PROCESSO TUTELAR CÍVEL
ESCOLHA DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO
AUDIÇÃO DO MENOR
MEIOS DE PROVA
INFORMAÇÃO CONSTANTE DA INTERNET
Sumário

Sumário: (da exclusiva responsabilidade da Relatora):
I - A utilização, pelo Tribunal, de uma informação constante da Internet como meio de prova de factos em discussão, ainda que feita oficiosamente, deverá ser precedida da faculdade das partes - após lhes ser facultado o respetivo conhecimento -, a poderem impugnar.
II - Não se tendo integrado na matéria de facto provada quaisquer factos obtidos com base nessa consulta/utilização de sites, não se coloca a questão da violação do princípio do contraditório na obtenção/utilização da prova.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I.Relatório:
Em 05.06.2025 AA veio requerer resolução de questão de especial importância na vida das filhas, tendo como Requerida BB, estando ambos regularmente identificados nos autos. Alegou, em síntese, que as três filhas do casal parental frequentaram escola privada no ano lectivo agora findo. Porém, o Requerente pretende que as três passem a frequentar escolas públicas em Cascais, que indica. O Requerente sustenta que as indicadas escolas públicas oferecem vantagens educacionais para as três filhas. Ao mesmo tempo alega não dispor de meios financeiros para manter as filhas em escola privada.
Citada a Requerida, a mesma veio, em 04.07.2025, opor-se ao pedido do Requerente. Esteia a sua posição no projecto educativo do colégio selecionado para as filhas, pondo ainda em relevo a distância física da escola selecionada pelo pai. Por último, recusa que o mesmo não tenha meios para pagar a sua parte no colégio das crianças.
Suscita questão prévia, com a indicação de muito urgente, que se prende com o facto de a Escola A ter informado os pais no dia 3 de julho de que a matrícula da menor CC deverá obrigatoriamente ser realizada no Portal das Matrículas até ao dia 11 de julho de 2025.
Em 08.07.2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Atento o objecto dos autos atribuo aos mesmos natureza urgente.
*
Os pais abster-se-ão de levar a cabo qualquer matrícula ou inscrição escolar das filhas até à realização de conferência.
Atento o invocado pela Requerida solicite à escola frequentada pela CC (Escola A) a matrícula da mesma para o próximo ano lectivo.
Tal inscrição é feita a fim de evitar que, atento o lapso de tempo para a conferência, a criança perca o seu lugar e sem prejuízo de se vir decidir a final que deverá frequentar a escola pública como é defendido pelo Requerente.
*
Para conferência de pais designo o dia 17 de Julho de 2025 às 15h00 neste Tribunal.
Inscreva na agenda de turno.
Cumpra o disposto no art. 151º do CPC.”
Realizou-se conferência de pais em 17.07.2025, na qual não foi obtido acordo.
Do texto da respetiva ata consta que:
“No início da audiência, a Mm.ª Juiz de Direito procedeu à audição da Requerida, BB, a qual, inquirida disse:
-as crianças sempre frequentaram o colégio;
-não tem capacidade para pagar a mensalidade do colégio integral sozinha;
-o colégio é até ao 6º ano de escolaridade;
-a filha CC tem apoio psicológico no colégio;
-não tem capacidade de suportar uma proporção diferente de metade do valor da mensalidade;
-não foi conhecer as escolas que o pai apresentou, apenas
-é arquiteta numa empresa, está adstrita a um horário flexível, e faz trabalhos por conta própria;
-já visitou a escola Escola B.
*
Seguidamente, a Mm.ª Juiz de Direito passou à audição do Requerente, AA, o qual, inquirido disse:
-o colégio ajuda a EE a ter autonomia, não lhe dá qualquer apoio;
-a sua condição financeira não lhe permite manter as filhas no colégio;
-foi-lhes dito que a CC devia ter apoio psicológico fora da escola;
-foi às escolas que propôs e informou-se que as menores terão apoio,
-foi com as filhas visitar uma escola pública, e elas demonstram entusiasmo;
-já fez a pré inscrição das filhas nas escolas;
-paga para as três menor cerca de 1100€ de mensalidade no colégio;
-considera benéfico a alteração de escola neste momento.
*
No seguimento, e face a solicitação da Mm.ª Juíza de Direito, pelo Ilustre Mandatário da Requerida foram indicadas as seguintes escolas públicas do agrupamento escolar da área de residência da mãe:
a) Escola B (1.º, 2.º e 3.º ciclos);
b) Liceu....
***
O Ministério Público, logo na conferência, promoveu o seguinte:
“A posição do Ministério Público é que o tribunal determine, no próximo ano letivo 2025/2026 que todas as meninas sejam inscritas nas escolas indicadas pelo pai.”
***
Foi em 21.07.2025 proferida decisão nos termos do art. 28º do RGPTC, com o seguinte dispositivo:
“Tudo ponderado, ao abrigo do disposto no art. 28º do RGPTC decide-se autorizar:
- CC a frequentar no próximo ano lectivo a Escola C, sita na Rua ...;
- EE e FF, a frequentarem a Escola D, sita no ..., ou a Escola E.B.1 de ... - 1º ao 4º Ano, sita na ..., cabendo à Requerida escolher uma das duas, tendo em atenção o maior conforto das filhas também no trajecto que farão quando estiverem ao seu cuidado em Lisboa no âmbito da residência alternada em vigor.
Valor: €30 000,01.
Custas pela Requerida.
RN”
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Inconformada, a Requerida apelou, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea c) e d) do Código de Processo Civil.
2. A sentença incorreu em erro na apreciação da matéria de facto (art. 640.º do CPC), ao desconsiderar prova documental e testemunhal relevante.
3. Justifica-se a reponderação da matéria de facto com base na prova documental e testemunhal constante dos autos.
4. Violaram-se, nomeadamente, entre outras, as seguintes disposições legais: Artigos 13.º, 20.º e 74 n.º 2, alínea a) da CRP, artigos 74.º, 3.º, n.º 3 4.º, 154.º 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, alínea c) e d), 640.º do CPC, artigo 1906.º do C.C, artigo 4.º da LPCJP, artigo 4.º do RGPTC e dos artigos 3.º e 28.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
5. Tais normas impunham o respeito pelo contraditório, igualdade das partes, continuidade pedagógica, igualdade entre irmãs, proteção do superior interesse das crianças e a pronúncia fundamentada sobre todas as soluções educativas apresentadas.
