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SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
CAMPOS MAGNÉTICOS DE ALTA TENSÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da relatora, ao abrigo do artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil): - A ocupação do espaço aéreo de um prédio rústico por linhas aéreas de alta tensão instaladas pela recorrente configura uma servidão administrativa imposta por lei, de cariz duradouro e de utilidade pública; - O art. 37º do Decreto nº 43335, de 19/11/1960, prevê um direito de indemnização geral decorrente não só dos prejuízos directos advindos do acto de construção de linhas eléctricas, mas também de todos os prejuízos decorrentes da diminuição actual do valor do imóvel pela construção ou pela passagem dessas linhas e independentemente do destino que os seus titulares lhe pretendam dar; - Tal indemnização deve ser calculada, com as necessárias adaptações e salvo o disposto em legislação especial, de acordo com as normas do Código das Expropriações.
Texto Integral
ACORDAM NA OITAVA SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – Relatório
Em 14/17/2017, os presentes autos foram distribuídos ao Juízo de Competência Genérica de Vila, após despacho proferido no âmbito do processo nº 935/17.1T8PDL (apensado aos presentes autos), datado de 29/09/2017, a determinar a avocação do processo de constituição de servidão administrativa e que corria termos junto da Direcção Regional da Energia da Secretaria Regional da Energia, Ambiente e Turismo da Região Autónoma dos Açores.
Foi realizada arbitragem, por três árbitros, tendo como quesito único o seguinte: “Qual o concreto valor correspondente à desvalorização do prédio dos expropriados, resultante, concretamente, da redução de rendimento, da diminuição de área da propriedade ou prejuízos advenientes da construção do Ramal Duplo a 60 kV para a SE de Vila...?”
Por relatório datado de 30/01/2019, dois dos árbitros, um indicado pelo Tribunal e outro indicado pela pessoa colectiva denominada “EDA - Electricidade dos Açores, S.A.”, doravante EDA, responderam negativamente à existência de qualquer desvalorização do terreno agrícola resultante da diminuição da sua área ou da construção do referido ramal.
O árbitro indicado pelos proprietários dos imóveis em causa, E e M, apresentou relatório discordante, datado de 12/02/2019, respondendo que não tem conhecimentos relativamente à hipotética ocorrência de efeitos por acção do campo electromagnético, quer para a quantidade e qualidade de frutos produzidos, quer para a saúde das pessoas que trabalham na referida área. No mesmo relatório o Sr. Árbitro respondeu ainda que nas referidas propriedades existe uma parte passível de ser urbanizável, com uma área aproximada de 6500m2, equivalendo a uma desvalorização da propriedade em apreço no valor de € 325.000,00 (trezentos e vinte e cinco mil euros), considerando o preço de € 50,00 por m², fixado por unanimidade, sendo assim o valor da desvalorização dado pelo valor do terreno em que passou a não ser possível construir.
Os proprietários E e M recorreram da decisão arbitral, ao abrigo do disposto nos arts. 42º do Decreto-Lei n.º 43335, de 19/11/1960, 8º da Lei nº 2063, de 03/06/1953 e art. 38º nº 3 do Código das Expropriações, peticionando a revogação da última arbitragem apresenta pelos árbitros J e D, mantendo-se as anteriores as quais foram aprovadas por unanimidade, e ordenando-se a expropriação total, mediante o pagamento da quantia de € 2.172.000,00 a título de indemnização correspondente à área do terreno de 43.440 m², sendo todo o solo apto para construção (ou equivalente a este analogicamente pela remissão feita pelo art. 26º nº 12 do CE), e o valor de mercado fixado de € 50,00; caso assim se não se entendesse, a fixação de diversas indemnizações nos termos peticionados e melhor indicados pelos recorrentes, no valor total de € 1.086.080,00.
Invocaram, para o efeito, em síntese, que no caso de ocupação por fios de alta tensão, o valor da indemnização é o valor de mercado do prédio, isto é, o montante da desvalorização do prédio é de 100%, sendo todo ele apto para construção nos termos do disposto no art. 25º nº 1 alínea a) do Código das Expropriações.
O recurso da decisão arbitral foi admitido por despacho de 5/07/2019.
A EDA respondeu ao recurso, alegando que o mesmo carece de qualquer fundamento de facto ou de direito.
Por despacho proferido a 24/09/2019, foi determinada a realização de avaliação e, em 17/10/2019, foi fixado como objecto da perícia/avaliação o seguinte:
“1. Qual o valor concreto correspondente à desvalorização do terreno de E e M, resultante da redução de rendimento, diminuição da área da propriedade ou quaisquer prejuízos provenientes da construção do Ramal Duplo a 60 KV para a SE de Vila…, pela EDA. 2. Qual o valor do terreno na sua totalidade, e por parcelas, incluindo os artigos 35 e 45, fazendo referência ao valor do metro quadrado em cada uma das produções lá existentes, assim como da área sem condicionantes municipais para construção”.
Por relatório datado de 27/07/2020, quatro dos Peritos (três indicados pelo Tribunal e outro indicado pelos proprietários) responderam o seguinte:
“Questão Número 1. O valor da desvalorização é de 191.091,63 € Questão Número 2. O valor total da propriedade é de 257.815,86 €, tendo o artigo 35.º o valor de 37.426,32 € e o artigo 45.º o valor de 220.389,55 €”.
O Perito indicado pela EDA apresentou relatório a 10/08/2020, respondendo, quanto ao primeiro quesito, negativamente no que respeita à existência de qualquer redução do rendimento das produções agrícolas e bem assim quanto à redução da área agrícola considerando a localização das bases dos postes, que também não interferem na realização de qualquer das actividades da produção agrícola nem impedem a circulação de veículos, pelo que o montante de indemnização a fixar só pode corresponder à ocupação da base dos postes que é, no caso dos autos, de € 140,03. No que respeita ao segundo quesito, o Sr. Perito elaborou vários quadros, com diversos cálculos por si efectuados relativos à classificação do solo e ocupação vegetal, valor do terreno dos prédios (na totalidade e por parcelas), quantidade de plantas por prédio, receitas líquidas e despesas anuais.
