos ou peças não supervenientes.
33. E apesar de juntar as transcrições não indica, não individualiza, nem remete para a matéria da prova gravada que pretende reapreciar, não indicando as respetivas passagens, faixas de áudio, horas, minutos e/ou segundos.
34. Só depois das férias judiciais é que a A. se lembrou de fazer junção aos autos das referidas transcrições.
35. A Recorrente não alega nenhuma justificação ou circunstância superveniente impeditiva da junção tardia das transcrições, nem nenhum fundamento legal existira para o mesmo.»
Como decorre do art. 640º do Código de Processo Civil, os ónus de impugnação aí previstos devem ser obrigatoriamente cumpridos pelo recorrente no momento em que interpõe o recurso, sendo o seu incumprimento cominado com a rejeição do recurso. A não ser assim e admitindo-se a junção tardia de correcções ou aditamentos ao requerimento do recurso ou, no caso, a junção das transcrições colocaria em crise o direito de contra-alegar, pondo concretamente em causa a resposta da ora recorrida à impugnação da matéria de facto.
Ainda que assim não fosse, sempre se diria que a transcrição integral da prova não satisfaz aquilo que a lei exige ao estabelecer que “incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”
Em face do exposto, não se admite a junção das transcrições requerida em 2/9/25 (ref. citius 774809).
Decorre do exposto que a ora apelante não indicou no seu recurso as passagens das gravações dos depoimentos a que se reportou, nem sequer precisou o início e fim das mesmas, e também não procedeu tempestivamente à transcrição das passagens das gravações em que sustenta a sua pretensão de alteração da matéria de facto.
Sobre a matéria vejam-se os seguintes acórdãos, cujos sumários se transcrevem:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2015, 2443/11:
Não cumpre o ónus do art. 640º, nº2, al. a), do Novo Código de Processo Civil, o recorrente que, nas alegações de apelação, invoca diversos depoimentos testemunhais, cujo teor, hora de início e termo da gravação transcreve, mas não indica com exatidão as passagens da gravação em que o recurso se funda.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.3.2016, 407/10, Sumários:
Não cumpre o disposto no art. 640º, nº2, al. a), do Novo Código de Processo Civil, o recorrente que, na impugnação da matéria de facto, se limite a juntar a transcrição de todos os depoimentos prestados e a indicar o início e o fim de cada uma delas, ao invés de identificar com exatidão das passagens dos vários depoimentos fundamentadoras das alterações pretendidas.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2019, Rosa Tching, 77/06:
Tendo os recorrentes indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, impõe-se concluir que os recorrentes não cumpriram o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos nº art. 640º, nº 2, al. a) do CPC, na medida em que, nestas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extramente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.1.2025, Emídio Santos, 624/20:
I – Quando o meio de prova que o recorrente diz ter sido incorretamente apreciado for uma prova gravada, não basta ao recorrente, para cumprir o ónus previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, alegar que esse meio de prova não tem o sentido e o alcance probatório que lhe foi dado pelo julgador.
II - Cabe-lhe indicar as passagens em que se funda o seu recurso ou transcrever os excertos que considere relevantes.
Em conclusão, não tendo a apelante dado cumprimento ao ónus impugnatório previsto no art. 640º/2 a), em conjugação com o nº 1 b) do mesmo preceito, impõe-se a imediata rejeição do recurso da matéria de facto, o que se decide.
*
III.2.3. Apreciação jurídica
Na presente acção pretende a autora que:
- seja anulado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, sendo declarado que a renda mensal é de €1030 ou, subsidiariamente, seja declarada a modificação do contrato no sentido de ser judicialmente estipulado que o valor da renda é de €1030 mensais, correspondente ao espaço arrendado pela R. à A. de €400m2;
- seja reconhecido que a A. pagou as rendas devidas à R. entre Março de 2020 e Abril de 2021, nada havendo em dívida;
- seja declarado como verificadas alterações supervenientes das circunstâncias em que assentou a celebração do contrato de arrendamento em 28/2/2020 e determinaram a modificação do contrato no sentido de prolongar-se até 14/4/2021;
- seja consequentemente declarado que a A. pagou a mais à R. relativamente aos 14 dias de abril de 2021 a quantia de 549,34 € dos 480,66 € devidos, peticionando a condenação da R. a devolver à A. de tal quantia.
