REFORMA DA CONTA DE CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO DO REMANESCENTE
CONDENAÇÃO PARCIAL
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. As taxas de justiça constituem a contrapartida devida pela utilização do serviço público de justiça.
2. De acordo com o disposto nos arts. 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC, a taxa de justiça é devida não em função do decaimento das partes da causa, antes pelo respetivo impulso processual que seja tributado autonomamente (cf. arts. 1º, nºs 1, e 2, e 6º, nº 1, do RCP).
3. Nos processos de valor superior a € 275.000,00 a taxa de justiça é variável. Nestes casos há inicialmente uma dispensa temporária ou, melhor, um diferimento do pagamento do montante efetivamente devido por cada impulso tributável, cujo apuramento (cálculo do remanescente) é deferido para o momento da conta final (art. 6º, nº 6, do RCP).
4. Nos casos em que haja lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 6º, nº 7, do RCP) – por inexistir decisão a dispensá-lo - o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final, de acordo com o disposto no nº 9, do art. 14º, do RCP.
6. Esta norma é também aplicável aos casos de condenação parcial, ficando as partes obrigadas ao pagamento de parte proporcional do remanescente de taxa de justiça (em função do respetivo sucesso e fracasso na decisão final).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
“C…, Ldª”, com sede na …. (entretanto, declarada insolvente e tendo administrador judicial nomeado), propôs ação declarativa de condenação contra “C.. E.., Ldª”, com sede na….., e pediu que esta fosse condenada a pagar-lhe as quantias discriminadas na petição inicial.
Saneado o processo, foi fixado à causa o valor de € 1.600.401,30, ao abrigo do disposto nos artºs 296º, 297º, nº 1, 299º, nºs 1 e 2, 305º, nº 4, e 306º, nº 1 e nº 2, do CPC.
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Por sentença proferida em 16 de julho de 2015, posteriormente confirmada por este Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido o seguinte:
- Condenar a Ré a pagar à Autora o montante € 191.376,50, subtraído do valor da madeira colocada em obra pela Ré cujo montante deve ser calculado em incidente de liquidação;
- Condenar a Ré a pagar à Autora os custos de estaleiro da obra que esta teve de suportar entre 17 de agosto de 2013 e 31 de março de 2014, com o limite máximo de € 673.483,24 e a calcular em incidente de liquidação;
- Condenar a Ré a pagar à Autora as penalizações que venham a ser aplicadas a esta pela Câmara de Setúbal, entre 17 de agosto de 2013 e 31 de março de 2014, com o limite máximo de € 1.167.543,12 (€ 754.253,52 + € 413.289,60);
- julgar improcedentes os demais pedidos da Autora.
-julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré contra a Autora, com a sua consequente absolvição do pedido.
A condenação em custas foi fixada nos seguintes termos:
“Custas pela A e pela R na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em ¼ para a A e ¾ para a R, quanto ao pedido da A.
Custas do pedido reconvencional pela R.”
A Ré/recorrente foi condenada nas custas da apelação.
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Foi elaborada conta de custas, a cargo da Autora e Ré, respetivamente, conforme mapas elaborados em 27 de setembro de 2024, que aqui se têm como reproduzidos – cf. referência citis 438735376 e 438735390 -, resultando para Ré a responsabilidade pelo pagamento da quantia total de € 31.977,00.
Foi emitida guia para pagamento daquele valor.
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A Ré reclamou da conta final e requereu a respetiva reforma quanto à multiplicação de remanescentes cobrados, pugnando que só deverá ser considerado o que consta no descritivo “Outros”, segundo os arts. 6.º, nº 7 e 14.º, nº 9, do R.C.P.
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A Srª Escrivã de Direito prestou a seguinte informação nos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 31º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
“(…)
Após análise da conta e da reclamação apresentada, verifico que a conta foi bem efetuada, pois teve em atenção o n.º 1 do artigo 6.º do RCP, em que a taxa de justiça devida corresponde ao impulso processual das partes, bem como o disposto no artigo 14., n.º 9 do RCP, no que diz respeito ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se refere o n.º 7 do artigo 6., igualmente do RCP.