Foram apresentadas alegações ao abrigo do art. 64º do CE.
Em 10/04/2021, foi proferida sentença, julgando totalmente improcedente o pedido de expropriação total. Mais julgou parcialmente procedente o recurso dos Recorrentes e, em consequência, fixada a indemnização devida na quantia de € 191.091,63, actualizada desde 12 de Julho de 2012 (data da emissão licença de estabelecimento da linha) até à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, no Continente, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
A EDA interpôs recurso referida sentença, sobre o qual recaiu acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18/11/2021, que concedeu provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra decisão que determinasse a realização de nova perícia que atendesse ao PDM em vigor à data da DUP.
Por despacho judicial de 4/03/2022, foi determinada a realização de nova perícia, tendo por base o circunstancialismo plasmado no referido Acórdão e assim avaliar os prédios em causa por referência aos instrumentos municipais em vigor à data da declaração de utilidade pública. Ou seja, foi mantido o objecto da perícia, devendo os Srs. Peritos atender que: “À data da declaração de utilidade pública da constituição da servidão (12.07.2012), não havia ainda ocorrido a aprovação do PDM (31.12.2013), do qual decorre conhecimento desse potencial construtivo, e assim avaliar sem ter em atenção tal PDM, já que o mesmo não existia à data da declaração de utilidade pública. – cfr. art.º 23º n.º 1 in fine, do CE”. Foram mantidos os peritos.
Por relatório datado de 15/09/2022 (junto aos autos a 21/9/22), quatro dos peritos (três indicados pelo Tribunal e outro indicado pelos proprietários) responderam, indicando que mantêm os valores apresentados no relatório anterior assinado pelos peritos J, R, V e A, dando assim por respondida a questão apresentada pelo tribunal.
Por relatório datado de 17/11/2022, o perito indicado pela “EDA - Electricidade dos Açores, S.A.” respondeu o seguinte: “Assim, ao primeiro quesito; (…) Reiteramos mais uma vez, que os prédios 35 e 45 não possuem potencial construtivo”.
Relativamente à segunda questão, o referido perito indicado pelo EDA, não dá uma resposta concreta, tendo procedido à junção de vários quadros, com diversos cálculos.
Por sentença proferida a 4/06/2023, foi indeferida a pretensão dos Recorrentes Expropriados, por se entender que o pedido de expropriação total é legalmente inadmissível e que o Tribunal não podia convolar os pedidos expressamente formulados pelos Recorrentes de expropriação total num pedido de reapreciação da decisão arbitral quando não foi isso o expressamente peticionado e quando nem sequer foram alegadas as concretas razões da discordância da não atribuição de qualquer indemnização na decisão arbitral proferida.
Desta decisão recorreram os proprietários, defendendo que o pedido não extravasa o âmbito do recurso de arbitragem, sendo a invocada expropriação total somente enquanto critério de equivalência para a fixação da indemnização de cujo valor recorrem. A EDA respondeu, pugnando pela manutenção da sentença proferida nos autos, alegando, em síntese, que não se está perante qualquer acto expropriativo.
Por este tribunal da Relação foi proferido acórdão a 7/03/2024, revogando a sentença proferida e determinando a sua substituição por sentença a fixar o montante indemnizatório devido.
Foi, então proferida a sentença recorrida que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo o recurso interposto pelos Expropriados parcialmente procedente por provado e, em consequência: 1) fixo o valor da indemnização a pagar pela entidade Expropriante aos Expropriados à data da emissão da licença de estabelecimento da linha, (12/07/2012), em 191.091,63 € (cento e noventa e um mil noventa e um euros e sessenta e três cêntimos). 2) A esse montante acresce o valor correspondente à actualização dessa quantia por aplicação do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens desde essa data, até à decisão final dos autos. 3) Condeno no pagamento das custas: a. os Expropriados, na proporção de 91%; b. a Expropriante, na proporção de 9%”.
