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PROCESSO DE INVENTÁRIO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DESERDAÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário
Sumário1: Tendo sido intentado processo de inventário, na pendência de uma ação de anulação de deserdação, esta causa é prejudicial daquela, justificando-se, por isso a suspensão da instância dos autos de inventário – arts. 272º e 1092º, nº 1, al. a) do CPC. ____________________________________________ 1. Da responsabilidade do relator - art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil, adiante designado pela sigla “CPC”.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
AA2 intentou a presente ação declarativa inventário, com processo especial, para partilha da herança por óbito de FF, indicando como cabeça de casal BB3 e demais interessados CC4, DD5, e EE6.
Citado, o cabeça de casal apresentou o requerimento, no qual, nomeadamente, expôs o seguinte:
“(…)
5.º No que concerne à identificação dos herdeiros legitimários, o cabeça de casal, BB, a requerente AA e CC, ter-se-á de indicar que tal informação também não está totalmente correta.
6.º Pois que de momento não se poderá concluir que a herdeira AA aqui requerente, venha ser considerada herdeira do falecido pai, BB.
7.º Porquanto corre termos o P. n.º …/23.0T8CSC, J- 2 do Juízo Cível de Cascais, ação em que a própria requerente deu entrada, no intuito de ser declarada a inexistência da causa de deserdação invocada pelo falecido BB, no testamento por este outorgado antes do seu óbito em ... de ... de 2021.
8.º Ora neste testamento expressamente o falecido BB, declara que:
….”pelo presente testamento com fundamento disposto da alia a) do N.º 1 do artigo 2166.º do digo Civil, deserda a sua filha AA, nascida a ..., em virtude de a descendente ter intentado ações judiciais contra o testador e o ter caluniado, sendo intenção do testador mover um processo crime contra a sua referida filha, pedindo a sua condenação por, entre outros factos, denuncia caluniosa praticada contra o testador.”….
9.º Para além deste processo cível existem inúmeros processos criminais, que o cabeça de casal não pode aqui identificar, mas que serão identificáveis no futuro nos autos do P. n.º …/23.0T8CSC, J- 2 do Juízo Cível de Cascais, dos quais se poderá ou não, concluir pela deserdação da aqui requerente, AA.
10.º E sempre que a decisão que vier a ser proferida no âmbito de tais processos tenha influência direta na partilha dos bens que constituem o objecto da sucessão e que servem de base à liquidação da herança no âmbito do presente processo de inventário,
Consequentemente,
11.º Resulta manifesto que a partilha dos bens no âmbito dos presentes autos de inventario se encontra dependente do apuramento da efetiva responsabilidade criminal da requerente e do processo P. n.º …/23.0T8CSC, J- 2 do Juízo Cível de Cascais.
12.º Assim, e face a tudo o que se supra se expôs, resulta manifesto que o prosseguimento dos presentes autos poderá ser posto em crise dependendo do conhecimento das decisões que vierem a ser proferidas nos autos supra identificados.
13.º Razão pela qual se requer que os presentes autos sejam suspensos até que sejam conhecidas estas decisões nos termos do artigo 272.º N.º 1 do C.P.C.
(…)” .
Citados os demais interessados, os interessados CC e EE pugnaram pela improcedência do requerimento de suspensão da instância apresentado pelo cabeça-de-casal BB7.
No desenvolvimento da causa veio a ser proferido despacho com o seguinte teor:
“A interessada AA apresentou requerimento para abertura de inventário judicial aberto com vista à cessão da comunhão hereditária por óbito de seu pai BB, o qual faleceu no estado de divorciado de GG, tendo deixado como herdeiros legitimários, AA, ora Requerente, BB, CC, tendo ainda deixado testamento por via do qual instituiu herdeiros de tudo quanto tenha livre à data da sua morte, os seus netos, DD, EE, mais requerendo a citação e a nomeação do filho mais velho como cabeça-de-casal.
O interessado BB, regularmente citado veio apresentar declaração de compromisso de bem desempenhar as funções de cabeça-de-casal, mais suscitando a questão de sabe se a Requerente do inventário se poderá considerar como interessada, pois foi deserdada pelo falecido pai em testamento, tento a mesma, porém, impugnado tal ato, correndo a ação termos sob o Proc. n.º …/23.0T8CSC do 2.º Juízo Local Cível de Cascais (J2), mais requerendo a suspensão da instância, nos termos do art. 272.º do CPC, até que seja conhecida a decisão a proferir naqueles autos.
Procurando apreciar o requerimento apresentado, cumpre salientar que o art. 272.º n.º 1 do CPC dispõe que “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”.
Porém, no caso vertente, está em causa a validade de um ato jurídico, o testamento, que a ordem jurídica presume como válido até que os interessados sejam convencidos do contrário, por sentença transitada em julgado.
