RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
PRESSUPOSTOS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONHECIMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PROTEÇÃO DA SAÚDE
JUSTO IMPEDIMENTO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


Sumário elaborado pelo relator nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do CPC
I.- Não cabe reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pela conferência que confirmou a decisão de não admissão do recurso de apelação.
II- Um acórdão da Relação que conheceu, indeferindo, uma reclamação contra decisão singular que apreciara, confirmando, um despacho em 1.ª instância que não admitira um recurso de apelação, não é, em principio, passível de recurso de revista.
III-Isto porque a situação se mostra regulada nas disposições 643.º n.º 4 e 652.º, n.º 3, do C.P.C. e a decisão singular sindicada pela via da impugnação para a conferência não o é através de recurso para o STJ.
IV.- A admissibilidade da revista excepcional só é possível desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, conforme decorre do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil.
V.- O art. 629.º, n.º 2, al. d) do CPCivil só é aplicável naquelas hipóteses em que a lei exclui a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria normalmente admissível. E não simplesmente porque se regista uma contradição de julgados a nível das Relações quanto à mesma questão fundamental de direito.
VI.- Se a revista não for admitida não há lugar ao conhecimento da nulidade do acórdão.
VII.- O não recebimento desta revista não viola os art.ºs 13.º e 64.º da C.R.P.

Texto Integral


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I.- Relatório

Reclamante: AA

Reclamada: Liberty Seguros

Em 28/5/2025 foi proferido despacho a não receber o recurso, do teor que se transcreve:

Em 23/4/2025, foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve, para melhor compreensão da questão:

“1.- AA, solteira, maior, NIF ... ... .37, residente na Rua 1, intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de acidente de viação, com processo comum, contra "Liberty Seguros" (atualmente Liberty Seguros, Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal), NIPC 500 068 658, com sede na Avenida Fontes Pereira de Melo, 6, em Lisboa, pedindo que a Ré seja condenada a pagar a quantia de € 341.550,00, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até ao efetivo e integral pagamento.

2.- Em 14/3/2024 foi proferida sentença terminando com o seguinte dispositivo: “A) julgar a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: - condenar a Ré Liberty Seguros, Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal a pagar à Autora a quantia de € 107.500,00 (cento e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a citação (27.11.2019) sobre o capital de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil) e desde a presente data sobre o capital de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos) até efetivo e integral pagamento; - Condenar a Ré Liberty Seguros, Companhia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de € 6.454,92 (seis mil quatrocentos e cinquenta e quatro e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, desde a notificação da Ré para contestar o pedido de reembolso (02.03.2020) até efetivo e integral pagamento. Custas pela Autora e pela Ré, na proporção do respetivo decaimento – artigo 527º/1 e 2, do Código de Processo Civil.

3.- Inconformada com a mesma apelou a A., em 10/5/2024, invocando justo impedimento.

4.- Em 20/5/2024 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Ré nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 140º/2, do Código de Processo Civil.

5.- Esta notificada, em 3/6/2024, veio pugnar pelo indeferimento do alegado justo impedimento.

6.- Em 25/6/2024 foi proferido despacho a julgar não demonstrado o justo impedimento alegado, não recebendo o recurso.

7.- Em 25/6/2024 a Ré - LIBERTY SEGUROS, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, - apresentou resposta, não terminando a mesma com conclusões, pugnando, pela manutenção integral da sentença, assim se fazendo JUSTIÇA.

8.- Em 11/7/2024 a A. veio nos termos do art.º 643.º, do C.P.C., apresentar reclamação do despacho que não lhe admitiu o recurso de apelação da sentença, pedindo que tal despacho seja revogado e substituído por outro que admita o recurso.

9.- Em 24/9/2024 foi proferida decisão singular, da Sr.ª desembargadora, relatora, terminando com o seguinte dispositivo: “ Em face do exposto, sem necessidade de maiores considerações, decide julgar-se improcedente a presente reclamação, não se admitindo, o recurso interposto pelo reclamante.

Custas a cargo da reclamante”.

10.- Em 7/10/2024 a A. apresenta requerimento a requerer nos termos do art.º 652.º, n.º 3, do C.P.C., que recaia acórdão sobre tal matéria.

11.- Em 7/11/2024 foi proferido acórdão a manter a decisão singular, com o seguinte dispositivo: “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo-se a decisão singular do juiz relator sob reclamação, nos seus precisos termos.