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Inconformado, a expropriante EDA apresentou recurso, terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem): “a) O presente recurso é interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente o recurso dos expropriados e, em consequência, fixou a indemnização devida na quantia de 191 091,63€ (cento e noventa e um mil e noventa e um euros e sessenta e três cêntimos), atualizada desde 12 de Julho de 2012 (data da emissão da licença de estabelecimento da linha) até à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística; b) Salvo o devido respeito, os factos dados como provados nos pontos 12, 13, 14 e 15 foram incorretamente julgados, não obstante o teor da documentação junto aos autos e do ordenamento jurídico em vigor na data da DUP, impondo-se uma decisão diversa; c) De acordo com a Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996) – que fundamentam a aprovação do PDM de 1997 (em vigor na data da DUP) -, constata-se que a área estabelecida como Reserva Ecológica abrange a quase totalidade dos prédios 35 e 45 (objeto da servidão administrativa). Apenas uma parte do prédio 35 e outra do prédio 45, encontra-se fora dos limites da Reserva Ecológica, estando, assim, integradas no espaço agrícola; d) Porém, nestas circunstâncias, o legislador foi muito explícito: “Entende-se conveniente mencionar que nas áreas da Reserva Ecológica Regional comuns com áreas dos espaços agrícolas, florestais, culturais ou canais, prevalecerá o regime daquela, como, aliás, dispõe o n.º 3 do artigo 2º do Regulamento do Plano” – cfr. preâmbulo do PDM de Vila… aprovado em 1997. Ou seja, prevalecerá o regime aplicável às condicionantes da Reserva Ecológica Regional, vedando-se a potencialidade construtiva; e) Pelo que o ponto 12 dos factos dados como provados deve ser alterado por outro onde passe apenas a constar que “O PDM, em vigor à data da constituição da servidão administrativa, previa potencial construtivo nas zonas fora da Reserva Ecológica Regional, para efeitos de habitação e turísticos, não existindo distinção entre estas duas situações, com as limitações descritas na Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996), e no disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997”; f) O ponto 13 dos fatos dados como provados deve ser alterado por outro onde passe a constar “Sem prejuízo do disposto na Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996), e no disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, ambos os prédios encontram-se parcialmente abrangidos por Reserva Ecológica Regional, sendo que a área não abrangida é classificada no referido PDM como espaço agrícola”. g) Acresce que, de acordo com os mapas juntos no relatório pericial, a área do prédio 35 não abrangida pela Reserva Ecológica não é superior a 200 m2, sendo que a área do prédio 45 não abrangida pela mesma Reserva Ecológica é de 648 m2. Ou seja, mesmo que ao abrigo do n.º 3 do artigo 2º, do Regulamento do Plano, não constasse a prevalência do regime aplicável às condicionantes da Reserva Ecológica Regional (nas áreas da Reserva Ecológica Regional comuns com áreas dos espaços agrícolas, florestais, culturais ou canais), também não seria possível qualquer potencialidade construtiva ao abrigo do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, onde só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa; h) Em suma, os prédios 35 e 45 não têm qualquer potencial construtivo de acordo com o PDM de 1997, em vigor na data de declaração de utilidade pública, tal como, aliás, já resultava assente nestes autos (conforme o Acórdão proferido em 18.11.2021 pelo Tribunal da Relação de Lisboa); i) No entanto, como acima fiou dito e devidamente demonstrado com a documentação junto aos autos com a avaliação do perito designado pela expropriante, a área do prédio 45 não abrangida pela Reserva Ecológica Regional é de 648 m2, não existindo um único documento apresentado pelos peritos maioritários que contradiga este facto que, aliás, já se encontrava assente nestes autos (conforme o Acórdão proferido em 18.11.2021 pelo Tribunal da Relação de Lisboa); j) É que não se trata de uma mera questão de opinião. É objetivamente jurídico quando, ao abrigo do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, se considera que só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa (o que não sucede em qualquer um dos cálculos realizados pelos peritos designados); k) Pelo que o ponto 14 dos fatos dados como provados deve ser alterado por outro onde passe a constar que “Na vigência do PDM anterior a 2013, o total de área urbanizável estava condicionada às limitações constantes da Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, e do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, onde se considera que só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa”; l) Relativamente ao ponto 15, e considerando o supra exposto, deve ser considerado como não provado. De facto, este ponto está em clara contradição com todas as condicionantes e limitações impostas pela Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, e pelo disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997 (aplicável in casu); m) Não se trata de discordar da metodologia do cálculo efetuado pelos peritos maioritários, mas antes da ausência da premissa legal subjacente à (alegada) existência da potencialidade edificativa que origina tais cálculos; n) A servidão administrativa em causa não criou limitações ou condicionamentos à utilização e disposição do bem dos expropriados, designadamente do solo, da sua normal e regular utilização agrícola, da sua função social, da vinculação social (Sozialbindung) ou da vinculação situacional (Situationsgebunenheit) da propriedade que incide a infraestrutura da expropriante. Os seus efeitos ainda se contêm dentro dos limites ao direito de propriedade definidos genericamente pelo legislador; o) Tal como reconhecido pela douta sentença recorrida quando, na sua fundamentação, considerada que “(…) os prédios em causa mantiveram desde a data de declaração de utilidade pública a sua função de exploração agrícola, com rentabilidade crescente, função essa que a servidão administrativa não alterou (…)”; p) A servidão não anulou o valor económico dos prédios, seja atualmente (como se pretende, com alguma habilidade, tentar demonstrar), seja na data da publicação da declaração de utilidade pública, sendo esta que baliza as circunstâncias e condições de facto existentes em julho de 2012, onde não se previa qualquer hipótese de construção e/ou edificação no prédio objeto da servidão administrativa; q) Não há, assim, qualquer valor indemnizatório que possa ser atribuído aos expropriados em resultado da resposta ao quesito formulado na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18.11.2021; r) Os relatórios periciais terão de reger-se por princípios de objetividade e rigor (conforme Ac. do STJ, de 02.12.1993, C.J., 1993, Tomo III, p. 159). Tal não sucede com o relatório apresentado pelos peritos J, R, V e A, nem, concomitantemente, com a sentença recorrida, que nunca têm em linha de conta a data da declaração de utilidade pública, o regime jurídico existente e as condicionantes estabelecidas; s) Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não fez a melhor interpretação do artigo 23º, do CE, da Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, do n.º 3 do artigo 2º, do Regulamento do Plano, e do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, devendo, em consequência, ser substituído por outra que absolva a expropriante do pagamento do valor indemnizatório a que foi condenada, como se afigura de elementar JUSTIÇA”.