6. Jurisprudência que impunha decisão diversa: TRP, Ac. 09.12.2020, Proc. 685/20.1T8PFR.P1, TRC, Ac. 21.04.2015, Proc. 124/14.1TBFND-A.C1, TRL, Ac. 08.07.2021, TRL, Ac. 06.06.2024 Proc. 3688/19.5T8LSB.L1-2, TRL, Ac. 10-07-2021, Proc. 11516/15.4T8LSB-E.L1-8, TRL, Ac. 11.01.2022, Proc.  20994/15.0T8SNT-E-7, TRE, Ac. 06.06.2024, Proc. 1091/22.9T8AMD-A.E1.
7. A sentença deu como não provados todos os factos invocados pelo Recorrido para justificar a mudança de escola das menores.
8. Ainda assim, acolheu a pretensão do Recorrido, impondo a transferência das crianças.
9. Exemplo disso é a inclusão da Escola C, justificada por uma suposta vantagem social que o próprio Tribunal declarou como não provada (facto não provado n.º 1), revelando erro de julgamento e quebra de lógica decisória.
10. A Recorrente reside em casa própria, no mesmo bairro desde o nascimento das menores, garantindo estabilidade habitacional e logística, facto não valorizado na decisão.
11. O Recorrido mudou de residência pelo menos três vezes, vive em casa arrendada por €2.850/mês, sem apresentar contrato ou prova de estabilidade habitacional.
12. A sentença impôs à mãe encargos logísticos desproporcionais em violação da proporcionalidade e igualdade parental.
13. O Escola A assegura continuidade pedagógica e estabilidade emocional, frequentado pelas três irmãs desde o berçário, sendo a única instituição que garante a sua permanência conjunta.
14. A menor EE requer estabilidade emocional, conforme documentação clínica, sendo desaconselhada a sua mudança de escola no início do 1.º ciclo.
15. A proposta de manter EE e FF no Escola A até ao fim do 1.º ciclo, solução ponderada, estável e viável foi sugerida pela Mma. Juiz, aceite pela Recorrente e apoiada pelo Ministério Público, mas acabou ignorada na sentença, em violação do dever de pronúncia fundamentada (cf. gravação da sessão de 17/07/2025, min. 06:25–07:26; 23:47–24:28; 01:15:48–01:16:56).
16. A sentença violou o dever de fundamentação (art. 607.º/4 do CPC) ao omitir pronúncia sobre alternativas públicas viáveis indicadas pela Recorrente, apoiadas documentalmente e com mérito pedagógico.
17. A Escola E, 23.º no ranking nacional, apresenta qualidade comprovadamente superior às escolas indicadas pelo Recorrido e é logisticamente acessível.
18. As Escolas do Restelo, situadas a 5 minutos da residência da Recorrente, evidenciam mérito pedagógico superior às alternativas propostas pelo Recorrido.
19. O Recorrido tem capacidade financeira para suportar os encargos escolares, sem demonstrar qualquer limitação nesse sentido.
20. A sentença atribuiu valor indevido a conteúdos promocionais (“robótica”, “mentorias”), sem suporte técnico, visitas ou prova testemunhal.
21. Ignoraram-se os problemas estruturais do ensino público, como rotatividade de professores, greves frequentes e turmas sobrelotadas.
22. A prova foi valorada de forma assimétrica, exigindo da Recorrentes diligências não impostas ao Recorrido.
23. A sentença atribuiu ao Recorrido uma alegada análise criteriosa das escolas indicadas, sem qualquer base probatória, como reconheceu a própria Senhora Procuradora do Ministério Público. (sessão de 17/07/2025 – min. 29:25–29:46).
24. O Tribunal recolheu informações de websites das escolas sugeridas pelo Recorrido sem garantir contraditório nem produção formal de prova.
25. O Tribunal não inquiriu testemunhas da Recorrente com conhecimento direto da realidade escolar das menores, violando o princípio do contraditório.
26. A menor CC, com idade e maturidade para ser ouvida, não foi escutada, em violação do dever de audição.
27. O Tribunal desconsiderou o contexto familiar, a prova produzida e a realidade emocional das crianças.
28. A decisão viola o princípio da continuidade pedagógica das menores, quebrando um percurso escolar estável no Escola A.
29. A sentença impôs a separação escolar das irmãs, comprometendo a coesão fraterna e o bem-estar emocional, em contradição com jurisprudência consolidada.
30. O Escola A oferece ensino bilingue intensivo, acompanhamento individualizado e ambiente estruturado para o sucesso escolar das menores.
31. O Escola A assegura uma qualidade pedagógica substancialmente mais estável e qualificada do que qualquer uma das escolas públicas indicadas pelo Recorrido.
32. As escolas públicas indicadas pelo Recorrido e acolhidas pela sentença apresentam classificação inferior nos rankings e não foram objeto de avaliação técnica.
33. A escolha das escolas propostas pelo Recorrido não assenta em qualquer critério técnico ou pedagógico, sendo inferiores nos rankings, sem plano de transição, relatório, parecer ou análise comparativa que justificasse a rutura com o Escola A.
34. A sentença preteriu, sem justificação plausível, a única escola frequentada por todas as irmãs desde a infância, desvalorizando os vínculos criados.
35. Ignorou-se o percurso bem-sucedido das menores no Escola A, rompendo com estabilidade sem razão consistente.
36. A sentença baseou-se em critérios subjetivos e genéricos, sem estudo das reais necessidades das crianças.
37. A decisão validou a conduta unilateral do Recorrido, que excluiu a Recorrente do Portal das Matrículas e a removeu como encarregada de educação, violando o regime de guarda conjunta.
38. A sentença impôs desigualdade entre irmãs: manteve CC no colégio e forçou EE e FF à mudança, sem critério técnico ou pedagógico.
39. A própria Meritíssima Juiz reconheceu em conferência de pais essa desigualdade, mas ignorou-a na decisão, violando os princípios da igualdade e do direito à educação em condições equitativas. (cf. gravação da sessão de 17/07/2025, min. 07:30-07:59 e min. 26:45- 28:32)
40. A sentença rejeitou o Escola B com base em suposta “dimensão excessiva”, sem prova ou justificação pedagógica, incorrendo em erro de valoração e violação do dever de fundamentação.
41. O Escola B permite manter juntas as três irmãs, garantindo coesão fraterna e continuidade logística.
42. Desconsiderou-se que o agrupamento integra escolas pequenas, inclusivas e próximas da casa da Recorrente, aptas a garantir continuidade, coesão fraterna e estabilidade.
