RECURSO DE REVISÃO
BURLA QUALIFICADA
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REJEIÇÃO
Sumário


I. No caso dos autos, o pedido formulado nunca pode, por expressa imposição legal, vir a ser de passível deferimento, já que o recorrente funda o seu pedido de revisão, no nº1, alínea d) do artº 449 do C.P.Penal, que dispõe mostrar-se a mesma admissível se se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
II. Sucede, todavia, que o pedido que o recorrente formula, com base em tal fundamento, é o de alteração da medida da pena, sendo que o nº3 do mesmíssimo artº 449 do C.P.Penal, expressamente determina que com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
II. O arguido insurge-se que não tenha sido dado como provado que o arguido ora recorrente sempre se esforçou por obter os créditos dos seus clientes, subscrevendo contratos e procurando entidades autorizadas para conceder tais créditos.
III. Sucede, todavia, que a questão que interessa aos autos, não é a de saber se, em relação a outras pessoas, que não as lesadas/ofendidas, identificadas nestes autos, o arguido se esforçou ou não por tal.
E o que sucede é que os documentos que junta, se reportam todos a pessoas que não estão identificadas como as lesadas/ofendidas.
IV. O que daqui resulta, é simples – se esses documentos não têm qualquer relação com a matéria de facto que se mostra dada como assente, porque se não referem a nenhuma das pessoas que são identificadas como lesadas/ofendidas, neste processo, ainda que o que aí consta se mostre verdadeiro e novo (que se desconhece se assim é), é absolutamente irrelevante para efeitos de contradição de prova do que se mostra dado como provado.
V. Daqui decorre que tais eventuais meios probatórios, ainda que verídicos e inovatórios, seriam insusceptíveis de suscitarem sequer dúvidas sobre a justiça da condenação, quanto mais graves dúvidas.

Texto Integral

Acordam em conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


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I – relatório

1. No processo acima identificado foi proferido acórdão, já transitado em julgado, que condenou (entre outros) o arguido AA1, pela prática de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1, e 218°, n° 2, als. a), b) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

2. O ora recorrente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, da decisão prolatada pelo tribunal de 1ª instância, que negou provimento ao seu recurso.

Recorreu igualmente para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse não admitido e viu a sua reclamação rejeitada por este mesmo Tribunal. Interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que foi rejeitado.

3. O condenado AA1 vem agora interpor recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artº 449.º, n.º 1 d) do C.P.Penal, por entender que, atentos os novos meios de prova juntos aos autos, se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, designadamente porque entende que esta nova versão dos factos de que efectivamente pelo arguido eram realizados diversos esforços para obter a aprovação dos créditos dos clientes terá, no entender da defesa, diferente qualificação dos factos com relevância direta para a descoberta da verdade material e, consequentemente, na medida concreta da pena.

4. O MºPº apresentou resposta, pronunciando-se pela improcedência do pedido de revisão.

5. O Mº Juiz “a quo” lavrou informação sobre o processo, nos seguintes termos:

Nos autos a que estes se encontram apensos, AA1 foi condenado, por decisão transitada em 20.12.2024, pela prática de em autoria material, na forma consumada de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, als. a), b) e d), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.

Mais foi condenado ao pagamento das seguintes quantias 126.855,00€ (a título solidário com AA2 e AA3); e a título individual a quantia de 162.192,40€, num total de 289.047,40€ (duzentos e oitenta a nove mil e quarenta e sete Euros e quarenta Cêntimos.


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Analisado o requerimento de interposição de recurso, constata-se que aí foi alegado, em síntese, que o arguido pretende tão só que se opere a revisão dos meios de prova existente nos autos, nomeadamente, os documentos que foram por si juntos com o recurso da decisão da 1ª Instância para o Tribunal da Relação e cuja admissão foi requerida, os quais só foram juntos nessa altura por não ter sido possível apresenta-los até à Audiência de Julgamento, de molde a dar como provado que o arguido ora recorrente sempre se esforçou por obter os créditos dos seus clientes, subscrevendo contratos e procurando entidades autorizadas para conceder tais créditos, e que implicará que se dêem como não provados os pontos 28 , 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395 da matéria dada como provada no Acórdão da Primeira Instância, os quais devem cair, uma vez que não se fez qualquer prova dos mesmos, como competia ao M.P. fazer, e nem sequer consta na fundamentação da matéria dada como provada a razão da inclusão de tais factos.