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Os expropriados responderam ao recurso interposto e a terminar as suas contra-alegações, apresentaram as seguintes conclusões:
“A) A Expropriante vem, em novo Recurso dilatório, pôr agora a questão, falsamente, ao contrário: o douto Acórdão de 22.11.2021 não disse que nos documentos pré-2012 não era dado direito à indemnização aos Expropriados, nem que não era possível aí construir, disse outrossim que era preciso confirmar essa realidade com esses documentos anteriores, em vigor em 2012. De qualquer modo, e ainda que assim não fosse, B) Existe também e sobretudo, por ser o último, o douto Acórdão de 08.03.2024, transitado em julgado, o qual ordenou expressamente que seja proferida “sentença que determine o montante indemnizatório devido aos expropriados”. C) O douto Acórdão da Relação é muito claro: não diz para a Sentença decidir se deve ou não atribuir a indemnização, diz para a Sentença fixar o montante. D) A Expropriante apresenta apenas considerandos vagos (“quase totalidade”, “uma parte”…), unilateralmente definidos e defendidos pelo seu próprio Perito, cujo unilateral Relatório se baseia em mapas rasurados e tecnicamente ultrapassados, com novas fronteiras definidas ao sabor da ponta de feltre, sem medições tecnicamente efectuadas e com apenas áreas que “estimamos”…! E) A Expropriante poderia ter levantado questões aos Peritos do Tribunal que fizeram o Relatório maioritário, quando devidamente apresentado a mando do Tribunal da Relação. F) Finalmente, e quanto à alegada questão da prevalência das normas da reserva que, conforme está bem claro no art. 2º n.º 3 e no parágrafo citado do preâmbulo do velho PDM de Vila…, tal só se verifica quando estamos no âmbito de zonas “comuns”, ou seja, em que no mesmo espaço, na mesma área, se aplicam ambos os regimes, coisa diferente, claro, de zonas contíguas, como será o caso, ou sequer dentro do mesmo prédio. G) Seja como for, também esta uma questão já transitada em julgado, pois que poderia a Expropriante ter recorrido do douto Acórdão de 08.03.2024, o qual mandou expressamente fixar o valor da indemnização, após a dita avaliação, considerada pelo próprio Tribunal da Relação, no parágrafo anterior à Decisão como “a última das quais ordenada por este Tribunal da Relação com vista à determinação do montante indemnizatório”… Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, não deve prosseguir nenhuma das alegações feitas pela Recorrente, mantendo-se a douta Sentença (já proferida, pela segunda vez, com igual conteúdo, nestes seis anos processuais…)”.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes – arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões que se colocam a este tribunal:
- se deve ser alterada a matéria de facto considerada provada, designadamente os pontos 12 a 15;
- se deve ser fixado um valor de indemnização a atribuir aos proprietários dos imóveis em causa na sequência da constituição de servidão administrativa e, na afirmativa, que valor.
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III. Fundamentação de facto
No tribunal recorrido foi considerada a seguinte factualidade:
“a) Factos provados Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1) O prédio rústico sito em…, composto pelo artigo matricial com o número 35, secção B, da mencionada freguesia, com área total de 4180m2, descrito com o número 895 da freguesia de …, encontra-se registado a favor de E, casado com M, mediante a AP... 2) O referido prédio tem as seguintes confrontações: terra de vinha com milho a norte, nascente e poente, E e sul servidão. 3) O prédio rústico sito em…, composto pelo artigo matricial com o número 45, secção B, da mencionada freguesia, com área total de 3.926 hectares, descrito com o número …na Conservatória de Vila…, estando registada a favor de E e M, mediante a AP. …. 4) O referido prédio tem as seguintes confrontações: terra de cultura arvense, pomar e mata –, …. 5) Trata-se de duas propriedades contíguas, sendo o acesso à via pública caminho municipal com rede de águas e electricidade, feito através do artigo 45.º. 6) A “EDA – Electricidade dos Açores S.A.” é concessionária do transporte de energia eléctrica para a Região Autónoma dos Açores. 7) Em Julho de 2011 a “EDA – Electricidade dos Açores S.A.” apresentou junto da Direcção Regional de Energia da Região Autónoma dos Açores, um pedido de licenciamento para a construção de um ramal duplo de linha de alta tensão, a 60kV, para a Sub-estação de Vila…. 8) No âmbito do referido pedido de licenciamento, que correu termos no referido órgão do Governo Regional sob o número 30-2035/11 (3093/F), o projecto do referido ramal foi tornado público por meio de éditos publicados no Jornal Açoriano Oriental de 15/11/2011. 9) Por decisão do Director Regional da Energia, a 12/07/2012, é concedida licença de estabelecimento à “EDA – Electricidade dos Açores S.A.”, para a instalação designada por Aditamento – Ramal Duplo a 60kV para SE de Vila…, cuja execução decorreu em 2015. 10) Na sequência da construção do Ramal Duplo para a SE de Vila…, nos prédios referidas em 1) e 3) foram colocados dois postes de alta tensão tipo F30 CD 18, sendo que a sua base foi como que embutida na base dos taludes de separação dos socalcos, uma que se localiza na separação de duas parcelas e o outro no talude de separação entre os prédios com os artigos matriciais 45 e 43 (este localizado a sul), sem redução da área agrícola. 11) Nesses postes, cujas bases têm 4,62 m2 e 3,12 m2, está colocada linha de alta tensão, com extensão de 236 metros, que passa pelo prédio referido em 3), sendo que a zona de influência abrange ainda o prédio referido em 1): a. Influência do nível de ruído até 35 m do eixo da linha; b. Influência do fluxo magnético até 35 m do eixo da linha: c. Influência do campo eléctrico até 35 m do eixo da linha. 12) O PDM, em vigor à data da constituição da servidão administrativa, previa potencial construtivo nas zonas fora da Reserva Ecológica Regional, para efeitos de habitação e turísticos, não existindo distinção entre estas duas situações. 13) Ambos os prédios encontram-se parcialmente abrangidos por Reserva Ecológica Regional, sendo que a área não abrangida é classificada no referido PDM como espaço agrícola. 14) Na vigência do PDM anterior a 2013, o total de área urbanizável era: a. no prédio com o artigo 35 de 3998,2 m2. b. no prédio com o artigo 45 de 26574,5 m2. 15) A diferença entre o valor antes da instalação do ramal referido em 9) e o valor com instalação é de 191.091.63 € (cento e noventa e um mil e noventa e um euros e sessenta e sessenta e três euros)”.