O tribunal a quo julgou improcedentes todos os pedidos, deles absolvendo a R.; condenou a A. como litigante de má fé no pagamento de indemnização no valor de €1020 (10 UCs); e absolveu a A. do pedido reconvencional.
A recorrente insurge-se contra o decidido, suscitando diversas questões, que passamos a analisar. Usura
Em primeiro lugar, sustenta a autora/apelante que se mostram preenchidos os requisitos da usura civil previstos no art. 282º/1 do Código Civil, em virtude de, no âmbito do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, a ré ter passado, a partir de 1/3/20, a cobrar de renda mensal o dobro do valor da renda por m2 arrendado, relativamente ao preço que cobrou até 28/2/20, bem sabendo que a autora não tinha, nessa data, outro espaço físico para continuar a laborar a não ser a fracção “A”, onde laborava desde 1/3/2014.
Um dos temas de prova fixado no despacho saneador foi precisamente “Aferir se o contrato celebrado em 28 de fevereiro de 2020 entre a Autora e a Ré é ou não usurário e aferir das respetivas consequências de ser ou não ser usurário”.
Após qualificar o contrato em causa como arrendamento para fins não habitacionais (art. 1067º/1 do Código Civil), com prazo certo e fiança e explicitar as obrigações dele emergentes para cada uma das partes (v.g. o pagamento da renda a que a A. estava obrigada), o tribunal pronunciou-se sobre a questão da usura nos seguintes termos: «A Autora alega e insistiu neste ponto em sede de audiência de discussão e julgamento, embora não peticione que seja declarada a usura, que o contrato seja declarado nulo e que seja declarado que a Autora apenas deve pagar 1.030,00 € por cada mês de duração do contrato de arrendamento. Analisemos a questão do ponto de vista da usura. Consagra o artigo 282.º do Código Civil:
“1 - É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
2 - Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559.º-A e 1146.º” (negrito nosso). Relativamente ao instituto da usura, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15 de Abril de 2010, processo nº 3309/07.9TVLSB.L1-8, relatado pela Exma. Desembargadora Catarina Arêlo Manso (disponível em www.dgsi.pt): “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, aproveitando conscientemente a situação de necessidade, inexperiência, dependência ou deficiência psíquica de outrem, obteve deste, para si ou para terceiro, a promessa ou concessão de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados. Para que o negócio jurídico seja anulável por usura é necessário que para além do elemento objetivo – grave desproporção entre as prestações dos contraentes – concorra o elemento subjetivo, ou seja, o aproveitamento consciente por uma das partes ou por terceiro, de uma situação de necessidade, da experiencia, dependência ou deficiência psíquica ou ligeireza da outra parte. A consciência de explorar a situação de inferioridade resulta da manutenção da atividade usurária durante anos, das quantias envolvidas e do resultado obtido, com venda da casa em vez da oportuna constituição de adequada garantia. Sendo anulável a venda ficamos com um vício intrínseco do negócio e, portanto contemporâneo da sua formação. Não se produzem os efeitos jurídicos a que o negócio jurídico tendia. Há lugar à repristinação da coisa no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado” (destacado nosso). Passando à análise do caso em apreço, não restam dúvidas ao Tribunal que não se verifica qualquer situação de usura. A Autora assinou o contrato de forma livre e consciente. Note-se que o legal representante da Autora é advogado de profissão, não existindo qualquer inexperiência da sua parte. No mais, também não se verifica qualquer situação especial de necessidade. O contrato anterior findou e a Autora não acautelou outro local para exercer a sua atividade porque assim não desejou. Não se verifica, assim, nenhuma situação de necessidade ou inexperiência, nem nenhuma intenção de aproveitamento por parte da Ré. Tratou-se de um contrato de arrendamento normal, celebrado dentro dos limites da liberdade contratual, consagrados no artigo 405.º do Código Civil. Nota final para o regime estabelecido no artigo 1146.º do Código Civil, que chegou a ser abordado em sede de depoimento de parte, por parte do legal representante da Autora. Esse regime não é aplicável. Não está em causa um contrato de mútuo nem uma cláusula pena. Está em causa uma renda livremente celebrada pelas partes. Pelo exposto, improcede o pedido de nulidade da Autora.».
Nenhuma censura nos merece o decidido.
