DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
UNIDADE DE CULTURA
Sumário

Sumário: (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
I - O entendimento jurisprudencial e doutrinário segundo o qual para o exercício do direito legal de preferência, além dos demais requisitos, basta que um dos prédios - preferente ou preferido - tenha área inferior à unidade de cultura firmou-se tendo em atenção o artº 18º do DL nº 384/88, de 25/10, o qual dispunha que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
II - Esse entendimento não pode subsistir face à revogação integral do DL nº 384/88, de 25/10, pela Lei nº 111/2015, de 27/08 (cfr. seu artº 64º), uma vez que o alargamento do âmbito do exercício do direito de preferência estabelecido no artº 1380º nº 1 CCivil ao proprietário do prédio confinante no caso de algum dos prédios ser de área superior à unidade de cultura resultava exclusivamente daquele artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88 de 25/10.
III - Após a entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27/08 (em 27/09), o direito de preferência, conforme resulta da redacção do nº 1 do artº 1380º CCivil, pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

Texto Integral

Acordam as Juízes na 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
JJVF e mulher MLAAF, OAVS e mulher MTMAP, JMVG e mulher RSGC, MJAVSS e marido JBS, AVG, MCSV, e LVF, todos devidamente identificados nos autos,
intentaram a presente acção declarativa, sob a forma única de processo comum, contra
GK, LB e EB, estes últimos casados um com outro, todos melhor identificados nos autos,
alegando, em síntese, que por escritura pública celebrada em 29/03/2019, no Cartório Notarial da …, o 1º Réu declarou vender à 2ª e ao 3º Réus, e estes declaram comprar-lhe, um prédio rústico de cultivo com um poço de entancar água de rega, localizado à …, freguesia e concelho da …, com a área de 636,4m2 (seiscentos e trinta e seis vírgula quatro metros quadrados), descrito na Conservatória do Registo Predial da… sob o número … da referida freguesia e aí registada a aquisição a seu favor, inscrito na matriz sob o artigo …, com a valor patrimonial para efeitos de IMT de € 2,21, tendo os 2ª e 3º Réus inscrito a aludida aquisição junto da respectiva Conservatória.
Por sua vez, os Autores são proprietários de um prédio rústico de cultivo de vinho, batata doce e tabaibos localizado à …, freguesia e concelho da …, com a área de 3775m2 (três mil setecentos e setenta e cinco metros quadrados), descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o número … da referida freguesia e aí já registada a aquisição a seu favor pela AP. 1 de 2006/09/19, o qual confina com o prédio objecto da aludida escritura celebrada pelos RR. em 29/03/2019.
Acontece que os 2ª e 3º Réus não eram proprietários de qualquer prédio confinante com o prédio objecto da aludida aquisição e nenhum dos Réus informou os Autores de qualquer facto relacionado com esse negócio, designadamente o preço, o nome dos compradores e condições de pagamento, tendo-se os AA. inteirado desses elementos, por mero acaso, no final do mês de Janeiro de 2020, pretendendo os Autores exercer o direito de preferência relativamente ao aludido prédio pelo preço de € 20.000,00 (vinte mil euros) constante da respectiva escritura pública e procederam ao depósito do preço pelo qual pretendem exercer o direito de preferência.
Peticionaram:
a) a declaração de que assiste aos Autores, enquanto proprietários do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia da …, concelho da …, sob o artigo … e melhor descrito nos artigos 5. e 10. da P.I. o direito de preferirem na compra do prédio inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo …, melhor descrito nos artigos 1. e 2. da P.I., e cumulativamente;
b) a declaração de que assiste aos Autores o direito de se substituírem aos segundo e terceiros Réus, na escritura de 29 de Março de 2019, e em consequência haverem para si o prédio em causa, nessa escritura, melhor descrito nos artigos 1. e 2. da P.I., pelo preço de € 20.000,00 (vinte mil euros);
c) a condenação dos 2º e 3º Réus a abrir mão do prédio melhor descrito nos artigos 1. e 2. da P.I., a favor dos Autores, entregando-o no estado em que se encontrava à data da escritura identificada em 1. da P.I., atribuindo-se a estes o correspondente direito de propriedade e aos 2º e 3º Réus o direito ao levantamento do preço depositado;
d) que seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos conservatoriais feitos com base na predita escritura identificada em 1. da P.I., ou quaisquer outros, que, entretanto, tenham sido efectuados.

Os Réus contestaram alegando, em suma, que não assiste aos Autores o direito de preferência porquanto: i) o prédio rústico cuja propriedade se arrogam não é sua propriedade fazendo, sim, parte das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de MSV e de VJ; ii) esse prédio excede a área da unidade mínima de cultura fixada para a Região Autónoma da Madeira; iii) o prédio que foi adquirido pelos 2ª e 3º Réus sobre o qual os Autores pretendem exercer o direito de preferência não se destina a ser utlizado por estes para a cultura, mas antes para zona de lazer, prática desportiva e descanso. Em acréscimo, invocam a caducidade do direito que os Autores pretendem exercer e que o preço real da venda do prédio foi de € 35.000,00 e não de € 20.000,00.
Com tais fundamentos os Réus pugnam pela improcedência dos pedidos dos Autores e peticionam, em sede reconvencional, a condenação daqueles no pagamento aos 2ª e 3º Réus do valor de € 35.000,00 a título de preço em singelo, correspondente ao preço efectivamente pago por estes ao 1º R., acrescido de € 1.810,00 referente aos impostos (IMT e IS) e aos emolumentos notariais e registais suportados pelos 2ª e 3º RR com a formalização da aludida compra e venda.

