AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE
EXAME HEMATOLÓGICO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário

Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC)
Numa ação de reconhecimento de paternidade intentada pelo alegado progenitor contra a menor, em que os demais RR (pai e mãe) impediram de forma culposa a realização de exame hematológico para determinação da paternidade, ao não terem feito comparecer no INML a menor, não obstante as notificações efetuadas, com a advertência de que a sua falta de colaboração implicaria a inversão do ónus da prova, ficam onerados com tal encargo, nos termos do disposto no art. 344, nº 2 do CC e 417º, nº 2 do CPC.
A inversão do ónus da prova determina que passa a impender sobre os RR a prova de que a menor não é fruto de relações de sexo entre o A. e a 2ª R., mãe daquela.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

CC instaurou ação declarativa contra MM; GG; e DD, pedindo:
“a) se reconheça e declare que o réu MM não é o pai biológico ao menor CC;
b) se declare a nulidade e/ou se decrete a anulação do registo de paternidade declarada do réu MM, constante do assento de nascimento n° 000 do ano de 2016 da Conservatória do Registo Civil de …, e ordenar-se a respectiva rectificação ou cancelamento da paternidade do Réu, bem como as menções correspectivas atinentes aos avós paternos e ao apelido "M", no supra referido assento de nascimento;
c) se reconheça e se declare que o menor DD é filha do autor e que este é pai biológico daquela, com todos os inerentes efeitos legais, e, consequentemente, ordenar-se as alterações de registo civil necessárias, nomeadamente, ordenar-se no assento de nascimento e nos livros competentes a menção/inscrição/averbamento da identidade de CC como pai do menor DD e o apelido "C” como apelido da menor (…)”.
Para tanto alegou, em síntese, que o primeiro R. e a segunda R. vivem maritalmente; a terceira R. foi perfilhada pelo 1.º R, mas é filha biológica do A.; o A. e a 2.ª R, mantiveram relacionamento amoroso e sexual, mantendo-se, porém, a 2.ª R. a viver com o 1.º R; passados três meses do nascimento da 3.ª R., o A. e a 2.º R. fizeram uma recolha de ADN da 3.ª R. que enviaram para um laboratório, sendo que o resultado do exame apontava de forma inequívoca para que a 3.ª R era filha do A..
Os 1º e 2º RR. apresentaram contestação, impugnando os factos alegados na p.i. e excecionando a ilegitimidade do A., bem como a sua falta de interesse em agir.
Foi nomeado curador especial à ré DD, na pessoa do avô paterno, que, citado, veio pedir escusa do cargo, o que veio a ser indeferido (despacho de 24/2/2020).
Por requerimento apresentado por mão própria, veio o curador especial declarar aderir à contestação apresentada pelos corréus.
Com dispensa de realização de audiência prévia foi proferido despacho saneador, julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e falta de interesse em agir do A.. Mais foi delimitado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e determinada a realização de exame hematológico para determinação da paternidade.
Determinado que o A., a 2.ª e a 3.ª RR, realizassem exames periciais no INML, de recolha de ADN, para apurar da paternidade biológica da criança, pese embora o seu agendamento por 6 vezes, os 1.º e 2.º RR, nunca fizeram comparecer a 3.ª R., DD, no referido instituto.
Em 27/05/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Solicite ao IML a sétima marcação do exame.
Notifique por OPC a data designada.
O progenitor foi em 6 de Dezembro de 2021 devidamente notificado para a obrigatoriedade de fazer comparecer a filha no exame, como resulta da certidão de notificação constante dos autos, pelo que, mantém-se a multa.
Relativamente à falta de comparência de dia 9 de Maio, vão os RR., condenados, cada um, na multa de 4 UC´s.
Se na nova data designada, a menor não comparecer voluntariamente, serão emitidos mandados de condução, para que o órgão de policia criminal a vá buscar, onde quer que a menor se encontre e a conduza ao IML.
Relativamente ao requerimento do Ilustre Mandatário de que os RR já não viverão na morada indicada, impõe-se que o mesmo tenha presente que os RR foram citados para esta acção. Se depois da citação optaram por mudar de residência, o ónus de informação da nova morada a eles cabia, sendo que das bases de dados do Estado, nomeadamente Segurança Social, resulta que em 17 de Maio, a morada dos RR era aquela para a qual têm sido enviadas as notificações.
Acresce, por último, que é importante que os RR tenham presente, que caso os mesmos continuem a obstaculizar a realização do exame pericial, que o Tribunal sempre poderá recorrer à inversão do ónus da prova, como resulta, aliás, da abundante jurisprudência dos Tribunais superiores.
Notifique com cópia do presente despacho os Ilustres Mandatários e os intervenientes processuais.”
Em 27/01/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“(…) Assim, desde já se informam as partes, por uma questão de honestidade intelectual, e para que não sejam praticados actos inúteis, que a lei não os permite, (e que apenas roubarão tempo às partes e às testemunhas) que a prova da filiação biológica se faz por exame de ADN e não por prova testemunhal (mesmo que, por absurdo, alguma testemunha pudesse atestar a ocorrência ou a falta de ocorrência de relações sexuais entre duas pessoas), jamais poderia atestar a filiação de quem quer que fosse, porquanto, como é por demais consabido, nem toda a prática de relações sexuais tem como consequência o nascimento de uma criança! Pelo que, impunha-se que os RR., que negam que a menor DD é filha do Autor, tivessem assegurado que a mesma comparecia no INML e fosse submetida ao exame.
Nunca o fizeram, não obstante as notificações para a conduzirem ao INML e as condenações em multa, parecendo temerem o resultado de tais exames, sendo que, quer por promoção da Digníssima Magistrada do Ministério Público, quer dos despachos deste Tribunal, bem como da jurisprudência sobejamente conhecida, resulta que na falta de colaboração de quem tinha de ser submetido aos exames perícias, ocorre inversão do ónus da prova.
Veja-se, a mero título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Outubro de 2017, proferido no Processo n.º 737/13.4TBMDL.G1.S1, onde se afirmou:
“5. Se o réu, investigado, com a sua recusa ilegítima – de se submeter a exame laboratorial susceptível de fornecer prova directa da filiação biológica – inviabiliza a prova desta filiação, face à falência da prova indirecta através de testemunhas, deve, por aplicação do art.º 344.º, n.º 2, do CC, inverter-se o ónus da prova, passando aquele, que impossibilitou a prova, a ficar onerado com a demonstração da não verificação daquele facto, isto é, que o autor não é fruto de relações de sexo entre o réu e a mãe do autor e, assim, que este não é filho daquele.”.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo totalmente procedente, por provada, a presente acção de investigação da paternidade e, em consequência:
1.- Reconheço judicialmente que a 3.ª R. DD, nascida no dia no dia 8 de Janeiro de 1984, é filha de CC.
2.- Determino que no assento de nascimento da criança, ocorra o cancelamento do registo da paternidade relativamente a MM e da respectiva avoenga paterna e ocorra o averbamento do registo da paternidade de CC e da avoenga paterna.
3.- Mais se determina a alteração do nome da criança, retirando-se do nome, o apelido “M” e passando a constar o apelido do progenitor: “C”, passando assim o nome da 3.ª R. a ser: …….
Custas pelos 1.º e 2.º RR.
Valor da Causa: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Notifique e registe.
Comunique à Conservatória do Registo Civil competente a decisão ora proferida, no prazo de cinco dias após trânsito, por meio de certidão a elaborar nos termos do art.º 78.º, n.º 2, do Código de Registo Civil, a fim de proceder-se ao devido averbamento no assento de nascimento da criança 3.ª R.”

Os  1º e 2º RR. interpuseram recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1. Recorre-se aqui da Sentença que, reconhecendo judicialmente que a 3.ª R. a criança DD, nascida no dia 8 de Janeiro de 1984, é filha de CC, determinou que no assento de nascimento da criança, ocorra o cancelamento do registo da paternidade relativamente a MM e da respectiva avoenga paterna e ocorra o averbamento do registo da paternidade de CC e da avoenga paterna, tendo também determinado a alteração do nome da criança, retirando-se do nome, o apelido “M” e passando a constar o apelido do progenitor “C” passando assim o nome da 3.ª R. a ser: ….
