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RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
VENCIMENTO ANTECIPADO
INTERPELAÇÃO
JUROS MORATÓRIOS
Sumário
Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC) No contrato de abertura de crédito as partes convencionaram que a entidade bancária “poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pela mutuária”. Neste caso o vencimento antecipado da totalidade da dívida é uma faculdade concedida à credora que, querendo acioná-la, deve interpelar os devedores, não sendo de funcionamento automático. Não tendo ficado provada a interpelação dos devedores, esta ocorreu com a sua citação na ação executiva intentada pela credora, data em que se venceu a obrigação de vencimento antecipado (exigência do pagamento da totalidade da dívida), pelo que até à citação se manteve o quadro contratual, no que à mora respeita, designadamente a sobretaxa de juros. Uma vez que os executados não cumpriram a obrigação de restituição imediata incorreram em mora a partir da interpelação, sendo os juros moratórios sobre a obrigação do pagamento integral da dívida por vencimento antecipado devidos a partir de então, de harmonia com o disposto no artº 804º do CC. Estes não abrangem a sobretaxa, uma vez que apenas prevista para a mora no cumprimento pontual das obrigações contratuais, isto é, durante a execução do contrato, e não para o vencimento antecipado daquelas por incumprimento.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
Por apenso à execução intentada por Banco X contra JJ e CC, vieram:
A) O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, por referência aos imóveis penhorados em 09/03/2011 – (i) verba nº 1, o imóvel situado em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0076; (ii) verba nº 2, o imóvel situado em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0077 – reclamar os seguintes créditos:
- IMI inscrito para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores no valor de 6.863,26€, acrescido de juros no valor de 4.197,8€
- IRS relativo aos três últimos anos sobre a data da penhora no valor de 12.863,07€ de imposto, acrescido de juros no valor de 7.731,31€.
- IRC relativo aos três últimos anos sobre a data da penhora no valor de 6.435,97€ de imposto, acrescido de juros no valor de 3.362,26 €.
B) O Instituto da Segurança Social, I.P. reclamar os créditos: correspondentes a contribuições devidas e não pagas pelo executado/reclamado JJ no valor de €18.799,12 e juros vincendos sobre o capital de € 2.858,40.
C) O Banco X reclamar o crédito de € 221.235,04 e juros vincendos, com base em penhora sobre o prédio urbano situado …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0076, realizada no processo 000 (cf. AP. 1565 de 2019/12/19), pertencente aos executados/reclamados (AP. 8 de 2001/04/09), penhorado nestes autos (AP. 2930 de 2011/03/09).
Os executados impugnaram o crédito reclamado pelo Banco X, com os seguintes fundamentos: “1. A taxa de juro (15,450%) invocada na reclamação é igualmente ilegal, seja porque não é a taxa de juro aplicada no contrato – que é variável. 2. Seja ainda porque não corresponde ao adicional de 3% resultante do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, que além do mais nem sequer é aplicável uma vez que está em causa um regime posterior ao contrato. 3. Quanto muito, a aplicação seria posterior ao da aplicação da lei e não retroativamente, como abusivamente pretende a CGD. 4. A taxa de juro aplicável será, assim, tão-só, a que resulta da aplicação da taxa variável. 5. A taxa que se pretende aplicar não tem base legal, ainda que pudesse ser contratualmente prevista.”
Concluíram pela improcedência da reclamação de créditos apresentada.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, graduam-se os créditos da seguinte forma: A). Quanto à verba nº 1 (imóvel situado em …., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 0076): 1. O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, relativo ao IMI. 2. O crédito exequendo (garantido por hipoteca). 3. O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. 4. O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, relativos ao IRS e IRC; 5. O crédito exequendo relativo aos juros vencidos e vincendos posteriores ao prazo do artigo 693.º do Código Civil (garantido por penhora). 6. O crédito reclamado pel Banco X (garantido por penhora posterior), em conformidade com o supra decidido quanto ao cálculo dos juros. B). Quanto à verba nº 2 (imóvel situado em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00777): 1. O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, relativo ao IMI; 2. O crédito exequendo (garantido por hipoteca). 3. O crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. 4. O crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, relativos ao IRS e IRC. 5. O crédito exequendo relativo aos juros vencidos e vincendos posteriores ao prazo do artigo 693.º do Código Civil (garantido por penhora). As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados.”
