PROCEDIMENTO CAUTELAR
DECISÃO EUROPEIA DE ARRESTO DE CONTAS
PERICULUM IN MORA
Sumário


I. Relativamente à Providência Cautelar de decisão europeia de Arresto de contas, previsto no Regulamento (EU) n.º 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, estipula o artigo 7.º, n.º 1, que “O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada”.
II. “A simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão”
III. O preenchimento do periculum in mora não se reconduz a mera situação de recusa de cumprimento da obrigação, terá de basear-se em factos concretos que demonstrem a elevada probabilidade de insatisfação futura do crédito.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO TÊXTEIS EMP01..., S.A., requerente nos autos de Providência Cautelar de decisão europeia de Arresto de contas, previsto no Regulamento (EU) n.º 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, contra EMP02..., S.A., em curso, em que é requerida EMP02..., S.A., veio interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos que julgou a providência cautelar improcedente, por não provada, nos seguintes termos: “Concluímos, assim, não se mostrarem integralmente verificados os pressupostos legais para o decretamento da decisão de arresto peticionada pela requerente, previstos no Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, pelo que logicamente se impõe a sua improcedência.– DECISÃO Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar totalmente improcedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, indeferir o arresto peticionado pela requerente”.

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RELATÓRIO TÊXTEIS EMP01..., S.A., instaurou o presente procedimento cautelar de Arresto Europeu de contas bancárias, previsto no Regulamento (EU) n.º 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, contra EMP02..., S.A..
 Alega, em síntese, que no âmbito das respectivas actividades comerciais, forneceu à requerida, a pedido desta, os artigos têxteis a que respeita a factura que identifica, não tendo a requerida procedido ao pagamento integral da aludida factura, já vencida, permanecendo em dívida por conta da mesma o valor de € 26.250,60, a que acrescem os respectivos juros de mora, apesar de diversas vezes interpelada para o efeito.
Mais alega a requerente que a requerida não se negou, nas comunicações havidas entre ambas, a pagar a dívida em questão, mas informou que a sociedade requerida não consegue por ora liquidar a mencionada dívida, por estar a atravessar uma situação financeira difícil, não conseguido adiantar uma data para realizar o pagamento em falta, sendo certo que, apesar das propostas de acordo de pagamento faseado da dívida efectuadas pela requerente à requerida, não foi possível alcançar entendimento.
Conclui a requerente que, face às tentativas frustradas de cobrança da dívida e à ausência de acordo em relação ao pagamento, sem o decretamento do arresto das contas bancárias da requerida, existe um risco real de que a execução subsequente do seu crédito seja frustrada ou consideravelmente dificultada.
Convidada a aperfeiçoar o requerimento inicial, por forma a completar as informações exigidas pelo artigo 8.º, n.º 2, alíneas j) e k), do aludido Regulamento (UE) 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, veio a requerente, além de reiterar o anteriormente alegado, invocar que a requerida não tem pago aos fornecedores e deixou de responder às tentativas de cobrança da requerente.
Procedeu-se à produção da prova por declarações de parte e testemunhal indicada pela requerente, sem prévia audição da requerida, nos termos previstos no artigo 11.º do citado Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014.
Proferida decisão foi indeferido o decretamento do peticionado Arresto, indeferindo-se a providência cautelar.
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O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito suspensivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

1- Na sentença de que se recorre, resultaram indiciariamente provados e tem particular relevância os factos identificados de 3 a 26.
2- Em sentido oposto, foi dado por indiciariamente não provado que: “a) a Requerida não tem pago aos demais fornecedores; b) A Requerida deixou de responder aos emails e às chamadas da Requerente, nomeadamente de cobrança.”
3-Tendo por base estes factos, concluiu o Tribunal a quo que a providencia cautelar requerida não poderia ter provimento uma vez que a Requerente se limitou a demonstrar, que a Requerida incumpriu a sua obrigação de pagamento e se encontra incapaz de liquidar a divida.
4- Refere a sentença que, apesar de se afigurar indubitável pela conjugação dos factos provados que há uma probabilidade séria de ganho de causa no processo principal, pois é quase certa a existência de um crédito da sociedade Requerida sobre a sociedade Requerente no valor de 26.250,60, não resultou indiciado que existia uma necessidade urgente de proteção judicial do crédito nos termos do artigo 7.º n. º1 do Regulamento Europeu n.º 655/2014 de 15 de Maio.
5- Ora a Requerente não pode concordar com a decisão do Tribunal a quo, desde logo porque considera terem sido incorretamente julgados os factos a) e b) que constam do elenco dos factos indiciariamente não provados, pelo que devem ser retirados.
6- Ademais devem ser considerados os factos supervenientes que, entretanto, se consolidaram, isto porque confirmou-se que o pagamento do montante em divida não aconteceu entre Maio e Junho (aliás não aconteceu até hoje, nem se prevê que vá acontecer), como se previa na decisão a quo.