2. Na PI, o A pediu se declarasse que o réu MM não é o pai biológico do menor DD. A sentença recorrida declarou reconhecer que a 3.ª R. DD, nascida no dia no dia 8 de Janeiro de 1984, é filha de CC.
3. O Autor pediu, também, se declarasse a nulidade e/ou se decrete a anulação do registo de paternidade. A sentença recorrida determinou que no assento de nascimento da criança, ocorra o cancelamento do registo da paternidade.
4. Na PI o Autor pediu, além do mais, se ordenassem as alterações de registo civil necessárias, nomeadamente, ordenar-se no assento de nascimento e nos livros competentes a menção/inscrição/averbamento da identidade de CC como pai do menor. A sentença recorrida determinou a alteração do nome da criança, retirando-se do nome, o apelido “M” e passando a constar o apelido do progenitor “C” passando assim o nome da 3.ª R. a ser:  ….
5. Sendo manifesta a desconformidade entre os pedidos formulados na ação e o sentido da parte decisória da sentença recorrida, facilmente se infere que o Tribunal recorrido, não só violou o princípio do pedido (e o princípio do dispositivo), como foi muito para além daquilo que tinha sido pedido pelo autor, num evidente excesso de pronuncia, em violação dos disposto nos artigos 2º a 5º e 615.º /1, alínea e), do CPC, preceitos que foram interpretados em violação dos Princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao direito e bem assim, do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º 20º da Constituição da República Portuguesa.
6. Refere a sentença recorrida que os RR inviabilizaram que o A. produzisse a prova que precisava de produzir pela recusa em apresentar a R. DD ao INML para a realização de testes de ADN para efeito de estabelecimento de paternidade, sendo no seguimento onerados com a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344.º, n.º 2 do Código Civil.
7. Pela relevância material e pela gravidade das consequências, a inversão do ónus da prova deveria, ter sido, prévia e antecipadamente transmitida aos sujeitos processuais, para que se pronunciassem, querendo, em relação a tal intenção do Tribunal.
8. Não tendo o Tribunal recorrido dado prévio conhecimento da sua intenção em inverter o ónus da prova, a Sentença recorrida é nula, por consubstanciar uma decisão surpresa, violadora do principio do contraditório e dos artigos 1 a 7 do CPC, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da republica Portuguesa.
9. Com tal inversão, passou para os RR o ónus da prova em estabelecer que o A. não pode ser pai da R. DD, já que, tal não implica que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, mas apenas que a prova da falta de realidade dele passa a competir à parte contrária não onerada com a respectiva prova. Não parece ter sido esse o entendimento do tribunal recorrido.
10.Ao contrário das consequências retiradas pelo tribunal a quo da inversão do ónus da prova em prejuízo dos RR, o resultado não pode ser a conclusão de dar como verdadeiro o facto(s) controvertido(s) mas, outrossim, fazer recair sobre estes a prova daqueles.
11.Cabia assim aos RR fazer prova da matéria de facto que permitisse ao tribunal concluir que o A. não pode ser pai da R. DD, em concreto, que o A. e a R. GG não mantiveram relações sexuais de cópula completa, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento de DD e, em consequência, a R. GG engravidou do R. MM, com quem se manteve a residir e a partilhar a sua vida, e não do A.
12.A prova testemunhal apresentada pelos RR foi unânime em confirmar que durante o período legal de concepção, o A. e a R. GG tinham terminado a sua relação, que durante esse período o R. MM e a R. GG mantiveram-se a viver juntos, fora da sua residência habitual, que durante esse período mantiveram-se na residência e companhia dos pais da R. em …, mantendo relações sexuais de cópula completa com vista especificamente à gravidez da R. GG e que esta durante o mesmo período não se encontrou ou manteve qualquer tipo de contacto com o A.
13.O tribunal a quo estabeleceu a inversão do ónus da prova contra os RR, para depois não se pronunciar sobre a prova por estes produzida como se lhe impunha, o que se traduz nulidade por omissão de pronúncia.
14.Impunha-se ao decisor analisar de forma critica os contributos das testemunhas arroladas pelos RR e, fundamentadamente, pronunciar-se sobre se das mesmas foi feita ou não a prova onerada aos RR.
15.Quanto aos factos diretamente relacionados com a concepção e paternidade ( factos 5.º e 6.º) o tribunal apreciou e sustentou a sua decisão probatória, em exclusivo, com base no teste de ADN não oficial junto pelo A. a fls. 16 e ao relatório do INML, sendo que o primeiro carece de valor probatório bastante e o segundo não permite determinar a paternidade do A. quanto à R. DD.
16.Da sentença recorrida não resulta, sequer, qualquer juízo de valor sobre a veracidade, merecimento, pertinência, justeza ou pertinência da prova produzida pelos RR, numa análise critica da prova como se impunha à Meritíssima Juiz, em violação do disposto no art 607 do CPC.
17.Estabelecida pelo Tribunal recorrido a inversão do ónus da prova, resultando desta uma necessidade imperiosa de produção de prova suficiente destinada a abalar o resultado dessa inversão, tendo os RR alegado factos e produzido prova bastante destinados a permitir concluir, com toda a certeza e segurança, que a pequena DD não é, nem podia ser filha do Autor CC, sendo manifesta a inexistência de qualquer valoração da prova requerida pelos RR, a Sentença recorrida é nula, quer por falta de fundamentação, quer por omissão de pronúncia.
18.Perante os factos alegados e face à prova produzida pelos RR, impunha-se ao julgador aqui uma análise critica dos contributos de cada uma das provas, explicando, em termos de lógica comunicacional, em que medida é que, das declarações dos RR, das testemunhas X e V, dos documentos juntos, dos documentos impugnados, o Tribunal recorrido entendeu que, nada daquilo serviu para coisa nenhuma, o que consubstancia nulidade por omissão de pronuncia e falta de fundamentação.
19.Ainda que, da motivação de facto conste – em abstrato - que o tribunal a quo teve em consideração os depoimentos das testemunhas ouvidas (LL, XX, VV) e as declarações do A. e dos RR MM e GG, o certo é que, quanto aos factos diretamente relacionados com a concepção e paternidade (factos 5.º e 6.º ) o tribunal apreciou e sustentou a sua decisão probatória, em exclusivo, com base no “teste de ADN” não oficial junto pelo A. a fls. 16 e ao relatório do INML, sendo que o primeiro carece de valor probatório bastante e o segundo não permite determinar a paternidade do A. quanto à R. DD, como à frente se verá.
20.Da matéria dada como provada pelo Tribunal recorrido não resulta qualquer tipo de prova que permita estabelecer a existência de um relacionamento sexual havido entre a R. GG e o A. nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da R. DD, e, em consequência, dar por provado que o A. é o pai biológico da mesma.
21.Tendo por base a data de nascimento da DD (14.02.2016), o período antecedente dos 300 dias terá tido início em 20.04.2015, com os primeiros 120 dias a decorrer de 20.04.2015 a 18.08.2015 (cfr. Art 1798 do código civil) .
22.Tendo os RR alegado e demonstrado, a exclusividade de relações sexuais da mãe GG e do Pai MM, durante tal período legal de concepção (V. Transcrição dos depoimentos dos RR, da testemunha VV e da testemunha XX) - a Ré GG esteve em …, tendo o Tribunal recorrido dado como provado que a mãe GG nunca deixou de residir maritalmente com o Réu MM, nunca a sentença poderia ter dado como provado que DD nasceu fruto de relações sexuais estabelecida entre a mãe e o Autor CC.
23.O estudo comparativo feito pelo INML teve apenas por base laboratorial o ADN recolhido do A. e o ADN recolhido da sua filha YY, comparando-os com o perfil que surge no relatório não oficial apresentado na petição inicial.
24.Para o INML que na ausência de recolha presencial de ADN dessa terceira pessoa, sem ter como ajuizar do cumprimento ou não das exigências protocoladas pela ciência quanto à recolha, manuseamento e tratamento dos vestígios biológicos, da sua esterilização ou contaminação das amostras por parte da “DNA Worldwide Group”, absteve-se aquele instituto de afirmar que tal pessoa é a R. DD.