Custas a cargo da reclamante, fixando-se a respetiva taxa de justiça em uma UC.

12.º - Em 26 de novembro de 2024 a A. apresentou requerimento a pedir:

1. Que sejam reconhecidas as nulidades do Acórdão proferido e, em consequência Revisto e substituído o Acórdão recorrido, com o reconhecimento do Justo Impedimento alegado pela Requerente, e a admissão do Recurso interposto.

2. Caso assim não se entenda, seja o Acórdão reformado nos termos do artigo 613.º, n.º 3, do CPC, com a reapreciação das questões suscitadas.

3. Subsidiariamente, caso as nulidades não sejam reconhecidas ou o Acórdão não seja reformado, requer-se a admissibilidade de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671.º, CPC)”.

13.- Em 9/1/2025 foi proferido acórdão que terminou com o seguinte dispositivo:

A)- Pelo exposto, indefere-se a requerida reclamação do acórdão (indeferindo-se as arguidas nulidades e inconstitucionalidades), mantendo-se o acórdão reclamado nos seus precisos termos (indeferindo-se a peticionada reforma).

Custas do incidente de reclamação pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 1UC

Notifique.

Atento o teor do pedido subsidiário da reclamação ulteriormente e oportunamente, subam os presentes autos de reclamação ao Supremo Tribunal de Justiça (artigo 643 do CPCivil).”

14.- Em 26/2/2025 foi proferida decisão, neste Tribunal, a referir, entre o mais. “…A Relação, depois de indeferir as suscitadas nulidades e a requerida reforma, e em lugar de se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso interposto, decidiu mandar subir os autos de reclamação ao Supremo Tribunal de Justiça, atento “o teor do pedido subsidiário da reclamação”.

Sucede, no entanto, que a autora não formulou qualquer pedido subsidiário de reclamação para o Supremo, nos termos do art.º 643º do CPC.

Aliás, do acórdão proferido pela conferência que confirmou a decisão de não admissão do recurso de apelação não caberia reclamação sequer para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Ac. STJ de 9.12.2021, proc. 2290/09.4TJPRT-B.P1.S1) .

O que a autora requereu foi antes “a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art. 671º do CPC)”.

Como assim, não se admite qualquer reclamação para o Supremo, devendo os autos baixar para que a Relação se pronuncie sobre o requerimento de interposição de recurso. Sem custas”.

15.- Em 26/3/2025 foi proferido despacho a receber o recurso, do seguinte teor:

“ Na sequência do determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça cumpre este tribunal pronunciar-se sobre o requerimento de interposição de recurso nos termos do artigo 671 do CPcivil ( dado que a autora requereu subsidiariamente o pedido de admissão de recurso).

Pelo exposto, admito o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que tem subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo (artigo 671.º do C.P.C).

Notifique”.

16.- É consabido que o despacho que admita o recurso não vincula o tribunal superior (cfr. art.º 641.º, n.º 5, do C.P.C.

17.- Podendo este Tribunal entender, não admitir o recurso de revista nos termos do n.º 1, do art.º 671.º, do C.P.C., porquanto o acórdão, proferido em 7/11/2024 que manteve a decisão singular da Sr.ª desembargadora, relatora, a indeferir a reclamação do despacho de não recebimento do recurso, não se enquadrar em qualquer das situações a que alude o n.º 1, do citado art.º 671.º, como sejam (que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos).

18 - Dispõe o artigo 655.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes pelo prazo de 10 dias”.

19.- Trata-se de uma dimanação do princípio geral do contraditório consagrado, além do mais, no artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil e de um mecanismo processual destinado a garantir que são do conhecimento das partes os termos em que as questões que cumpre ao Tribunal apreciar e decidir e que sobre os respectivos fundamentos tiveram oportunidade de se pronunciar.

A previsão contida no artigo 655.º n.º 1 do Código de Processo Civil justifica-se de modo particular tendo em conta a circunstância de o recurso de revista interposto ter sido admitido pelo relator do acórdão recorrido.

20 - Assim, proceda à notificação das partes, para querendo, se pronunciarem, sobre a questão da admissibilidade ou não da revista, nos termos do n.º 1, do art.º 655.º, do C.P.C.”.