Em resposta, os Autores pugnaram pela improcedência quer das excepções arguidas pelos Réus quer do pedido reconvencional, e vieram ainda deduzir incidente de intervenção principal provocada de JMP e EP que se tornaram sujeitos passivos da relação material controvertida, porquanto os RR. entretanto revogaram a escritura de 29/03/2019 após o que o 1º R. transmitiu aos Chamados, por dação em pagamento, o prédio relativamente ao qual os Autores pretendem exercer o seu direito de preferência. Mais requereram a ampliação do pedido, enquanto desenvolvimento do pedido primitivo, de modo que o pedido “faça sentido” em relação aos Chamados, acrescentando-se quanto a estes os seguintes pedidos cumulativos:
e) declarar-se que assiste aos AA., enquanto proprietários do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia da …, concelho da …, sob o art. … o direito de preferirem na dação em pagamento do prédio inscrito na matriz da mesma freguesia sob o art. …, e cumulativamente;
f) declarar-se que assiste aos AA. o direito de se substituírem aos Chamados na escritura de 6 de Agosto de 2021, e em consequência haverem para si o prédio em causa pelo preço de € 20.000,00 (vinte mil euros);
g) condenar os Chamados a abrir mão do prédio melhor descrito nos artºs. 1. e 2. da P.I., a favor dos AA., entregando-o no estado em que se encontra, atribuindo-se a estes o correspondente direito de propriedade e aos Chamados o direito ao levantamento do preço depositado;
h) Ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos conservatoriais feitos com base na predita escritura identificada em 1. da P.I., ou quaisquer outros, que, entretanto, tenham sido efectuados, como sejam os baseados na escritura datada de 6 de Agosto de 2021.

Após exercício do contraditório, foi admitida a intervenção principal provocada de JMP e mulher EP e deferida parcialmente a requerida ampliação do pedido relativamente às seguintes pretensões:
g) condenar os Chamados a abrir mão do prédio melhor descrito nos arts. 1. e 2. da P.I., a favor dos AA., entregando-o no estado em que se encontra, atribuindo-se a estes o correspondente direito de propriedade e aos Chamados o direito ao levantamento do preço depositado;
h) Ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos conservatoriais feitos com base na predita escritura identificada em 1. da P.I., ou quaisquer outros, que, entretanto, tenham sido efectuados, como sejam os baseados na escritura datada de 6 de Agosto de 2021.

Citados, os Chamados vieram apresentar contestação, invocando, em suma, a sua ilegitimidade para a acção e a dispensa dos mesmos da obrigação de preferência.

Após exercício do contraditório, foi proferido despacho a convidar os Autores a apresentarem novo articulado da petição inicial e da ampliação do pedido aperfeiçoada, com fundamento em que da leitura global da petição se depreendia que o direito de preferência em que basearam a sua pretensão pertence a uma herança indivisa e não a eles próprios, pelo que aqueles pedidos deveriam ser formulados por referência à herança. E os AA. corresponderam a esse despacho de aperfeiçoamento.

Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador em cujo âmbito foi julgado inadmissível o pedido reconvencional e, consequentemente, dele absolvidos os Autores; foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade dos Autores e de ilegitimidade dos Chamados; foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Seguindo os autos a sua tramitação, com realização de julgamento, foi a final proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.

Inconformados, vieram os RR., EB e LB, e os Chamados, JMP e EP, interpor o presente recurso de apelação, com pedido de reapreciação da prova, sustentando que a decisão recorrida deve ser revogada e em seu lugar proferida outra que julgue improcedente a acção, absolvendo-os dos pedidos.