25.Limita-se a afirmar apenas que essa pessoa – seja lá ela quem for – de acordo com uma análise probabilística é possível ser irmã consanguínea da YY.
26.Da conjugação da prova documental, pericial, testemunhal LL, XX, VV e por declarações dos Réus MM e GG, o Tribunal recorrido deveria ter dado como não provada a matéria identificada nos artigos 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, e 14.
27.Julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os Réus dos pedidos formulados.
Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação dos princípios e das normas legais acima invocadas, deve proferir-se Acórdão que, revogando a Sentença de Primeira Instância, julgue a Acção Improcedente por não provada, absolvendo os Réus dos pedidos formulados.”

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença que reconheceu judicialmente que a 3.ª R. DD, nascida no dia 8 de Janeiro de 1984, é filha de CC.
2. Alega o recorrente que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia, por ter decidido além do pedido, quando decidiu proceder à alteração do nome da criança, retirando o apelido “M” e passando a constar o apelido do progenitor “C”,
3. Ora, no caso sub judice, o segmento decisório da eliminação registral do apelido do alegado pai, polariza-se especificamente como efeito - consequência possível e previsível - da procedência da impugnação da paternidade, tal como se alcança da interpretação conjugada dos artigos 1796°, n°2, 1802°,1838.º, 1847°, 1859° e 1875°, do Código Civil e das normas do Código do Registo Civil, v.g. artigos 103°, 104°, n°2 al) a) e 130°, n°1.”
4. E, quando é comunicada a sentença ao Registo Civil e ao averbar-se no assento de nascimento a eliminação menção da paternidade e avoenga paterna deve averbar-se oficiosamente a alteração do nome do registado, consequente da perda do direito aos apelidos relativos à paternidade.
5. Esta arguição de nulidade por excesso de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC, deverá ser naturalmente desatendida, não passando de uma manifestação de desagrado dos recorrentes relativamente ao decidido, pelo que, deverá improceder nesta parte o recurso.
6. Alegam ainda os recorrentes, que a sentença padece de omissão de pronúncia, simplesmente, pelo tribunal no inicio do julgamento não ter transmitido a estes que a recusa de terem apresentado a R. DD no INML para a realização de testes de ADN para efeito de estabelecimento de paternidade, seriam onerados com a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344.º, n.º 2 do Código Civil. Salvo o devido respeito, não se concorda, com os recorrentes. Porquanto,
7. Os recorrentes foram ao longo do processo advertidos dessa inversão do ónus da prova, não existiu qualquer decisão surpresa!
8. O Tribunal não estava adstrito advertir os recorrentes do ónus da inversão da prova no inicio do julgamento, pois, fê-lo ao longo de todo o processo, conforme consta na fundamentação da sentença.
9. Da leitura da sentença recorrida, a mesma pronunciou-se sobre todos os pedidos a serem apreciados.
10. Em momento algum, o tribunal deixou de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, tendo sido aferido pela decisão que foi proferida no sentido do pedido e da causa de pedir aduzidos pelo autor para a qual se visava obter tutela judicial.
11. Assim, a não advertência da inversão do ónus da prova não é sancionada com nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pelo que, deverá improceder o recurso nesta parte.
12. Pretendem ainda, os recorrentes impugnar a matéria de facto dada como provada.
13. Acontece porém, que o Ministério Público considera que o mesmo deve ser rejeitado, pois, recai sobre estes o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados, para aferir a forma como deveria ser interpretados.
14. O recorrente juntou as transcrições globais dos depoimentos das testemunhas, juntando aliás, a transcrição de todo o julgamento!
15. Consideramos, que caberia ao recorrente, expressamente, indicar qual o ponto da matéria de facto dada como provada que discorda perante a prova produzida e não impugnar indicando em sentido amplo que seria os factos dados como provado do ponto 4.º a 14.º e transcrever os depoimentos, mesmo indicando os minutos todos seguidos dos depoimentos, como uma transcrição integral desse depoimento.
16. O recorrente, deveria ter esclarecido qual o ponto em concreto que discordava motivando em contraposição à fundamentação do tribunal, ou seja, qual a prova que foi produzida a que levaria a uma decisão diversa para que esse facto fosse dado como provado.
17. Essa falta de indicação com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal e na resposta deste recurso por parte do Ministério Público, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável
18. Concluindo diremos, que deverá o presente recurso ser rejeitado, pelo não cumprimento do ónus constante no preceituado no art.º 640.º, n.º2, al.a) do C.P.C. Caso assim, não se entenda, sempre diremos o seguinte,
19. Considera os recorrentes, que o tribunal não deveria ter dado como provada a matéria do ponto 4.º a 14.º, tendo em conta, que o tribunal não teve em consideração a prova a prova testemunhal e o depoimento de parte.
20. Para o recorrente, o problema, é inexistência de prova que permita estabelecer a existência de um relacionamento sexual havido entre a R. GG e o A. nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da R. DD, e, em consequência, dar por provado que o A. é o pai biológico da mesma.
21. Insurge-se o recorrente, pelo facto, do tribunal ter tido em consideração um exame pericial no qual consta: “ADN AUTOSSÓMICO - O perfil genético de YY não é coincidente com o de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho”, pelo que se excluí a possibilidade de provirem do mesmo indivíduo. - O estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efetuado não permite excluir YY, filha de CC, como irmã consanguínea de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho” (facto n.º 22 dado como provado).
22. Sem dúvida este exame foi crucial para ser dado como provado que a menor DD é filha do A. e que a A. teve um relacionamento sexual havido entre a R. GG e o A. nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da R. DD.
23. É muito simples compreender o que sucedeu no caso deste processo, o Autor juntou um teste de paternidade (ADN), ao qual comprovava ser este o pai da DD, mas veio a recorrente R. GG em julgamento, referir que esse teste foi feito com base no ADN da sua outra filha de CC, a YY.
24. Dos resultados desse exame pericial realizado por parte do IML resultou que não seria possível esse teste de ADN corresponder aos perfis genéticos da YY, mas de outra filha do Autor CC. Efectivamente, ninguém sabe quem é essa filha, mas o certo é, que foi a recorrente que fez o teste de paternidade para convencer o A. CC assumir essa paternidade e posteriormente apresentou outra versão sobre aquele teste.
25. Assim, conjugando com toda a prova produzida em sede de audiência e discussão e julgamento e pendendo sobre os recorrentes a prova que a DD foi concebida no casamento, tal não foi possível provar.
26. A prova apresentada pelos recorrentes, designadamente, a testemunhal não consegue garantir que uma pessoa manteve ou não relações de cópula com outra pessoa, por uma razão lógica, por não estarem sempre “acorrentados” a estes.
 27. É muito difícil provar que a recorrente GG esteve 24 horas por dia com o recorrente MM e conceberam a DD, tal seria possível se ambos estivessem “reclusos”.
28. Os recorrentes apresentam o presente recurso na tentativa de demonstrar que o pai biológico da menor DD é MM, mas recusaram-se sempre a colaborar com este tribunal na realização dos exames periciais, já diz o velho ditado “quem não deve não teme”.
29. Com a realização do exame de ADN por parte da menor DD tudo seria mais simples, fácil e a prova seria inequívoca!
30. Por todo o exposto, falece todos os argumentos invocados pelos recorrentes, os factos consideram-se devidamente dados como provados atendendo a prova produzida em sede audiência discussão e julgamento, bem como, a sentença encontra-se devidamente fundamentada da matéria de facto e direito, tendo sido feita, pela Meritíssima Juiz a quo, correcta interpretação dos factos e adequada aplicação de direito.”

O A. não apresentou contra-alegações.
                                                  *
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1.º- No dia 14 de Fevereiro de 2016, na freguesia de …, nasceu DD.
2.º- No respectivo assento de nascimento, lavrado na Conservatória do Registo Civil de…, sob o n.º 000, do ano de 2016, DD consta como sendo filha de GG e MM.
3.º- Os Réus, MM e GG nunca casaram, vivendo maritalmente.
4.º - O A. CC e a R. GG conheceram-se em 2014 e desenvolveram uma relação de cariz romântico e sexual, mas a R. GG nunca deixou de residir com o R. MM.