De facto, não é possível extrair da factualidade apurada matéria que permita considerar verificados in casu os requisitos necessários para que um negócio jurídico seja julgado usurário: (i) a existência de uma situação de fragilidade concreta (necessidade, inexperiência, etc); (ii) a exploração dessa situação de fragilidade pela outra parte; (iii) a obtenção ou a promessa, na sequência dessa exploração, de benefícios excessivos ou injustificados (v. Código Civil Anotado, coord. Ana Prata, 2ª ed., vol I.pág. 380).
Em 28/2/20 as ora ré e autora, no seio da sua liberdade contratual, acordaram a primeira em dar de arrendamento e a segunda em tomar de arrendamento a fracção A do prédio identificado no ponto 2 dos factos provados. Nem a arrendatária se encontrava em situação de fragilidade, nem o senhorio actuou de modo a explorar essa situação, sendo certo que a ora A. foi representada na negociação e subscrição do contrato escrito celebrado em 28/2/20, pelo respectivo legal representante, advogado (factos 13 a 15).
Note-se que o contrato celebrado em 28/2/20 é distinto do contrato anterior - cuja vigência se iniciou em 1/3/2014 - firmado entre a A. (arrendatária) e os anteriores proprietários/senhorios (inicialmente Banif e depois Oitante S.A. – cf. factos 4 e 5). Por efeito da aquisição do imóvel pela R., registado a seu favor em 13/11/19, esta passou a ocupar a posição de senhorio no (anterior) contrato.
Tais contratos de arrendamentos celebrados por escrito estão consubstanciados nos documentos juntos aos autos com a petição inicial (cf. documentos juntos em 9/11/21 como docs 2 e 5 – ref citius 4410366), constando do primeiro (em que figurou como senhorio o Banif e como arrendatária a ora A.) ter sido dado de arrendamento à autora pelo prazo de 5 anos, com início de vigência a 1/3/2014, renovável por períodos sucessivos de 1 ano, a referida fracção autónoma designada pela letra A [sita no r/c, unidade destinada a armazém, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º 1478 (constando da descrição predial que o prédio – não a fração A – tem a área coberta de 800 m2 e a área descoberta de 1902 m2], e do segundo contrato, datado de 28/2/2020 (firmado entre a A. e a R.), ter sido dado de arrendamento “uma parte”, com a área de 400 m2, localizada a leste e a parte exterior correspondente destinada a estacionamento automóvel, da dita fracção autónoma.
A A./arrendatária foi notificada em 12/11/2019 da oposição à renovação do (primeiro) contrato (facto 10), pelo que o primeiro arrendamento, que vigorou desde 1/3/2014 pelo prazo de 5 anos e foi objecto de uma renovação em 28/2/19 (facto 7), findou em 28/2/20 (cf. factos 6 e 12). Nessa mesma data foi celebrado o novo contrato de arrendamento entre a ora A. e a ora R., sendo aí estipulada a renda no montante de €2060 pelo arrendamento de 400m2 da mesma fracção – cf. documento 5 junto com o requerimento de 9/11/21).
Não colhem, pois, os argumentos invocados pela apelante para sustentar a tese do negócio usurário. Como ficou demonstrado, foram celebrados dois contratos de arrendamento e não apenas um, pelo que não é correcto afirmar que a ré passou, a partir de 1/3/20, a cobrar de renda mensal o dobro do valor da renda por m2 arrendado, relativamente ao preço que cobrou até 28/2/20, como se nesta data não tivesse sido celebrado um novo contrato, com diferente conteúdo. Acresce que a circunstância alegada pela A. de que não tinha, à data, outro espaço físico para continuar a laborar a não ser a fracção “A” é questão que cabia à A. resolver e que não assume relevância para a apreciação da questão da usura.
Em face do exposto, não havendo fundamento de anulabilidade, por usura, do negócio jurídico celebrado entre as partes, concluímos no sentido da improcedência deste segmento do recurso. Modificação do contrato
Em segundo lugar, invoca a recorrente que o contrato deverá ser modificado por erro ou por alteração das circunstâncias.