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IV. Fundamentação de Direito
1- Se deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em sede de recurso, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, designadamente quanto aos pontos 12 a 15 dos factos provados.
O artigo 640º do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Entendemos que o recurso interposto pela Recorrente relativo à impugnação da matéria de facto cumpre o ónus imposto pelo art. 640º do CPC, pelo que passaremos à análise da referida impugnação.
Apreciando.
Defende a Recorrente que os pontos 12, 13 e 14 dos factos provados deverão passar a ter a seguinte redacção:
“12- O PDM, em vigor à data da constituição da servidão administrativa, previa potencial construtivo nas zonas fora da Reserva Ecológica Regional, para efeitos de habitação e turísticos, não existindo distinção entre estas duas situações, com as limitações descritas na Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996), e no disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997”;
13- Sem prejuízo do disposto na Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996), e no disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, ambos os prédios encontram-se parcialmente abrangidos por Reserva Ecológica Regional, sendo que a área não abrangida é classificada no referido PDM como espaço agrícola;
14 - Na vigência do PDM anterior a 2013, o total de área urbanizável estava condicionada às limitações constantes da Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, e do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, onde se considera que só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa”.
Por seu turno, o ponto 15 deve passar a constar dos factos não provados.
A recorrente começa desde logo por defender nas suas alegações de recurso que já se encontra assente nos autos que à data da declaração de utilidade pública, em 12/7/2012, o PDM em vigor não estabelecida qualquer potencial construtivo, tal como decidido no Acórdão proferido nestes autos a 18/11/2021. Salvo devido respeito, não foi esse o sentido da mencionada decisão. Aquele acórdão nada decidiu quanto à “potencialidade construtiva” dos prédios em causa à data da DUP. O que ali foi deixado bem claro é que a avaliação devia ser realizada de acordo com o PDM vigente à data da DUP e não de acordo com o PDM aprovado posteriormente, em 31/12/2013. Foi com base nesta decisão que se realizou a nova avaliação, desta feita recorrendo os Senhores Peritos ao PDM vigente à data da constituição da servidão administrativa.
Posto isto, passemos a analisar a matéria de facto impugnada pela recorrente.
Segundo a sentença recorrida, os factos provados resultaram da “apreciação conjugada de todos os meios de prova produzidos, de modo crítico e conforme as regras da experiência comum”, referindo que foi tido em conta o “teor dos relatórios periciais juntos aos autos instruídos com os respectivos documentos e respostas aos quesitos, as certidões, cadernetas prediais e demais documentos juntos aos autos”.
A recorrente contrapõe que do relatório pericial maioritário é tendencioso, mantendo o valor indemnizatório já antes fixado pelos mesmos peritos, apesar de considerarem que à data da DUP o PDM permitia uma “capacidade construtiva” maior à considerada de acordo com o PDM considerado na anterior avaliação. Defende, ainda, que a avaliação efectuada parte de um “manifesto erro de análise do regime jurídico do PDM então em vigor”.
Ora, quanto aos pontos 12 e 13 dos factos provados, a recorrente pretende que seja acrescentado, a cada um dos pontos, “….com as limitações descritas” e “Sem prejuízo do que decorre” na “Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento (de 21 de agosto de 1996), e no disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997” (sublinhado nosso).
Devemos referir que a questão principal, submetida à perícia, consistia em apurar se existia ou não alguma desvalorização dos prédios dos recorridos em virtude da servidão administrativa, levando em conta o PDM em vigor à data da decisão do Director Regional da Energia, que concedeu a licença para instalação do Ramal Duplo a 60kV para SE de Vila….
O que a recorrente pretende acrescentar não constitui um facto em si, consistindo apenas numa chamada de atenção para o que dispõe o art. 30º, nº 2 do Regulamento do Plano Director Municipal de Vila… (Resolução nº 184/97 de 2/10, rectificada pela Declaração 32/97 de 6/11, da Presidência do Governo), da Carta de Reserva Ecológica, da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de Agosto de 1996, a que manda atender o art. 4º do mesmo Regulamento. Assim, e porque a impugnação deve respeitar apenas a factos e não a conclusões, ou matéria de direito, nada há a acrescentar aos pontos 12 e 13, improcedendo, nessa parte, a impugnação da recorrente.
Quanto ao ponto 14 dos factos provados, a recorrente defende que este deve passar a ter a seguinte redacção:
“Na vigência do PDM anterior a 2013, o total de área urbanizável estava condicionada às limitações constantes da Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, e do disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997, onde se considera que só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa” (sublinhado nosso).
Mais uma vez, pretende a recorrente ver incluída nos factos provados a mesma matéria de direito, relativa ao PDM vigente à data da DUP, nomeadamente art. 30º, nº 2 e a carta de RER, Planta de condicionantes e de ordenamento também em vigor à data.
No fundo, a recorrente não está de acordo com o total da área urbanizável que consta do ponto 14 dos factos provados para cada um dos prédios (artigos matriciais 35 e 45) dos recorridos e que resulta, claramente, do laudo maioritário.
O enquadramento dos prédios dos recorridos de acordo com o referido PDM à data da DUP era ponto essencial na avaliação a efectuar pelos Senhores Peritos. A este respeito, após mencionar o “ordenamento jurídico em vigor”, a recorrente refere que “Apenas uma parte do prédio 35 e outra do prédio 45, encontra-se fora dos limites da Reserva Ecológica, estando, assim, integradas no espaço agrícola” (ponto 33 do corpo das alegações - sublinhado nosso) e que de acordo com o preâmbulo do regulamento da DUP “Entende-se conveniente mencionar que nas áreas da Reserva Ecológica Regional comuns com áreas dos espaços agrícolas, florestais, culturais ou canais, prevalecerá o regime daquela, como, aliás, dispõe o n.º 3 do artigo 2º do Regulamento do Plano” para concluir que, por esse motivo, prevalece o regime aplicável às condicionantes da RER e, assim, fica vedada a edificabilidade nos prédios em causa. Além disso, defende que “de acordo com osmapas juntos no relatório pericial, a área do prédio 35 não abrangida pela Reserva Ecológica não é superior a 200 m2, sendo que a área do prédio 45 não abrangida pela mesma Reserva Ecológica é de 648 m2” (ponto 40 do corpo das alegações – sublinhado nosso) e, atento esse facto, também não seria possível qualquer potencialidade construtiva ao abrigo do disposto no nº 2 artigo 30º do PDM onde só as parcelas não integradas na Reserva Agrícola com uma área mínima de 5.000 m2, têm capacidade/potencialidade edificativa (pontos 41 e 42 do corpo das alegações).