Logo, o ato que deserdou a interessada é válido e produziu efeitos, não podendo o Tribunal considerar que o mesmo é inválido só porque foi impugnado, sob pena de se conferir eficácia anulatória ao simples direito subjetivo de propor ação judicial.
Deste modo, não existe propriamente uma questão prejudicial que cumpra ser decidida em primeiro lugar antes do procedimento destes autos e que justifique a suspensão dos presentes autos, nos termos requeridos, embora se reconheça os inconvenientes no prosseguimento do processo.
Na verdade, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor e mais fundamentada opinião, de que o que está aqui em causa é a apresentação do requerimento inicial para o processo especial de inventário por parte de um interessado que não reunia, pelo menos aquela data, a qualidade de interessado, e logo não teria legitimidade para apresentar o requerimento, o que constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso (art. 578.º CPC), cuja verificação determina a absolvição da instância de todos os interessados no presente inventário, salvo se um deles requerer o prosseguimento do processo de inventário, aproveitando-se os atos praticados.
Os interessados CC, EE e BB, vieram declarar pretender o prosseguimento do inventário ratificando os atos praticados pela Requerente, AA, a qual manteve a defesa da suspensão dos presentes autos.
Pelo supra exposto, nos termos do art. 1100.º CPC, julgo verificada a ilegitimidade da Requerente AA em virtude da sua deserdação, mas determinando a sua absolvição da instância e admito a ratificação do processado, passando os autos de inventário a correr a impulso os interessados ratificantes.”
Inconformada com tal decisão, a requerente dele interpôs recurso, cuja motivação resumiu nas seguintes conclusões:
“
I. Ainda que a lei não defina o que seja um interessado, para efeitos de intervenção no processo especial de inventário, das normas legais aplicáveis, pode concluir-se que interessado será todo aquele que tiver um interesse seu a defender na herança;
II. O herdeiro legitimo que tenha sido deserdado pelo autor da sucessão através de testamento por aquele impugnado, desde logo, peticionando a anulação da sua deserdação, tem interesse próprio a defender na herança do testador e, nessa medida, é parte interessada no inventário por morte deste e, por isso, parte legitima para o respetivo processo especial de inventário;
III. Verificada a pendência de uma causa em que se aprecia uma questão com relevância para a admissibilidade do processo especial de inventário ou a definição de direitos dos interessados diretos na partilha, por força do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 1092º do Código do Processo Civil, impõe-se ao juiz o dever de determinar a suspensão da instância;
IV. A pendência de causa em que se discute a validade da declaração de vontade do autor da sucessão em deserdar um dos seus filhos, é causa prejudicial do processo especial de inventário por morte daquele, devendo o juiz deste processo determinar a suspensão da instância até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, naquela outra causa;
V. Sendo a requerente do inventário, filha do inventariado, julgada parte ilegítima para requerer o inventário por ter sido deserdada por aquele através de testamento e, em consequência, absolvida da instância e devendo os autos de inventário prosseguir por impulso de outros interessados, verificada a pendência de ação onde se discute da validade daquela deserdação, impõe-se ao juiz do processo de inventário que determine a suspensão da instância, até que aquela causa seja definitivamente julgada;
VI. O processo de inventário é essencialmente uma medida de proteção que se destina a evitar prejuízos e a distribuir fiel e equitativamente todo o património de uma herança e assim o que nele interessa sobretudo apurar é toda a verdade para que a partilha seja efetuada com igualdade e justiça;
VII. É incompatível com as finalidades do inventário o seu prosseguimento sem a intervenção de herdeiro legítimo do autor da sucessão que tendo sido deserdado por testamento, em tempo o impugnou, peticionando a anulação da sua deserdação, por potenciar a possibilidade de conluios entre os demais interessados e desse modo prejudicar o herdeiro afastado, colocando em causa a distribuição fiel e equitativa do património da herança.”
Rematou em suas conclusões nos seguintes termos:
“deve a decisão proferida pela 1ª Instância que julgou a recorrente parte ilegítima para o presente processo de inventário, absolvendo-a da instância e ordenando o prosseguimento dos autos, por impulso dos interessados ratificantes, ser revogada e substituída por outra em que se determine a suspensão da instância até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, no processo nº …/23.0T8CSC”
Nenhum dos apelados apresentou contra-alegações.
2. Delimitação do objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil8, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam9. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, a este Tribunal está vedado apreciar questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas10.
No caso em análise, considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, verifica-se que a única questão a apreciar e decidir reside em determinar se se verificam os pressupostos da suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial, nos termos previstos no art. 272º, nºs 1 e 2 do CPC.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
A decisão apelada não contém qualquer elenco de factos provados.