Pode ler-se na fundamentação da sentença, quanto à impugnação do crédito reclamado pela ora recorrente: “(…) Da análise do requerimento executivo resulta que o exequente (ora credor reclamante), com o incumprimento, datado de 2008, considerou vencida a totalidade da dívida, pelo que deixou de se poder falar em “mora”. Nessa medida, não tem aplicação o disposto artigo 8º do Decreto-Lei n.º 58/2013 de 8 maio, na medida em que, à data da sua entrada em vigor, inexistia mora, prevalecendo, assim, o disposto no contrato celebrado entre as partes. Analisadas as cláusulas 20 e 22 conclui-se que, apenas para a mora, estava prevista uma sobretaxa de 4% (…) No caso, a partir da data da instauração da execução, não estando em causa qualquer situação de mora – o exequente deu por vencida a totalidade da dívida –, não pode ser peticionada a sobretaxa de 4% ao ano, a título de cláusula penal, prevista para a mora, mas, apenas, os juros contratuais. Assim sendo, tendo a credora reclamante incluído na taxa de 15,450% a sobretaxa devida pela mora, há que subtrair esta última àquela, podendo ser peticionado, apenas, a taxa de juro de 11,45%, desde a data do incumprimento (31.05.2008), sobre o valor de capital de €65.765,31. O que, à data da entrada em juízo da reclamação de créditos (22.09.2023), corresponde a €115.365,69 (a título de juros) e não a €148.552,29”.
O reclamante Banco X recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “1. O presente recurso é interposto da sentença de 27/03/2025, proferida nos autos de reclamação de créditos apensos à execução n.º 585/11.6T2SNT-B, na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida pelos Executados, desconsiderando integralmente a aplicação da cláusula penal contratualmente estipulada relativa à sobretaxa de juros de mora. 2. Encontra-se documental e contratualmente provado nos autos que foi convencionado entre as partes um juro remuneratório anual de 11,45%, acrescido de uma sobretaxa de até 4% ao ano em caso de mora, a título de cláusula penal (cf. cláusulas 20.ª e 22.ª do contrato de abertura de crédito). 3. Verificado o incumprimento em 31/05/2008, a Recorrente declarou vencida a totalidade da dívida, tendo os Executados permanecido em incumprimento absoluto desde essa data até à data da apresentação da reclamação de créditos. 4. A douta sentença recorrida entendeu que, por força do vencimento antecipado, deixaria de haver “mora”, pelo que não seria exigível a sobretaxa contratualmente prevista. 5. Tal entendimento viola o disposto nos artigos 804.º e 806.º do Código Civil, uma vez que a mora do devedor subsiste enquanto não houver integral cumprimento da obrigação pecuniária vencida. 6. A cláusula penal é expressamente admitida nos artigos 810.º a 812.º do Código Civil, sendo legítima a sua estipulação para sancionar o atraso no cumprimento da obrigação, independentemente de a dívida se encontrar vencida na sua totalidade. 7. A exclusão da cláusula penal moratória com fundamento no vencimento antecipado da dívida representa uma distorção da sua função jurídica e viola o princípio da autonomia privada (art. 405.º do CC), bem como os princípios da confiança e da segurança jurídica. 8. A cláusula penal mantém-se exigível enquanto subsistir a mora no pagamento da obrigação principal, nomeadamente o capital em dívida, não havendo norma legal que determine a sua cessação pelo simples facto de a dívida ter sido vencida antecipadamente. 9. O Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio, não se aplica à mora verificada antes da sua entrada em vigor, nos termos do seu artigo 13.º, n.º 2. 10. Ainda que, por mera cautela, se admitisse a aplicação do referido diploma, a consequência jurídica seria, no máximo, a redução da sobretaxa de 4% para 3% ao ano a partir de 01/09/2013, nos termos do artigo 8.º do DL 58/2013. 11. A sentença recorrida, ao desconsiderar integralmente a sobretaxa contratada, desrespeita também a jurisprudência consolidada, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.02.2023 (proc. 125/21.9T8SRE-B.C1), que admite a subsistência de cláusulas penais indemnizatórias após o vencimento da dívida. 