21- Feitas as notificações a que alude o art.º 655.º, do C.P.C., a recorrente apresentou requerimento datado de 8/5/2025, que se transcreve:

1. Na sequência do despacho proferido por este Supremo Tribunal, importa, antes de mais, salientar que, mesmo que se venha a considerar não se verificarem integralmente os pressupostos de admissibilidade previstos no Artigo 671.º do CPC, o presente Recurso deve necessariamente ser admitido enquanto Revista Extraordinária, nos termos conjugados dos artigos 629.º, n.º 2, alíneas c) e d); Art. 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c); Art. 674.º, n.º 1, alínea c) conjugado com os Art. 615.º e 666.º; com subida em separado Art. 675.º, n.º 2; e com os efeitos Art. 676.º n.º 3 do CPC, conforme fundamentação adiante exposta.

2. Efectivamente, está em causa neste processo não uma mera discordância com a interpretação efectuada pelo Tribunal recorrido, mas antes a existência flagrante de Nulidades Processuais e Substantivas, que implicam directamente a Violação de Direitos Constitucionais Fundamentais consagrados nos artigos 64.º (proteção na doença) e 13.º (igualdade perante a lei) da Constituição da República Portuguesa.

3. Tal violação compromete gravemente o acesso efectivo à justiça e põe em causa pilares fundamentais do Estado de Direito Democrático.

4. A questão trazida a julgamento, centrada no reconhecimento da situação de doença súbita e incapacitante do Mandatário como justo impedimento processual, assume inquestionavelmente uma relevância social muito significativa, ultrapassando o interesse específico das partes envolvidas neste processo.

5. Efectivamente, está aqui em causa a protecção efectiva do Direito Constitucional à proteção na doença (art. 64.º CRP) e o cumprimento estrito do Princípio da Igualdade perante a lei (art. 13.º CRP).

6. Não se trata meramente de um interesse particular restrito, mas sim de assegurar uma interpretação justa, humana e coerente das normas jurídicas sobre Justo Impedimento, cuja aplicação afeta directamente todos os Cidadãos e Profissionais do foro.

7. De facto, a presente situação implica consequências que transcendem o caso concreto, incidindo sobre a confiança depositada pelos Cidadãos no Sistema Judicial.

8. É necessário Garantir que situações clínicas graves, imprevistas e devidamente comprovadas através de atestados médicos fidedignos sejam reconhecidas pelos Tribunais como obstáculos legítimos ao cumprimento pontual de obrigações processuais, desde que justificadas, como ocorre claramente no presente caso.

9. Este entendimento tem particular relevância, uma vez que afecta directamente a capacidade dos cidadãos em recorrer à Justiça, influenciando a Segurança Jurídica das decisões judiciais e o respeito por Princípios Basilares do Estado de Direito Democrático, designadamente o Direito a um Acesso Efectivo e Equitativo à Justiça.

10. Ademais, esta problemática tem sido alvo de análise recorrente na Jurisprudência, destacando-se a necessidade de critérios claros e uniformes para aferir situações de Justo Impedimento por doença.

11. Não assegurar esta uniformidade interpretativa coloca em risco a confiança dos cidadãos no sistema judiciário, comprometendo valores fundamentais da nossa Ordem Jurídica e Social.

12. Assim, verifica-se que estão reunidos todos os pressupostos para admissão do presente Recurso como Revista Excecional, por se verificarem interesses de particular relevância social (art. 672.º, n.º 1, alínea b), CPC), dada a necessidade de assegurar uma aplicação justa, coerente e socialmente responsável do regime do justo impedimento por doença incapacitante.

13. Por outro lado, evidencia o Acordão recorrido, a Preterição de formalidades essenciais que determinam a Nulidade do mesmo, designadamente a manifesta Omissão de Pronúncia (art. 615.º, n.º 1, alínea d), CPC), relativamente à análise detalhada e fundamentada dos atestados médicos complementares, os quais comprovam inequivocamente a situação clínica súbita e incapacitante do Mandatário, documento essencial para aferição da existência de justo impedimento.

14. Com efeito, ao ignorar deliberadamente estes meios de prova essenciais, o Tribunal da Relação violou claramente o Princípio da Descoberta da Verdade Material e do Contraditório, omitindo as necessárias diligências probatórias, nomeadamente a obrigatória inquirição do Médico Assistente, o que configura nova nulidade processual insanável.