Não obstante consideram-se relevantes o seguintes factos11:
1. AA nasceu em ...-...-1970, e é a filha de BB e de HH.
2. Em ...-...-2021 BB compareceu perante notário e outorgou escritura pública de testamento, na qual consignou que “pelo presente testamento e com fundamento no disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2166º do código civil deserda a sua filha, AA, em ..., em virtude de a descendente terem tentado ações judiciais contra o testador e o ter caluniado, sendo intenção do testador mover um processo crime contra a sua referida filha, pedindo a sua condenação por, entre outros factos, denúncia caluniosa praticada contra o testador.“
3. BB faleceu em ...-...-2013, no estado de divorciado.
4. Em ...-...-2023 AA intentou ação declarativa constitutiva contra BB, CC, DD, e EE, pedindo que o Tribunal decrete “a anulação da vontade do testador BB (…) quanto à deserdação da sua herdeira legitimária, a sua filha AA aqui autora, por inexistência de causa que possa fundamentar aquela deserdação, declarando-se autor A Herdeira legitimária de BB, falecido a ... de ... de 2023.”
5. O processo referido em 4- corre termos no Juízo Local Cível de Cascais (Juiz 2) sob o nº …/23.0T8CSC.
6. A presente ação de inventário foi intentada em ...-...-2023.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da suspensão da instância com fundamento em causa prejudicial
Estabelece o art. 269º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC que a instância pode suspender--se por decisão do Tribunal.
Por seu turno, estabelece o 272º, nº 1 do mesmo código que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão a causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Interpretando este último preceito, dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA12:
“O nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão e uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento de ser da segunda (…)”.
Mantêm por isso atualidade os ensinamentos de ALBERTO DOS REIS13, para quem “uma causa é prejudicial da outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.
Por seu turno sublinhou MANUEL de ANDRADE14 que, a “verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”.
Já para RODRIGUES BASTOS15, a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para decisão do processo em que se pretende seja decretada a suspensão da instância.
No sentido exposto cfr., entre outros, ac. RE 15-07-2015 (Rui Machado e Moura), p. 21/12.0TBPSR.E1, no qual se consignou: “Entende-se por causa prejudicial aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, ou seja, a relação de dependência entre uma acção e outra já proposta, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de, na segunda acção, se discutir em via principal uma questão que é essencial para a decisão da primeira.”
Por seu turno, esclareceu o ac. RL ...-...-1991 (Almeida Valadas), p. 0023826:
“Só existe prejudicialidade quando a decisão duma das causas tiver por objecto directamente o estabelecimento ou qualificação de determinado facto ou situação por força do respectivo pedido concreto formulado e esse facto ou situação for pressuposto da decisão da outra acção.
Por exemplo, será assim obviamente prejudicial à decisão duma acção em que se pede a condenação de alguém no cumprimento de certa cláusula dum testamento ou dum contrato, aqueloutra acção em que se a declaração de nulidade do mesmo testamento ou do mesmo contrato.”
A tramitação do processo de inventário contém uma disposição legal que aborda especificamente a matéria da suspensão da instância, a saber, o art. 1092º do CPC, o qual tem o seguinte teor:
“1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
a) Se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha;
b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
c) Se houver um interessado nascituro, a partir do conhecimento do facto nos autos e até ao nascimento do interessado, exceto quanto aos atos que não colidam com os interesses do nascituro.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.
3 - O tribunal pode, a requerimento de qualquer interessado direto, autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido:
a) Quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória;
b) Quando se afigure reduzida a viabilidade da causa prejudicial;
c) Quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial.
4 - À partilha, realizada nos termos do número anterior, são aplicáveis as regras previstas no artigo 1124.º relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem.”
Interpretando este preceito dizem MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e.o.16 que “Só preenche o conceito de causa prejudicial aquela em que o que nela for decidido se reveste de importância essencial para a partilha a realizar no inventário. Algumas causas podem contender com a admissibilidade do próprio inventário, como sucede, por exemplo, quando, apesar de se encontrar pendente uma ação visando obter a anulação de uma partilha extrajudicial, seja requerido inventário por algum dos mesmos interessados diretos. Outras causas podem referir-se a diferentes aspetos do processo de inventário: é o caso da ação de estado que tenha por objeto a constituição de relações familiares de que depende a sucessão legítima (como, por exemplo, a ação de investigação de paternidade intentada por um pretenso filho do de cujus) ou da ação em que se discuta a consistência jurídica dos direitos sucessórios de algum interessado direto, incluindo a própria vocação sucessória deste (como, por exemplo, a ação de anulação do testamento17 (cfr. art. 2199º ss do Código Civil), de verificação dos pressupostos da indignidade sucessória (artº 2034º a 2038º do Código Civil) ou de deserdação (artº 2166º do CC).”