12. A cláusula penal em causa não se mostra desproporcionada ou abusiva, tendo sido acordada no quadro contratual vigente em 2008, e corresponde a prática corrente no setor bancário. 13. O entendimento sufragado pela sentença recorrida resulta, assim, numa interpretação desfavorável à parte diligente (credora), premiando, injustificadamente, a inércia e o incumprimento do devedor. 14. A manutenção da decisão recorrida viola os princípios da função reparadora da cláusula penal, da previsibilidade contratual e do equilíbrio sinalagmático. 15. A correta aplicação do direito impõe o reconhecimento integral dos juros moratórios reclamados, à taxa de 15,45% ao ano, ou, subsidiariamente, à taxa de 14,45% a partir de 01/09/2013. 16. A sentença recorrida deve ser revogada na parte em que desconsidera a cláusula penal de 4%, reconhecendo-se como devido o montante integral de juros reclamado pela Recorrente. 17. Tal revogação deve operar-se com substituição por decisão que aplique a cláusula penal convencionada, mantendo-se exigível a sobretaxa de mora até efetivo e integral pagamento da dívida. 18. O Tribunal recorrido incorreu em erro de direito ao não aplicar os preceitos legais e contratuais reguladores da mora e da cláusula penal. 19. A interpretação extensiva do conceito de “fim da mora” após o vencimento antecipado carece de base legal e doutrinária, sendo materialmente infundada e juridicamente inaceitável. 20. O afastamento da cláusula penal, nestes termos, representa uma ingerência desproporcionada na autonomia contratual do credor. 21. A jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente distinguido entre cláusulas penais moratórias e indemnizatórias, aceitando a exigibilidade destas últimas após incumprimento definitivo. 22. A interpretação conforme ao direito vigente e à autonomia privada exige que se respeite a vontade expressa das partes, validamente formalizada em contrato celebrado em 2008. Termos em que, deverá a douta decisão recorrida ser revogada na parte em que desconsidera a cláusula penal moratória, sendo substituída por outra que reconheça integralmente o direito da ora recorrente aos juros moratórios à taxa anual de 15,45%, ou, subsidiariamente, à taxa de 14,45% a partir de 01/09/2013, nos termos do artigo 8.º do DL n.º 58/2013, caso se entenda aplicável.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
A sentença recorrida considerou a seguinte factualidade provada (ainda que não a tenha autonomizado):
a) O Banco X instaurou contra os ora executados processo de execução para pagamento de quantia certa (nº 111), na qual foi penhorado (cf. AP.1565 de 2019/12/19) o prédio urbano situado na …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 0076 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia atualmente designada por União das Freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim) sob o artigo 9013,
b) Os executados/reclamados JJ e CC foram, aí, citados em 08.06.2011, não tendo deduzido oposição à execução. c) No requerimento executivo que deu origem à referida execução pode ler-se o seguinte: “1. Em 11/07/1997, por contrato de abertura de crédito em conta corrente, a exequente concedeu à sociedade executada um mútuo até ao montante de € 74.819,69 (15.000.000$00) para suprir eventuais défices de tesouraria (Doc. 1) 2. Os restantes executados constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores do referido empréstimo. 3. O montante de capital posto à disposição da sociedade executada foi totalmente utilizado (Doc. 2) 4. O empréstimo deixou de ser cumprido em 31/05/2008. 5. Nos termos contratuais, os juros em caso de mora, serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor no Banco Exequente para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa de mora até 4% ao ano, a título de cláusula penal. 6. Ao capital em dívida acrescem os juros vencidos e vincendos, à taxa de 15,45% e ainda imposto de selo, de 4%, nos termos da respectiva Tabela.”