Estribando-se nos art.s 251º, 252º e 247º do Código Civil, o tribunal recorrido considerou que resulta dos factos provados e não provados e da sua fundamentação, que não existiu qualquer erro no caso em apreço, porquanto a A. sabia perfeitamente que estava a celebrar um contrato em que se comprometia a efectuar o pagamento de 2.060,00 € por 400m2, não existindo vício da vontade de contratar.
No que toca à alteração das circunstâncias prevista no art. 437º do Código Civil, o tribunal entendeu que a pandemia COVID 19 configura, efectivamente uma causa suscetível de enquadrar a alteração das circunstâncias; porém, disse que: “a Autora não demonstrou quaisquer factos que demonstrem que as exigências por ela assumidas violem gravemente os princípios da boa fé. A Autora não alegou perda de faturação, muito menos o demonstrou, tendo focado a sua pretensão na alegada usura e aproveitamento por parte da Ré.” Concluindo a sentença que não se encontram preenchidos os pressupostos da alteração superveniente das circunstâncias.
Concordamos inteiramente.
A factualidade provada não permite fundar o pedido de modificação dos termos do contrato, com base numa pretensa alteração anormal das circunstâncias, nos termos do artigo 437º/1 do Código Civil.
Para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respetivo conteúdo, exige o citado artigo 437º a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) que a alteração considerada relevante diga respeito a circunstâncias em que se alicerçou a decisão de contratar, isto é, a circunstâncias que, ainda que não determinantes para ambas as partes, se apresentem como evidentes, segundo o fim típico do contrato, ou seja, que se encontrem na base do negócio, com consciência de ambos os contraentes ou razoável notoriedade;
b) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, isto é, imprevisível ou, ainda que previsível, afetando o equilíbrio do contrato;
c) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, quer porque se tenha tornado demasiado onerosa, numa perspetiva económica, a prestação de uma das partes (conquanto não se exija que a alteração das circunstâncias coloque a parte numa situação de ruína económica, a manter-se incólume o contrato), quer porque a alteração das circunstâncias envolva, para o lesado, grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial;
d) que a manutenção do contrato ou dos seus termos afete gravemente os princípios da boa fé negocial;
e) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, isto é, que a alteração anómala das circunstâncias não esteja compreendida na álea própria do contrato, isto é, nas suas flutuações normais ou finalidade ou nos riscos concretamente contemplados pelas partes no acordo contratual celebrado.
Diferentemente do erro, em que a base do negócio é unilateral, respeitando exclusivamente ao errante, na alteração das circunstâncias a mesma é bilateral, respeitando simultaneamente aos dois contraentes (i.e., é necessário que se produza uma alteração anormal das circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar).
Volvendo ao caso sub judice e ao invés do alegado pela apelante, a A. não demonstrou, como lhe competia (art. 342º/1 do Código Civil) que a ré a convenceu de que o novo contrato seria em tudo igual ao contrato primitivo (com a excepção da prestação da fiança).
O contrato foi reduzido a escrito, sendo subscrito por ambas as partes (sendo a A. representada pelo seu gerente, advogado), aí constando expressamente, quer o valor da renda, quer a área objecto de arrendamento (400m2), pelo que não se entende de que forma poderia a A. ser induzida em erro sobre o valor da renda, tanto mais que estava representada por advogado (o seu legal representante). As condições contratuais foram diferentes em cada um dos contratos de arrendamento, nos termos acordados entre as partes, não se vislumbrando a existência de erro relevante na formação da vontade da A. de contratar (art. 251º do Código Civil).
Da mesma forma, não se verifica alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram o contrato, porquanto, não obstante o estado de emergência decorrente da referida pandemia (com início em Março de 2020) ter ocorrido em momento posterior ao contrato, afigura-se-nos que não existem elementos para se poder afirmar que a pandemia acarretou uma alteração anormal daquelas circunstâncias.
Não pode, pois, concluir-se que o cumprimento do contrato pelo A. nas condições acordadas, se tornou excessivamente oneroso e que a exigência de cumprimento nas condições contratadas viola os princípios da boa-fé.
Improcede, pois, também este ponto do recurso. Direito de indemnização
Em terceiro lugar, a A. insurge-se contra a sentença na parte em que considerou caber à A. o pagamento dos montantes devidos pelo atraso na entrega do locado, não deferindo a sua pretensão no sentido de declarar a sua desresponsabilização pelo pagamento de tais quantias.