Mais refere que apenas apresentou tais documentos no recurso para o tribunal da relação por se ter conseguido recuperar um disco rígido danificado de um computador, onde se recolheram tais documentos que agora se voltam a juntar, julgam-se relevantes para a apreciação da prova, nomeadamente para efeitos de estabelecer a verdade material.

Acrescenta que tais documentos infirmam o concluído na 1.ª instância de que os arguidos nunca diligenciaram pela concretização de qualquer empréstimo da favor de , que nunca lhe foi concedido”.

Requer seja renovada a prova, e consequentemente apreciados os documentos ora juntos, para um efectivo apuramento da verdade material dos factos, e não de apreciação indiciária.

Juntou 22 documentos.


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O recurso foi recebido e autuado por apenso bem como admitida a prova documental junta.

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O M.P apresentou a sua resposta nos seguintes termos: Os documentos ora apresentados pelo arguido recorrente estão directamente relacionados com as seguintes pessoas: AA4, AA5, AA6, AA7, AA8, AA9, AA10, AA11, AA12, AA13, AA14, AA15, AA16, AA17, AA18, AA19, AA20, AA21, AA22 e AA23.

Lendo os factos dados como provados no acórdão recorrido e que o arguido recorrente entende deverem ser dados como não provados, face aos documentos ora juntos, verificamos que os nomes que dali constam como tendo sido pessoas a favor das quais os arguidos, designadamente o recorrente, nunca tinham diligenciado pela concretização de qualquer empréstimo de dinheiro, sãos os seguintes: AA24, AA25, AA26, AA27, AA28, AA29, AA30, AA31, AA32, AA33, AA34, AA35, AA36, AA37, AA38, AA39, AA40, AA41, AA42, AA43, AA44, AA45, AA46, AA47, AA48, AA49, AA50, AA51, AA52, AA53, AA54, AA55, AA56, AA57, AA58, AA59, AA60, AA61, AA62, AA63, AA64, AA65, AA66, AA67, AA68, AA69, AA47, AA33 e AA70.

Verificamos, assim, de forma absolutamente clara que não há qualquer correspondência entre as pessoas a que se reportam os documentos ora juntos com os ofendidos/lesados dos presentes autos, não se vislumbrando qual a razão pela qual entende o arguido AA1 que, com base nos mesmos, se devem dar como não provados os pontos 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395 da matéria dada como provada no acórdão proferido em 1ª instância.

Quer isto dizer que os documentos ora apresentados pelo recorrente como novos meios de prova não se opõem a qualquer dos factos dados como provados, nomeadamente àqueles factos essenciais para fundamentação da condenação.

Desses novos meios de prova, ainda que se tenham por bons, nada se retira que contrarie a factualidade dada como provada ou que, conjugadamente com esta ou com os meios de prova anteriormente produzidos, leve sequer a supor que, de um novo julgamento, pode resultar uma alteração da matéria de facto dada como provada.

Pelo exposto, inexiste fundamento para a revisão pretendida pelo recorrente.”

Atendo-nos às alegações da assistente e do Ministério Público, teremos prima facie que balizar a informação sobre o mérito na reunião dos fundamentos e admissibilidade da revisão da sentença. E não podemos deixar de concluir nos precisos termos analisados pelo M.P a cuja fundamentação aderimos na íntegra, concluindo-se que a nova prova documental ora produzida nada trouxe de novo e relevante aos autos, mormente no sentido de sustentar a alegação do recorrente.