43. A sentença desconsiderou o direito das menores à continuidade territorial e social em Lisboa, onde sempre viveram.
44. Qualquer transição da menor CC para o ensino público deve ocorrer em Lisboa, por razões de continuidade, integração social e compatibilidade com o regime de residência alternada.
45. Caso se opte por ensino público, a transição deve ocorrer em Lisboa, com prioridade às escolas Escola E, ... e Escola B, por critérios de qualidade, logística e coesão.
46. As menores mantêm vaga garantida no Escola A para Escola B:
CC por despacho de 08.07.2025 e a EE e FF por pré-inscrição atempada feita pela Recorrente.
47. Deve ser dado provimento ao recurso, com revogação da decisão recorrida e substituição por outra que assegure: (i) a permanência das três irmãs no Escola A; ou, se inviável, (ii) a manutenção de EE e FF nesse colégio e colocação de CC numa escola pública em Lisboa; ou, subsidiariamente, (iii) a inscrição das três irmãs numa escola pública em Lisboa.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer a Recorrente a V. Ex.as que seja concedido provimento ao presente recurso, com as seguintes consequências jurídicas:
1. A revogação integral da sentença recorrida;
2. A substituição da decisão por outra que:
a) Determine a manutenção das menores CC, EE e FF no Escola A; ou, caso tal não seja possível;
b) A manutenção de EE e FF no Escola A até à conclusão do 1.º ciclo e a colocação da menor CC numa escola pública localizada em Lisboa, próxima da residência materna;
ou, subsidiariamente;
c) A inscrição das três irmãs numa escola pública em Lisboa que permita a sua continuidade conjunta, garantindo-se a coesão fraterna e a estabilidade organizativa e emocional necessária ao seu desenvolvimento.
Tudo com o devido respeito por V. Ex.as e com fundamento nos princípios da legalidade, da continuidade educativa, da estabilidade emocional e do superior interesse das crianças.
***
O requerente apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, vide artigos 635º n.º3 a 5 e artigo 639º, n.º1 ambos do CPC;
II. Não tendo a Recorrente indicado nas suas conclusões em que consistiu a nulidade da sentença, o erro na apreciação da matéria de facto, a violação de dispositivos legais, a violação do dever de fundamentação e a violação do “princípio da continuidade pedagógica das menores (vide conclusões de recurso 1, 2, 4, 9, 16 e 28), omitiu indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, preterindo o disposto no artigo 639º, nº1 do CPC, não podendo o Tribunal ad quem conhecer tais questões, sendo que neste sentido segue a seguinte jurisprudência:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Escola B, no âmbito do processo Escola B S1:
“I. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.”
(https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/4691-2018-Escola B)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Escola B, no âmbito do processo Escola B (disponível in dgsi.pt)
“I. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente – o qual vale dizer que, para além das questões de conhecimento oficioso, só das suscitadas nessas conclusões pode (e deve) conhecer o tribunal ad quem.
II. Se o recorrente não inclui determinada matéria conclusões da sua alegação, terá de entender-se que, dessa forma, restringiu tacitamente o objeto de recurso, pelo que o tribunal ad quem não tem de conhecer de tal matéria”.
III. A Recorrente limitou-se na sua conclusão n.º4 a alegar a violação de dispositivos legais não tendo indicado o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
IV. Pelo que, a Recorrente não deu cumprimento ao disposto na alínea b), do n.º2 do artigo 639º do CPC;
V. Pretendendo a Recorrente impugnar a matéria de facto (o que se extrai da sua conclusão n.º2), tinha forçosamente de dar cumprimento ao disposto no n.º1 do artigo 640º do CPC, designadamente indicar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios constantes no processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e indicar qual a decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
VI. Não tendo a Recorrente dado cumprimento ao disposto no n.º1 do artigo 640º do CPC, deverá o ser recurso ser rejeitado;
VII. Tratando-se de uma decisão cautelar proferida no âmbito de uma ação com vista à resolução de questão de particular importância (inserida no domínio da jurisdição voluntária), não estava o Tribunal a quo obrigado a ouvir as testemunhas indicadas pela Recorrente, vide artigos 28º, 35, n.º2 e 44º do RGPTC e artigo 986º nº2 do CPC.
VIII. Por outro lado, a Recorrente não concretizou na sua resposta ao articulado inicial se as testemunhas indicadas se relacionavam familiarmente com as menores ou se tratavam de pessoas de especial referência afetiva para as crianças, porquanto não poderia o Tribunal a quo conhecer a pertinência e relevância na sua audição, vide n.º2 do artigo 35º do RGPTC.
IX. A utilização da informação constante dos websites das escolas trata-se de informação constante do domínio público (e que estava à disposição das partes) e como tal tinha o Tribunal a quo o poder de a conhecer (vide artigo 5º do CPC);
X. Outrossim, e tendo em conta que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, o Tribunal pode livremente investigar os factos, cfr. n.º2 do artigo 986º do CPC;
XI. Pelo exposto, verifica-se a ausência de violação do princípio do contraditório;
XII. A audição da menor CC não foi requerida por nenhuma das partes, sendo que por outro lado, consubstanciaria uma diligência inútil e dilatória, uma vez que o que se discute nos presentes autos (com natureza urgente) é a transição da escola privada para a pública, estando esta matéria inserida no domínio liberdade de gestão financeira dos progenitores, uma vez que são estes que asseguram o pagamento das mensalidades escolares;
XIII. Deixar a cargo de uma menor de 10 anos a decisão de escolher qual a escola que deverá frequentar (o que pretende a Recorrente), tratar-se-ia de uma subversão do papel dos progenitores, do poder paternal e das responsabilidades parentais;
XIV. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que, atenta a natureza cautelar da decisão e natureza urgente dos autos, não estava o Tribunal a quo obrigado a ouvir a menor;
XV. Conjugada a prova documental com as declarações das partes, ficou demonstrado que:
i) O Recorrido não tem condições financeiras para suportar os custos com a mensalidade da escola privada das menores;
ii) A Recorrida não consegue assegurar o pagamento total da escola privada ou uma meação superior à fixada, sendo que atualmente apenas logra pagar metade da mesma com auxílio dos seus pais;
iii) A Recorrente não consegue assegurar o pagamento total ou uma meação superior à fixada, sendo que atualmente apenas logra pagar os 50% com auxílio dos seus pais;
iv) O estabelecimento de ensino privado não está a assegurar as necessidades da educativas da menor EE, desde logo porque esta terminou o ano letivo sem saber ler;
XVI. Não foi demonstrado qualquer desfavor em concreto das escola públicas indicadas pelo Recorrente perante a escola privada indicada pela Recorrida;
XVII. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo ter alcançado outra solução a não a transição das menores para a escola pública, sendo que tem sido neste sentido que a jurisprudência tem seguido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-05-2023, processo n.º Escola B-B.L1-6:
“IV–Na acção a que se refere o artigo 44º do RGPTC, a cada progenitor em oposição compete carrear aos autos as razões concretas pelas quais a escola concreta que defende como melhor para os seus filhos assim o é.