Por outro lado, a senhora Escrivã de Direito que elaborou as contas de custas teve em atenção o decidido quanto a custas, no que diz respeito ao decaimento, entendimento que eu perfilho, não seguindo a orientação do CFOJ, que defende que nestes casos ambas as partes devem pagar, em termos iguais, o remanescente da taxa de justiça, obtendo depois em custas de parte os valores a que tem direito. A este propósito, cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos no P. 994/12.3TBCSR e P. 939/16.1T8LSB em 29-10-2019 e 24-11-2022, respetivamente, os quais podem ser consultados em www.dgsi.pt.
(…)”.
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Após, e precedendo promoção do Ministério Público, conforme com a informação acima indicada, foi proferido em 4 de fevereiro de 2025, o seguinte despacho:
“Veio o reclamante da conta de custas peticionar: “o que agora se Reclama é a correcção da Conta Final, quanto, à multiplicação de remanescentes cobrados, devendo só ser considerado o que consta no descritivo “Outros”, segundo os Art. 6.º, N.º 7 e Art. 14.º, N.º 9 do R.C.P. e não mais que esse, Reformando-a, devendo assim ser dada sem efeito a anterior Guia e ser emitida nova Guia”
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O Sr. Escrivão de Direito que procedeu a elaboração da conta veio pugnar pela manutenção da conta nos termos elaborados, conforme termo que se considera reproduzido.
A Digna Procuradora da República, considerou que “Atendendo à informação prestada pela Exma. Senhora Escrivã de Direito, referência 442198688, entende o Ministério Público, s.m.o., que a conta de custas foi elaborada de acordo com a decisão proferida nos autos e em conformidade com os critérios fixados na lei”.
Ora, analisada a conta de custas ora em crise, o valor da causa e o processado, e ante a explicitação supra consignada, não se verifica qualquer erro que acarrete a pretendida reforma, indeferindo-se a pretensão.
Notifique.”
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A Ré não se conformou com a decisão e dela veio recorrer, tendo alinhado, a final, as seguintes conclusões:
“PRIMEIRA:
- A Recorrente, com o mais elevado respeito, discorda do Douto Despacho datado de 04-02-2025, notificação remetida a 18-02-2025, que indeferiu a sua Reclamação da Conta Final, proferido pelo Tribunal “a quo”, considerando haver erro de julgamento e omissão de pronuncia, sendo este nulo.
SEGUNDA:
- Compulsados todos os Autos, bem como a respectiva Conta Final, verifica-se que o valor da presente Acção é superior a Euros: 275.000,00€, o que implicou os respectivo pagamentos custas obrigatórias pelo valor máximo da tabela I-A e I-B, devendo ser a final calculado o valor remanescente.
TERCEIRA:
- Pois e como é entendimento de larga maioria da Doutrina e Jurisprudência, este é um valor remanescente calculado a final e numa única vez, nada sendo referido ou legalmente estipulado, quanto a várias cobranças desse remanescente, em fases ou recursos para instâncias superiores, quando o que se se discute é o mesmo mérito e impulso da causa no Processo até ao Transito em Julgado, estando em sede da mesma Conta Final, segundo os Art. 6.º, N.º 7 e Art. 14.º, N.º 9 do R.C.P..
QUARTA:
- O que está aqui em causa, Reclamado e ora Recorrido, são portanto as diversas cobranças dos remanescentes, verificadas nos descritivos da Conta Final notificada, não o remanescente  “de per si”, pois o único que se terá de considerar será o que consta no descritivo “Outros”, segundo os Art. 6.º, N.º 7 e Art. 14.º, N.º 9 do R.C.P., retirando-se os anteriores remanescentes dos outros descritivos da Conta Final, reformando-a nesse sentido, para que não existam sobreposições castigadoras e contrárias ao que se extrai do prefácio do R.C.P., onde se defende a redução e proporcionalidade das custas, para o maior e melhor acesso à Justiça, sendo critério considerado e “ratio legis” do Diploma em apreço.