c) O credor reclamante Banco X, em 16.05.2011, data da entrada em juízo do requerimento executivo que deu lugar à identificada execução, elaborou a seguinte: “LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO Valor Líquido: 65.765,31 € Valor dependente de simples cálculo aritmético: 20.702,75 € Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 € Total: 86.468,06 € Capital: € 65.765,31 Juros de 31/05/2008 a 16/05/2011, à taxa de 15,45%: € 18.994,43 Comissões: € 928,80 Imposto selo sobre média mensal de utilização do capital: € 779,52 Ao capital em dívida acrescem juros vencidos à taxa de 6%, bem como imposto de selo sobre o total dos juros.”
d) Na liquidação apresentada pelo aqui credor reclamante, vem peticionada a sobretaxa prevista no Artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio:
Importa, ainda, considerar o seguinte:
I. O contrato identificado no ponto 1 do requerimento executivo contém as seguintes cláusulas:
“(…)
5. MONTANTE: Até ao limite de Esc. 15.000.000S00 (Quinze Milhões de Escudos).
6. FINALIDADE: Suprir eventuais défices de tesouraria,
7. PRAZO:
7.1 - 6 meses, com início na data em que o Banco aceitar todos os documentos contratuais da operação.
7.2 - O prazo referido será automaticamente renovado por períodos iguais e sucessivos, a menos que o Banco, ou a 1ª contratante, denuncie o contrato por escrito, e com, pelo menos, 30 dias de antecedência em relação ao termo do prazo que estiver em curso. (…)
9. TAXA DE JURO:
a) 'Prime Rate' de curto prazo, divulgada pelo Banco nos termos legais, acrescida de 0,875%, donde resulta, actualmente, a aplicação da taxa de juro nominal de 10% ao ano.
b) Em caso de alteração, da referida "Prime Rate", a nova taxa será aplicada a partir do início do período de contagem de juros subsequente.
c) Independentemente do disposto na alínea anterior, pode o Banco definir um novo regime de taxa de juro, em caso de eventual renovação da operação e como condição de tal renovação. (…)
11. TAXA NOMINAL E TAE: Para efeitos do disposto no Art°, 5o. do Decreto-Lei n° 220/94, de 23 de Agosto, a taxa nominal e a taxa anual efectiva (TAE), uma e outra calculadas nos termos do referido diploma, são, respectivamente, de 10% e de 10,38%. (…)
15. PAGAMENTOS: .
15.1.-Comissão de disponibilidade e gestão - Será cobrada trimestral e postecipadamente sobre o montante do crédito contratado, a contar da data referida em 7.1.
15.2.-Liquidação de juros - Os juros serão contados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e vencem-se de 3 em 3 meses, a contar da data referida em 7.1.
15.3.-Amortização de capital - No termo do prazo referido em 7.1 ou, em caso de renovação, no termo do último prazo renovado.
15.2.-Liquidação de juros - Os juros serão contados dia a dia, sobre o saldo do capital em dívida, e vencem-se de 3 em 3 meses, a contar da data referida em 7.1 (…)
18. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS: O Banco terá a faculdade de, a todo o tempo capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida e passando aquele a seguir todo o regime deste.
20. MORA: Em caso de mora, o Banco poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor no Banco para operações activas da mesma natureza (actualmente 14,875%) acrescida de uma sobretaxa até 4%. (…)
22. INCUMPRIMENTO: O Banco poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pela mutuária, quer neste quer noutros contratos, acordos, protocolos ou consensos, que com ela tenha celebrado ou venha a celebrar. (…)”
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões nestas colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em apurar se é aplicável a cláusula penal contratualmente estipulada relativa à sobretaxa de juros de mora.