7- Como resultado, devem ser incluídos nos factos indiciariamente provados os
seguintes:
- Que a Requerente deixou de ter financiamento a curto prazo, pois perdeu o seguro de crédito em Setembro de 2023, nunca tendo recuperado a cobertura - Que é extremamente difícil contactar a Requerida por email, e que esta deixou de atender as chamadas telefónicas da Requerente nomeadamente as de cobrança.
- Que a Requerida não aceitou nenhuma das propostas de pagamento faseado apresentadas pela Requerente, nem cumpriu com os seus próprios timings de
pagamento prometidos no email de 25.03.2025.
8- Para prova dos factos incorretamente julgados deveriam ter servido de base a prova testemunhal produzida em sede de audiência e a prova documental relativa à pesquisa de sociedades com garantia de seguro, que o Tribunal a quo considerou não ter qualquer préstimo para o apuramento da factualidade.
9- Ao contrário do que refere Tribunal a quo, o documento junto em audiência, relativo à pesquisa de seguro de crédito para a Requerida é atual. Aliás, foi retirado da plataforma no dia anterior à data da produção de prova, por AA.
10- Apesar da plataforma não apresentar a data/ hora da consulta, aparece no
documento junto todo o histórico da evolução do seguro de crédito realizado para assegurar as transações comerciais da Requerida.
11- As solicitações foram realizadas para o plafond de 50.000,00 €, na primeira solicitação realizada em Abril de 2022, foi atribuído o plafond requerido de 50.000,00€; já a segunda realizada em Junho do mesmo ano, já só foi atribuído um plafond de 25.000,00€; em Setembro de 2023, a Requerida deixou de ter seguro crédito.
12- No último pedido realizado a 06 de Maio de 2024, com o objetivo de assegurar a encomenda que se encontra em divida nos autos, a seguradora não atribuiu qualquer plafond, sendo que até à atualidade não existiram quaisquer alterações quanto ao nível de crédito da Requerida, permanecendo como se pode observar no documento o montante garantido é de zero, desde 06-05-2024 a N/D, isto é até data não determinada.
13- Portanto, atendendo às regras da experiência comum é de se prever que se o score de crédito da Requerida foi diminuindo drástica e rapidamente desde 2022 até à atualidade e a seguradora continua a não lhe dar crédito, a sua situação financeira, não está a melhorar, sendo que as probabilidades de vir a cumprir as suas obrigações assumidas, diminui a cada dia que passa.
14- Ainda para mais a credores estrangeiros, que não tem acesso a informação de forma tão rápida quanto os nacionais, nem tantos meios para pressionar ao pagamento.
15- Relativamente à relação comercial que existia entre as partes e a perda de seguro de crédito ouça-se o testemunho da comercial BB, com início às 10h14m e fim às 10h37m, consultado através do ficheiro disponibilizado na plataforma citius e designado diligencia_3159- 25.0T8GMR_2025-06-06_10-14-20, do minuto 00:03:18 ao minuto 00:04:05.
16- Neste Trecho a Testemunha afirma que o cliente, já era habitual, comprava sempre em torno de 30 mil euros por ano, no máximo 2 encomendas por ano, que pagava sempre no prazo e que nesta ultima encomenda perdeu o plafond de seguro de crédito, por isso foram acordadas condições de pagamento diferentes.
17- No mesmo sentido, presta as suas declarações a representante legal da Requerente, CC, administradora e responsável pelo departamento financeiro, com início às 9h57m e fim às 10h13m, consultado através do ficheiro disponibilizado na plataforma citius designado diligencia_3159-25.0T8GMR_2025-06-06_09-57-52, do minuto 00:01:58 ao minuto 00:03:14.
18- Estas declarações, acrescentam apenas, como era processado no departamento financeiro da Requerente os pedidos de seguro e como funcionavam os pagamentos, acrescentando também que a seguradora tinha retirado o plafond de crédito à Requerida porque havia pelo menos uma execução em curso.
19- Ora pela análise do documento junto relativo à pesquisa realizada na plataforma da seguradora conjugada com as declarações da comercial BB e do depoimento de parte da Legal representante, como é que pode ter sido dado por totalmente indiciado que a Requerida não tem dividas por pagar.
20- Se a Requerida não tivesse qualquer outra divida, a seguradora, que possuiu tendencialmente informação privilegiada, não teria cortado o crédito.
21- Aliás como confirmou a legal representante CC, foi-lhe dito pela seguradora que a Requerente tinha já dividas em execução.