Das suas alegações extraíram os Recorrentes as seguintes
Conclusões
«1.º questão
A. O tribunal a quo deu como provado no ponto 6) dos factos provados, que o prédio dos autores é um prédio rústico, composto por terreno agrícola.
“6. Pela apresentação 1, datada de 19-09-2006, foi inscrita a aquisição, por sucessão por morte, na qual figuram como sujeitos ativos (…), e como sujeitos passivos (…), do prédio rústico sito na…, freguesia e concelho da …, com a aérea total de 3775 metros quadrados, composto por terreno agrícola confrontando a Norte com MFM, a Sul com BR, a Leste com JAM e outros e a Oeste com JVS, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número ….” [cfr. Páginas. 8 e 9 da douta sentença – sublinhado nosso].
B. Mas fê-lo, unicamente sustentado na descrição do teor da certidão de registo predial conjugado com o teor da caderneta predial. [cfr. Págs. 11 e 12 da douta sentença].
C. Como pode Tribunal a quo dar como provado que o prédio dos autores é um prédio rústico, composto por terreno agrícola, apenas e só com base na respectiva descrição registral e matricial, sabendo que, atendendo às regras de experiência comum, o mais das vezes essa descrição de teor não é actual e não corresponde à verdade.
D. Não obstante, entendemos nós, que a finalidade e a caracterização dos prédios rústico requer uma avaliação casuística, tendo subjacente a destinação ou afetação económica do prédio.
E. Com o devido respeito, não foi feita qualquer prova, muito menos segura e cabal, de que o prédio dos autores é um prédio rústico composto por terreno agrícola.
F. Em sede de direito de preferência é relevante apurar qual o fim a que se destina o prédio daqueles que se arrogam o direito de exercer o direito de preferência, neste caso, os autores.
G. Ora, qual seja o fim a que se destina o prédio dos autores recorridos revela-se um facto essencial que caberia aqueles alegar e provar (art. 342º, n.º1 do CPC), e para o qual, salvo o devido respeito, nunca seria suficiente o teor da descrição registral e matricial, documentos esses já nos autos.
H. Para apurar a finalidade e a caracterização do prédio dos autores como terreno rústico composto por terreno agrícola, conforme consta do ponto 6. da matéria de facto provada era essencial a prova a realizar em audiência de julgamento. A descrição documental seria insuficiente.
I. Porém, o Tribunal a quo, não valorou a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento relativamente à finalidade e composição do prédio dos autores.
J. As testemunhas dos autores, JAJS e MP, e também o chamado, ora recorrente, foram unânimes em declarar que o prédio dos autores não era composto por terreno agrícola, mas era sim um baldio, um terreno não cultivado há pelo menos dez anos.
K. Estamos assim diante de uma manifesta contradição entre, por um lado, a descrição do teor da descrição predial e da descrição matricial, documentos esses com base nos quais o Tribunal a quo deu como provado que o prédio dos autores é rústico, composto por terreno agrícola, e neles formou a sua motivação, e, por outro lado, a finalidade e a composição do prédio dos autores à data do exercício do direito de preferência asseverada pelas declarações das testemunhas dos autores e pelo chamado, as quais, salvo o devido respeito, não foram corretamente valoradas pelo Tribunal a quo, pois segundo estes, o prédio dos autores é baldio há pelo menos mais de dez anos, isto é, não é um terreno agrícola.
L. Pelo exposto e do que vimos de dizer, a prova invocada pelo Tribunal a quo para dar como provado que o prédio dos autores é um prédio rústico, composto por terreno agrícola, é exclusivamente documental, abstracta, insuficiente, não casuística e sem adesão à realidade revelada pelo conhecimento pessoal e directo que as testemunhas e o chamado recorrente manifestaram em declarações prestadas em audiência de julgamento.
M. A prova feita pelas testemunhas e pelo chamado sobre a finalidade e caracterização do prédio dos autores impõe decisão diversa da recorrida, pelo que o segmento do ponto 6. dos factos provados relativo à composição como terreno agrícola do prédio dos autores deve ser julgado não provado.
N. Em suma e do que vem de ser dito, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia dar como provado que o prédio dos autores é um prédio rústico composto por terreno agrícola, e nesse sentido, impõe-se decisão diversa da recorrida, e deve o mesmo ponto 6. ser julgado não provado, razão pela qual:
O. Deve ser alterado o ponto 6. dos factos provados, passando a constar do mesmo o seguinte:
“6. Pela apresentação 1, datada de 19-09-2006, foi inscrita a aquisição, por sucessão por morte, na qual figuram como sujeitos ativos JSV, JJVF, casado em regime de comunhão de adquiridos com MLAAF, LJA, LVF, MCSV, MJAVS casada no regime de comunhão de adquiridos com JBS, MJSVG, casada o regime de comunhão de adquiridos com APG e OAVS, casado no regime de comunhão de adquiridos com MTMAP, e como sujeitos passivos MSV e VJ, do prédio rústico sito na …, freguesia e concelho da …, com a aérea total de 3775 metros quadrados, composto por terreno baldio, não cultivado, confrontando a Norte com MFM, a Sul com BR, a Leste com JoAM e outros e a Oeste com JVS, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número ….”
P. Acresce que, nos termos do art.º 414.º do C.P.C “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
2.ª questão
Q. Quanto à questão de saber se, em razão da alteração da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, e no seguimento da procedência da impugnação deduzida pelos recorrentes, conforme alegado na 1.ª questão supra, e se o prédio dos autores for um prédio rústico baldio, não destinado a agricultura, estamos, assim, em nosso entendimento e salvo o devido respeito, perante um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
R. O art.º. 1380.º, nº1, do CC, consagra um direito de preferência atribuído aos proprietários de terrenos confinantes, isto é, de prédios rústicos confinantes visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável.
S. Para efeitos do disposto no artº 1380º, nº1, do CC, o proprietário de um prédio rústico, e que se arroga titular do direito de preferência, deve alegar e provar que, em face das características predominantes que nele avultam e sobressaem, deve o mesmo ser qualificado como prédio rústico, destinado a cultivo agrícola.
T. Em suma e do que vem de ser dito, salvo o devido respeito, porque o prédio dos autores apesar de rústico, é baldio, há mais de dez anos à data do exercício do direito de preferência, e porque não é terreno agrícola, não estão preenchidos os pressupostos para o exercício do direito de preferência nos termos do artigo 1380º do Código Civil.
U. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação dos artigos 1376º e 1380º do Código Civil, e art.º 342.º n.º 2 do Código Civil, normas estas imperativas.
3.ª questão
V. Quanto à questão de saber se, ainda que sem alterações na decisão sobre a matéria de facto, estão verificados os factos constitutivos do direito de preferência pelos autores invocado, estamos, em nosso entendimento e salvo o devido respeito, perante um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
W. O Tribunal a quo considerou verificados os factos constitutivos do direito de preferência pelos autores invocado [cfr. pag 18 da douta sentença]
X. Salvo o devido respeito, também não podemos concordar com esta decisão.
Z. Antes de tudo, porque efetivamente o prédio dos autores não é rústico, composto por terreno agrícola, como alegado supra.
AA. Mas ainda porque, em face dos factos provados, é manifesto que os autores não são proprietários de um prédio rústico com área inferior à unidade de cultura, pois o seu prédio tem 3.775 metros quadrados (ponto 6 dos factos provados) e a a unidade de cultura na ilha da Madeira foi fixada em 1500 metros quadrados.
BB. Os pressupostos do direito legal de preferência constam do artigo 1380º do Código Civil.
CC. Nos termos do artigo 2.º Decreto Legislativo Regional, n.º 27/2017/M, a unidade de cultura na Região Autónoma da Madeira foi fixada em 1500 metros quadrados. [cfr. Pág. 16 da douta sentença].
DD. O artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 384/88 de 25 de outubro que estipulava que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura.” foi revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto.
EE. Nos presentes autos não se verifica o preenchimento dos pressupostos do exercício do direito de preferência a que se refere o artigo 1380º do Código Civil.
FF. Em suma e do que vem de ser dito, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia na motivação de direito ter concluído pelo reconhecimento aos autores de um direito de preferência fundamentado nos termos de um diploma revogado, e com a alegação de que, não obstante essa revogação se manteve “ … o entendimento de que basta que um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura para existir direito de preferência.” [cfr. Pág. 16 da douta sentença].
GG. São vários os arestos contrários à invocada corrente jurisprudencial. Porém, cumpre invocar a argumentação do Supremo Tribunal de justiça, em 13/12/2022, proferido no Proc. n.º 769/17.3T8LRS.L1.S1.
HH. Havendo sido o Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, integralmente revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, e em particular o artigo 18º, nº 1, do primeiro daqueles diplomas, isso significa que haverá que analisar os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, na redacção do Código Civil de 1966, sem atender à dita alteração (que deixou assim de vigorar).
II. Em conformidade com o que se dispõe no artigo 1380º, nº 1 (antes do artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) e na Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, demonstrando-se nos autos que os terrenos confinantes não têm ambos área inferior à unidade de cultura, não se encontram os autores preferentes, por isso mesmo, em condições legais para exercer o pretendido direito de preferência sobre o terreno alienado e confinante com o seu.
JJ. A douta sentença a quo para sustentar a sua motivação invoca o aresto jurisprudencial proferido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-05-2021, Rel. Isaías Pádua, proc. n.º178/19.0T8MBR.C1, in www.dgsi.pt. [cfr. Pág. 16 da douta sentença]
KK. A referência na sentença a quo ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é totalmente inócua pois esta não faz alusão à Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto.
LL. Nestes termos, segundo esse normativo, constituem condições legais para o exercício do direito de preferência: - a existência de uma venda de um terreno; - ser o preferente proprietário de um terreno confinante; - serem os prédios confinantes, ambos, de área inferior à unidade de cultura.
MM. Os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência entre proprietários de terrenos confinantes à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, requer que os terrenos confinantes têm de ter ambos área inferior à unidade de cultura, pelo que no caso dos presentes autos, os autores preferentes, não estão em condições legais para exercer o pretendido direito de preferência sobre o terreno alienado e confinante com o seu, pois são proprietários de um prédio com a área de 3.775 metros quadrados, portanto superior à unidade mínima de cultura na ilha da Madeira.
NN. Entendimento diverso, redundaria em flagrante violação dos artigos 1376º e 1380º do Código Civil, artigo 9º, n.º3 e 9º, n.º2, todos do Código Civil, normas imperativas.»