Ou seja, é com base nos documentos juntos aos autos com a avaliação do perito da expropriante (ponto 44 do corpo das alegações) e com a avaliação deste que a recorrente defende a alteração do ponto 14 dos factos provados.
Efectivamente, neste ponto os Senhores Peritos divergiram.
O Perito da expropriante entende que a área do prédio 45 não abrangida pela Reserva Ecológica Regional é de 648 m2 e, como tal, ao abrigo do art. 30º, nº 2 do Regulamento do PDM, não tem potencialidade edificativa (nos termos do art. 30º do mencionado PDM, “1 - Nas áreas de uso predominantemente agrícola, não incluídas na RAR, será permitida a implantação de unidades de transformação de produtos agrícolas, pecuários ou florestais, de equipamentos de interesse social e cultural, nas seguintes condições: -índice de utilização - 0,05; -Ficarem garantidas as condições de acesso, integração paisagística e infra-estruturas; -Obrigatoriedade de apresentação e execução de projectos de arranjos de espaços exteriores. 2 - As condições de edificabilidade para habitação, nestas áreas são as seguintes: a) Apenas serão licenciadas novas construções em parcelas de área igual ou superior a 5000 m2; b) O índice de utilização não poderá exceder 0,05, sendo apenas permitida a construção de um fogo por parcela, e a cércea máxima de dois pisos; (…)”).
Os Senhores Peritos que subscreveram o relatório maioritário entendem que de acordo com o PDM em vigor à data da DUP, parte dos prédios dos recorridos estavam fora da RER, sendo classificados, no seu conjunto, como espaços agrícolas (na planta de ordenamento) e, em parte, em Risco de erosão (de acordo com a planta de condicionantes). Concluem estes Senhores Peritos que nas zonas abrangidas pela RER continua a não haver potencial edificativo, como já haviam concluído na anterior avaliação. No entanto, nas áreas classificadas como espaços agrícolas (e fora da RER), atento o disposto no referido PDM (art. 30º, nº 2), havia potencial construtivo para efeitos de habitação e turísticos, não havendo distinção entre as duas situações, como acontecia no PDM de 2013. Seguidamente, concluem que sendo total de área urbanizável de 3998,2 m2 no prédio artigo 35 e 26574,5 m2 no prédio artigo 45, o primeiro não tem potencial construtivo e o segundo tem potencial para 5 parcelas de 5.000 m2, pelo que o total de área de construção permitida é de 1250 m2 (atento o índice de utilização de 0,05 previsto no referido art. 30º).
Confrontados todos os documentos existentes nos autos, nomeadamente as plantas juntas com cada um dos relatórios periciais, não se percebe a razão de ser de tão grande discrepância na área encontrada pelo Sr. Perito da EDA, designadamente quanto ao prédio art. 45, na parte não abrangida pela Reserva Ecológica Regional, nem a recorrente logrou fundamentar cabalmente essa diferença nas suas alegações de recurso, que sempre teria de estar alicerçada em fundamentos explícitos e sólidos. Por outro lado, não se afigura que o Senhor Perito indicado pela recorrente tenha usado de maior rigor na análise das plantas quando em comparação com a técnica e rigor dos Senhores Peritos que subscreveram o relatório maioritário.
Pelo exposto e ainda pelos motivos indicados supra, decide-se não alterar o ponto 14 dos factos provados.
No que respeita ao ponto 15 dos factos provados, sustenta a recorrente, apelando a tudo o que já havia exposto, que estando em contradição com todas as condicionantes e limitações impostas pela Carta de Reserva Ecológica, da Planta de Condicionantes, de Ordenamento e pelo disposto no art. 30º, nº 2 da DUP, deve o mesmo transitar para os factos não provados.
Quanto a este ponto, que reflecte a avaliação do laudo maioritário, respondendo ao quesito principal formulado para o efeito (cfr. despacho proferido a 17/10/2019), a pretensão da recorrente é inevitavelmente improcedente, na medida em que a sua impugnação é sustentada nos mesmos considerandos: segundo a expropriante, está em “contradição com todas as condicionantes e limitações impostas pela Carta de Reserva Ecológica e da Planta de Condicionantes e Planta de Ordenamento, de 21 de agosto de 1996, e pelo disposto no n.º 2 artigo 30º, do PDM de 1997” (ponto 48 das alegações).
Mantendo o argumento da falta de aptidão construtiva dos prédios dos expropriados, matéria factual que, como se viu, não sofreu alterações (que releva, essencialmente no que respeita ao prédio artigo 45), a recorrente alega que a servidão administrativa não alterou a natureza das parcelas, com a sua função de exploração agrícola, nem provocou a diminuição da rentabilidade do prédio, nem anulou o valor económico dos prédios.