15. Também não existe, no Acórdão recorrido, uma fundamentação clara e suficiente que justifique o afastamento do regime do Justo Impedimento (art. 140.º do CPC), o que implica a Nulidade por Falta de Fundamentação, prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

SEM PRESCINDIR,

16. Verifica-se ainda uma manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, n.º 1, alínea c), CPC). - O Tribunal recorrido reconhece genericamente o valor probatório de atestados médicos para situações de justo impedimento, mas contraditoriamente rejeita, sem fundamentação suficiente ou razoável, os documentos apresentados pelo Mandatário, cuja validade e fidedignidade nunca foram questionadas.

17. Dito isto, cumpre esclarecer, relativamente à Jurisprudência invocada pelo Tribunal da Relação (Acórdão da Relação de Évora, Proc. N.º 86/16.6T8CCH.E1), que a mesma não é aplicável à situação sub judice, pelas seguintes razões:

Naquele caso, estava em causa um atraso de Mês e meio no cumprimento do prazo processual e a mandatária praticou actos noutros processos, o que não ocorre na situação presente, em que o atraso foi apenas de 1 (um) dia, devidamente justificado pela situação clínica impeditiva do Mandatário.

Exigia-se naquela situação um substabelecimento, exigência que não pode ser colocada de forma idêntica no presente caso, dado o curto período de atraso (1 dia) e o carácter imprevisto e súbito da doença.

18. Ademais, o Acórdão recorrido está em contradição com a Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça (STJ, Processo 04B4800, de 15.03.2005) e do Tribunal da Relação do Porto (Ac. TRP, Processo nº 1-A/1999.P1, de 26.01.2010), segundo os quais, em situações de dúvida quanto ao carácter incapacitante da doença alegada em Justo Impedimento, o Tribunal está obrigado a solicitar informações complementares, antes de decidir negativamente a questão suscitada – o que não foi cumprido no caso sub judice, pelo que se junta cópia integral dos referidos Acordãos – Fundamento.

EM SUMA,

19. Se não se entender aplicável o regime de admissibilidade previsto no artigo 671.º CPC, é inequívoco que estão plenamente reunidos os pressupostos para a admissibilidade do presente Recurso enquanto Revista Extraordinária, face às nulidades apontadas e à necessidade imperiosa de Garantir a correcta aplicação da lei, uniformidade da Jurisprudência e a Protecção dos Direitos Constitucionais Fundamentais em causa”.

Apreciando.

21.- São vários os pontos analisar, a saber:

i)- Se a revista normal deve ser recebida;

ii)- Caso assim, não se entenda ser recebida a revista extraordinária, nos termos conjugados dos artigos 629.º, n.º 2, alíneas c) e d) e art. 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c).

iii)- Recebido por o acórdão recorrido ter violado o preceituado nas alíneas b) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

iv)- Saber se foram violados os art.ºs 13.º e 64.º da C.R.P.

Por uma questão de método iremos analisar cada um dos pontos,

Assim,

Ponto i)

22 – Refere a recorrente que o recurso de revista normal deve ser recebido.

Diga-se, desde já, que quanto a esta matéria não assiste razão à recorrente, pelas seguintes razões:

i)- Primeiro, já foi utilizado o instrumento da reclamação para o Tribunal da Relação prevista artigo 643.º e já foi utilizado o instrumento da reclamação para a Conferência da decisão singular previsto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC.

ii) Depois, quanto ao recurso de revista, esse está vedado neste caso, pois, ao contrário do que se prevê no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não está em causa um acórdão “que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidas”.

iii) Confirmando esta conclusão afirma Abrantes Geraldes, in Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p. 353 (nota 507), a propósito do alcance do artigo 671.º, n.º 1, do CPC: “Apenas deve ser feita uma restrição relativamente aos casos despoletados a partir da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação, pois este mecanismo processual, além de já assegurar o segundo grau de jurisdição, nunca integrou historicamente a possibilidade de, a partir dele, se projetar a interposição de recurso de revista, como defendo na anot. ao art. 643.º”

iii)- O mesmo autor, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 195, comentando, o artigo 643.º, é ainda mais categórico: “(…) não é de admitir recurso de revista do acórdão da Relação que confirme a decisão da 1.ª instância de rejeição do recurso de apelação”

iv)- A Jurisprudência deste Tribunal vai neste sentido (cfr. entre outros Acs. de 19.02.2015, Proc. n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, 21.02.2019, Proc. 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, de 9 de Dezembro de 2019, proc.º n.º 2290/09.4TJPRT-B.P1.S1, relatado por Catarina Serra.