Os AA. contra-alegaram pugnando pela confirmação do julgado, alinhando as seguintes
Conclusões
«Da 1ª Questão:
1. O prédio do AA. não é misto, é unicamente rústico.
2. No caso sub judice não é apresentado como tema decidindo o tratamento dos denominados “prédios mistos”, em sede de preferência na transmissão de prédios rústicos.
3. Pressuposto fundamental para o exercício do direito de preferência atribuído pelo artigo 1380º do CC aos proprietários de terrenos confinantes é de que estes sejam considerados terrenos aptos para cultura, não sendo necessário que eles sejam efetivamente agricultados.
4. O proprietário de um prédio rústico e que se arroga titular do direito de preferência, deve alegar e provar que tal prédio é rústico e apto a cultura.
5. Neste sentido, inexiste qualquer contradição entre a prova documental e a prova testemunha, pois decorre de ambas que os prédios sub judice são aptos a cultura, pelo que decidiu bem o Tribunal a quo.
6. Os AA. provaram que o seu prédio era rústico e apto a cultura, prova efetuada, quer testemunhalmente quer documentalmente, pelo que neste segmento terá de improceder o Recurso apresentado.
Da 2ª questão:
7. Foi provado estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 1380.º, nº 1 do C.C., para que os Recorridos exercessem o seu direito de preferência, prova que foi efetuada nos presentes autos, quer testemunhalmente quer documentalmente, como muito bem decidiu o Tribunal a quo na sentença da qual se recorre.
8. O proprietário de um prédio rústico e que se arroga titular do direito de preferência, deve alegar e provar que tal prédio é rústico e apto a cultura.
9. Neste sentido, inexiste qualquer contradição entre a prova documental e a prova testemunha, pois decorre de ambas que os prédios sub judice são aptos a cultura, pelo que decidiu bem o Tribunal a quo.
10. Ficou provado que estavam em causa dois prédios confinantes, ambos terrenos rústicos e ambos aptos a cultura e que nenhum deles foi afeto a outro fim que não este.
11. Também aqui não merece reparo a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e ora Recorrida.
Da 3ª questão:
12. Não houve qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo.
13. Nos presentes autos foi feita prova de que estão preenchidos os pressupostos para o exercício do direito de preferência a que se refere o art. 1380.º do C.C.
14. É abundante a doutrina e jurisprudência no sentido que basta que um dos prédio confinantes seja de área inferior à unidade de cultura.
15. Os imóveis sub judice situam-se na Região Autónoma da Madeira, pelo que tem aplicação o artigo 61.º da Lei 111/2015, de acordo com o qual.
16. Este diploma carece de ser adaptado à R.A.M., porquanto a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira tem poderes para o fazer, ao abrigo do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, revisto e alterado pelas Leis nºs 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho.
17. Entendem os Recorridos que não tinham de alegar que os prédios eram considerados como solos de boa ou muito boa capacidade agrícola da Madeira e classificados no Plano Diretor Municipal como Espaços Agrícolas, porquanto esse ónus competia aos Recorrentes.»