Foi a avaliação da mencionada parcela “urbanizável” do prédio art. 45, excluída da RER, que permitiu aos Senhores Peritos que subscreveram o relatório de avaliação maioritário concluir pelo valor da sua desvalorização em função da perda da sua aptidão construtiva. Estes peritos foram unânimes em avaliar a referida parcela como solo apto para construção e também como apto para exploração agrícola (o que está devidamente fundamentado no anterior relatório pericial subscrito pelos mesmos peritos – cfr. igualmente, o que consta da resposta aos quesitos junta aos autos a 5/2/2018, quanto à caracterização dos prédios, sua localização e infra-estruturas que os servem). Como defendem estes Senhores Peritos no relatório de Julho de 2020, fazendo apelo a alguns estudos que evidenciam a influência nefasta, para a saúde dos humanos, da exposição de campos magnéticos de alta e muito alta tensão, a passagem de linhas de alta tensão por um prédio acaba por desvalorizá-lo, até “porque será menor, bastante menor, a procura de potenciais interessados em terrenos de construção urbana (…)” (considerações estas que se mantêm, na medida em que o novo relatório pericial apenas veio dar resposta ao determinado pelo tribunal a quo quanto à consideração do PDM à data da DUP).
Sobre o risco para a saúde que pode resultar da instalação de linhas de alta tensão já se debruçou o Ac. da RP de 5/6/2001, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, ano XXVI p. 210, referindo que as linhas de alta tensão emitem radiações electromagnéticas que podem representar perigo para a saúde de quem permanentemente lhes fiques exposto, concluindo que constitui causa de desvalorização em cem por cento das parcelas dotadas de aptidão edificativa.
Quanto a nós, podemos dizer que mesmo que não estejam cientificamente comprovadas as referidas consequências nefastas para a saúde, é um facto público e notório que um prédio atravessado por uma linha de alta tensão acaba por ver o seu valor diminuído, não só por limitar o uso que os próprios proprietários possam fazer do mesmo, mas também por afastar potenciais compradores (sempre considerando a sua aptidão edificativa), pelo receio associado às radiações electromagnéticas (neste sentido, cfr. as considerações tecidas a este respeito no Ac. da RP de 2/12/2019, proc. 2660/16, disponível em www.dgsi.pt, onde se refere que mesmo que tenha sido provado que os campos magnéticos registados no local são inferiores aos limites legalmente definidos, sendo inofensivos para a saúde, “não pode ser escamoteado o risco que as pessoas normalmente associam (fundadamente ou não) ao tema dos campos electromagnéticos, e em concreto a ansiedade criada nas comunidades em que se prevê a instalação de uma nova linha ou instalação de alta tensão ou muito alta tensão, o que, naturalmente, as afasta da procura de um terreno que seja atravessado por esse tipo de linhas, não sendo, por isso, esta questão inócua no apuramento do valor de um prédio em contexto de mercado. Por conseguinte, não se revela desajustado considerar que a existência de campos eléctricos e magnéticos afaste potenciais compradores, independentemente da sua magnitude (com evidente repercussão na formação do preço de acordo com o modelo corrente na sua determinação, isto é, segundo a “lei da oferta e da procura”), (…), para além do manifesto impacto negativo em termos paisagísticos que a constituição duma servidão administrativa para transporte de energia eléctrica acarreta para o imóvel onerado”).
Apesar de o novo relatório pericial evidenciar que, de acordo com o PDM em vigor à data da licença, a aptidão construtiva da referida parcela aumentou, quando em comparação com o PDM de 2013, decidiram estes Peritos manter o valor anteriormente encontrado para a desvalorização do terreno (relatório de Julho de 2020), atendendo, além do mais, às depreciações e actualizações dos valores de mercados. Não havendo motivo atendível para discordar da metodologia e dos critérios utilizados por estes Senhores Peritos não só quanto à classificação do solo, como também quanto aos cálculos que permitiram chegar a um valor que reputaram como justo, equivalente à desvalorização dos prédios dos recorridos, decide-se manter o referido ponto dos factos provados, improcedendo, também aqui, a impugnação da matéria de facto.
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2 - Debrucemo-nos, agora, sobre a segunda questão, tendo como certo que a matéria factual não foi alterada e que a procedência da pretensão da recorrente pressupunha desde logo a alteração da decisão de facto nos moldes por si pretendidos, pretensão que, como se viu, improcedeu.
A recorrente EDA é concessionária para a actividade de transporte de electricidade para a Região Autónoma dos Açores, em regime de serviço público (a concessão da rede de distribuição de energia eléctrica na Região Autónoma dos Açores foi conferida por outorga do contrato de concessão, conforme a Resolução nº 181/00, de 12 de Outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, n.º 41/2000, à “EDA-Electricidade dos Açores, S.A.”).
Em Julho de 2011 a EDA apresentou junto da Direcção Regional de Energia da Região Autónoma dos Açores, um pedido de licenciamento para a construção de um ramal duplo de linha de alta tensão, a 60kV, para a Sub-estação de Vila… . Por decisão do Director Regional da Energia, a 12/07/2012, foi concedida licença de estabelecimento à EDA para a instalação designada por Aditamento – Ramal Duplo a 60kV para SE de Vila…, cuja execução decorreu em 2015. Na sequência da construção do Ramal Duplo para a SE de Vila…, nos prédios dos recorridos, foram colocados dois postes de alta tensão tipo F30 CD 18, sendo que a sua base foi como que embutida na base dos taludes de separação dos socalcos, uma que se localiza na separação de duas parcelas e o outro no talude de separação entre os prédios com os artigos matriciais 45 e 43 (este localizado a sul), sem redução da área agrícola.
O art. 75º, nº 1 do DL nº 172/2006, de 23 de Agosto, dispõe que o regime das servidões administrativas de linhas eléctricas consta de legislação complementar, sendo que até à entrada em vigor da legislação referida no número um, mantinham-se em vigor as disposições do Decreto-Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, na matéria relativa à implantação de instalações e à constituição de servidões (nº 2 do mesmo artigo).