22- Ainda relativamente á capacidade de pagamento e cumprimento das obrigações pela Requerida, pode ser extraído da prova testemunhal produzida, especificamente do testemunho da comercial BB, com início às 10h14m e fim às 10h37m, consultado através do ficheiro disponibilizado na plataforma citius e designado diligencia_3159-25.0T8GMR_2025-06-06_10-14-20, do minuto 00:02:45 a 00:03:17 que a Requerida tinha uma loja no ... e a fechou, encontrando- se atualmente encerrada definitivamente.
23- Sobre o mesmo tema, são também elucidativas as declarações de parte de
CC, que partilha em sede de diligencia de produção de prova, as informações que foram obtidas através do departamento financeiro da empresa à cerca da Requerida, nomeadamente o facto de esta não possuir património imobiliário; ter um passivo de pelo menos 14 milhões, ter deixado de ter disponibilidade de linhas de credito a curto prazo (o que é desde logo evidenciado pela perda de seguro de credito) o que a impede de aceder aos mercados e obter mercadoria.
24- Esta declaração de CC, foram consultadas através do ficheiro disponibilizado na plataforma citius designado diligencia_3159-25.0T8GMR_2025-06-06_09-57-52, do minuto 00:12:07 ao minuto 00:14:30.
25- Portanto, tendo em conta a prova carreada para os autos, nomeadamente os
testemunhos das funcionárias da Requerente, que como é referido na motivação da decisão de que se recorre, confirmam de forma conjugada e coerente com a prova documental os factos dados por indiciariamente provados; consideram-se essenciais as informações prestadas pela funcionária BB (inclusive as transcritas supra) e as que surgem na sequência das Declarações de parte da legal Representante da Requerida.
26- Veja-se que a funcionária BB, foi a única comercial que lidou diretamente e desde o início com a cliente Requerida conhecendo como ninguém a forma como funciona, quantas encomendas faz, o que compra, o que vende como organiza o seu trabalho, onde tem lojas.
27-Já a legal representante, CC, tem formação superior em economia e chefia o departamento financeiro, procurando por isso ter, informação o mais completa possível da situação integrada dos clientes, em especial a relativa ao score de crédito e ao património que possa ser suscetível de satisfazer a cobrança coerciva.
28- Motivos pelos quais, não pode ser dado por indiciariamente não provado que a requerida não tem pago aos demais fornecedores, quando resulta da prova produzida que a Requerida tem execuções a decorrer e deixou de ter forma de se financiar a curto prazo.
29- Destarte, tendo em conta o alegado deveria constar dos factos indiciariamente provados que a Requerente deixou de ter financiamento a curto prazo, pois perdeu o seguro de crédito em Setembro de 2023, nunca tendo recuperado a cobertura.
30- Em relação à atitude da Requerida face à divida refere o Tribunal a quo que o seu comportamento exteriorizado revela “ser sua intenção liquidá-lo, a que acresce a circunstância de se tratar de um crédito cujo montante não é elevado e cujo vencimento ocorreu há cerca de 3 meses”.
31- Quanto a este aspeto considera-se a interpretação demasiado otimista e até irreal confrontada com os factos, como se a simples constatação de que de o montante do crédito não atinge o patamar dos juízos centrais, ou de que a mora no pagamento ultrapassa pouco os 3 meses, retirasse ou tornasse menos aceitável à Credora exigir o seu pagamento.
32-Pior, como se um email da devedora, a confirmar que apesar das dificuldades financeiras estavam a fazer todos os esforços para conseguir pagar a divida algum dia (não sabe quando), fizesse desaparecer a necessidade urgente de proteção judicial desse mesmo crédito.
33- Mais uma vez, torna-se crucial ouvir, o testemunho da comercial BB, com início às 10h14m e fim às 10h37m, consultado através do ficheiro disponibilizado na plataforma citius e designado diligencia_3159-25.0T8GMR_2025-06-06_10-14-20, do minuto 00:07:26 ao minuto 00:08:36 a 00:10:54.
34- Desde logo, é estranha a demora na realização do pagamento inicial de 30%, tendo a testemunha que é comercial à 21 anos, dado nota disso mesmo, já que os clientes quando fazem encomendas normalmente precisam da mercadoria e costumam pagar logo em 15 dias.
35- O comportamento da Requerida torna-se ainda mais estranho depois do vencimento da fatura, quando começou a não querer responder aos emails, como disse a testemunha BB, esta só respondia com muita insistência.
36- Por outro lado, os contactos por telefone tornaram-se impossíveis, como afirma BB, a certa altura “ninguém também atendia”.
37- Neste sentido, também não se compreende como pode fazer parte do elenco
dos factos indiciariamente não provados que a Requerida deixou de responder aos emails e às chamadas da Requerente, nomeadamente de cobrança, quando resulta o contrário da prova testemunhal.
38- Razão pela qual deve fazer parte do elenco dos factos indiciariamente provados que é extremamente difícil contactar a Requerida por email, e que esta deixou de atender as chamadas telefónicas da Requerente nomeadamente as de cobrança.