*-*
Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir.
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Nos termos dos artºs 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil são as conclusões que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam, exercendo as mesmas função equivalente à do pedido (neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil” 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117), certo que esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica quanto à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artº 5º nº 3 do CPC).
Assim, as questões a decidir consistem em saber se deve proceder-se à alteração da matéria de facto e se estão verificados os requisitos do exercício do direito de preferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Na sentença sob recurso foi considerada a seguinte a factualidade:
Factos provados
«1. No dia 29 de março de 2019, no Cartório Notarial da … foi outorgada escritura de compra e venda, lavrada de folhas …, do livro …, tendo como vendedor GK e como compradores LB e EB.
2. Na escritura identificada em 1., declarou o vendedor GK “que, pela presente escritura e mediante o preço global de vinte mil euros, pagos no dia vinte e seis deste mês por transferência da conta do Banco (…) para a conta do Banco (…), do qual presta a devida quitação, vende, livre de quaisquer ónus ou encargos, aos segundos outorgantes, o prédio rústico de cultivo com um poço de entancar água, localizado à …, freguesia e concelho da …, com a área de seiscentos e trinta e seis vírgula quatro metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número …, da referida freguesia, e aí registada a aquisição a seu favor, pela apresentação mil setecentos e dezassete, de onze de maio de dois mil e doze, inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de 2,21 €.”
3. Mais declarou o vendedor que “não é proprietário ou possuidor de qualquer terreno apto para cultura, contiguo ou confinante com o prédio rústico atrás identificado.”
4. Na escritura identificada em 1., declararam os compradores LB e EB “que compram o identificado prédio nos termos exarados”.
5. Pela apresentação 2137, datada de 03-04-2019, foi inscrita a aquisição, por compra, a favor dos Réus LB e EB do prédio rústico sito na …, freguesia e concelho da …, com a aérea total de 636,4 metros quadrados, composto por terreno agrícola com um poço de entancar água de rega, confrontando a Norte com MFM, a Sul com BR, a Leste com MSVJ e a Oeste com PT, inscrito na matriz predial sob o artigo … - na qual apresenta a descrição “prédio rústico de bananeiras” - e descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número …/….
6. Pela apresentação 1, datada de 19-09-2006, foi inscrita a aquisição, por sucessão por morte, na qual figuram como sujeitos ativos JSV, JJVF, casado em regime de comunhão de adquiridos com MLAAF, LJA, LVF, MCSV, MJAVS casada no regime de comunhão de adquiridos com JBS, MJSVG, casada o regime de comunhão de adquiridos com APG e OAVS, casado no regime de comunhão de adquiridos com MTMAP, e como sujeitos passivos MSV e VJ, do prédio rústico sito na …, freguesia e concelho da …, com a aérea total de 3775 metros quadrados, composto por terreno agrícola confrontando a Norte com MFM, a Sul com BR, a Leste com JAM e outros e a Oeste com JVS, inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o número …/….
7. Pela apresentação …, datada de 19-09-2013, foi inscrita a transmissão da posição, por compra do quinhão hereditário, de JSV a favor de MCSV, MJSVG e MJAVG, casada no regime de comunhão de adquiridos com JBS, do prédio rústico sito na …, melhor identificado no ponto 6.

8. No dia 18 de dezembro de 2017, no Notário … foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, lavrada de folhas…, do livro …, da qual consta que no dia 4 de agosto de 2017 MJSVG faleceu, no estado de viúva, tendo deixado como herdeiros, JMVG, AVG e JVG.
9. No dia 18 de dezembro de 2017, no Notário … foi outorgada escritura de compra e venda de quinhão hereditário, lavrada de folhas …, do livro …, da qual consta que JVG vendeu o seu quinhão hereditário a AVG.
10. No dia 11 de janeiro de 2010, no Cartório Notarial da… foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros, lavrada de folhas …, do livro …, da qual consta que no dia 27 de julho de 2008 LJA faleceu, no estado de viúva, tendo deixado como herdeiros, OAVS, casado no regime de comunhão de adquiridos com MTMAP, e MJAVS, casada no regime de comunhão de adquiridos com JBS.
11. Os prédios identificados em 5. e 6. são confinantes entre si.
12. Os Réus GK, LB e EB não informaram os Autores (enquanto únicos e legítimos herdeiros da herança de MSV) da intenção de celebração da compra e venda identificada nos pontos 1. a 4., não lhes tendo comunicado qualquer facto relacionado com este negócio, designadamente o preço, o nome dos compradores e condições de pagamento.
13. Os Autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da transmissão da propriedade do prédio identificado no ponto 5. em janeiro de 2020.
14. À data da celebração da escritura identificada nos pontos 1. a 4. os Réus LB e EB não eram proprietários de nenhum prédio rústico confinante com o prédio objeto daquela escritura.
15. No dia 7 de janeiro de 2021, no Notário …foi outorgada escritura de revogação de compra e venda, lavrada de folhas …, do livro …, na qual os Réus GK, LB e EB declararam revogar, por mútuo acordo, a escritura de compra e venda melhor identificada nos pontos 1. a 4.
16. No dia 6 de agosto de 2021, no Cartório Notarial da … foi outorgada escritura de dação em pagamento, lavrada de folhas …, do livro …, através da qual o Réu GK deu aos Réus JMP e EP, pelo valor de € 20.000,00, de que era devedor em relação àqueles, o prédio rústico melhor identificado em 5.
17. À data da celebração da escritura referida no ponto 16. os Réus JMP e EP não eram proprietários de nenhum prédio rústico confinante com o prédio objeto da escritura.
18. Pela apresentação …, datada de …, foi inscrita a aquisição, por dação em pagamento, a favor dos Réus JMP e EP do prédio rústico identificado no ponto 5.
19. No prédio identificado em 5. encontram-se plantadas árvores de fruto e algumas flores.
20. A presente ação foi intentada no dia 15-07-2020.»
Facto não provado
«a) O prédio identificado no ponto 5. tem outras finalidades para além do cultivo de árvores de fruto e algumas flores.»

B) DE DIREITO
- Da alteração da decisão de facto
É sabido ser ónus imposto ao Recorrente a apresentação de alegações, nas quais deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. artº 639º nº 1 CPC), sendo as conclusões que delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem.
Por outro lado, de acordo com o estipulado no artº 640º nº 1 CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto o Recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. als. a), b) e c), do mencionado artº 640º CPCivil), sendo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2 al. a) do citado artigo).
Muito embora para a admissão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto não seja necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º do CPC constem da síntese conclusiva, dela deve necessariamente constar a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados [não sendo forçoso que delas conste a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações, nem a decisão alternativa pretendida - cfr. Acórdão do STJ de 12/07/2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e citado Acórdão Uniformizador nº 12/2023, de 17/10/2023 (proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1) publicado no Diário da República I série, de 14/11/2023], e a alegação/motivação deve obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e a decisão que no entender do Recorrente deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Ónus que os Recorrentes cumpriram.
No entanto há que ter presente que não haverá lugar à reapreciação da matéria de facto quando os concretos factos objecto da impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso sob apreciação, ter relevância jurídica para a decisão do litígio, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inconsequente o que, além de contrariar os princípios da celeridade e da economia processual, redundaria na prática de acto inútil o que se mostra vedado por lei (cfr. artº 130º CPC).
Assim é porque a apreciação da impugnação da matéria de facto não subsiste por si, assumindo um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Daí que só se justifique nos casos em que da modificação da decisão de facto possa resultar algum efeito útil relativamente à resolução do litígio, no sentido propugnado pelo recorrente.
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 27/05/2014, onde se escreveu que «se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada» [no mesmo sentido, entre outros, Ac. STJ de 03/11/2023 (Mário Belo Morgado) e Ac. TRL de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco)].