No caso vertente, é aplicável à situação dos autos a al. a) deste preceito, considerando este coletivo que o entendimento e raciocínio expostos no trecho do ac. RL de ...-...-1991 supracitado (apesar de reportado ao CPC 1961), e nos ensinamentos de TEIXEIRA DE SOUSA e.o. igualmente transcritos são inteiramente aplicáveis à situação que nos ocupa.
Com efeito, e como é sabido, a deserdação opera em testamento, e tem por efeito privar um herdeiro legitimário da legítima que lhe caberia na sucessão de determinada pessoa (art. 2166º do CC).
Contudo, essa declaração de vontade do autor da sucessão pode ser impugnada pelo herdeiro deserdado, por meio de ação judicial (art. 2167º do CC).
Em caso de procedência do pedido de anulação da deserdação, o herdeiro deserdado “recupera” a faculdade de exercer o seu direito à legítima do de cuius18.
No caso vertente, é manifesto que a requerente foi deserdada pelo seu falecido pai, o que significa que se acha impedida de exercer do seu direito à legítima, não podendo, no atual estado de coisas, exercer qualquer direito na partilha da herança do mesmo.
Contudo, considerando que intentou ação de anulação do testamento outorgado pelo falecido, em caso de procedência de tal ação, “recuperará” a faculdade de exercer tal direito.
Verifica-se, por isso, que a ação de anulação intentada pela requerente constitui causa prejudicial relativamente à presente ação, razão pela qual se consideram reunidos os pressupostos da suspensão da instância, nos termos previstos no art. 272º, nº 1 do CPC.
É certo que foi a deserdada quem intentou a presente ação e que só com a procedência da ação de anulação da deserdação a mesma “recuperará” a faculdade de exercer o direito à legítima na herança do falecido, razão pela qual se compreende que o Tribunal a quo tenha equacionado a sua ilegitimidade.
Simplesmente, a consequência natural para tal vício sempre seria a absolvição dos requeridos da instância, e não o prosseguimento da causa – vd. arts. 278º, nº 1, al. d).
Não tendo sido determinada a absolvição dos requeridos do pedido, não se justifica o prosseguimento da tramitação da causa, com exclusão da requerente, visto que a procedência da ação de anulação da deserdação determinará a anulação de todo o processado nestes autos subsequente à decisão apelada.
Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso e consequentemente pela revogação do despacho recorrido, decretando-se a suspensão da instância nos presentes autos de inventário, até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na mencionada ação de anulação do testamento do falecido, que corre termos no Juízo Local Cível de Cascais (Juiz 2) sob o nº …/23.0T8CSC.
3.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. arts. 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (arts. 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, e em regra, a condenação em custas a que se reportam os arts. 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (arts. 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (arts. 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, perante a procedência da presente apelação, as custas devem ser suportadas pelos apelados CC e EE.
Consigna-se expressamente que os requeridos BB e DD não podem considerar-se vencidos, porquanto o primeiro pugnou expressamente pela suspensão da instância, nos termos ora decididos, e não apresentou contra-alegações, e a segunda também não se pronunciou sobre a matéria.
4. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, e em consequência, revogar o despacho recorrido, decretando-se a suspensão da instância nos presentes autos de inventário, até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na ação de anulação do testamento do falecido FF, que corre termos no Juízo Local Cível de Cascais (Juiz 2) sob o nº …/23.0T8CSC.
Custas pelos apelados CC e EE.
Lisboa, 23 de setembro de 2025 19
Diogo Ravara
José Capacete
Alexandra de Castro Rocha
_____________________________________________________
2. Titular do nº de identificação fiscal ....
3. Titular do nº de identificação fiscal ....
4. Titular do nº de identificação fiscal ....
5. Titular do nº de identificação fiscal ....
6. Titular do nº de identificação fiscal ....
7. Vd. requerimento com a refª 25871357/50194190, de 18-10-2024.
8. Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06, e adiante designado pela sigla “CPC”.
9. Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 7ª Edição, Almedina, 2022, pp. 132-139.
10. Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., pp. 139-142.
11. Todos eles documentados nos autos, e provados por meio de documentos autênticos.
12. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, p. 314-315.
13. “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Coimbra Editora, p. 268
14.“Lições de Processo Civil”, pp. 491-492.
15.“Notas ao Cód. Proc. Civil”, vol. II, 2ª ed., p. 42.
16.“O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, Almedina, 2020, pág. 45
17.Acentuado e itálico da nossa responsabilidade.
18.Seguimos a ortografia do Latim clássico, em cujo alfabeto a letra j não existia.
Acórdão assinado digitalmente – cfr. certificado aposto na primeira página.