V–Perante a liberdade constitucional de aprender e ensinar e perante a organização pelo Estado dum serviço de educação pública e perante o reconhecimento que o Estado faz do ensino particular e cooperativo, o tribunal não pode decidir em abstracto qual das escolas, pública ou privada, é melhor para os menores.
VI–Essa decisão só é passível de ser feita em função dos factos que os progenitores tiverem carreado para os autos, quer relativos às escolas, quer relativos aos menores e a si mesmos.
VII–Não se evidenciado nenhum favor ou desfavor da escola pública e da escola privada, a pretensão da progenitora que suporta exclusivamente as despesas da escola privada em passar os menores para o ensino público integra-se no âmbito da sua liberdade pessoal de gestão dos seus (e da sua família) recursos financeiros, não podendo afirmar-se uma preponderância do estabelecimento de ensino – e portanto uma prioridade - sobre outras actividades (que também acarretam custos) pelas quais se transmite ainda mais pessoalmente aos filhos os valores de cultura dos progenitores.
VIII–A consideração, pelo tribunal, destas possibilidades de gasto e através do que com ele se obtém enquanto transmissão educativa em sentido lato, porque se integra originariamente na liberdade de gestão financeira dos progenitores que não deixa de ser uma faceta do seu desenvolvimento pessoal, não carece de ser provada.”
XVIII. Da análise comparativa dos projetos educativos constantes dos websites institucionais de cada uma das escolas indicadas pelas partes, os quais foram transcritos nas páginas 6 a 8 da decisão (e que se dão aqui por integralmente reproduzidos), resulta sem margem para dúvidas que as escolas indicadas pelo Recorrente são as opções que mais servem os interesses das menores, desde logo quanto à qualidade das instalações, estabilidade do corpo docente, dimensão da escola, localização e atividades enriquecimento extracurricular.
XIX. A Recorrente não concretizou quais as vantagens em concreto da Escola B perante as escolas indicadas pelo Recorrido, sendo que as outras escolas que indicou (apenas em sede conferência de pais), leia-se a ... e escola Escola E não pertencem ao agrupamento escolar de nenhuma das partes e porquanto inelegíveis;
XX. Ao contrário do que sucede nas escolas indicadas pelo Recorrido e mediante análise do website da Escola B (https://aefarruda.pt/) verifica-se que apenas a partir do 7º ano é que existem atividades de enriquecimento extracurricular, não dispõem de mentoria educativa (a qual beneficiaria as três menores, mas em particular a menor EE), sendo ainda uma
escola de maior dimensão apresentando um ambiente mais intimidador que por sua vez dificultaria o processo de adaptação das crianças.
XXI. Tendo em conta a localização dos domicílios dos progenitores (leia-se Cascais e Lisboa) e das escolas indicadas pelo progenitor, verifica-se que as menores beneficiarão de tempos de viagem reduzidas no seu quotidiano, uma vez que estarão a circular em sentido contrário do trânsito, o que não aconteceria se as escolas das crianças fossem em Lisboa.
XXII. A alteração do ambiente e realidade escolar das menores, apenas traz vantagens no que concerne ao seu desenvolvimento social e educativo, bem como para efeitos de reforço da sua autoestima;
XXIII. Pelo exposto, verifica-se que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento, devendo ser mantida a decisão proferida.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado improcedente, e nessa sequência mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Fazendo assim V.Exas. Acostumada Justiça.
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O Ministério Publico também contra-alegou, com as seguintes conclusões:
1. Analisados todos elementos trazidos aos autos entendemos ter sido apenas o superior interesse dos menores, a sua proteção integral e o seu benefício que determinaram a decisão tomada.
2. O recurso interposto não merece provimento, tendo-se valorado criteriosamente os factos e aplicado corretamente a Lei e o Direito, a decisão, sob censura – que não padece de qualquer vício ou nulidade – devidamente fundamentada, deverá ser mantida nos seus precisos termos.
3. O douto despacho recorrido fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que deve ser mantido.
Negando provimento ao recurso, V. Exªs, com mais elevado rigor e critério, farão como sempre
Justiça!
***
II-Questões prévias:
a) Pedido de notificação da Recorrente para esclarecimento e retificação de lapso na indicação do Tribunal a quem dirigiu o requerimento de recurso (Pedido apresentado pelo recorrido no requerimento de resposta ao Recurso):
- O formulário eletrónico apresentado pela requerente em 31.07.2025 com REFª: 53042785, intitulado “Alegações” indica como Tribunal competente “Lisboa - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa”, como unidade orgânica “Juízo de Família e Menores de Lisboa- Juiz 3” e como numero de processo “546/23.2T8LSB-D” enquanto que o requerimento de interposição de recurso em anexo se encontra dirigido ao TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CASCAIS - JUIZ 3, PROCESSO N.º 546/23.2T8LSB-D.
Ora, como resulta do conteúdo das alegações também juntas, designadamente da parte da identificação do objeto de recurso, reporta-se ao processo tutelar cível que corre termos no J3 do Juízo de Família e Menores de Lisboa, em conformidade, aliás, com o que vem indicado no formulário eletrónico, pelo que qualquer notificação da recorrente para confirmar um lapso que é evidente, conforme pretende o recorrido, configura ato inútil, e como tal, proibido por lei (art. 130º do CPC).
Acresce que, nos termos do art. 7 nº2 da Portaria 280/2013, “Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários”, pelo que se deve considerar o Tribunal indicado no formulário, ou seja o Juízo de Família e Menores de Lisboa- Juiz 3, sem necessidade da requerida notificação.
b) Pedido de cumprimento do disposto no n.º3 do artigo 570º do CPC (Pedido apresentado pelo recorrido no requerimento de resposta ao Recurso):
A recorrente apresentou decisão de concessão de apoio Judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, destinado a Regulação do Poder Paternal-Processo 546/23.2T8LSB.