No caso dos autos, como se demonstrará de seguida, mostra-se inútil a reapreciação de facto, por a decisão a tomar se colocar do estrito domínio do Direito, pelo que não se conhecerá da impugnação.

- Da verificação dos requisitos do exercício do direito de preferência
Na sentença sob recurso entendeu-se estarem reunidos todos os requisitos do exercício do direito de preferência pelos AA. à luz do previsto no artº 1380º nº 1 CCivil, o qual estabelece que “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”, enunciando a sentença como pressupostos do direito legal de preferência:
a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;
b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;
c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;
d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante.
Abonando essa posição, concretamente no tocante ao terceiro pressuposto enunciado, em entendimento jurisprudencial que se firmou tendo em atenção o artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25/10, segundo o qual “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”, defendendo-se na sentença que “apesar de o aludido diploma legal ter sido revogado em 2015, manteve-se o entendimento de que basta que um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura para existir direito de preferência.”.
Acontece, salvo o devido respeito, que o entendimento jurisprudencial firmado em vista do que dispunha o artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25/10, não pode subsistir face à revogação integral desse diploma legal pela Lei nº 111/2015, de 27/08 (cfr. seu artº 64º), vigente desde 27/09 (cfr. respectivo artº 65º), uma vez que o alargamento do âmbito do exercício do direito de preferência ao proprietário do prédio confinante no caso de algum dos prédios – preferente ou preferido – ser de área superior à unidade de cultura resultava exclusivamente daquele artº 18º do Decreto-Lei nº 384/88 de 25/10.
E o certo é que o Supremo Tribunal de Justiça, em processos intentados já após a entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27/08, vem decidindo que o direito de preferência, conforme resulta da redacção do nº 1 do artº 1380º CCivil, pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;
b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;
c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;
d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 19/15/2023 no proc. 1303/20.3T8VRL.G1.S1, e de 14/01/2021 no proc. 892/18.7T8BJA.E1.S1).
Para se alcançarem as razões pelas quais aquele entendimento não tem acolhimento no actual quadro legislativo importa atentar ao enquadramento que o originou, o que é feito com mestria pelo STJ no seu Acórdão de
13/12/2022 no proc. nº 769/17.3T8LRS.L1.S1, cujo entendimento perfilhamos e que seguiremos de perto na exposição que segue.
Tendo como pano de fundo o conhecido objectivo do legislador na atribuição do direito de preferência em apreço ao proprietário de terrenos confinantes – recordando-se que se destinou a prevenir os efeitos negativos, do ponto de vista social e económico, da excessiva fragmentação da exploração agrícola em minifúndios, considerados incompatíveis com um aproveitamento fundiário eficiente, visando alcançar uma exploração agrícola tecnicamente rentável e eficaz – explicam os Exmºs Conselheiros naquele Acórdão que este direito de preferência foi introduzido na nossa ordem jurídica pela Lei nº 2116 de 14/08/1962, posteriormente regulamentada pelo Decreto-Lei nº 44647 de 26/10/1962, vindo depois a ser acolhido no Código Civil de 1966, no seu artº 1380º nº 1, com a exacta redacção que ainda se mantém.
A seu respeito referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado” Volume III, em anotação ao dito artº 1380º, que “Há entre o nº 1 deste artigo e o nº 1 da Base VI da referida Lei [a nº 2116 de 14/08/1962] uma diferença a assinalar. Enquanto que, nos termos desta base, qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante, pelo Código só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura. Trata-se, como se diz no texto legal, de um direito recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas que não atingem essa unidade.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade obsorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes do ponto de vista social e económico”.
É com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 384/88, de 25/10, com a previsão contida no seu artº 18º nº 1, que é alterado o regime até aí consagrado na lei, determinando o mesmo que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
No acima citado Acórdão do STJ de 13/12/2022, refere-se que “Interpretando o alcance desta nova previsão normativa, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2007 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 0A3838, publicado in www.dgsi.pt: “(...) a melhor doutrina e jurisprudência é no sentido de que o art. 18, nº1, do citado Dec-Lei 384/88, estabelece um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes desde que um deles (o preferente ou o alienado) tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro.
Visando o legislador eliminar os minifúndios, pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna condições mínimas de rentabilidade, ela possibilita a extinção de qualquer minifúndio, seja quando é o minifúndio o objecto da alienação e se concede a preferência aos terrenos confinantes, seja quando é o dono do minifúndio a preferir na alienação do terreno confiante da área inferior ou superior à unidade de cultura. Assim, com a referida interpretação do art. 18, nº1, do mencionado dec-lei 384/88, consegue-se estender o âmbito, então existente, da regulamentação da extinção dos minifúndios, sem cair no polo oposto de favorecer a criação de latifúndios. Colocam-se em pé de igualdade os proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura com os de terrenos de área superior, nesta matéria de direito de preferência. Com efeito, num salutar princípio de reciprocidade, tem iguais consequências de facto, conceder ao titular de terrenos de área superior à unidade de cultura direito de preferir na alienação de terrenos de área inferior ou conceder tal direito a proprietários de terrenos de área inferior à unidade de cultura, na alienação de terrenos de área superior. E afasta-se o regime que fora estabelecido pela Base VI, nº1, da Lei 2.116, de 14 de Agosto de 1962, o qual, segundo o relatório que antecede o articulado do aludido dec-lei 384/88, não conduziria a bons a resultados, pelo que tal Lei foi revogada pelo art. 25 desse mesmo dec-lei. Na verdade e como escreve Antunes Varela ( R.L.J. Ano 124-371), “seria de facto, uma verdadeira enormidade a solução de estender a preferência legal à alienação de qualquer prédio rústico (fosse qual fosse a sua área), em benefício de todos os proprietários rurais vizinhos ou confinantes, independentemente também da dimensão do prédio destes. E nenhuma indicação existe no texto ou no espírito do diploma de 1988 de que o legislador tenha pretendido consagrar tal disparate económico-jurídico, estendendo a todo o território do País um sistema de verdadeira asfixia da liberdade de alienação dos proprietários rurais”.