Para tanto, contesta a fundamentação da decisão, segundo a qual é imputável à A. o facto de a mudança da sua oficina não ter ocorrido até 1/3/21.
Este ponto do recurso assenta na invocada alteração das circunstâncias (a A. refere que não pôde entregar o locado anteriormente porque não conseguiu proceder à mudança das máquinas devido à vigência do estado de emergência, que vigorou até ao dia 15 de Abril de 2021) como forma de justificar que a A. só tenha entregue o locado em 14/4/21 e não em 28/2/21 (terminus do 2º contrato), pretendendo a recorrente, para o efeito, a alteração do facto provado 31 (de molde a que ficasse provado que o contrato se prolongou até 14/4/21), sendo certo que o recurso da matéria de facto foi rejeitado.
O tribunal não declarou a inexistência de dívida por parte da A., como foi peticionado, e bem andou, atendendo a que o valor da renda fixada no contrato de 28/2/20 é de €2060 e não de €1030,00, como pretendia a recorrente.
A improcedência do recurso relativamente à invocada alteração das circunstâncias conduz necessariamente à improcedência deste ponto, assente nesse pressuposto. Litigância de má fé
Por fim, a recorrente, considerando que foi demonstrada a usura do contrato de arrendamento celebrado em 28/2/20, imputa à sentença erro de julgamento ao condenar a A. no pagamento à R. de €1020,00, a título de litigância de má fé.
Por outro lado, critica a sentença na parte em que absolveu a R. do pedido de condenação como litigante de má fé. Sustenta que resulta da sentença que a R. actuou em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
O tribunal recorrido apresentou a seguinte fundamentação relativamente à questão da litigância de má fé das partes:
«Quer a Autora quer a Ré peticionaram a condenação da outra parte como litigante de má fé.
Estabelece o artigo 542.º do Código de Processo Civil: “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé” (negrito nosso).
Por seu turno, estabelece o artigo 543.º do mesmo diploma legal: “1 - A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé. 2 - O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 3 - Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte. 4 - Os honorários são pagos diretamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado” (negrito nosso).
Consagra o artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais: “1 - Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respetivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC. 2 - Nos casos excecionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC. 3 - Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC. 4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste” (negrito nosso).
No caso em apreço, inexistem motivos pelos quais a Ré deva ser condenada em litigância de má fé, uma vez que os seus pedidos reconvencionais improcederam por falta de prova ou por o uso abusivo do locado não configurar motivo de indemnização, mas sim fundamento de resolução do contrato em causa.
Conclusão necessariamente diversa ter-se-á de retirar relativamente à Autora.
A Autora, cujo legal representante é advogado, veio deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia nem poderia ignorar.
A Autora celebrou um contrato de forma livre e dentro da liberdade contratual que a lei estabelece, tendo, posteriormente vindo a alegar usura e aproveitamento por parte da Ré, alegando, ainda, não se ter apercebido de que havia celebrado o contrato de arrendamento por 400 m2, apresentando uma versão que não mereceu qualquer credibilidade pelo Tribunal.
Assim, será a Autora condenada ao pagamento da Ré do montante de 1.020,00€, correspondente a 10 unidades de conta, entendendo-se esse valor justo e adequado, tendo por base os parâmetros da equidade.»
Vejamos.
O tribunal condenou a apelante por litigância de má fé, nos termos do art. 542.º/2 a) do Código de Processo Civil, por ter entendido que a A., cujo legal representante é advogado, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia nem poderia ignorar.
Decorre da apreciação das antecedentes questões que é manifesta a falta de fundamento do presente recurso.
Não obstante, afigura-se-nos que não existe fundamento bastante para a condenação da A. como litigante de má fé.
Note-se que a litigância de má fé traduz-se na violação do dever de boa fé que o art. 8º do CPC impõe às partes.
Dispõe este artigo que “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior”, ou seja “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio” (art. 7º, nº 1 do CPC).
No caso, a A. deduziu pretensão que se veio a revelar sem fundamento, fazendo assentar o pedido de anulação do contrato de arrendamento designadamente na usura do negócio, lançando mão de uma construção jurídica errónea, que não foi aceite pelo tribunal.