QUINTA:
- Acontece que no Douto Despacho de 04-02-2025, salvo o devido respeito, que é muito, não houve qualquer pronuncia sobre o requerido e ai Reclamado quanto à Conta Final nos presente Autos, sendo que só confirma o que foi informado quanto à mesma pelo M.I. Escrivão de Direito, não tendo sido o crivo desta, nada referindo quanto à multiplicação de remanescentes aí Reclamada e ora Recorrida, sendo que até na informação do M.I. Escrivão de Direito, existe essa omissão.
SEXTA:
- O que aqui se Reclamou e agora se Recorre, é que só se deve pagar um remanescente a final e não os vários que foram apresentados na Conta Final, sendo que se dá como exemplo: num Processo em que se recorra até ao Supremo, e só nesta instância seja dada razão total da causa, não seria correcto cobrar ao vencedor os remanescentes dos anteriores Recurso de Apelação e Contestação, por antes não lhe ter sido dado provimento, logo o raciocínio é o mesmo para o caso contrário, ou seja, o remanescente é devido a final e numa única vez, pelo facto de não ter sido dado provimento final na Acção, pois estamos perante o mesmo mérito e impulso da causa no Processo até ao seu Transito em Julgado.
SÉTIMA:
- Consequentemente e perante o ora Expendido, considera-se haver erro de julgamento e omissão de pronuncia, sendo o Douto Despacho datado de 04-02-2025, com a notificação remetida a 18-02-2025, nulo, devendo ser substituído por Acordão que aceite a Reclamação nos termos requeridos, corrigindo a Conta, considerando um único remanescente calculado, com vista a aclarar este procedimento da Conta Final, até para efeitos Jurisprudênciais.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências, se dignem julgar procedente o presente Recurso, por totalmente provado e em consequência, ser o Douto Despacho de 04-02-2025, que indeferiu a Reclamação da Conta Final, ora recorrido, revogado por ser nulo e substituído por douto Acórdão, que promova a correcção da Conta Final, quanto à multiplicação de remanescentes cobrados, devendo só ser considerado o que consta no descritivo “Outros”, segundo os Art. 6.º, N.º 7 e Art. 14.º, N.º 9 do R.C.P. e não mais que esse, Reformando-a.”
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O Ministério Público respondeu ao recurso e formulou as seguintes conclusões:
“1. O Regulamento das Custas Processuais (doravante designado por RCP) consigna que as custas processuais abrangem “a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artigo 3º, nº 1), dispondo no nº 1 do seu artigo 6º: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
2. No número 7., desse artigo 6º, consigna-se: “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”.
3. Beneficiando deste diferimento a parte paga menos taxa de justiça do que a devida, havendo lugar ao cálculo do remanescente na conta final, que é reclamado ao mesmo interveniente, afinal o devedor, que foi o que sucedeu no caso dos autos, uma vez
que o valor da ação era superior a €275.000,00.
4. Observando o disposto no número 9., do artigo 14.º, do Regulamento das Custas Processuais.
5. Resulta do que vem de se dizer que o remanescente é ainda devido pelo impulso processual, e por cada impulso processual, cabendo a responsabilidade pelo seu pagamento à parte que foi pagando ao longo do processo menos do que era devido, não assistindo, portanto, razão à recorrente quando conclui que lhe estão a ser cobrados valores de que não é devedora. (Sublinhado nosso)
6. O despacho ora recorrido está fundamentado, não existindo omissão de pronúncia.
(…)
8. Decidindo como decidiu, a Mª Juiz a quo fez uma adequada e correta aplicação
do Direito.
9. Pelo exposto, deverá ser mantida a douta decisão recorrida, julgando-se o presente recurso improcedente.”
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
a) Saber se a decisão é nula por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC);
b) Saber se a conta deve ser reformulada nos termos peticionados pela recorrente.