Ainda acerca da interpretação do âmbito, fundamentos e alcance desse artº 18º nº 1 do Decreto-Lei nº 384/88, de 25/10, o Acórdão do STJ de 13/12/2022 a cujos ensinamentos nos vimos reportando, entre o mais para que remete, cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2014 proferido no processo nº 610/07.5TCGMR.G3.S1, segundo o qual “O direito de preferência prescrito no art.º 1380.º do C.Civil tem como objetivo, tal e qual o emparcelamento, pôr fim ao desmembramento e difusão de prédios agrícolas de curta dimensão, isto é, busca fazer desaparecer os incómodos que da exploração da exígua fazenda resultam para o seu titular, muito frequente no norte do país, desta feita dando uma oportunidade a quem, no caso de alienação operada pelo dono do prédio que com o seu confina, poder fazer acrescer ao seu a área do imóvel que se encontrava nesta desvantajosa circunstância de exploração e, assim, projetar a majoração das condições técnicas e económicas a esta conjuntura inerente.
Diferentemente do que estatuía o n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2116, de 14/8/1962 - qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante - este normativo legal dispõe que só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade absorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes sob o ponto de vista social e económico.
Conferindo a descrição posta neste particularizado preceito legal (art.º 1380.º do C.Civil), são estes os requisitos exigidos, amplamente difundidos pela doutrina e jurisprudência, para que se possa deferir o direito de preferência nele consignado:
(...) Não obstante a interpretação mais restritiva que lhe concede o Prof. Galvão Telles - a Lei n.º 2116 permitia que um "não minifúndio" absorvesse um "minifúndio"; o Código Civil exigiu que a absorção só pudesse dar-se a favor de um terreno que também fosse minifúndio; o Dec. Lei n.º 384/88, devidamente interpretado, limitou-se a afastar esta solução e a regressar à consagrada na Lei n.º 2116. Nada mais - o certo é que, tanto a doutrina (Professor Antunes Varela, RLJ, Ano 127.º, pág. 294 e segs.), como a jurisprudência deste STJ (v.g. os acórdãos de 13/10/1993, de 28/02/2002 e de 20.05.2003 - o primeiro publicado na CJ; Ano I, Tomo III, pág. 64 e segs; os dois restantes disponíveis em www.dgsi.pt) assentaram em que o legislador de 1988 pretendeu, afastando o regime do Código Civil, aumentar a elisão dos minifúndios e não querendo regressar à disciplina legal de 1962; e, assim sendo, concluir, como o faz o Professor Antunes Varela (RLJ; ano 127.º, págs. 373/374) que "uma única solução é capaz de corresponder simultaneamente a esse duplo objectivo - que é a de estabelecer um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura".
(...) Já vimos, e procurámos demonstrar, que o direito de preferência, conferido pelo art.º 1380.º do C.Civil, devidamente conjugado com o art.º 18.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 384/88, de 25/10 (diploma que regula o novo regime jurídico do emparcelamento rural), está dependente apenas de que um dos prédios (seja aquele cujo dono quer vender, seja o outro contíguo que o preferente pretende comprar) tenha área inferior à unidade de cultura”.
E citando também Agostinho Cardoso Guedes, in “O exercício do direito de preferência”, Publicações Universidade Católica, Teses Porto 2006, a página 119, sintetiza: “(....) a conclusão só pode ser uma: o legislador quis consagrar um direito de preferência a favor dos proprietários rurais na alienação de prédios confinantes com os seus, desde que qualquer um deles (prédio a alienar ou prédio do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura”.
Por fim, como se destaca no dito Acórdão do STJ de 13/12/2022, agora “…há que tomar em consideração a entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, ocorrida em 27 de Setembro de 2015, que estabelece o regime jurídico da estruturação fundiária e procede, além do mais, à revogação em bloco do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, incluindo o citado artigo 18º.
(…)
A … manutenção da vigência neste ponto do regime jurídico introduzido pelo Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro, quando o mesmo foi integralmente revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, e em particular o artigo 18º do primeiro daqueles diplomas, supõe que possa sobrelevar qualquer razão primordial e decisiva que conduza, com toda a segurança e certeza, a concluir pela existência de um eventual lapso ou de qualquer inadvertido equívoco do legislador ao não ressalvar (como desejaria tê-lo feito se estivesse mais atento) a regra especial aí contida.
Ora, não se encontram razões fundamentais, relevantes ou prevalentes, de qualquer natureza, que justifiquem fundadamente chegar à dita conclusão de engano ou desatenção do legislador, a qual se manifesta, desde logo e em princípio, oposta ao regime regra constante do artigo 9º, nº 3, do Código Civil.
No mesmo sentido, ressalva o nº 2 do artigo 9º do Código Civil que: “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Na situação sub judice, o que se retira da letra da lei é tão simplesmente a indiscutível revogação da vigência de uma determinada norma legal (o artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro), sem que em qualquer outro local (deste ou doutro diploma) o legislador tenha deixado subentendido que foi longe demais e que afinal não quereria revogar aquilo que efectivamente revogou.