5.º - Durante essa relação, o A. e a R. GG mantiveram relações sexuais de cópula completa, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento de DD.
6.º - Fruto dessas relações, a R. GG engravidou do A., tendo tido a filha DD.
7.º - O A. CC foi visitar a R. GG e a bebé DD ao hospital, no 2.º dia de vida desta.
8.º- O A. CC e a R. GG mantiveram relacionamento de cariz romântico após o nascimento da DD, não obstante a R. GG se ter mantido sempre a viver com o R. MM.
9.º - O A. CC e a R. GG não sabiam, quando a DD nasceu, se a DD era filha do A. ou do R. MM.
10.º - O A. e a R. GG adquiriram um kit para recolha de ADN do laboratório “DNA Worldwide Group” e realizaram a recolha do mesmo ao A. e à menor DD, através de zaragatoa bocal, enviando depois as respectivas recolhas para o laboratório.
11.º - No dia 24 de Junho de 2016, o referido laboratório emitiu o seguinte relatório/Certificado de teste de paternidade, com o seguinte teor: “Conclusões: A probabilidade de o Sr. CC ser o pai biológico da DD é > 99,9999%. Portanto, está praticamente comprovado que o Sr. CC é o pai biológico da DD.”
12.º - O A., a R. GG e a R. DD encontraram-se por diversas vezes após o nascimento da criança, tendo o A. passeado com a menor e tendo-a tido em sua casa por diversas vezes.
13.º - A R. GG forneceu ao A. fotografias tiradas na creche da DD, aquando da celebração do 1.º aniversário da criança e em outros momentos da vida na creche.
14.º - A menor DD chegou mesmo a conhecer e a estar na presença da sua irmã consanguínea YY, filha do A.
15.º - Foi nestes autos, determinado que o A., a 2.ª R e a 3.ª realizassem exames periciais para recolha de ADN no INML.
16.º - Só o A e a 2.º R. compareceram para a realização de exames, sendo que a 2.ª R. só compareceu na terceira marcação e após condenação em multa pelas faltas às primeiras convocatórias.
17.º - O INML agendou para realização de exame à DD, as seguintes datas: 21 de Janeiro de 2021, 24 de Maio de 2021, 21 de Outubro de 2021, 10 de Janeiro de 2022, 9 de Maio de 2022 e 9 de Setembro de 2022.
18.º - Nunca os 1.º e 2.º RR fizeram comparecer a 3.º R. no INML, não obstante as condenações em multa pela falta e as advertências efectuadas pelo Tribunal, de que a falta de comparência da criança no exame poderia determinar a inversão do ónus da prova.
19.º - Aquando da prestação de declarações por parte da R. GG, esta declarou que o exame de ADN que fora junto com a petição inicial, havia sido efectuado com recurso ao KIT adquirido pelo A., sempre teria de dar como resultado que a criança seria filha do A. CC, porquanto a declarante havia recolhido ADN da boca da filha do A., YY, enquanto esta jovem dormia e não da sua filha DD.
20.º - Nessa sequência, este Tribunal nessa mesma sessão de Audiência de discussão e julgamento, proferiu o seguinte despacho: “Atendendo a que a ré declarou que o teste de paternidade que se encontra junto aos autos, foi efetuado com base no esfregaço realizado na pessoa da YY, filha do autor, determino que a YY seja submetida a teste no INML e que seja enviado o resultado do teste que se encontra nos autos àquele mesmo INML, para que este confirme se o teste que consta dos autos foi efetuado com base em amostra recolhida na pessoa de YY. Oficie com maior brevidade possível e com a informação ao INML de que a jovem entre o dia 6 e 11 de Março estará em território nacional, pelo que, o exame deverá ser agendado para o período aí compreendido.”
21.º - No dia seguinte, este Tribunal proferiu ainda o seguinte despacho:
“Na sequência do despacho que proferimos ontem em sede de audiência de discussão e julgamento, impõe-se completar o mesmo nos seguintes termos:
Dadas as declarações da Ré, em como realizou teste de ADN à YY, filha do Autor, e não à sua filha DD e que por isso o resultado do teste de ADN constante de fls. 16 frt. e verso é o resultado do teste feito à jovem YY, impõe-se determinar que YY seja submetida a teste de ADN no INML.
Deverá assim ser enviado ao INML o documento constante de fls. 16 frt. e verso, devendo o INML, informar se o ADN de YY é ou não idêntico ao que foi objecto do teste de fls. 16. Mais deverá o INML, uma vez que recolheu o ADN do A. CC, e que as amostras de material biológico do mesmo se encontram armazenadas sob o vosso n.º de processo 000, informar se, no caso de o ADN da YY não corresponder ao ADN constante do teste de fls. 16 dos nossos autos, se existe possibilidade de YY ser irmã consanguínea da pessoa cujo ADN foi submetido ao teste constante de fls. 16.”
22.º - Nessa sequência, YY compareceu no INML e foi realizado o referido exame pericial, sendo que o Relatório pericial do INML relativamente à investigação de parentesco biológico apresentou as seguintes conclusões:
“ADN AUTOSSÓMICO
- O perfil genético de YY não é coincidente com o de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho”, pelo que se excluí a possibilidade de provirem do mesmo indivíduo.
- O estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efetuado não permite excluir YY, filha de CC, como irmã consanguínea de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho”. 
- Utilizando o programa Familias 3, a análise probabilística de um YY, filha de CC, ser irmã consanguínea de “pessoa cujo ADN foi submetido a teste constante de fls. 16 frt. e verso, constante no douto despacho”, por comparação com outro indivíduo ao acaso da população, conduziu a um índice de parentesco IP=141 066.
OBSERVAÇÕES:
- O parâmetro estatístico IP indica o número de vezes que é mais provável a ocorrência dos perfis genéticos determinados admitindo a Hipótese 1 como verdadeira, relativamente à ocorrência desses mesmos perfis admitindo a Hipótese 2 como verdadeira.
- O parâmetro estatístico W (probabilidade a posteriori) é calculado a partir do valor de IP previamente determinado e de uma probabilidade a priori P0, de acordo com . W= P0 × IP P0 × IP + 1-P0
Deste modo, o IP previamente determinado conduziu a uma probabilidade W=99,9993%, considerando uma probabilidade a priori de 0,5.
- Amostras de referência de GG não analisada por não ter sido necessária para a realização de estudos comparativos.
FIM DE RELATÓRIO PERICIAL”
                                                              *
A sentença recorrida consignou não existirem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.
                                                            
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Das nulidades da sentença
2. Da impugnação da decisão de facto e suas consequências

1. Das nulidades da decisão
O apelante imputa à decisão recorrida as seguintes nulidades:
- por excesso de pronúncia ou por condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, por entender que o tribunal a quo foi além do peticionado pelo recorrido, incorrendo em violação dos princípios do pedido e do dispositivo (artºs 2º a 5º e 615º, nº 1, al. e) do CPC);
- por violação do principio do contraditório (artºs 1º a 7º do CPC), constituindo a sentença decisão surpresa, por o tribunal a quo não ter dado prévio conhecimento da sua intenção de proceder à inversão do ónus da prova, violando o principio do contraditório e os artigos 1 a 7 do CPC, preceitos que foram interpretados em violação do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da Republica Portuguesa;
- por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, decorrente da inexistência de valoração da prova requerida e produzida pelos RR.
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º, nº 1 do CPC que estabelece:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. (…)”
Este preceito está diretamente relacionado com o disposto no artº 608º do C.P.C., dele resultando que o juiz deve apreciar todas as questões que lhe são colocadas, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão daquelas, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia ocorre quando o Tribunal deixe por decidir questão temática principal que se lhe impunha conhecer; a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando decide questão temática que lhe estava vedado conhecer. Para aferir das mencionadas nulidades relevam as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
 “(…) o excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes. Em termos breves, “a causa do julgado não se identifi[ca] com causa de pedir ou o julgado não coincid[e] com pedido” (TCAS 11-1-2018/Proc 338/17.8BESNT (JOAQUIM CONDESSO)).