O apoio judiciário é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar - art. 18 n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho- , pelo que obviamente abrange o apenso onde foi apresentado o recurso, inexistindo assim fundamento para cumprimento do nº3 do art. 570º do CPC.
c) Invocação da falta de cumprimento pela recorrente do disposto no art 639 nº2 al. b) do CPC (invocação feitas nas contra-alegações do recurso):
Invocou o recorrido que a Recorrente se limitou na sua conclusão n.º 4 a alegar a violação de dispositivos legais não tendo indicado o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
Ora, da conclusão 5 do recurso resulta o sentido com que as normas alegadamente violadas deviam ter sido interpretadas e aplicadas, pelo que se torna desnecessário qualquer convite ao aperfeiçoamento das alegações nos termos e para os efeitos previstos no art 639 nº3 do CPC.
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III - Objecto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto, as questões a apreciar são as seguintes:
-Nulidade da Sentença;
-Erro na apreciação da matéria de facto;
-Erro na apreciação do direito e na decisão.
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IV – Fundamentação de facto:
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. CC, nascida a 24 de Março de 2015, EE e FF, ambas nascidas a 4 de Dezembro de 2018, são filhas do Requerente e da Requerida.
2. EE tem um problema de bexiga, faz terapia da fala e tem dificuldades respiratórias.
3. EE não tem de se fazer acompanhar de qualquer medicação e não tem de transportar consigo qualquer kit de emergência.
4. As três crianças têm frequentado a mesma escola, o Colégio Avé Maria.
5. A CC transitou para o 5º ano, tendo as gémeas FF e EE transitado para o 2º ano.
6. EE não conseguiu atingir todos os objectivos do 1º ano de escolaridade, designadamente ao nível da leitura.
7. Por sentença ainda não transitada em julgado foi fixado regime de RERP de guarda partilhada com residência alternada em tempos equitativos (sete dias), junto de cada um dos progenitores, pagando o pai pensão de alimentos em benefício das três filhas no valor de €100,00 por criança.
8. O Requerente e a Requerida são arquitectos.
9. O Requerente vive no ... com a companheira, GG e o filho desta, já maior de idade, num T4 arrendado no valor de €2850,00/mês.
10. O custo do arrendamento é suportado em partes iguais pelo Requerente e pela sua companheira.
11. O Requerente é sócio de duas empresas que desenvolvem efectiva actividade económica, a ... e a ....
12. O Requerente tem um salário mensal no valor de cerca de €2000,00 mensais.
13. A Requerida vive sozinha, sem prejuízo de sua mãe estar na sua casa quando as crianças lá estão.
14. Após a separação do Requerente, a Requerida reingressou no mercado de trabalho, auferindo cerca de €1100,00 euros mensais.
15. A Requerida vive em ....
16. No dia 24.08.2024, em sede de conferência de pais acordaram as partes que no ano letivo 2024/2025, as suas filhas CC, EE e FF frequentariam o Colégio Avé Maria (colégio particular),
17. O valor total da três mensalidade da Colégio Avé Maria é de € 2.036,00, sendo que o Requerente assegura 50% do referido montante, € 1.018,00.
18. O Requerente visitou as escolas públicas indicadas no requerimento inicial com as filhas.
E julgou não provada a seguinte factualidade:
Nada mais se provou com interesse para a causa. Assim não se provou que:
1.A Escola C, ao contrário da escola privada, tem na sua população educanda uma maior abertura e variedade social, o que permitirá fortalecer as capacidades sociais da menor CC, bem como a sua autoestima.
2. O Requerente apenas tem assegurado o pagamento do Colégio Avé Maria mediante o seu endividamento, perante a sociedade da qual é sócio,
***
V- Fundamentação de Direito:
Nulidades da sentença:
Considera a recorrente que o Tribunal ignorou:
-A solução de manter as menores EE e FF no Escola A até ao fim do 1.º ciclo, proposta pela Mma. Juiz, aceite pelo Ministério Público e pela Recorrente;
- Que o Escola B integra escolas de 1.º ciclo mais pequenas, inclusivas e acolhedoras como a EB1 ...;
- As alternativas públicas indicadas pela Recorrente:
a) Escola E: 23.º no ranking nacional, a menos de 15 minutos da residência da Recorrente.
b) Escolas do Restelo, incluindo, EB ... ou EB do ... (1.º ciclo) e EB 2/3 HH (2.º ciclo).
Conclui que a sentença nada disse sobre estas propostas, incorrendo em omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Nos termos do art. 615 nº1 al d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 3ª ed. Almedina, pag. 794, anot. 13 ao art 615º, é pacifica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Exemplificativo é o Ac. do STJ de 13.10.2022 (relator Nuno Ataíde das Neves) proferido no Proc. 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1, do qual se reproduz o seguinte trecho:
“(…) As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia.
Sendo que a omissão ou excesso de pronúncia se verifica sempre que o julgador deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. [é o caso dos autos]
A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente.”.
Ou seja, apenas ocorre omissão de pronuncia quando o Tribunal não se pronuncia sobre o thema decidendum, e não quando não se pronuncia sobre argumentos ou fundamentos, motivos, juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
In casu o thema decidendum prende-se com o pedido formulado pelo progenitor na p.i. no sentido de que a menor CC passe frequentar a Escola C – 5º ao 12º Ano, sita na R. Dr. Fernando M F Baptista Viegas, 2750-503, e que as menores EE e FF passem a frequentar a Escola D, sita no ..., ou em alternativa a Escola E.B.1 de Birre nº2 / J.I. do Cobre - 1º ao 4º Ano, sita na ..., pretensão rebatida pela progenitora na sua resposta, a qual aí pugnou pelo indeferimento do pedido de transferência das menores para o ensino público, determinando-se a manutenção das crianças no Escola A.
Ora, a decisão recorrida pronunciou-se sobre esta questão (transição das menores para as escolas indicadas pelo progenitor por contraposição à manutenção no Colégio Avé Maria), deferindo a autorização para as menores frequentarem as Escolas indicadas pelo progenitor. O facto de ignorar/não optar por uma solução diferente das defendidas nos articulados (manutenção das menores EE e FF no Escola A até ao fim do 1.º ciclo; alternativas públicas como Escola E ou Escolas do Restelo), ou de ignorar um concreto motivo para fundamentar decisão diversa daquela que foi proferida (ignorar determinadas características do Escola B), apenas é suscetível de relevar em sede de erro de julgamento, se for esse o caso. E consequentemente, também não se verifica a violação do dever de fundamentação sobre essas potenciais soluções diversas.
Improcede a arguição da referida nulidade.