v)- Assim, um acórdão da Relação que conheceu, indeferindo, uma reclamação contra decisão singular que apreciara, confirmando, um despacho proferido em 1.ª instância que não admitira um recurso de apelação, não é, em principio passível de recurso de revista, isto, porque a situação se mostra regulada nas disposições combinadas dos art.ºs 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3 e a decisão singular é sindicada pela via da impugnação para a conferência e não através de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

vi)- Pelo exposto e quanto a este ponto a pretensão da recorrente improcede.

Ponto ii

23. A recorrente refere que a revista extraordinária deve ser recebida, até por força das alíneas c) e d), do n.º 2, do art.º 629.º, do C.P.C.

i)- Não estamos perante um caso em que a revista normal não é admitida por haver dupla conforme.

ii) Ou seja, como afirma a generalidade da doutrina e da jurisprudência:

“Mesmo que se conceba a relevância jurídica do caso e/ou a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos, pelos Tribunais Superiores, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, cumpre observar que para o reconhecimento e consequente admissibilidade da excepcionalidade da revista, torna-se necessário notar que para além da satisfação de um dos pressupostos previstos no art.º 672º n.º 1 do Código de Processo Civil, a admissibilidade da revista excepcional só é possível desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, conforme decorre do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil.

iii)- Não sendo admissível a revista em termos gerais, por motivo distinto da conformidade de julgados, encontra-se excluída a admissibilidade da revista excepcional, daí que, não reunindo o recurso as condições de admissibilidade, não pode esta pretensão da recorrente proceder (cfr. entre outros Acs. S.T.J. 21/1/2021, pº 2549/15.1T8AVR.P2.S1, relatado por Oliveira Abreu, 26/1/2021, pº 5835/09.6YYPRT-D.P1.A.S1, relatado por Fátima Gomes, 22/2/2018, pº 2219/13.5T2SVR.P1.S1, relatado por(Maria do Rosário Morgado – reproduzido no blog do ippc, entrada 82 de 28/9/2018 e de 29/4/2025, proc.º n.º 612/09.7TMBRG-J.G1.S1, relatado por Nelson Borges Carneiro, onde fomos 1.º adjunto) e na doutrina, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC Anotado, 3º, tomo I, 2ª ed., pg. 156, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., pgs. 246 e 247, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pgs. 313 a 315, e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2ª ed., pgs. 839 a 841.

Assim, por aqui a revista extraordinária não seria admissível.

iv)- Será a mesma admitida, lançando mão do art.º 629.º, n.º 2, alíneas c) e d), como parece pretender a recorrente?

v)- No que concerne à alínea c), a pretensão da recorrente falece, desde logo, por não vislumbramos que a questão em causa vá contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

vi)- Quanto à alínea d)

A reclamante/recorrente baseia essencialmente a sua tese na letra do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, mormente na al.ª d) em conjugação com o art.º 672, n.º 1, alíneas a), b) e c).

Preceitua a al.ª d), do n.º 2 do art.º 629.º, do C.P.C.

“2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”

vii- O recurso previsto no citado artigo 629.º, n.º 2, alínea d), encontra o seu precedente histórico no artigo 678.º, n.º 4, do CPC anterior à Reforma de 2007.

viii)- Este preceito foi, por sua vez, introduzido no regime de recursos civis pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, dispondo que «É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça».

Tal redação foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que suprimiu a referência ao processamento do recurso nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC.

ix)- O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que operou a reforma do CPC anterior à vigente, centrada essencialmente em matéria de recursos e movida por objetivos de simplificação, celeridade processual e racionalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuou, deste modo, a sua função de orientação e uniformização de jurisprudência, revogando o artigo 678.º, n.º 4, do CPC.

x)- O recurso prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça – como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370.º, n.º 2, do CPC).