A saber, e respetivamente:
a) o juiz “conhe[cer] de questões de que não podia tomar conhecimento” (segunda parte da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º), (i) seja por violação da segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º (por força do qual, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”), (ii) seja por já ter esgotado o seu poder jurisdicional, por efeito do disposto no artigo 613.º, n.º 1, (iii) seja por violar caso julgado anterior, o que a força obrigatória o impede, enquanto proibição de repetição decisória (cf. artigos 619.º e 620.º), mesmo se o tribunal que decidiu fora outro.(…)
b) o juiz “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que [foi] pedido” [ultra petitum] (al. e) do n.º 1 do artigo 615.º), com violação do n.º 1 do artigo 609.º, por força do qual, a “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”- Rui Pinto, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC), Julgar Online, maio de 2020, pág. 27.
Como é unânime na jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do STJ de 03/10/2017, disponível em www.dgsi.pt:
 “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. (…)
III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.”
A decisão recorrida não decidiu uma questão nova, na aceção acima enunciada, limitando-se a apreciar as questões colocadas.
E também não condenou em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, bastando atentar que o segmento decisório se contém nos pedidos formulados, pelo que não ocorre violação dos princípios do pedido e do dispositivo.
Vejamos.
Os apelantes entendem que existe desconformidade entre os pedidos formulados e a parte decisória da sentença, por ter sido violado o princípio do pedido (e o princípio do dispositivo), e ter ido além daquilo que tinha sido pedido pelo autor, num evidente excesso de pronúncia.

Tal excesso, na ótica dos apelantes, consiste em:
 - ter o A. pedido que se declarasse que o réu MM não é o pai biológico da menor DD e a sentença ter declarado reconhecer que a 3.ª R. DD, nascida no dia 8 de Janeiro de 1984, é filha de CC.
Ora, o pedido de reconhecimento da paternidade do A. foi formulado no pedido elencado na alínea c) (cfr. supra).
- ter o A. pedido se declarasse a nulidade e/ou se decretasse a anulação do registo de paternidade e a sentença recorrida ter determinado que no assento de nascimento da criança, ocorra o cancelamento do registo da paternidade.
Não vislumbramos as apontadas desconformidades. A qualificação jurídica dada na petição inicial ao efeito adveniente do reconhecimento da paternidade em confronto com a paternidade registada não vincula o tribunal. O que se pretende - e obtém - é que o registo da paternidade atribuída ao R. seja eliminado para que o reconhecimento da paternidade do A. seja inscrito no registo de nascimento da menor, em consonância com o disposto no artº 1848º, nº 1 do CC que dispõe: “não é admitido o reconhecimento em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for retificado, declarado nulo ou cancelado”.
- ter o Autor pedido se ordenassem as alterações de registo civil necessárias, nomeadamente, ordenar-se no assento de nascimento e nos livros competentes a menção/inscrição/averbamento da identidade de CC como pai da menor e ter a sentença determinado a alteração do nome da criança, retirando-se do nome, o apelido “M” e passando a constar o apelido do progenitor “C” passando assim o nome da 3.ª R. a ser: ….
O pedido formulado na al. c) contém referência expressa aos efeitos legais e às alterações do registo civil necessárias, na sequência do pedido do reconhecimento da paternidade do A., concretamente que a menor passe a ter o seu apelido, “C”. Logicamente que a procedência do reconhecimento da paternidade do A. e inscrição do seu apelido, implica a eliminação do apelido do R., de harmonia com o disposto no artº 104º, nº 2, al. a) do Código de Registo Civil.
Os referidos princípios do pedido e do dispositivo foram respeitados, e não se deteta qualquer interpretação dos artºs 2º a 5º do CPC em violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao direito e do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º 20º da Constituição da República Portuguesa – o que, aliás, os apelantes não concretizaram, limitando-se a tecer a conclusão.
Improcede, nesta parte, o recurso.
Pugnam pela falta de fundamentação/omissão de pronúncia quanto à prova requerida e produzida pelos RR., relevante em resultado da inversão do ónus de prova, recaindo sobre os RR. o ónus de provar que o A. não é pai da menor.
A eventual omissão de pronúncia sobre a prova produzida pelos RR. não é suscetível de integrar a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC, porquanto não constitui uma questão na aceção acima referida.
Já “a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC pressupõe a falta em absoluto de indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, e não a mera deficiência de fundamentação.” (Ac. RE de 22/03/2018, 297/15.1T8PTM-C.E1, in www.dgsi.pt
Alberto dos Reis, in CPCivil, Anotado, Vol. V, pág. 140, afirmava que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Na sentença recorrida foram elencados 21 factos provados. Quanto aos não provados escreveu-se: nenhum, com relevância para a decisão da causa.
Na contestação que apresentaram, os 1º e 2º RR. impugnaram a generalidade dos factos alegados na pi, constitutivos do direito pretendido fazer valer na ação, limitando-se a negá-los, razão pela qual, tendo sido dada como provada a matéria factual vertida na peça processual apresentada pelo A., a versão negativa desses factos não tinha, nem devia, ser simultaneamente reproduzida no elenco dos não provados. Tal como não podia dar como provada ou não provada matéria manifestamente conclusiva, referente à paternidade da menor que atribui ao R., em termos conclusivos.
Depois da motivação da decisão de facto o tribunal procedeu à fundamentação de direito.
Ainda que apenas a falta absoluta da fundamentação de facto ou de direito constitua nulidade, o que não se verifica, quanto à prova produzida pelos RR, pode ler-se na fundamentação de facto:
“Acresce que, perante a notícia dessa inversão, os RR. tentaram - desesperadamente, há que dizê-lo - reverter essa inversão de ónus, com o recurso à prova testemunhal e às declarações da R., que afirmou que a dada altura da sua vida, a sua vontade de ficar com o A., era tanta, que simulou um teste de paternidade, para que aquele ficasse convencido que a filha era dele, e ficasse assim com ela e com a bebé.
Alegou a R., que a razão pela qual existe nos autos um teste de paternidade, que atribui a paternidade da sua filha ao aqui A., se prende com o facto de, para o convencer disso mesmo, a R. ter efectuado uma recolha de ADN, com recurso a zaragatoa bocal, à filha do A., YY, porquanto assim tinha a certeza de que o exame seria positivo para a paternidade daquele!
Ora, como também resulta dos autos e perante tais afirmações da R., foi determinado que YY, filha do A., fosse sujeita a perícia no INML, sendo que os resultados do INML foram inequívocos: não só o exame de paternidade constante dos autos não havia sido feito com recurso ao ADN da YY, descredibilizando por completo as declarações da R. GG, como vieram declarar que a jovem YY, é irmã consanguínea da pessoa cujo ADN foi recolhido para realização do tal teste de paternidade, o que faz cair por terra, a justificação rocambolesca apresentada pela R. GG.
Isto é, a reversão da inversão do ónus que a R. tanto pretendia fazer, teve como consequência a obtenção de um resultado laboratorial por parte do INML, que não só veio demonstrar que o ADN do teste de paternidade da “DNA Worldwide Group”, não pertence à YY, como, em bom rigor, pertence a alguém que é irmã consanguínea da jovem YY!” (sublinhado nosso)
Não se verifica falta absoluta da fundamentação de facto ou de direito.
Defendem, ainda, os apelantes que a sentença constitui decisão surpresa, violando o princípio do contraditório, por o tribunal a quo não ter dado prévio conhecimento da sua intenção de proceder à inversão do ónus da prova. Consideram ter ocorrido violação do disposto nos artigos 1º, 2º, 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do artº 3º, nº 3 do CPC “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
 “Ora, não se põe em dúvida que a fim de evitar decisões surpresas, as partes devam ser ouvidas antes da decisão, mas tal audição só se imporá, se a decisão que vier a ser proferida possa constituir uma verdadeira surpresa para a parte. É esse o fundamento para se proceder à audição das partes, conferindo-lhe o exercício do direito que detém de influenciar a decisão com os argumentos jurídicos que entenderem pertinentes.
A decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º, nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
Estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela.
Decisão-surpresa é apenas aquela em que o tribunal se pronuncia sobre e/ou decide algo com que a parte (apesar de competentemente patrocinada), de forma expectável ou previsível, não podia nem devia contar, usando de normal diligência, competência, aptidão e sagacidade.
Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães, de 19-04-2018, proc.75/ 08.4TBFAF.G1, onde, por referência a variada Doutrina e Jurisprudência, proficientemente se escalpeliza o tema, “não existirá decisão-surpresa quando a decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sibi imputet.” [i]
“Porém, a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.” [ii]
A decisão proferida não pode constituir surpresa, porquanto previamente à sua prolação foram os RR, ora apelantes, notificados de que perante a falta de colaboração em fazer comparecer a 3ª R. no INML a fim de ser submetida aos exames periciais, ocorre inversão do ónus da prova (cfr. facto provado nº 18, não impugnado), nomeadamente por despachos proferidos em 27/05/2022 e 27/01/2023.
Não se descortina em que possa consistir a invocada violação disposto nos artigos 1º, 2º, 13º 20º da Constituição da República Portuguesa, que mais uma vez não foi concretizada.
Pelo exposto, improcedem as nulidades invocadas.

2. Da impugnação da decisão de facto e suas consequências
Estabelece o art. 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Como refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pág. 165 a 169):
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)
O Ministério Público pugna pela rejeição do recurso da decisão de facto por entender que não foi observado o ónus imposto pelo artº 640º, nº 2, al. a) do CPC, por não bastar a indicação, em sentido amplo, que seriam os factos dados como provados do ponto 4.º a 14.º e transcrever os depoimentos, mesmo indicando os minutos todos seguidos dos depoimentos, como uma transcrição integral desse depoimento.
Decorre da conclusão nº 26 que os apelantes impugnam os factos provados 5 a 7, 9 a 12 e 14, não obstante na motivação tenham afirmado impugnar os factos provados 4 a 14 (cfr. fls. 17 da alegação de recurso). É nas conclusões que devem ser especificados os factos concretos impugnados, não sendo atendíveis outros.
E na alegação de recurso discorreram o seguinte:
“Como adiante se demonstrará, da interpretação conjugada das declarações do Autor CC, com as declarações dos Réus MM e GG, com os depoimentos das testemunhas XX e VV, e com toda a prova documental carreada para os autos, nunca o Tribunal recorrido poderia ter dado como provada a matéria identificada nos pontos 4 a 14 da motivação de facto.”
De seguida procederam a transcrição de extensos excertos das declarações de parte do A. fls. 17 a 20), do depoimento da testemunha XX (fls. 20 a 39), das declarações de parte da R. GG (fls. 40 a 90) e do R. MM (fls. 90 a 112), do depoimento da testemunha VV (fls. 112 a 144).
Verifica-se que indicaram em bloco os meios de prova em que fundam a impugnação, designadamente depoimentos de duas testemunhas e declarações de A. e dois RR, sem distinguir cada facto impugnado e cada um dos depoimentos/declarações, mas antes um conjunto de factos (4 a 14), sendo que nem todos respeitam a uma mesma realidade factual, e procederam à transcrição de grande parte dos depoimentos/declarações (para além da transcrição integral junta em anexo), em bloco, ainda que tenham indicado as passagens das gravações, limitando-se a formular conclusões sobre a prova produzida.
O ónus imposto pela al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC determina que a concretização dos meios probatórios seja feita relativamente a cada um dos factos e com indicação dos respetivos meios de prova, devendo proceder à análise crítica dos meios de prova, o que não foi observado.
 “III. Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do nº 1 do artº 640º do CPC.
IV. Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (Ac. STJ de 14/07/2021, proc. nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, in www.dgsi.pt). – sublinhados nossos.
Face ao exposto, rejeita-se o recurso da decisão de facto, por inobservância do ónus exigido pelo artº 640º, nº 1, al. b) do CPC, no que à prova gravada respeita, atendendo-se à impugnação facto a facto com apoio em meios de prova diversos.
Após a transcrição dos referidos excertos os apelantes defendem que os factos provados 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, e 14 devem ser considerados não provados, com fundamento na prova documental, testemunhal e por declarações.
Insurgem-se por ter o tribunal a quo fundamentado a prova dos factos 5 e 6 na inversão do ónus da prova, quando o efeito desta é passar a onerar os RR. com a prova de que o A. não é pai da menor. Aduzem ainda que da sua recusa em sujeitarem a menor ao exame de ADN não resulta nem o reconhecimento da paternidade do A. nem a efetiva ocorrência de relações sexuais supostamente mantidas entre o A. e a R. GG no período legal de conceção e a gravidez daí alegadamente resultante. E concluem: “a única consequência factual verdadeiramente resultante da referida recusa é a ausência de “…prova direta e exata cientificamente…” que permita a ligação genética “…entre o pretenso pai e a criança em causa. Prova essa de que o tribunal recorrido não dispôs.” (sublinhado nosso)
Prova direta essa que os 1º e 2º RR. impediram de forma culposa ao não terem feito comparecer no INML a 3ª R., menor DD, não obstante as notificações efetuadas, com a advertência de que a sua falta de colaboração implicaria a inversão do ónus da prova, conforme decorre dos factos provados 15 a 18, que não foram impugnados.
Aliás, os apelantes não questionam que com o seu comportamento deram azo à inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº 2 do CC, conjugado com o artº 417º, nº 2 do CPC, antes põem em causa as respetivas consequências.
Ora, a inversão do ónus da prova determina que passa a impender sobre os RR./apelantes a prova de que a menor não é fruto de relações de sexo entre o A. e a 2ª R., mãe daquela.
À laia de conclusão alegaram os apelantes: ”da interpretação conjugada das declarações RR MM e GG, com os depoimentos das testemunhas XX e VV, resulta de forma coerente que, no período legal de concepção, a mãe GG esteve exclusivamente na companhia do R. MM, em … (a mais de 300km de Lisboa), tendo com ele (MM) mantido relações sexuais em exclusividade. Não tendo o Juiz a quo posto em causa a credibilidade de tais declarações e depoimentos, deveria tê-las valorado positivamente (dando como provada a exclusividade de relações sexuais entre a mãe GG e o Réu MM), o que não fez. E na ausência de prova cientifica da paternidade não podia o tribunal a quo deixar de recorrer-se da presunção legal de paternidade nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 1871.º do Código Civil. (…)”
Os apelantes indicam os depoimentos de duas testemunhas e declarações dos RR. para neles sustentarem que se provou ainda: a R. DD é reputada e tratada como filha pelo R. MM e por todos os que os conhecem; durante o período legal da conceção, foi mantida entre os RR MM e GG uma comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges; o R. MM manteve relações sexuais com a R. GG, em exclusividade, durante o período legal de conceção.
Afigura-se que pretendiam um aditamento aos factos provados, de molde a preencher algumas das presunções enunciadas taxativamente no artº 1871º do CC.
Dispõe este preceito:
“1. A paternidade presume-se:
a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;
c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;
d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.
e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.
2. A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.”
Como se refere no Ac. STJ de 18/06/12024, proc. nº 2636/22.0T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt:
“A prova dessa causa de pedir (a procriação biológica), conforme decorre do disposto nos artigos 1801º, 1871º, 349º e 351º do Código Civil e é reafirmado pela doutrina e pela jurisprudência pode ser feita por três vias possíveis, a saber: a) em primeiro lugar, por via de prova direta, através da realização “de exames de sangue (exames hematológicos) ou quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”, nos termos do artigo 1801º do Código Civil, como seja recolha de material de ADN nas unhas, cabelos, pele, etc. do filho e do pretenso pai; b) em segundo lugar, por via indireta, através do recurso pelo autor a alguma das presunções legais de paternidade taxativamente enunciadas no artigo 1871º do CC, em que o autor apenas tem de alegar e fazer prova dos factos base da presunção (artigo 350º, n.º 1, do Código Civil), para que uma vez feita essa prova se tenha estabelecida a paternidade biológica do réu a quem essa paternidade é imputada, contanto que este último não ilida essa presunção através da alegação e prova de factos que criem no espírito do julgador “dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado” (artigos 1871º, n.º 2 e 350º, n.º 2 do Código Civil); e c) também por forma indireta, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em regras ou máximas da experiência, nos termos consentidos pelo artigo 351º do Código Civil, como sucede na generalidade das causas em que não haja lugar à prova direta, através da realização de exames de sangue e em que não ocorra alguma das situações de facto que servem de substrato às aludidas presunções legais de paternidade. (…) A prova rainha são os exames hematológicos ou de ADN ao pretenso pai e ao filho que permitem obter um grau de certeza sobre a filiação próximo dos 100%, ou exclui-la quase completamente quando não ocorra. Por isso se entende que, nas ações de investigação da paternidade, desde logo por consequência do artigo 1801.º do Código Civil, estes exames constituem elementos essenciais para a descoberta da verdade, secundarizando as outras provas, designadamente a testemunhal, mais falível e aleatória.