Perante o quadro factual apresentado (ocupação do espaço aéreo do prédio dos recorridos com a passagem de um alinha eléctrica de alta tensão – pontos 10 e 11 dos factos provados), sem dúvida que estamos perante uma servidão administrativa, caracterizada esta como um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, pág. 1053), tal como referido na sentença recorrida e de forma alguma colocada em causa nos autos.
De acordo com o art. 51º, nº 2 do DL nº 43335, de 19 de Novembro de 1960, a declaração de utilidade pública confere ao concessionário o direito de “Atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios”, desde que o concessionário tenha obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de Julho de 1936 (§ 1º do citado artigo).
Preceitua o art. 37º do Decreto-Lei nº 43335 que “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.
Este artigo prevê uma indemnização geral aos proprietários dos prédios por prejuízos causados com o estabelecimento das linhas eléctricas, abrangendo prejuízos directos e imediatos ou quaisquer outros que possam advir do simples facto da sua existência, no caso, pela construção ou passagem de linhas de energia eléctrica de alta tensão.
Como referido na anotação ao art. 1344º do Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela (Vol. III, 2ª ed., pág. 175), “Nos casos em que a lei permite a ocupação do espaço aéreo para a satisfação de certos interesses de carácter colectivo (passagem de linhas de alta tensão para transporte de electricidade, instalação de fios telegráficos ou telefónicos, etc) há, em regra, a atribuição de um direito de indemnização ao proprietário pelo prejuízo que ele sofre. É mais um tipo de caso em que a licitude do acto não impede a obrigação de reparar o dano, pela injustiça que constituiria o sacrifício de uns tantos em proveito de muitos outros”. Trata-se de uma situação de responsabilidade civil por facto lícito, excepcionalmente admitida nos termos da lei.
Como se escreve no Ac. do STJ de 3/7/2014, relatado por Orlando Afonso, proc. 421/10, disponível em www.dgsi.pt, acórdão igualmente citado pelo tribunal a quo e pelos recorridos “o citado art. 37º do Decreto-Lei nº43335 de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos diretos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos atuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão”, recusando uma interpretação restritiva do referido artigo (segundo a qual, os prejuízos previstos na lei seriam somente os resultantes directamente das obras de edificação da linha, como, por exemplo, os advenientes da destruição de culturas ou de partes de um imóvel por virtude das obras de construção) – no mesmo sentido, cfr. Ac. do STJ de 29/3/2022, relatado por Jorge Dias, proc. 6417/16; Ac. da RP de 2/12/2019, relatado por Miguel Baldaia de Morais, proc. nº 2660/16; Acs. da RG de 11/7/2024, relatado por Raquel Tavares, proc. 192/21, de 5/11/2020, relatado por Fernanda Proença, proc. 5118/17; Acs. da RE de 27/4/2017, relatado por Manuel Bargado, proc. 3608/11 e de 26/10/2017, relatador por Rui Machado e Moura, proc. 110/04, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste sentido, tem-se entendido que a constituição das servidões administrativas gera direito a uma indemnização sempre que os danos no prédio serviente possam ser considerados especiais ou anormais, em face da utilização existente antes da oneração, ou do seu potencial normal de utilização, tendo sido entendido pelo Tribunal Constitucional que a garantia da justa indemnização contida no art. 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa não se limita aos actos que anulam o direito de propriedade para a prossecução do fim comum, mas abrange igualmente a perda de valor inerente à imposição de uma servidão de direito público que sacrifique uma das faculdades de gozo ou uso que a coisa anteriormente proporcionava.
Assim, é pacífico o entendimento que a constituição de uma servidão tem um efeito equivalente à expropriação, sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem serviente ou anulem totalmente o seu valor. Ou seja, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina desta é aplicável à fixação da indemnização a atribuir aos proprietários dos prédios onerados com a mesma.
É o que resulta do disposto no art. 8º nº 3 do Código das Expropriações, segundo o qual: “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial” (nomeadamente o disposto no art. 37º do já citado DL nº 43335, de 19 de Novembro de 1960.
No Código das Expropriações, a justa indemnização é encontrada de acordo com o que dispõem os arts. 23º e ss, sendo que o nº 1 do mencionado art. 23º enuncia como critério principal que “A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
Ora, dos factos provados resulta que a instalação da referida linha eléctrica desvalorizou o prédio dos recorridos, o que constituiu um dano patrimonial quantificável e indemnizável. Como resulta do ponto 15, “A diferença entre o valor antes da instalação do ramal referido em 9) e o valor com instalação é de 191.091.63 € (cento e noventa e um mil e noventa e um euros e sessenta e sessenta e três euros)”.
Foi este o valor que o tribunal da primeira instância, aderindo igualmente à tese que o art. 37º do DL 43335 não estabelece qualquer limitação à ressarcibilidade dos danos decorrentes da depreciação do prédio em virtude da constituição da servidão, fixou como indemnização a atribuir aos recorridos, por ter sido este o valor considerado como adequado e justo pela maioria dos Senhores Peritos, em função da perda da aptidão construtiva de uma parcela do prédio art. 45.
A desvalorização é actual independentemente do destino que os recorridos pretendam dar ao prédio em causa e reporta-se a um dano real e não hipotético.
Desde modo, tendo resultado provado que após a instalação da linha de alta tensão o prédio dos recorridos ficou desvalorizado em € 191.091,63, assiste-lhes, necessariamente, o direito de serem indemnizado pelo valor de tal depreciação.
Tal valor será actualizado de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão de habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação dos bens, desde essa data até à decisão final do processo, conforme dispõe o art. 24º, nºs 1 e 2, do Código das Expropriações, tal como decidido em primeira instância.
Assim, o recurso interposto tem de improceder.
*
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Lisboa, 25/9/2025
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Rui Oliveira
Margarida de Menezes Leitão