xi)- No mesmo sentido, a doutrina (Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 2 de junho de 2015, Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2015/06/jurisprudencia-157.html), entende que «o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível». Afirma o autor que «há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação)», desde logo, porque «se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC». (cfr. neste sentido, entre outros Acs. do S.T.J. de 17-11-2015, proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1, relatado por Gabriel Catarino, de 8/10/2020, proc.º n.º 824/17.0T8PTL-A.G1-A.S1, relatado por Oliveira Abreu e de 26/11/2019, proc.º n.º 1320/17.0T8CBS.C1-A.S1, relatado por Maria Clara Sottomayor)

xii)- Assim, defende que «a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excecional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista "ordinária" não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição», na medida em que só «nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC».

xii)- Resumindo o que entende ser a fórmula que traduz a teleologia do «art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC», o mesmo autor conclui que «este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal», justificando que dada a «exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária», sendo que é «precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC» (cfr. neste sentido, entre outros Ac. do S.T.J. de de 26/11/2019, proc.º n.º 1320/17.0T8CBS.C1-A.S1, relatado por Maria Clara Sottomayor).

xiii)- Em suma, o art. 629.º, n.º 2, al. d) do CPCivil só é aplicável naquelas hipóteses em que a lei exclui a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria normalmente admissível. E não simplesmente porque se regista uma contradição de julgados a nível das Relações quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. entre outros Ac.s STJ 17.01.2023, proc.º 8988/19.1T8VNG-D.P1.S1, relatado por António Barateiro Martins), o que manifestamente não é o caso.

xiv – Assim, a pretensão da recorrente nesta vertente improcede.

Ponto iii

24.- Refere a recorrente que o recebido por o acórdão recorrido ter violado o preceituado nas alíneas c) e d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C.

i)- Diga-se, desde já, que quanto a este ponto também não assiste razão à recorrente.

Na verdade, de acordo com o que preceitua o n.º 4 do art. 615.º do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação por remissão do disposto no n.º 1 do art. 666.º do mesmo Código, “as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”.

ii)- A este respeito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sublinhado que, sendo o acórdão de apelação susceptível de recurso de revista, a nulidade deve ser no mesmo arguida, como fundamento do recurso a submeter ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 615.º, n.º 4, 666.º e 679.º, do CPC.

iii)- Caso contrário, as nulidades deverão ser arguidas, a título incidental, perante o tribunal que proferiu a decisão (cfr. neste sentido, os acórdãos de 24-11-2016, proc. n.º 470/15.2T8MNC-A.G1.S1, não publicado, de 10-10-2017, proc. n.º 198/10.0TBCBC.G3.S1, não publicado, de 11-11-2020, proc. n.º 6854/18.7T8PRT-F.P1.S1, de 26-01-2021 (proc. n.º 103/06.8TBMNC.G1.S1, de 10-05-2021, proc. n.º 1641/19.8T8BRR.L1.S1, de 14-07-2021, proc. n.º 3791/19.1T8STS.P1-A.S1, de 08-09-2021, proc. n.º 4054/20.5T8VNF-A.G1-A.S1, de 19-10-2021 (proc. n.º 689/15.6T8EVR.E1-A.S1, de 18-01-2022, proc. n.º 6798/16.7T8LSB-A.L2.S1, de 29-09-2022, (proc. n.º 19864/15.7T8LSB.L1-A.S1, de 7 de fevereiro de 2025, proc.º n.º 4001/19.7T8FAR.E3-A.S1 e de 4 de Abril de 2024, proc.º n.º 5223/19.6STB.E1.S1) disponíveis em www.dgsi.pt.

Na mesma linha, Abrantes Geraldes (ob. cit., págs. 475-476) realça que a transposição do regime do art. 615.º por via do art. 666.º “implica que só poderão ser autonomamente arguidas as nulidades de acórdãos se acaso não for admissível recurso de revista. Sendo este admissível, é nas alegações de recurso que deverão ser integradas, dando à Relação a possibilidade de, em conferência, sobre as mesmas se pronunciar, nos termos do art. 641.º, n.º 1”.

iv- Não havendo lugar a revista pelas razões acima expostas, esta pretensão da recorrente naufraga (cfr. neste sentido ainda Ac. do S.T.J., de 12/12/2024, proc.º 1008/22.0T8ANS-A.C1.S1, relatado por Isabel Salgado, onde se refere:

“Se a revista não for admitida não há lugar ao conhecimento da nulidade do acórdão por omissão de pronuncia”.

v- Pelo exposto, também esta pretensão não pode proceder.