Fundamentação de Facto
Os factos com relevância para a apreciação do recurso são os que se deixaram descritos no relatório.
Fundamentação de Direito
a) Da nulidade da decisão (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC).
As nulidades da sentença/despacho constituem um vício da própria decisão. São únicas e típicas e encontram-se descriminadas nas alíneas a), a e), do nº 1 do art. 615º, do CPC (aplicável aos despachos por força do nº 3, do art. 613º, do mesmo Código), que sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, na parte que ora importa considerar, dispõe o seguinte:
1-É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”
A nulidade prevista nesta disposição legal encontra-se estritamente conexionada  com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, nos termos o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
“As questões previstas no nº 2 reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em  defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”.[1]
Neste mesmo sentido, diz, também, Ferreira de Almeida[2] que “… integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos, ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes”.
Trata-se de questão igualmente pacífica na jurisprudência. A título de exemplo , veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/11/2020 (proferido no processo nº 2057/16.3T8PNF.P1S1), no qual se afirma que apenas “… existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”.
No caso, é manifesto que não se verifica o vício imputado pela recorrente à decisão. A Mª juíza do tribunal a quo apreciou e decidiu as questões que foram colocadas na reclamação sobre a elaboração da conta, ainda que, reconhece-se, o tenha feito mediante despacho parcamente fundamentado, por mera remissão para o teor da informação da Srª Escrivã de Direito.
O dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento constitucional, nomeadamente, no art. 205º, nº 1, da CRP: “As decisões que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E o art. 154º, nº 1, do CPC, diz-nos, por seu turno, em termos gerais, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, sendo conveniente recordar que a fundamentação tem se ser clara e esclarecedora, de modo a que o destinatário possa apreender as razões que conduziram à decisão e possa sindicá-la.
Mas a fundamentação deficiente – a que a recorrente não deixa de apelar nas suas alegações/conclusões recursivas - não inquina a decisão com o vício da nulidade, pois é consentâneo na doutrina e na jurisprudência que a nulidade de que trata a alínea b), daquele mesmo art. 615º, só se verifica perante a ausência total de fundamentação, o que não ocorre no caso dos autos.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a apelação.
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b) Existem razões para a reformulação da conta final?
Como refere Salvador da Costa, em “Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 615/2018, de 21 de novembro”[3], o “… regime da responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça nas espécies processuais da área civilística consta essencialmente da parte geral do Código de Processo Civil de 2013 e do Regulamento das Custas Processuais de 2008.
O artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do mencionado Código estabelece, em tanto quanto aqui releva, no sentido de que a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que lhes houver dado causa, bem como a presunção de que lhes dá causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Decorrentemente, a responsabilidade pelo pagamento das custas em geral assenta, primacialmente, no princípio da causalidade, por referência ao resultado envolvente do decaimento na causa.
Mas a responsabilidade pelo pagamento de custas lato sensu, apesar do disposto no citado artigo 527.º nem sempre assenta no princípio da causalidade, conforme resulta da última parte do seu n.º 1 e do artigo 529.º daquele diploma.
Com efeito, decorre deste último artigo, por um lado, um conceito de custas em sentido lato, envolvente da taxa de justiça, dos encargos e das custas de parte, e um conceito de custas de sentido restrito, apenas abrangente dos encargos e das custas de parte.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 529.º e do n.º 1 do artigo 530.º, do Código de Processo Civil, a taxa de justiça é devida, não em função [do] decaimento das partes na causa, mas por virtude do respetivo impulso processual, por exemplo, o ajuizamento da petição inicial ou da contestação.
Assim, a responsabilidade das partes pelo pagamento da taxa de justiça não assenta atualmente no princípio da causalidade consubstanciado no decaimento na causa, mas no facto de as partes terem processualmente impulsionado os seus termos por via de petição inicial, contestação, requerimento executivo, embargos, requerimento de recurso ou instrumento de contra-alegação, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 530.º daquele Código e no confronto dos casos ajuizados” – sublinhado nosso.  