A apelante não impugna a graduação dos créditos, discordando apenas no que respeita à não aplicação da sobretaxa de 4% relativa à mora, sufragando o entendimento de que o juro remuneratório anual de 11,45%, acrescido de uma sobretaxa de até 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, foi convencionado entre as partes e é aplicável também após a verificação do incumprimento em 31/05/2008, e do vencimento da totalidade da dívida, tendo os executados permanecido em incumprimento absoluto desde essa data até à data da apresentação da reclamação de créditos, subsistindo a mora enquanto não houver integral cumprimento da obrigação pecuniária vencida.
A sentença recorrida considerou não ser aplicável a referida sobretaxa por não existir mora uma vez que a credora reclamante, com o incumprimento, datado de 2008, considerou vencida a totalidade da dívida. Mais fundamentou a não aplicação do disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 58/2013 de 8 maio, na medida em que, à data da sua entrada em vigor, inexistia mora, prevalecendo, assim, o disposto no contrato celebrado entre as partes.
No preâmbulo do DL nº 58/2013, de 08/05, pode ler-se:
“(…)
Reconhecendo as especificidades deste tipo de contratos e as consequências associadas ao seu incumprimento, que podem afetar de modo particular o cliente bancário, o regime consignado no presente diploma traduz, nas matérias que regula, um afastamento do regime geral aplicável em caso de mora no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes. (…)
No que se refere à penalização aplicável em caso de mora, considera-se necessário simplificar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 344/78, de 17 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 429/79, de 25 de outubro, 83/86, de 6 de maio, e 204/87, de 16 de maio, ao abrigo do qual era permitida a aplicação de juros moratórios ou, por convenção das partes, de uma cláusula penal, que apenas diferiam entre si na sobretaxa aplicável.
Assim, consagra-se um regime uniforme, mais claro e transparente, sendo apenas aplicáveis, em caso de mora do cliente bancário, juros moratórios. Afasta-se, dessa forma, a fixação de cláusulas penais moratórias, o que não invalida, naturalmente, que as partes possam, nos termos gerais de direito, convencionar entre si a existência de cláusulas penais indemnizatórias, aplicáveis pelo incumprimento definitivo do contrato.
Em contrapartida, são revistos os limites máximos aplicáveis à sobretaxa de juros moratórios, clarificando-se também que a taxa de juro de base à qual acresce a sobretaxa de juros moratórios corresponde à taxa de juros remuneratórios contratualmente fixada. (…)
Atento o impacto desta disciplina jurídica e a reconhecida longevidade de muitos dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, o presente diploma é aplicável não apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também, no caso de contratos em curso, às situações de mora que se verifiquem após a entrada em vigor das normas deste diploma relativas ao incumprimento do devedor, para as quais se admite uma vacatio legis superior à das restantes normas do presente diploma, tendo em vista permitir a adaptação da prática das instituições de crédito às soluções consignadas neste diploma. (…)”
Dispõe-se neste diploma:
“Artigo 3.º Definições
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Instituições», as entidades referidas no artigo anterior;
b) «Prorrogação da operação de crédito», o diferimento do vencimento estipulado para a operação, estabelecido por acordo das partes, e relevante para efeito de contagem do prazo da operação de crédito;
c) «Renovação da operação de crédito», a operação que, para efeito de contagem do prazo da operação de crédito, substitui, mediante nova estipulação das partes, uma operação anteriormente constituída;
d) «Juros remuneratórios», os que constituem remuneração do capital ou como tal sejam convencionados;
e) «Juros moratórios», os que visam indemnizar os prejuízos da instituição em resultado da mora do devedor no cumprimento das obrigações contratuais;
f) «Comissões», as prestações pecuniárias exigidas aos clientes pelas instituições como retribuição por serviços por elas prestados, ou subcontratados a terceiros, no âmbito da sua atividade;
g) «Despesas», os encargos suportados pelas instituições perante terceiros, por conta dos seus clientes, nomeadamente os pagamentos a conservatórias, cartórios notariais, ou que tenham natureza fiscal. (…)
Artigo 8.º Juros moratórios
1 - Em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo.