Ponto iv

25.- Refere a recorrente a não entender-se ser admissível o recurso de revista há violação dos art.ºs 13.º e 64.º da C.R.P.

i)- Preceitua o art.º 13.º, da CRP

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Operando à leitura dos autos não vislumbramos que a recorrente tivesse um tratamento diferente da recorrida.

O tratamento foi o mesmo, e nem se verifica qualquer desigualdade de armas da recorrente e da recorrida.

Assim, nesta vertente improcede a pretensão da recorrente.

ii)- Preceitua o art.º 64.º, da CRP

“1- Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

2. O direito à protecção da saúde é realizado:

a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;

c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.

4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.”

Operando à leitura dos autos não vislumbramos, onde tenha sido violado tal preceito, ou seja, que tenha sido violado o direito à saúde da recorrente.

Assim, improcede esta pretensão da recorrente.

26- Face ao exposto, e pelas razões explanadas não se admite a revista.

Sem custas, por o despacho que não recebe o recurso não ser um incidente.

2.- Em 11/6/2025 a recorrente fez entrar requerimento a reclamar para a conferência nos termos do art.º 652, n.º 3, do C.P.C., do seguinte teor:

1. Está em causa a recusa de conhecimento de um Recurso por alegado incumprimento do prazo legal (um dia), não obstante ter sido invocado Justo Impedimento por comprovado estado de doença súbita do Mandatário judicial, através de Atestado Médico válido e aceite pelo Tribunal a quo.

2. Isto porque, o Atestado não descrevia os sintomas, conforme pretendia o Tribunal de 1ª instancia. E nem podia, sob pena de violação do estatuto da Ordem dos Médicos.

3. O médico assume a responsabilidade da declaração que está a fazer e não deve explicar a natureza da doença. O atestado ou é falso e como tal inválido, ou é verdadeiro e consequentemente válido pela exposição genérica que faz.

4. A razão de sigilo são os interesses pessoais do doente. - Veja-se o exemplo dum Mandatário (doente oncológico) e o facto do atestado estar a expô-lo perante os Juízes e demais Advogados com consequências ao nível da sua dignidade pessoal, privacidade e até eventual estigmatização profissional, colocando-o numa posição de vulnerabilidade indevida perante Magistrados, Colegas e partes adversas, em violação do seu Direito Fundamental à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

5. Tal como exposto em sede de alegações, a decisão recorrida implica a violação dos artigos 20.º, 13.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao frustrar o Acesso ao Direito e aos Tribunais por motivos estritamente médicos, revelando uma postura formalista e desproporcional face à gravidade da causa.

6. Ademais, conforme desenvolvido no artigo “Restrições à admissibilidade do recurso de revista e revista excepcional”, da Exma. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, publicado na 1.ª Edição da Revista do STJ, a admissibilidade da Revista Excepcional deve ser compreendida à luz de uma função sistémica de correcção de decisões que comprometam a Justiça material e valores estruturantes do Estado de Direito.

7. Defende em sintese que a Revista Excepcional deve funcionar como válvula de protecção do sistema jurídico, quando as restrições formais ao Recurso Ordinário criem risco de injustiça material, em especial quando estejam em causa Direitos Fundamentais ou matérias de relevância jurídica transversal.

8. Refere ainda a Exma. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, que uma formação de três dos juízes mais antigos das secções cíveis, anualmente designados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, traduziu-se em considerar que razões de excepcional relevância jurídica ou social aconselham a apreciação do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou que o acórdão recorrido se encontra em contradição com um acórdão anterior do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações, sobre a mesma questão fundamental de Direito, desde que o Acórdão recorrido não esteja de acordo com Jurisprudência já uniformizada.

9. «Duas notas merecem desde já ser destacadas: a primeira é a de que, salvo no caso de oposição de jurisprudência, no qual a decisão da formação de juízes que aprecia a admissibilidade da revista excepcional é estritamente vinculada, a admissão do recurso por excepcional relevância jurídica ou social é discricionária, o que constitui caso isolado em Processo Civil e explica a composição da referida formação de juízes, bem como a regra de que a decisão sobre a admissão da revista excepcional deva ser "sumariamente fundamentada" e seja insusceptível de reclamação ou de recurso.