Como se tem afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. por todos, o Acórdão, de 02-06-2020, proc. n.º 3278/16.4T8GMR.G1.S1, citando outro Acórdão do Supremo de 20/07/2003), onde se afirmou que «A paternidade biológica pode hoje provar-se por qualquer meio, nomeadamente científico, conforme dispõe expressamente o art. 1801º do CC. (…) E nem se esgrima com a margem do erro científico, já que este é infinitamente menor face à prova testemunhal, mesmo sem considerar as contingências que esta encerra. (…) Aqui chegados, os exames hematológicos, assim como os outros métodos cientificamente comprovados, permitem, no estado atual do conhecimento científico, fruto da evolução científica, a prova direta do facto naturalístico da procriação biológica, que constitui a causa de pedir nas ações de investigação da filiação, não admirando, por isso, que o art. 1801º do CC, tenha passado a admitir estes meios de prova – prova pericial – como meios de prova legalmente admissíveis neste tipo de ações e que a doutrina e a jurisprudência tenham atribuído aos mesmos um papel central, fundamental ou nuclear nas mesmas, que, na prática, secundarizam a prova indireta, seja por presunções judiciais, seja por presunções naturais ou judiciais de demonstração dessa filiação biológica e, bem assim que subalternem os outros meios de prova legalmente previstos, nomeadamente, a prova testemunhal, quando comparado com este meio de prova, que é pericial». (sublinhados nossos)
Na contestação apresentada não foi alegado qualquer dos factos base das presunções estabelecidas no artº 1871º do CC, em conformidade com o disposto no artº 350º, n.º 1, do Código Civil, em benefício do 1º R. Não olvidemos que a presente ação se destinou à impugnação da paternidade registada a favor do 1º R. e ao reconhecimento da paternidade do A. e que o recurso da decisão de facto foi rejeitado, na parte relativa a meios de prova gravados. Radicando a impugnação de alguns factos apenas em prova gravada, como é o caso dos pretendidos aditar e dos factos provados 7, 9 e 12, não se conhece desta parte do recurso da decisão de facto.
O tribunal deu como provado que os Réus MM e GG nunca casaram, vivendo maritalmente (facto 3). A sua relevância em sede de presunção do artº 1871º do CC. será infra apreciada.
Os apelantes defendem que não foram considerados, valorados os factos que alegaram nem a prova por si produzida.
Quanto aos factos alegados já aludimos ao teor da contestação.
E decorre da fundamentação de facto que os enunciados nos pontos 5 e 6 resultam da inversão do ónus da prova e por não terem os RR. logrado provar que a menor DD não é filha do A., como consta do seguinte trecho:
 “A fundamentação destes factos dados como provados resulta do facto de relativamente a esta matéria ser actualmente possível produzir prova directa e exacta cientificamente, com recurso à recolha e análise do ADN entre o pretenso pai e a criança em causa. – art,º 1801.º do Código Civil.
Ora, como resulta à saciedade dos autos, o 1.º R. e a 2.ª R. foram, por 6 (seis) vezes notificados, bem como o respectivo mandatário que constituíram, para fazerem comparecer a criança DD no INML para aí lhe ser recolhido o ADN para exame.
Contudo, e não obstante as condenações em multa, bem como as advertências do Tribunal para a obrigação de comparência e das legais consequências, os RR. optaram por não submeter a criança a exame.
Relativamente a esta matéria, há que ter presente o disposto no art.º 344.º, n.º 2 do Código Civil, sobre inversão do ónus da prova. Dispõe este preceito normativo o seguinte: “2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”
Ora, no caso dos autos, foi precisamente isto que aconteceu, os RR inviabilizaram que o A. produzisse a prova que precisava de produzir. Sobre esta recusa, e mais concretamente, sobre a recusa de realização de testes de ADN para efeito de estabelecimento de paternidade, a jurisprudência já se pronunciou por variadíssimas vezes, afirmando que quem recusa fazer o teste sofre a inversão do ónus da prova.”
Depois da citação de jurisprudência em apoio da tese defendida quanto à inversão do ónus de prova, expendeu-se o seguinte:
“Como se retira dos acórdãos citados, em questões de estabelecimento da paternidade e de acesso à verdade biológica e de identidade, quem recusa o exame vê, contra si, invertido o ónus da prova, porquanto impede que outrem produza essa prova.
Os RR ao não deixarem que a DD fizesse o exame no INML, foram onerados com essa inversão, nos termos do já referido art.º 344.º, n.º 2 do Código Civil, como lhes foi advertido.
Pelo que, só isto, já é suficiente, por si só, para dar como provados os factos provados n.ºs 5 e 6.
Acresce que, perante a notícia dessa inversão, os RR. tentaram - desesperadamente, há que dizê-lo - reverter essa inversão de ónus, com o recurso à prova testemunhal e às declarações da R., que afirmou que a dada altura da sua vida, a sua vontade de ficar com o A., era tanta, que simulou um teste de paternidade, para que aquele ficasse convencido que a filha era dele, e ficasse assim com ela e com a bebé.
Alegou a R., que a razão pela qual existe nos autos um teste de paternidade, que atribui a paternidade da sua filha ao aqui A., se prende com o facto de, para o convencer disso mesmo, a R. ter efectuado uma recolha de ADN, com recurso a zaragatoa bocal, à filha do A., YY, porquanto assim tinha a certeza de que o exame seria positivo para a paternidade daquele!
Ora, como também resulta dos autos e perante tais afirmações da R., foi determinado que YY, filha do A., fosse sujeita a perícia no INML, sendo que os resultados do INML foram inequívocos: não só o exame de paternidade constante dos autos não havia sido feito com recurso ao ADN da YY, descredibilizando por completo as declarações da R. GG, como vieram declarar que a jovem YY, é irmã consanguínea da pessoa cujo ADN foi recolhido para realização do tal teste paternidade, o que faz cair por terra, a justificação rocambolesca apresentada pela R. GG.
Isto é, a reversão da inversão do ónus que a R. tanto pretendia fazer, teve como consequência a obtenção de um resultado laboratorial por parte do INML, que não só veio demonstrar que o ADN do teste de paternidade da “DNA Worldwide Group”, não pertence à YY, como, em bom rigor, pertence a alguém que é irmã consanguínea da jovem YY!” – sublinhados nossos.
Decorre deste trecho que na valoração da prova dos factos 5 e 6 o tribunal apreciou também o exame realizado pelo INML, o teste de paternidade junto com a p.i., as declarações de parte dos RR. e depoimentos de testemunhas, com destaque para as declarações da R., descredibilizando-as, assim afastando a “reversão” da inversão do ónus de prova, em confronto com aquele exame do INML e teste de paternidade realizado pela “DNA Worldwide Group”.
Salienta-se que os factos provados 18 a 22 não foram impugnados, deles resultando que a R. assumiu posição em julgamento em manifesta oposição com a contestação que apresentou, revelando manifesta falta à verdade (cfr. artºs 14, 16, 27 a 29 desta peça processual).