Entende também a recorrente existir desconformidade entre o facto não provado n.º 1 ( “Não se provou que a Escola C, ao contrário da escola privada, tem na sua população educanda uma maior abertura e variedade social, o que permitirá fortalecer as capacidades sociais da menor CC, bem como a sua autoestima.”) e a decisão, uma vez que a decisão incluiu essa escola no plano de transferência, como se tal vantagem existisse.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando exista contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís filipe Pires de Sousa, obra citada, pag 793 e 794, anot. 11, “a nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o Juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe solução jurídica diferente (…)”- (sublinhado nosso).
Não tendo sido apontada contradição entre a fundamentação de direito do despacho e a sua parte decisória, mas antes uma alegada desconformidade entre um facto não provado e a decisão - desconformidade que nem sequer vislumbramos, pois da fundamentação jurídica não resulta sequer que tal facto não provado tenha sido tratado na fundamentação jurídica como provado -, improcede a referida nulidade.
Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações.
A referenciação, nas conclusões de recurso, de factos incorretamente julgados pode não ser feita por indicação do número de facto, ou pela transcrição do seu teor, mas tem que ser feita de forma clara e evidente, de modo a que não deixe dúvidas sobre aquilo que se pretende ver sindicado – neste sentido cf. Ac. do STJ de 12-09-2019 proferido no Proc. 1238/14.9TVLSB.L1.S2.
Ora, no caso dos autos, percorrem-se as conclusões do recurso e verifica-se que nelas não são devidamente especificados e discriminados os concretos factos provados ou não provados objeto da impugnação, bem como não é pedido o aditamento de qualquer específico facto à decisão.
Apenas em sede de motivação do recurso a recorrente descreve os factos que devem ser considerados como provados e não provados, o que não supre a necessidade de as conclusões do recurso conterem uma clara referenciação dos factos objeto da impugnação.
Impõe-se, pois, rejeitar o recurso sobre a impugnação da decisão da matéria de facto com base no disposto no art. 640 nº1 al. a) do CPC.
Acresce que sempre seria de rejeitar o recurso ao abrigo da alínea b) do mesmo nº1 do referido art 640º, porquanto a recorrente não indica na motivação do recurso os concretos meios probatórios de suporte dos factos que aí considera deverem ser dados como provados e não provados.
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Do Erro na apreciação do direito e na decisão:
A recorrente imputa à decisão, entre outros, os seguintes vícios:
“24. O Tribunal recolheu informações de websites das escolas sugeridas pelo Recorrido sem garantir contraditório nem produção formal de prova.
25. O Tribunal não inquiriu testemunhas da Recorrente com conhecimento direto da realidade escolar das menores, violando o princípio do contraditório.
26. A menor CC, com idade e maturidade para ser ouvida, não foi escutada, em violação do dever de audição.”
Comecemos por analisar a invocada falta de inquirição das testemunhas da Recorrente.
Não podemos olvidar que estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntaria (cf. artigo 12º do RGPTC), no qual, conforme artigo 986 nº2 do CPC, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, sendo que só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
Ou seja, é a própria lei que prevê e permite que sejam apenas produzidas as provas que o Juiz entenda necessárias.
Acresce que estamos perante uma decisão proferida nos termos do art 28º do RGPTC, o qual dispõe o seguinte:
“1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:
a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.”
Portanto, conforme resulta do número 3 deste artigo, o Tribunal procede às averiguações sumárias que entenda convenientes.
Não estava, pois, o Tribunal a quo, para efeitos de prolação da decisão provisória recorrida, vinculado a ouvir as testemunhas indicadas pela requerida/ora recorrente, inexistindo, assim, violação do contraditório.
Avaliemos agora a falta de audição da menor CC.
Resulta do art.º 4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda por outros, que discrimina, entre os quais o de Audição e participação da criança, que descreve como: “ a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse” (al c) do preceito).
Acrescenta o número 2 do preceito que, para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.
Por sua vez, dispõe o art. 5º que:
“1 - A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito.
3 - A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.
4 - A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente:
a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais;
b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada.
5 - Tendo em vista o cumprimento do disposto no número anterior, privilegia-se a não utilização de traje profissional aquando da audição da criança.
6 - Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento.
7 - A tomada de declarações obedece às seguintes regras:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
d) Quando em processo-crime a criança tenha prestado declarações para memória futura, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
f) A tomada de declarações nos termos das alíneas anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela deva ser possível e não puser em causa a saúde física e psíquica e o desenvolvimento integral da criança;
g) Em tudo o que não contrarie este preceito, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime processual civil previsto para a prova antecipada.”
Sumaria-se, entre o mais, no Ac. do TRL de 10.11.2020 proferido no Processo N.º 3162/17.4T8CSC.L1-7, o seguinte:
“I- A audição da criança, prevista nos arts. 4º, nº 1, al. c) e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[1] pode servir duas finalidades distintas, com regimes diversos: para que a criança exponha os seus pontos de vista relativamente ao conflito familiar e às medidas a adotar para o dirimir (nºs 1 e 2); e como meio de prova (nºs 6 e 7).
II- A audição da criança, na modalidade a que se reportam os nºs e 1 e 2 do art. 5º do RGPTC é em regra obrigatória, ao passo que a modalidade referida nos nºs 6 e 7 do mesmo preceito é meramente facultativa.
Não está em causa no recurso a audição da menor como meio de prova, uma vez que não são indicados quaisquer factos que tal meio de prova visasse demonstrar.
Está, portanto, em causa a audição da menor como um direito desta a pronunciar-se sobre a decisão relativa à escola que irá frequentar.
Ora, é certo que de acordo com o art 4 al nº1 al. c) e art. 5º nºs 1 a 5 do RGPTC, a decisão sobre qualquer questão que diga respeito a uma criança (como é o caso de uma decisão que respeite à definição da escola que vai frequentar) deve ser precedida de audição da criança sobre essa questão, tendo-se para o efeito em conta a idade e a maturidade da mesma.
Princípio aplicável quer relativamente a decisões finais quer relativamente a decisões provisórias.
Todavia, não se pode olvidar o disposto no art. 35 nº 3 do RGPTC (preceito aplicável às ações previstas no art 44 nº1 do mesmo RGPTC por via do consignado no nº2 de tal art. 44), com o seguinte teor:
“A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4.º e no artigo 5.º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar.”
Ou seja, o princípio geral de audição da criança deve ceder perante a defesa do seu superior interesse, quando este desaconselhar a audição.
Entende-se, naturalmente, que deve ser dada a uma criança a possibilidade de emitir a sua opinião sobre o estabelecimento de ensino que irá frequentar.