2 - A taxa de juros moratórios a que se refere o número anterior incide sobre o capital vencido e não pago, podendo incluir-se neste os juros remuneratórios capitalizados, nos termos do artigo anterior. (…)
Artigo 13.º Aplicação no tempo
1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente decreto-lei aplica-se às operações e contratos de crédito que venham a ser celebrados após a sua entrada em vigor.
2 - O disposto nos artigos 7.º a 11.º aplica-se às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso e que se verifiquem após a entrada em vigor das referidas normas, ainda que, nesses contratos, tenha sido estipulada cláusula penal moratória.
Artigo 14.º Entrada em vigor
1 - Sem prejuízo no número seguinte, o presente diploma entra em vigor 90 dias após a data da sua publicação.
2 - As disposições constantes dos artigos 7.º a 9.º entram em vigor 120 dias após a data da sua publicação.
O art. 8 entrou em vigor em 08/09/2013.
O preceito aplica-se a contratos celebrados após a sua entrada em vigor, mas também a contratos de crédito em curso, concretamente a situações de mora que subsistam à data da sua entrada em vigor, mas apenas quanto aos juros de mora que se vençam posteriormente.
Neste sentido Ac. RC de 07/02/2023, proc. nº 125/21.9T8SRE-B.C1, in www.dgsi.pt:
“Na verdade, quando este preceito refere que o disposto no artigo 8.º se aplica às situações de mora que se verifiquem após a entrada em vigor das referidas normas, não se reporta apenas aos casos em que a mora se tenha iniciado após a data de entrada em vigor do diploma, mas sim a todas as situações de mora que subsistam nessa data, aplicando-se, porém, apenas aos juros que se vençam posteriormente.
É essa a interpretação que é consentânea com as regras gerais de aplicação da lei no tempo previstas no artigo 12º - a lei só dispõe para o futuro, presumindo-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular -, não abrangendo, pois, os juros de mora que já se hajam vencido anteriormente à sua entrada em vigor, mas aplica-se aos juros que se vençam após a sua entrada em vigor.”
O artº 8º do DL 58/2013 aplica-se às situações de mora no cumprimento pontual das obrigações resultantes do contrato, ou seja, durante a sua execução, como decorre da expressão “em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver”.
No contrato de abertura de crédito foi estipulado que “em caso de mora, o Banco poderá cobrar, sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor no Banco para operações ativas da mesma natureza (atualmente 14,875%) acrescida de uma sobretaxa até 4%.” (cláusula 20ª)
Na cláusula 22ª estipulou-se “O Banco poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pela mutuária, quer neste quer noutros contratos, acordos, protocolos ou consensos, que com ela tenha celebrado ou venha a celebrar.”
A interpretação conjugada destas duas cláusulas permite concluir que apenas para o caso considerado na cláusula 20ª, de mora no cumprimento pontual das obrigações contratuais, as partes previram a sobretaxa de 4%. Na cláusula 22ª não foi consignada qualquer (sobre)taxa relativa a mora pelo vencimento antecipado, por incumprimento do contrato.
Decorre desta cláusula que o vencimento antecipado da totalidade da dívida é uma faculdade concedida à credora que, querendo acioná-la, deve interpelar os executados, à semelhança do disposto no artº 781º do CC, em que o vencimento imediato das restantes prestações na falta do pagamento de uma delas, constitui um caso de exigibilidade antecipada, benefício que a lei concede ao credor, a ser exercido mediante interpelação do devedor, dado que não é de funcionamento automático.
“O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido.(...)
O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.” – Antunes Varela, Direito das Obrigações, Almedina. 4º edição, vol. II, pág. 52-53.