Destacam-se aqui os seguintes trechos constantes do acórdão proferido por esta Relação de Lisboa em 19/12/2024, no apenso B, no âmbito do recurso interposto pelos RR. contra o despacho que indeferiu a prestação de esclarecimentos dos Srs. Peritos e a realização de 2ª perícia, cujos fundamentos se revelam oportunos quanto à realização do teste de ADN e do exame pericial:
“Todavia, num caso em que a mãe obstaculiza (e impediu mesmo) a realização de exames de ADN a si própria e à filha (como foi expressamente consignado pelo tribunal recorrido em diversos momentos); em que, nos primeiros meses de vida, assentiu na realização de exame de ADN não oficial que deu como resultado uma paternidade quase provada ao impugnante de perfilhação; em que a mãe nada disse no processo quanto a este documento até que, em declarações proferidas em audiência final, veio argumentar (argumento sintetizado) que o esfregaço objeto de exame não foi colhido à filha mas a outra filha do autor, a utilidade da perícia realizada não se afigura evidente. (…)
Todavia, assim foi feito e, efetivamente, o resultado do exame foi absolutamente esclarecedor.
Em termos simples, indica que a ré GG mentiu em juízo, procurando encontrar um argumento in extremis para pôr em causa o único documento relativo a prova direta da paternidade constante dos autos.
Se a priori a utilidade e adequação da diligência era questionável, seja pelo iter processual de impedimento de prova genética direta aos intervenientes, seja pela consideração do ónus probatório que o tribunal já consignara/advertira, a verdade é que a posteriori, não se pode dizer que o resultado do exame seja absolutamente inócuo para a decisão dos autos, na medida em que aponta claramente para a existência uma argumentação fabricada pela ré mãe, o que, além de constituir indício claro da prática de ilícito criminal, também é um elemento desvalorizador geral das suas declarações em juízo (asserção feita apenas com referência à utilidade da diligência requerida e sem prejuízo da inteira liberdade decisória de facto da instância a quo, no momento próprio). (…)
Mais que o comportamento processual dos recorrentes (ao faltarem, por sete vezes, a realização de exame genético à mãe e à filha – única prova direta do facto essencial em debate), relevam dois elementos muito claros:
a) O exame em causa foi determinado oficiosamente apenas para afastar uma qualquer dúvida que pudesse permanecer, ante uma declaração manifestamente anómala (pela sua natureza e pelo momento em que foi feita) - ter um exame genético ter sido feito com dados de "pessoas trocadas" e ser essa dúvida apenas lançada, pela interessada em a lançar, que nada disse em momento anterior;
b) O resultado do exame é cristalino a afastar essa hipótese (de troca de material biológico) e, inerentemente, porque não subsiste campo intermédio para a retórica justificativa, também a estabelecer a conclusão que a ré, depois de ter conseguido evitar a produção de prova biológica direta, em violação do seu dever de cooperação processual, recorrer agora a declarações falsas para tentar afastar o elemento de prova direta existente nos autos. (…)
Assim, é algo de extraordinariamente inverosímil que alguém que se disponha a fazer um exame de ADN para determinação da paternidade de uma criança com poucos meses de vida e, portanto, denote um interesse direto na descoberta da verdade, nesse mesmo momento, falsificasse o exame, recolhendo material biológico de outra pessoa.
Ao invés, apresenta-se como altamente verosímil, à luz dessa mesma experiência comum, que alguém que tenha mantido relacionamento de cariz sexual fora da sua relação estável, uma vez reequilibrada tal relação, não pretenda perturbá-la, seja com a comprovação desse relacionamento acidental, seja com o simples estabelecimento de uma relação parental vista como indesejada para a estabilidade familiar.
Por isso, a recusa repetida a realização de exames hematológicos, traduzisse ou não uma inversão do ónus da prova, seria sempre um elemento ponderoso na decisão de facto à luz da avaliação global da prova e das declarações da mãe, retirando quase total utilidade a repetidas diligências para aferir da sua veracidade, sobretudo num ponto que deve ser considerado anómalo – a invocada realização de esfregaço biológico a uma terceira pessoa, e não à filha, para concretização de um exame de ADN consensualmente feito.” (sublinhados nossos).
É evidente que o exame pericial não podia concluir que a R. DD é filha biológica do A., pois não foi sujeita ao mesmo, por os 1º e 2ª RR. não a terem feito comparecer no INML.
Pese embora a impugnação do teste “não oficial” de ADN, e as dúvidas colocadas no presente recurso quanto ao seu manuseamento, tratamento dos vestígios biológicos, esterilização ou contaminação das amostras por parte da “DNA Worldwide Group”, nenhuma outra prova produziram os RR., no sentido de o mesmo não ter fiabilidade. Situando-se no campo da livre apreciação, importa sublinhar que o mesmo foi relevante para que o INML (que confirmou que o A. foi o dador de ADN à “DNA Worldwide Group”, por ter o mesmo comparecido no INML, a quem foram recolhidos os vestígios biológicos), respondesse às questões colocadas e a sua relevância na apreciação conjugada mormente quanto aos factos 5 e 6. Apesar de não ser suficiente como prova direta da atribuição da paternidade da menor ao A., não é inócuo, nos termos explanados no acórdão proferido nos autos.
Improcede, pois, a impugnação dos factos 5 e 6.
Os fundamentos ora expostos conduzem também à improcedência da impugnação dos factos 10 e 11, sendo irrelevante se a recolha dos vestígios da menor foram ou não feitos na presença do A., se a aquisição do Kit e a remessa dos vestígios colhidos à “DNA Worlwide Group” foram feitas em conjunto por A. e 2ª R., sendo que o facto 11, como referem os apelantes, se limita a consignar parte do teor do documento.
Para fundamentar o facto 12 o tribunal socorreu-se das declarações de parte do A. e da 2º R., bem como das fotografias juntas aos autos, nos seguintes termos: “resulta provado das declarações do A. e da própria R. GG, mas também das fotografias juntas aos autos, em que se vê o A. a dar o biberão à R. DD, na companhia da R. GG, a passearem os três num jardim ou parque, nos baloiços, mas também em fotografias em que aparece só a criança na companhia do A. e da filha do mesmo, a jovem YY.”
Referem os apelantes que “também não ficou provado que as fotografias em cuja prova o tribunal assenta a sua prova correspondam a datas diferentes nem ficou estabelecido que a criança aparece na companhia do A. e da filha do mesmo, YY, uma vez que o tribunal não formou qualquer convicção ou prova de que a pessoa visualizada nas fotografias é, de facto, a YY.”
 Ora, atendendo-se apenas às fotografias (face à rejeição quanto à prova gravada), e sem olvidar que foram valoradas de forma conjugada com as referidas declarações, é possível constatar que quer o A., a 2ª R. e a menor apresentam roupas diferentes, em locais distintos, retratando a menor em momentos de crescimento diferente, o que indicia datas diferentes. Em algumas das fotografias surge uma jovem com a menor e/ou com o A.. O facto 12 deve manter-se provado.
O facto 14 contém afirmação conclusiva quanto ao laço de parentesco entre YY e a menor DD. Dado o objeto dos autos, não deve figurar na seleção da matéria de facto, pelo que deve ser reformulado, passando a ter o seguinte teor:
“14.º - A menor DD chegou mesmo a conhecer e a estar na presença de YY, filha do A.”
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, com a alteração da redação do facto provado nº 14.

A pretensão de revogação da sentença, com a consequente improcedência da ação, tem por fundamento a alteração da matéria de facto.
Em resultado da rejeição parcial e da procedência parcial do recurso da decisão de facto, quanto a um único facto, sem relevância para a decisão, mantendo-se inalterados os demais factos considerados provados pelo tribunal a quo (artº 663º, nº 6 do CPC), importa apenas pronunciarmo-nos quanto ao fundamento de direito invocado, o da presunção de paternidade estabelecida no artº 1871º, nº 1 do CC.
O facto provado nº 3 seria suscetível de integrar a presunção prevista na al. c) do citado preceito.
Todavia, tal presunção sempre estaria ilidida, nos termos do disposto no nº 2 do artº 1871º do CC, como decorre da factualidade consignada provada nos pontos 4 a 13, 19 a 22, da qual resulta que a menor DD é filha biológica do A.
Provada a procriação biológica a procedência da ação, nos termos constantes do dispositivo, é de manter. 

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.

Lisboa, 25 de setembro de 2025         
Teresa Sandiães
Cristina Lourenço
Carla Matos
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[i] Ac. STJ de 07-06-2022, proc. nº 709/21.5T8ACB.C1.S, in www.dgsi.pt
[ii] Ac. STJ de 12/07/2018, proc. nº 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, in www.dgsi.pt