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Concluindo, não existe qualquer novidade relevante e fidedigna nos meios de provas em que o arguido se sustenta para procurar beneficiar da revisão da sentença (alínea d) do nº 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal).

Assim sendo, de tudo o que acima se expendeu resulta que, salvo melhor e mais avisada opinião em contrário, não assiste qualquer razão ao recorrente.


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Nestes termos, em face de tudo quanto acima se consignou e salvo a sempre melhor e avisada posição dos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, considera-se que o pedido em evidência deverá improceder e, em consequência, não deverá conceder-se a revisão da decisão condenatória proferida nos autos principais.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o ilustre PGA emitiu parecer subscrevendo a posição assumida pelo MºPº e pela Mª Juíza “a quo”.

7. Mostrando-se o recurso instruído com os pertinentes elementos, face ao já constante nos autos e nada obstando ao seu conhecimento, colhidos os vistos foi o processo remetido à Conferência (artigo 455º, nºs 2 e 3, do CPPenal).

II – questão a decidir.

Mostram-se preenchidos os requisitos legais consignados no artigo 449.º, n.º 1, al.d), do C.P.Penal, que tornam admissível a revisão de sentença transitada em julgado?

iii – fundamentação.

1. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte:

I. O ora recorrente foi condenado na pena de seis anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217°, n.° 1 e 218°, n.° 2, als. a), b) e d) do Código Penal, e ainda ao pagamento de 126.855 € (a título solidário com os arguidos AA2 e AA3), e a título individual a quantia de 162.192€, num total de 289.047€.

II. O recorrente pretende tão só que se opere a revisão dos meios de prova existente nos autos, nomeadamente, os documentos que foram por si juntos com o recurso da decisão da 1ª Instância para o Tribunal da Relação e cuja admissão foi requerida, os quais só foram juntos nessa altura por não ter sido possível apresenta-los até à Audiência de Julgamento, de molde a dar como provado que o arguido ora recorrente sempre se esforçou por obter os créditos dos seus clientes, subscrevendo contratos e procurando entidades autorizadas para conceder tais créditos.

III. Assim, a factualidade dada como provada nos pontos 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395 do Acórdão da 1ª Instância não resulta da prova produzida em sede de julgamento,

IV. e o enquadramento e qualificação jurídica dos factos e a consequente condenação em virtude dos mesmos é contrariada por novos meios de prova.

V. E isto adensa a dúvida, que nunca pode ter sido verdadeiramente afastada, uma vez que os contratos entre os arguidos e os clientes nunca foram sequer comunicados.

VI. Os documentos a que o recorrente teve acesso após a audiência de julgamento, por se ter conseguido recuperar um disco rígido, e agora juntos, são prova mais que inequívoca de que o arguido, após os contactos telefónicos com os clientes, desenvolveu vários esforços para obter a aprovação dos créditos desejados pelos clientes.

VII. Factos estes que permitem a reposição da verdade material, e que permitem aferir que o douto Acordão condenatório mostra-se injusto face aos novos meios de prova que neste momento são postos ao conhecimento e consideração do Tribunal.

VIII. Esta nova versão dos factos de que efectivamente pelo arguido eram realizados diversos esforços para obter a aprovação dos créditos dos clientes terá, no entender da defesa, diferente qualificação dos factos com relevância direta para a descoberta da verdade material e, consequentemente, na medida concreta da pena.

IX. Nenhuma das testemunhas ouvida em sede de audiencia de discussão julgamento afirmou a “mantra” repetidamente constantes nos pontos 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395 do Acordão da 1ª Instância, de que: “Os arguidos nunca diligenciaram pela concretização de qualquer empréstimo da favor de ...”,

X. e os documentos agora juntos vêm provar efectivamente o contrário.

XI. Sem que tenha havido inversão do ónus da prova, o arguido demonstra a inconsistência do “mantra”.

XII. E uma vez que estes novos documentos não podem ser apreciados em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverão os mesmos ser apreciados em sede de recurso extraordinário de revisão.