Tal audição, que nos parece incontornável antes da decisão final, deve, em regra, ser também assegurada antes da prolação de decisão provisória.
No caso dos autos não foi propiciada tal audição antes da prolação da decisão recorrida.
Ora, se é certo que, em termos de regra geral, tal audição deveria ter tido lugar, ou, não a havendo, deveria, pelo menos, ter sido justificada a não audição, também não nos podemos alhear do contexto em que a decisão provisória recorrida foi proferida.
A ação entrou no passado mês de Junho, o contraditório subsequente à citação foi já exercido em Julho (contraditório no âmbito do qual a requerida arguiu a urgência da situação por a data limite para a matricula da menor CC no Colégio ser o dia 11 de Julho, tendo posteriormente sido pelo Tribunal a quo atribuído carácter urgente ao processo), e a conferência de pais teve lugar a 17 de Julho, pelo que, frustrada a possibilidade de acordo entre os pais, era premente proferir decisão cautelar que definisse a situação escolar das menores, de modo a poderem ser efetivadas as matrículas em tempo útil. É preciso não esquecer que para além da decisão referente à menor CC estava também em causa a decisão referente às menores EE e FF, e que da mesma forma que a menor CC tem direito a expressar a sua opinião, as irmãs, embora mais novas, também têm esse direito, a não ser que não revelem maturidade para o efeito.
E, portanto, em termos objetivos, o superior interesse das menores na definição urgente e cautelar do estabelecimento de ensino que iriam frequentar, desaconselhava a demora inerente à realização de diligências com vista à sua audição (audição que deve preferencialmente ser feito com o apoio da assessoria técnica ao tribunal - art 4º nº1 al c) do RGPTC) antes da prolação da decisão cautelar.
Sem prejuízo, obviamente, da realização da audição antes da prolação da decisão final.
Daí que a falta de audição da menor CC não inquine a decisão recorrida.
Até porque é do superior interesse daquela menor (bem como do das irmãs) saber, ainda antes do inicio do ano letivo, ou seja, com previsibilidade e estabilidade, qual a escola que vai (vão) frequentar, parecendo-nos completamente contraproducente, e violador desse interesse, que já em época de inicio de ano letivo, como a presente, se anulasse a decisão recorrida para que se procedesse à audição da menor, com toda a indefinição e instabilidade que esse cenário objetivamente acarretaria.
Avaliemos agora a alegação de que o Tribunal recolheu informações de websites das escolas sugeridas pelo Recorrido sem garantir contraditório nem produção formal de prova.
Dispõe o art 25º do RGPTC que:
“1 - As partes têm direito a conhecer as informações, as declarações da assessoria técnica e outros depoimentos, processados de forma oral e documentados em auto, relatórios, exames e pareceres constantes do processo, podendo pedir esclarecimentos, juntar outros elementos ou requerer a solicitação de informações que considerem necessárias.
2 - O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os requerimentos apresentados que se mostrem inúteis, de realização impossível ou com intuito manifestamente dilatório.
3 - É garantido o contraditório relativamente às provas que forem obtidas pelos meios previstos no n.º 1.”
Tal preceito tutela o princípio do contraditório relativamente à prova (princípio que já resulta do disposto no art. 415 nº1 do CPC).
Ora, a utilização, pelo Tribunal, de uma informação constante da Internet como meio de prova de factos em discussão, ainda que feita oficiosamente, deverá ser precedida da faculdade das partes - após lhes ser facultado o respetivo conhecimento -, a poderem impugnar (sobre a utilização de imagens do Google Maps/Street View como meio de prova, veja-se o Ac. do STJ de 27.04.2023 proferido no processo 4017/20.0t8GMR.G1.S1).
Todavia, no caso dos autos o Tribunal a quo não integrou na matéria de facto provada quaisquer factos que tenha retirado de sites da Internet.
Antes considerou na aplicação do direito a informação de sites da Internet, como se de matéria de direito se tratasse, a nosso ver erradamente, uma vez que a informação se prende com as caraterísticas de facto das escolas e agrupamentos publicitadas nos respetivos sites, e não com qualquer identificação ou descrição de normas legais.
Não se tendo integrado na matéria de facto provada quaisquer factos obtidos com base nessa consulta/utilização de sites, não se coloca a questão da violação do princípio do contraditório na obtenção/utilização da prova.
Mas o resultado de tal consulta/utilização também não pode ser integrado na apreciação de direito, por não ser matéria de direito.
Razão pela qual este Tribunal ad quem não considerará, na presente decisão, a informação contida nos sites referidos pelo Tribunal a quo, porquanto não se encontra refletida na matéria de facto dada como provada e não constitui matéria de direito.
A recorrente invoca ainda que a decisão violou o princípio da continuidade pedagógica das menores, quebrando um percurso escolar estável no Escola A.
O argumento não procede, sob pena de em caso algum poder haver alteração de estabelecimento de ensino, sendo certo que as circunstâncias de vida de qualquer menor são dinâmicas, e muitas vezes impõem ou aconselham mudanças, designadamente ao nível do estabelecimento de insino.
Mais refere que a sentença ignorou o percurso bem-sucedido das menores no Escola A.
Tal argumento também não procede, pois o facto de as menores terem transitado de ano (ponto 5 da matéria provada) não pode impedir ou condicionar a transferência de estabelecimento de ensino, inexistindo qualquer limitação legal com esse fundamento.
Acresce que uma das menores terminou o ano letivo sem atingir os objetivos do ano escolar frequentado, designadamente no âmbito da leitura.
Invoca ainda a recorrente que a sentença impõe a separação escolar das irmãs, comprometendo a coesão fraterna e o bem-estar emocional.
Ora, não se provou que a separação escolar das menores efetivamente comprometa a coesão fraterna e o bem-estar emocional das menores, sendo certo que, por a menor CC se encontrar em diferente ciclo de escolaridade do das irmãs, é previsível que em algum momento terá que existir tal separação escolar.
Refere ainda a recorrente que a decisão validou a conduta unilateral do Recorrido, que excluiu a Recorrente do Portal de Matrículas e a removeu como encarregada de educação, violando o regime de guarda conjunta.
Ora, tal factualidade não consta da matéria de facto apurada. Acresce que qualquer violação/incumprimento do regime de guarda conjunta deverá ser tratada em sede própria.
O argumento improcede.
Refere ainda a recorrente que a sentença impôs desigualdade entre irmãs, mantendo CC no Colégio e forçou EE e FF à mudança, sem critério técnico ou psicológico.