10. A segunda é a de que esta intervenção da formação de juízes, cuja decisão é definitiva e não admite, nem reclamação, nem recurso (n.º 4 do artigo 672.º do CPC ), consubstancia um desvio à regra de que o poder de decisão sobre a admissibilidade de um Recurso cabe, em último caso, ao Colectivo que o vai julgar - pode dizer-se que é assim mesmo tendo havido reclamação por não admissão de recurso.»

11. Por outro lado, a decisão recorrida não se limitou a um mero despacho interlocutório, mas pôs termo à possibilidade de recurso quanto ao mérito da causa, ao rejeitar o justo impedimento invocado com base em comprovada incapacidade médica do Mandatário.

12. Tal rejeição encerra o processo de Recurso, produzindo efeitos preclusivos sobre o direito ao recurso e ao contraditório, direitos esses Constitucionalmente garantidos.

13. Como salienta Abrantes Geraldes, as normas de recorribilidade devem ser interpretadas no sentido de favorecer a tutela efectiva dos direitos, optando-se sempre pela interpretação mais conforme à Constituição (cfr. a Revista do STJ, 4ª Edição).

14. Assim, deve o Recurso ser admitido como Revista Excepcional, atenta:

a) a relevância social e constitucional da questão do justo impedimento por doença;

b) a existência de nulidades processuais (arts. 615.º, n.º 1, als. b), c) e d));

c) a contradição jurisprudencial sobre o tratamento dado a atestados médicos como prova de justo impedimento (art. 629.º, n.º 2, al. d)).

15. In casu, a matéria em apreço revela uma clara divergência interpretativa na Jurisprudência das Relações e do próprio STJ quanto à aplicação do regime do justo impedimento por doença súbita do mandatário, demonstrando-se inadmissível que o Tribunal ignore documentos médicos válidos e devidamente apresentados, recusando-os sem diligências adicionais, o que contraria a Jurisprudência firmada do próprio STJ (v.g. proc. 04B4800, de 15.03.2005).

16. Para além disso, como bem observa a Doutrina, o artigo 629.º, n.º 2, al. d) do CPC permite expressamente a interposição de revista quando o Acórdão da Relação contrarie outro Acórdão da mesma ou outra Relação, sobre a mesma questão de Direito, não cabendo recurso ordinário por motivo estranho à alçada — situação claramente verificada nos autos (cfr. Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed.).

17. A situação sub judice configura precisamente o caso duma interpretação excessivamente formalista do artigo 139.º do CPC, que ignora um Atestado Médico autêntico e nega a apreciação do mérito da causa por uma questão meramente formal, sem ponderar o Justo impedimento invocado.

18. O reconhecimento judicial da doença súbita como justo impedimento válido não é uma questão meramente particular.

Pelo contrário, envolve a concretização de Direitos Fundamentais de Dignidade Humana e saúde no processo judicial, sendo tema que transcende o caso concreto.

19. Deve assim, o Supremo Tribunal de Justiça assumir a sua função uniformizadora e orientadora, e pronunciar-se, em sede de conferência, sobre esta questão de grande impacto prático para toda a comunidade jurídica.

20. A decisão singular ora proferida limita-se a rejeitar liminarmente o recurso, ignorando a relevância dos Direitos Constitucionais invocados, a Doutrina pacífica sobre a natureza excepcional da revista (art. 672.º, n.º 1, al. a), e b) ), e a inexistência de Jurisprudência consolidada do STJ em sentido contrário (art. 672.º, n.º 1, al. c)).

21. Verifica-se assim preterição de análise substancial, que deve ser suprida pela submissão da matéria à conferência, nos termos legalmente previstos”.

Apreciando

Ponderando os elementos invocados pela recorrente, e após nova ponderação e estudo, sobre a matéria em causa, não vislumbramos razão para alterar a decisão singular proferida e acima citada.

Continuamos a pensar face aos argumentos expostos na mesma que o recurso não pode ser admitido.

Assim, face ao exposto, mantemos a decisão singular proferida, agora por acórdão.

Decisão

Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de impugnação da decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada, confirmando-a nos precisos termos.

Custas pela recorrente fixa-se a taxa de justiça em 3 UC.

Lisboa, 16/9/2025

Pires Robalo (relator)

Henrique Antunes (adjunto)

Nelson Borges Carneiro (adjunto)