Os processos estão sujeitos a custas nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, como consagrado no seu art. 1º, nº 1, esclarecendo desde logo o nº 2 da mesma norma que “ Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. (sublinhado nosso)
Dispõe o art. 5º:
“(…)
3 - O valor correspondente à UC para cada processo, tal como definido no n.º 2 do artigo 1.º, fixa-se no momento em que o mesmo se inicia, independentemente do momento em que a taxa deva ser paga.” – sublinhado nosso.
E o art. 6º:
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
(…)
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
8 - Quando o processo termine antes de concluída a fase de instrução, não há lugar ao pagamento do remanescente.
(…)” – sublinhados nossos.
Sob a epígrafe, “Oportunidade de pagamento”, dispõe, o art. 14º, no seu nº 9:
“(…)
9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
As taxas de justiça constituem a contrapartida devida pela utilização do serviço público de justiça e desde que determinado impulso processual seja tributado autonomamente há lugar ao pagamento de taxa de justiça.
Nos processos de valor superior a € 275.000,00 a taxa de justiça é variável. Nestes casos há inicialmente uma dispensa temporária ou, melhor, um diferimento do pagamento do montante efetivamente devido por cada impulso tributável, cujo apuramento é deferido para o momento da conta final (art. 6º, nº 6, do RCP).  
Sobre a elaboração da conta, há que atentar nos seguintes normativos:
“ Artigo 29.º
1 - A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final (…)”.
Artigo 30º:
1 - A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da ação, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos. -sublinhado nosso.
2 - Deve elaborar-se uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas, e outras penalidades, que abranja o processo principal e os apensos.
(…)”.
Sendo elaborada uma só conta, nela devem ser discriminadas as taxas pagas e ainda devidas por referência a cada um dos atos autónomos tributáveis.
No que respeita à Ré, a conta elaborada mostra-se conforme com as sobreditas regras, bem como com a condenação em custas fixada na decisão final. Como estamos perante um processo cuja taxa de justiça é variável, e por referência a cada impulso processual da Ré autonomamente tributável (apresentação da contestação/ação reconvencional e interposição de recurso da decisão final), foram apurados e discriminados  os valores mínimos pagos inicialmente, por referência às tabelas anexas ao RCP (I-A e I-B, esta última, no que se refere à interposição do recurso), bem como os valores adicionais respetivos por se tratar de causa de valor superior a € 275.000,00, e que quedavam por pagar, reiterando-se que estamos perante valores que não dependem do critério de vencimento ou decaimento da causa, sendo que em momento algum foi proferida decisão sobre redução/dispensa de taxa de justiça remanescente abarcando toda a tramitação processual em qualquer das instâncias.
Em razão do exposto, para além da quantia apurada sobre o item “OUTRO, correspondente ao pagamento do remanescente da taxa de justiça que é da responsabilidade da Ré na proporção do seu decaimento na causa impulsionada pela Autora[4], a mesma é também responsável pelo pagamento dos valores que ainda não foram pagos a título de taxa de justiça devidos pelos sobreditos impulsos processuais e, que, só a final vieram a ser liquidados.
Improcede, por conseguinte, a apelação.

Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 8ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 25 de setembro de 2025
Cristina Lourenço
Maria Teresa Lopes Catrola
Rui Vultos
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[1] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 753.
[2] In, “Direito Processual Civil”, 3ª Edição, pág. 454.
[3] pág. 3, in Blog do IPPC, acessível a partir do endereço https://blogippc.blogspot.com/2018/12/comentario-ao-acordao-do-tribunal.html; Jurisprudência constitucional.
[4] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2024, proferido no processo nº 1561/19.6T8PDL-A.L2-A.S1, em cujo sumário se lê o seguinte:
“ II — O n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, deve aplicar-se aos casos em que haja uma condenação parcial do responsável pelo impulso processual.
III — Em caso de condenação parcial, as partes só estão obrigadas ao pagamento de uma parte proporcional do remanescente da taxa de justiça.”