Parece-nos evidente o insucesso do argumento, porquanto a decisão recorrida, ao contrário do referido pela recorrente, não manteve a menor CC no Colégio, antes autorizando a sua transferência para a Escola C.
Considera ainda a recorrente que a sentença desconsiderou o direito das menores à continuidade territorial e social em Lisboa, onde sempre viveram.
Olvida que, conforme resulta do facto 7), por sentença, ainda que não transitada em julgado, foi fixado regime de RERP de guarda partilhada com residência alternada em tempos equitativos (sete dias) junto de cada um dos progenitores, sendo certo que conforme resulta do provado em 9) o progenitor vive no .... Portanto, a questão da continuidade territorial e social em Lisboa deixou, pelo menos por ora, de se colocar. Também em virtude do regime de guarda partilhada com residência alternada em tempos equitativos de sete dias fixado por sentença, não se pode considerar, ao contrário do referido pela recorrente, que a sentença imponha à mãe encargos logísticos desproporcionais em violação da proporcionalidade e igualdade parental.
Os pais moram em localidades diferentes (o pai no ... e a mãe em ...) e as menores não podem obviamente frequentar a escola nos dois sítios, pelo que, frequentando as menores a escola da área de residência de um deles, sempre o outro ficará, nos períodos em que tem consigo as menores, mais onerado em termos logísticos. É uma inevitabilidade - a não ser que as menores frequentem uma escola que se situe exatamente à mesma distância da casa de cada um dos pais -, e não uma violação do princípio da proporcionalidade e igualdade parental.
O argumento improcede.
Analisemos ora o mérito da escolha do Tribunal a quo.
Da matéria de facto dada como provada resulta que o progenitor não dispõe de condições financeiras para lhe ser exigível que continue a suportar os custos da frequência, pelas menores, do ensino privado. Tem um salário mensal de cerca de €2000,00 e os 50% da sua responsabilidade nas mensalidades do Colégio das três menores ascende a €1.018,00, sendo que paga pensão de alimentos em benefício das menores no valor total de €300,00, pelo que do seu salário lhe sobeja cerca de €600,00 mensais para fazer face às suas próprias necessidades.
Vive numa casa com a companheira e o filho desta, maior de idade, num T4 arrendado no valor de €2850,00/mês, custo suportado em partes iguais por si e pela companheira.
Desconhece-se se existiriam, em concreto, alternativas habitacionais mais baratas que assegurassem condições devidas a um agregado familiar que, quando as menores estão com o progenitor, é composto por um casal, o filho de um deles, já adulto, e três menores, pelo que obviamente não se porá ora em causa a adequação do custo habitacional do progenitor.
Assim, o salário do progenitor não é suficiente para assegurar a sua quota parte das mensalidades do Colégio das menores, as pensões de alimentos em benefício daquelas, e o custo inerente às suas necessidades habitacionais (já para não falar de outras necessidades básicas como alimentação e vestuário).
Desconhece-se como o tem feito, designadamente se com recurso a empréstimos da sociedade de que é sócio (facto que não resultou provado) ou se tem outros rendimentos ou ajudas, entrando-se aqui no campo da especulação.
O que releva é o único rendimento apurado e esse não é compatível com o valor que lhe é exigido do custo da manutenção das menores no ensino privado.
Por outro lado, a progenitora também não mostrou no processo disponibilidade para suportar, no todo ou em maior parte, as referidas mensalidades do Colégio.
Aliás, o montante do seu salário mensal (€1100,00) coincide praticamente com a sua quota parte de tais mensalidades, pelo que objetivamente também o seu salário não é compatível com o custo da manutenção das menores no ensino privado.
Parece-nos, pois, justificada a transferência das menores para o ensino público, sendo certo que a menor EE não tem objetivamente retirado especial benefício na frequência de ensino privado, não tendo conseguido atingir os objetivos do 1º ano de escolaridade, designadamente ao nível da leitura.
O passo seguinte é a definição dos estabelecimentos de ensino público em causa.
O progenitor indicou, na p.i, relativamente à menor CC, a Escola C – 5º ao 12º Ano, sita na R. Dr.Fernando M F Baptista Viegas, 2750-503; e para as menores EE e FF a Escola D, sita no ..., ou em alternativa a Escola E.B.1 de Birre nº2 / J.I. do Cobre - 1º ao 4º Ano, sita na ....
A progenitora, na sua resposta, embora tenha aludido nos arts. 70 e 89 à Escola E, não requereu, ainda que supletivamente, autorização para as menores passassem a frequentar qualquer específico estabelecimento de ensino público, pugnando apenas pela permanência das mesmas no Colégio Avé Maria.
Em conferência de pais indicou: a Escola B (1.º, 2.º e 3.º ciclos); b) Liceu....
Em sede de recurso veio aludir à Escola E, às Escolas do Restelo, e Escola B cf. conclusões 17, 18, 41 e 45.
Ora, na matéria de facto provada não consta informação sobre as características e valias dos estabelecimentos em causa, pelo que teremos que recorrer a outros critérios.
Assim, tendo em conta que os estabelecimentos indicados pela progenitora correspondem a uma escolha de segunda linha por parte desta (já que sempre pugnou, em primeira linha, pela manutenção das menores no Colégio Avé Maria) enquanto que os estabelecimentos indicados pelo progenitor foram sempre a sua primeira escolha no processo, tendo aliás visitado as escolas com as próprias menores, parece-nos que as escolas indicadas pelo progenitor resultam de um projeto mais estruturado, mais preparado, do que as várias escolas públicas indicadas pela progenitora. Acresce que as menores, por virtude da visita realizada, terão já tido contacto com as escolas indicadas pelo progenitor, sendo atualmente pouco relevante que tais escolas se situem em Cascais e não em Lisboa, porquanto, por virtude do regime de residência alternada em tempos equitativos, o centro de vida das menores encontra-se em ambos os locais.
E considerando ainda que nos encontramos em fase de início do ano letivo, o superior interesse das menores reclama uma situação de previsibilidade e estabilidade relativamente à frequência do estabelecimento escolar, e não uma situação de nova mudança e instabilidade, desconhecendo-se, aliás, se existiriam ainda vagas e possibilidade de matricular as menores noutras escolas públicas.
Portanto, a solução que melhor defende o interesse das menores é a manutenção da decisão provisória recorrida, não se verificando a violação das normas e princípios indicados pela Recorrente.
O recurso improcede, com custas pela recorrente que ficou vencida (art. 527º do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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V - Decisão:
Pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.

Lisboa, 25.09.2025
Carla Matos
Ana Paula Olivença
Fátima Viegas