Como se compreende, não basta, para este efeito, aludir à circunstância de diversos acórdãos dos tribunais superiores o afirmarem em termos estritamente dogmáticos e sem nenhuma explicação minimamente consistente e convincente”, mencionando vários Acórdãos nessas circunstâncias - entre eles precisamente aquele em que a sentença sob recurso se sustenta, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 18/05/2021 (relator Isaías Pádua) no processo nº 178/19.0TMBR.C1 - nos quais não é feita referência à Lei nº 111/2015, de 27/08, nem equacionada a vigência ou não do artº 18º nº 1 do Decreto-Lei nº 384/88, de 25/10, não obstante a sua expressa revogação, e outros em que a problemática não se coloca por respeitarem a acções intentadas antes da entrada em vigor da Lei nº 111/2015, de 27/08.
E continua “E o que é certo é que a revogação da norma (o artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) que alterava o âmbito e alcance do citado artigo 1380º do Código Civil, alargando-o, desapareceu do panorama jurídico, pura e simplesmente.
(…). Logo, neste particular, não existe qualquer outra hipótese interpretativa que não a de passar a analisar os actuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, na redacção do Código Civil de 1966, sem a dita alteração (que deixou objectivamente de subsistir, tendo sido expressamente eliminada).
(Sobre este ponto concreto vide “Comentário ao Código Civil. Direito das coisas”, Universidade Católica Editora, Outubro de 2021, a página 320, da responsabilidade de Agostinho Cardoso Guedes, onde pode ler-se: “Com a revogação deste diploma pela Lei 111/2015 (...) o direito de preferência estabelecido no preceito readquiriu os seus contornos originais referidos à venda ou dação em cumprimento”.).
E segundo esse normativo, constituem condições legais para o exercício do direito de preferência:
- a existência de uma venda de um terreno;
- ser o preferente proprietário de um terreno confinante;
- serem os prédios confinantes, ambos, de área inferior à unidade de cultura.
Neste mesmo sentido, pronunciou-se aliás o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 892/18.7T8BJA.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt., quando aí se afirmou que os pressupostos cumulativos do exercício do direito de preferência consistem em “ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura” e “ter o prédio do proprietário que se apresenta a preferir área inferior à unidade de cultura”.
Refere outrossim sobre esta temática específica, Luís Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, Almedina, 2022, 10ª edição, a páginas 535 a 536: “O artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 348/88, viria, porém, a ser revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, (artigo 64º), cujo artigo 21º passou a limitar a preferência aos proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos por um projecto de emparcelamento.”.
(Sobre a coincidência de objectivos entre o artigo 1380º, nº 1, do Código Civil e a Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26 de Novembro de 2015 (relatora Ana Cristina Duarte), proferido no processo nº 3224/13.7TBVCT.G1, publicado in www.dgsi.pt, onde se consignou: “O emparcelamento, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 111/2015, de 27/08, que estabeleceu o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, consiste na correção da divisão parcelar de prédios rústicos ou de parcelas pertencentes a dois ou mais proprietários ou na aquisição de prédios contíguos, através da concentração, do redimensionamento, da retificação de estremas e da extinção de encraves e de servidões e outros direitos de superfície. É exatamente o objetivo deste artigo 1380.º do CC: fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objetivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis”).
Assim sendo, em conformidade com o que se dispõe no artigo 1380º, nº 1 (na redacção anterior ao Decreto-lei nº 384/88, de 25 de Outubro) e na Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, demonstrando-se nos autos que os terrenos confinantes não têm ambos área inferior à unidade de cultura, e inexistindo prova (e mesmo alegação) de que os referidos prédios rústicos se encontram abrangidos por um projecto de emparcelamento ou que se integram em Reserva Agrícola Nacional (RAN), não se encontra, desde logo e por isso mesmo, o A. preferente, ora recorrente, em condições legais para exercer o pretendido direito de preferência.”.
É precisamente esta a situação dos autos.
Não tendo sido aportados aos autos quaisquer elementos que revelem que os prédios em causa se encontram abrangidos por um projecto de emparcelamento - e dessa forma sujeitos à regra especial do exercício de direito de preferência prevista no artº 21º da Lei nº 111/2015, de 27/08 - nem que se integrem em Reserva Agrícola Nacional (RAN) - e assim sujeitos à regra especial de fixação da unidade de cultura estabelecida no artº 27º do Decreto-Lei nº 73/2009, de 31/03 - terá de se atender à unidade de cultura fixada na lei comum para os respectivos terrenos e região, no caso na Região Autónoma da Madeira.
Diversamente do que sugerem os Recorridos nas conclusões 15 e 16 das suas alegações, o artº 61º da Lei nº 111/2015, de 27/08, não prevê que o diploma tenha de ser adaptado à Região Autónoma da Madeira pela respectiva Assembleia legislativa: a aplicação do diploma é de âmbito nacional, apenas se estabelecendo no nº 1 do dito artº 61º que a sua aplicação às regiões autónomas não prejudica a legislação regional existente.
O artº 61º nº 2 da citada Lei nº 111/2015, de 27/08, comete às Regiões Autónomas a fixação das unidades de cultura por via de decreto legislativo regional; e nos termos do artº 2º do Decreto Legislativo Regional nº 27/2017/M, publicado no Diário da República nº 162/2017, Série I de 23/08/2017, a unidade de cultura na Região Autónoma da Madeira está fixada em 1500 m2.
O prédio dos AA. tem 3775 m2, sendo, portanto, bem maior do que a unidade de cultura.
Assim se vê que não estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, do exercício de direito de preferência, pois os prédios não têm ambos área inferior à unidade de cultura.
Por conseguinte, os AA. não reúnem as condições legais para exercer o pretendido direito de preferência.
Sendo, deste modo, claras as razões pelas quais a reapreciação da matéria de facto seria inócua.

Aqui chegados há, pois, que concluir pela procedência do recurso com a revogação da sentença recorrida e, correspondente, improcedência da acção.

III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença de 1ª instância, e, em consequência, julga-se a acção improcedente e absolvem-se os RR. e os Chamados dos pedidos.
Custas a cargo dos Recorridos AA..
Notifique.

Lisboa, 25/09/2025
Amélia Puna Loupo
Teresa Lopes Catrola
Ana Paula Olivença