Não consta da factualidade descrita (nem foi alegada na reclamação de créditos, nem no requerimento executivo da execução nº 111) que a credora tenha interpelado os executados para os referidos efeitos – embora a apelante afirme, na alegação de recurso, que “verificado o incumprimento pelos Executados em 31/05/2008, a Recorrente declarou integralmente vencida a dívida, intentou a competente ação executiva” (cfr. fls.5) - pelo que a interpelação terá ocorrido com a sua citação na ação executiva intentada pela credora, isto é, em 08/06/2011.
Ou seja, a obrigação de vencimento antecipado (exigência do pagamento da totalidade da dívida) apenas se venceu nessa data, a significar que até 08/06/2011 se mantém o quadro contratual, mormente o estipulado na cláusula 20ª.
Este entendimento é sufragado na jurisprudência e doutrina, em relação ao artigo 781º do CC (aqui plenamente aplicável à cláusula contratual), como se expõe no Ac. STJ de 04/07/2021, proc. nº 4871/22.1T8SNT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt:
“Tal como explicita João Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, pág. 52:
“Se o comprador faltar ao pagamento de qualquer delas, imediatamente se vencerão, por força do preceito transcrito todas as que ainda estejam em dívida. O inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para futuro.
O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido.
Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios.
O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindido consequentemente da interpelação do devedor.”
No mesmo sentido, ao que se depreende, veja-se Pedro Romano Martinez, in Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP 2021, pág. 986:
“[…] a expressão “importa o vencimento de todas” pode ser interpretada como mais uma hipótese de exigibilidade antecipada, que acresce às previstas no 780º; sendo qualificada como exigibilidade antecipada […] tendo o devedor faltado ao pagamento de uma prestação, o credor pode interpelá-lo, reclamando o cumprimento das demais prestações. Na falta de interpelação, pese embora o incumprimento de uma prestação, as prestações seguintes vencem-se na data prevista.”
Como os executados/reclamados não cumpriram a obrigação de restituição imediata incorreram em mora a partir da interpelação (08/06/2011), sendo os juros moratórios sobre a obrigação do pagamento integral da dívida por vencimento antecipado devidos a partir de então, de harmonia com o disposto no artº 804º do CC.
A taxa de juro de mora aplicável a tal obrigação não abrange a sobretaxa prevista na clausula 20ª (como defende a apelante) nem a que decorre do artº 8º do DL 58/2013, pois tal taxa aplica-se a situações de mora no cumprimento pontual das obrigações contratuais, isto é, durante a execução do contrato, e não ao vencimento antecipado daquelas por incumprimento (preceito aquele que só entrou em vigor em setembro de 2013 e que não se aplica retroativamente).
Neste sentido v., entre outros, Ac. RC de 28/05/2019, proc. nº 5755/19.3T8CBR-C.C1 (ainda que diretamente trate de situação de resolução do contrato).
Acresce que a cláusula 22ª é totalmente omissa quanto à indemnização pela mora.
Assim, até 08/06/2011 os juros de mora devem ser calculados, de acordo com o estipulado na clausula 20ª (incluindo a sobretaxa de 4%), para as prestações contratuais que se foram vencendo. A partir dessa data, os juros de mora são devidos sobre a totalidade da dívida, por vencimento antecipado, sem qualquer sobretaxa.
O credor reclamante Banco X deve proceder a nova operação de liquidação do valor dos créditos reclamados, tendo em consideração a presente decisão quanto aos juros.
Pelos fundamentos ora expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso e revoga-se o segmento da al. A), ponto 6, do dispositivo da sentença, que se substitui pelo seguinte:
6. O crédito reclamado pelo Banco X (garantido por penhora posterior), em conformidade com o decidido neste acórdão quanto ao cálculo dos juros.
Custas do recurso pela apelante e executados/reclamados, na proporção de 3/4 e ¼ respetivamente.
Lisboa, 25 de setembro de 2025
Teresa Sandiães
Margarida de Menezes Leitão
Maria Teresa Lopes Catrola