Assim, e sem prescindir o Douto Suprimento de V. Exas. Deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser admitida a Revisão do Acordão Condenatório, e consequentemente a produção destes meios de prova, nos termos do art. 449º do C.P.P..

2. Resulta do processo e da certidão junta (bem como da consulta dos autos, via Citius), a seguinte matéria de facto, relevante para a decisão:

a. Por acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância, o arguido AA1 foi condenado, pela prática de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217°, n° 1, e 218°, n° 2, als. a), b) e d), do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

b. Esta condenação veio a ser confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, já transitado em julgado, uma vez que os recursos interpostos pelo condenado, para o STJ e para o T.Consticucional, foram rejeitados.

c. Nessa decisão, no que concerne aos pontos de facto 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395, foi aí dado como provado, no que toca aos ofendidos/lesados que infra se indicam, o seguinte:

Sucede que, os arguidos AA3, AA2 e AA1 e a sociedade D.........., tal como eram seus propósitos, nunca diligenciaram pela concretização de qualquer empréstimo de dinheiro a favor de …., que nunca lhe foi concedido, nem nunca lhe entregaram a quantia em causa.

d. Os ofendidos/lesados a que se reportam os pontos de facto 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395, são os seguintes:

AA24, AA25, AA26, AA27, AA28, AA29, AA30, AA31, AA32, AA33, AA34, AA35, AA36, AA37, AA38, AA39, AA40, AA41, AA42, AA43, AA44, AA45, AA46, AA47, AA48, AA49, AA50, AA51, AA52, AA53, AA54, AA55, AA56, AA57, AA58, AA59, AA60, AA61, AA62, AA63, AA64, AA65, AA66, AA67, AA68, AA69, AA47, AA33 e AA70.

e. O recorrente juntou documentos a estes autos, que estão directamente relacionados com as seguintes pessoas:

AA4, AA5, AA6, AA7, AA8, AA9, AA10, AA11, AA12, AA13, AA14, AA15, AA16, AA17, AA18, AA19, AA20, AA21, AA22 e AA23.

4. Apreciando.

O artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do C.P.Penal estabelece a possibilidade de revisão de sentença transitada em julgado, como remédio excepcional, admissível apenas quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

É jurisprudência constante que o recurso de revisão não constitui uma terceira instância, nem uma via de correcção de eventuais erros judiciais.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 482/91.0gbvrm-a.s1, 3ª secção, de 10-03-2011 (consultável em www.dgsi.pt), Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).

Tais limites, em termos da legislação infraconstitucional, são colocados pelos requisitos cumulativos que se mostram exigíveis, constantes da mencionada al. d), designadamente, que ocorra novidade objectiva dos elementos de prova, potencialidade de alteração do iter decisório e gravidade da dúvida gerada.

5. No caso dos autos, e independentemente sequer da averiguação concreta dos fundamentos apresentados pelo recorrente, a verdade é que o pedido formulado nunca pode, por expressa imposição legal, vir a ser de passível deferimento.

Efectivamente, o recorrente funda o seu pedido de revisão, no nº1, alínea d) do artº 449 do C.P.Penal, que dispõe mostrar-se a mesma admissível se se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Sucede, todavia, que o pedido que o recorrente formula, com base em tal fundamento, é o de alteração da medida da pena.

É o que resulta inequívoco da sua conclusão VIII. Esta nova versão dos factos de que efectivamente pelo arguido eram realizados diversos esforços para obter a aprovação dos créditos dos clientes terá, no entender da defesa, diferente qualificação dos factos com relevância direta para a descoberta da verdade material e, consequentemente, na medida concreta da pena.

Ora, sucede que o nº3 do mesmíssimo artº 449 do C.P.Penal, expressamente determina que com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

Assim sendo, como é, constata-se que o peticionado pedido de revisão constitui um nado-morto, uma vez que o fim com que é proposto não é admitido como fundamento de revisão, nos casos, como o dos autos, em que se invocam novos meios de prova.