Porém, tal não permite, só por si, afirmar que está presente uma intenção maliciosa ou uma negligência, de tal modo grave, que justifique um elevado grau de reprovação ou censura e idêntica reacção punitiva (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2014, João Trindade, 1986/06);
Neste sentido, vejam-se os seguintes arestos:
• A condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2014, Távora Victor, 728/09);
• A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.2005, Araújo Barros, 05B3425);
• A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2003, Salvador da Costa, 03B3909);
• A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2015, Fonseca Ramos, 36/12);
• A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2015, Silva Salazar, 1120/11, de 10.12.2015, Clara Sottomayor, 551/06);
• Para que se consubstancie em litigância de má fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não são uma simples convicção íntima do julgador (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, João Trindade, 969/03);
Em face do exposto, concluímos no sentido da procedência deste segmento do recurso, com a consequente revogação da sentença na parte em que condenou a A. como litigante de má fé no pagamento de indemnização à R. no montante de €1020 (10 Ucs).
No que respeita ao pedido de condenação da R./apelada como litigante de má fé, que o tribunal julgou improcedente, fundou-se tal pedido na alegada alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na base do contrato de arrendamento firmado entre as partes.
Como vimos, esse fundamento não foi demonstrado e ainda que o tivesse sido, não seria bastante para a condenação da A. como litigante de má fé, já que daí não decorreria a violação com dolo ou negligência grave dos deveres de probidade, cooperação e boa-fé.
Termos em que, inexistindo fundamento para a condenação da R. como litigante de má-fé, improcede o recurso nesta parte. Inconstitucionalidade
No final da alegação recursória, partindo dos factos alegados (v.g. o aumento do valor da renda e a alteração das circunstâncias do contrato), a apelante afirma que “constitui uma compressão intolerável do direito de defesa da autora e é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, por violação do artigo 204.º e por violação do artigo 205.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e da plena jurisdição, a interpretação normativa do artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil segundo a qual não é modificável segundo juízos de equidade, por as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar terem sofrido uma alteração anormal, o fim de vigência de um contrato de arrendamento para data posterior à constante no dito contrato de arrendamento quando a arrendatária opõe-se em determinada data à renovação do contrato de arrendamento sem ter como saber que um estado de emergência decretado prolongar-se-ia até a uma data posterior à data final de vigência constante do contrato de arrendamento e sem ter como saber que, devido ao referido estado de emergência, a empresa de prestação de serviços de calibragem da maquinaria da arrendatária optaria por não prestar os serviços até à data final constante do contrato de arrendamento, tendo decidido, por questões de protecção dos respectivos funcionários contra o risco de contaminação pelo vírus da covid 19, prestar tão-somente em data posterior à data do fim da vigência constante do contrato de arrendamento o serviço de calibragem da maquinaria da arrendatária essencial ao respectivo funcionamento no novo espaço físico, não será suficiente para que o contrato de arrendamento seja alterado no sentido de ser prolongado até a uma data posterior à data prevista no contrato de arrendamento como a data do final da respectiva vigência por razões não imputáveis à arrendatária e resultantes das referidas alterações supervenientes também não imputáveis à arrendatária, inconstitucionalidade e compressão intolerável do direito de defesa da autora que aqui se invocam para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
Não descortinarmos de que forma é que a interpretação normativa dos art.s 437º/1, 282º, 251º e 247º todos do Código Civil efectuada na sentença e neste acórdão é susceptível de violar o direito de defesa da A. ou afrontar quaisquer princípios ou normas constitucionais.
A A. intentou a presente acção fazendo valer os direitos de que se arrogou, sendo-lhe garantidos os respectivos direitos processuais e obtendo uma decisão em 1ª instância em tempo razoável, objecto do presente recurso, pelo que não se mostra postergado qualquer direito fundamental ou princípio constitucional, designadamente o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa.
Em síntese conclusiva, o recurso procede parcialmente, sendo confirmada a sentença, com excepção do segmento em que condenou a A. como litigante de má fé [alínea e) do dispositivo da decisão].
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
a) Revogar a alínea e) do dispositivo da sentença – condenação da A. como litigante de má fé - absolvendo a A. de tal pedido.
b) No mais, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelas partes, na proporção de ¾ a cargo da A. e ¼ a cargo da R. (artigo 527º do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 23 de Setembro de 2025
Ana Mónica Mendonça Pavão
Alexandra de Castro Rocha
Diogo Ravara Lisboa