6. Todavia, e ainda que tal não fosse o caso, a verdade é que, independentemente da verificação ou não dos restantes requisitos, no que toca à novidade objectiva dos elementos de prova capazes de suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o mesmo, patentemente, não se mostra presente.

De facto, e independentemente da questão de saber se os documentos juntos pelo recorrente têm sequer a virtualidade de sustentar a factualidade que alega ser nova e neste recurso expõe, o problema é que o que consta em tais documentos não tem qualquer influência no que toca à matéria de facto dada como assente, que o recorrente entende mostrar-se incorrecta.

De facto, aquilo contra o qual o arguido se insurge, é que não tenha sido dado como provado que o arguido ora recorrente sempre se esforçou por obter os créditos dos seus clientes, subscrevendo contratos e procurando entidades autorizadas para conceder tais créditos.

Sucede, todavia, que a questão que interessa aos autos, não é a de saber se, em relação a outras pessoas, que não as lesadas/ofendidas, identificadas nestes autos, o arguido se esforçou ou não por tal.

E o que sucede é que os documentos que junta, como aliás bem refere o MºPº na sua resposta, o juiz do tribunal “a quo” e o PGA, se reportam todos a pessoas que não estão identificadas como as lesadas/ofendidas, a que se referem os pontos de facto 28, 31, 57, 64, 71, 78, 85, 93, 100, 107, 113, 119, 126, 113, 139, 145, 152, 158, 164, 171, 177, 182, 188, 194, 200, 206, 212, 219, 226, 232, 238, 245, 251, 257, 254, 292, 302, 308, 314, 321, 327, 333, 340, 347, 354, 361, 368, 376, 382, 388 e 395

7. O que daqui resulta, é simples – se esses documentos não têm qualquer relação com a matéria de facto que se mostra dada como assente, porque se não referem a nenhuma das pessoas que são identificadas como lesadas/ofendidas, neste processo, ainda que o que aí consta se mostre verdadeiro e novo (que se desconhece se assim é), é absolutamente irrelevante para efeitos de contradição de prova do que se mostra dado como provado.

Daqui decorre que tais eventuais meios probatórios, ainda que verídicos e inovatórios, seriam insusceptíveis de suscitarem sequer dúvidas sobre a justiça da condenação, quanto mais graves dúvidas.

Assim, há que concluir que a argumentação em que o recorrente funda a sua discordância quanto à apreciação da prova que foi feita, não integra factos ou meios de prova novos, nem constitui motivo de revisão, antes se reportando a uma tentativa de nova reapreciação de prova, com base no facto de o recorrente discordar da convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, o que se reconduz à tentativa de transformar este recurso extraordinário num recurso ordinário, o que não tem acolhimento legal.

8. Soçobrando um dos requisitos cumulativos previstos na al. d) do nº1 do artº 449 do C.P.Penal, fica prejudicada a averiguação dos restantes pois, ainda que se verificassem, jamais poderia ser procedente a revisão pedida, por ausência de verificação dos requisitos de admissibilidade que a lei impõe.

A que acresce, como acima se referiu, que não é sequer legalmente admissível, com fundamento em prova inovatória, a formulação de pedido de revisão que tenha como finalidade a correcção da pena aplicada, que é o desiderato do recorrente.

9. Assim sendo, como é, resta concluir pela sucumbência do presente pedido de revisão, sendo manifesta a sua improcedência, atento o que se deixa exposto, o que determina a sua rejeição.

iv – decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso de revisão interposto pelo condenado AA1, por manifesta improcedência, em conformidade com o disposto no artº 420º nº 1 al. a), do Código de Processo Penal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UC (art. 456 do Código de Processo Penal), a que acresce o pagamento de 3 UC nos termos do nº 3 do artigo 420º do Código de Processo Penal.

Lisboa, 17 de Setembro de 2025

Maria Margarida Almeida (relatora)

Lopes da Mota

Antero Luís

Nuno Gonçalves