39- Quando questionada a legal representante à cerca do fornecimento da Requerida, sem qualquer garantia que não fosse o adiantamento de parte do preço, esta disse que decidiram apoiar a Requerida, uma vez que esta sempre teve um comportamento prévio exemplar no que toca ao
pagamento, nunca tendo ocorrido o que se sucedeu agora.
40- Tal é retirado através da consulta do ficheiro disponibilizado na plataforma citius designado diligencia_3159-25.0T8GMR_2025-06-06_09-57-52, do minuto 00:07:23 a 00:08:07 e posteriormente no minuto 00:10:04 a 00:10:33 referiu ter aprovado com o conselho de administração, 2 planos de pagamento faseados que foram recusados pela Requerida.
41- Como dito a princípio, devem ser considerados os factos supervenientes que, entretanto, se consolidaram, isto porque confirmou-se que o pagamento do montante em divida não aconteceu entre Maio e Junho (aliás não aconteceu até hoje, nem se prevê que vá acontecer), como se previa na decisão a quo.
42- Concomitante, devem também fazer parte dos factos indiciariamente provados, que a Requerida não aceitou nenhuma das propostas de pagamento faseado apresentadas pela Requerente, nem cumpriu com os seus próprios timings de pagamento no email de 25.03.2025.
43- A jurisprudência mais recente, relativamente à interpretação do artigo 7.º do regulamento Europeu 655/2014 de 15 de Maio é unanime ao reconhecer que para que possa um tribunal proferir decisão de arresto devem ser cumpridos dois requisitos:
- Haver risco real de que sem a medida cautelar a execução do Crédito ser
frustrada ou consideravelmente dificultada;
- Sejam apresentados elementos de prova suficientes para convencer oi tribunal de que é provável que se obtenha ganho de causa no processo principal contra o devedor (no caso de não ter sido ainda obtida decisão judicial)
44- Quanto à existência do crédito, não parece haver dúvidas, já que resultam dos factos indiciariamente provados e da motivação da decisão, a probabilidade séria da existência do crédito reclamados nestes autos.
45- No entanto não é reconhecida pelo Tribunal de que se recorre, a necessidade urgente de proteção de proteção judicial.
46- Como refere o Acórdão da Relação do Porto, processo 69/23.0T8PRT-A.P1, de 14 Setembro 2023, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, inclusive citado na sentença de que se recorre:
“(…) para poder emitir a decisão europeia de arresto, o tribunal necessita, sempre, de concluir, em função do alegado pelo credor e das provas apresentadas por este, que existe um risco real de que, se o arresto não for ordenado, a execução subsequente do crédito será frustrada ou consideravelmente dificultada.
Como vimos, no seus Considerandos, depois de assinalar a necessidade de estabelecer um equilíbrio adequado entre o interesse do credor em obter a decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão», o Regulamento fornece ao juiz nacional orientações sobre os critérios que ele deve seguir na aplicação do disposto do artigo 7.º, rectius, na verificação dos requisitos estabelecidos pelo próprio Regulamento para a concessão da decisão do arresto, indicando, por um lado, actos ou atitudes nos quais o juiz deve fundamentar os indícios do risco que se procura evitar, e, por outro lado, considerando como insuficientes para o efeito determinados actos ou comportamentos.
O texto do Regulamento tem o cuidado, quanto aos primeiros, de assinalar que o seu elenco é meramente exemplificativo e, quanto aos segundos, de destacar que a sua insuficiência só se coloca se os actos ou comportamentos descritos funcionarem por si sós. O que significa que o juiz nacional está autorizado a fundamentar o risco em indícios de outra natureza, tal como está autorizado a concluir pela suficiência dos actos ou comportamentos descritos quando estes se verificarem de forma cumulativa entre si ou conjuntamente com indícios de natureza diversa.”
47- Deste modo, é obvio que por si só não é suficiente para a concessão da decisão, a simples falta de pagamento ou o facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se, no entanto ambos conjugados constituem indícios muitos fortes.
48- Aliás a falta de pagamento, a situação financeira precária do devedor, conjugada com a sua atitude que denota a intenção de se escusar ao pagamento,
evitando responder a emails de cobrança, deixando de atender as chamadas da
Requerente, recusando os planos de pagamento alternativos apresentados, inclusive incumprindo as suas próprias promessas de pagamento são indícios extremamente sólidos do risco de impossibilidade ou dificuldade da cobrança.
49- Ora este Acórdão citado acima e ainda um outro Relação de Guimarães proferido no âmbito do processo n.º 2854/17.2T8GMR-A. G2, de 29 de Junho de 2023, relatado por Paulo Reis, apesar de referidos pelo Tribunal de que se recorre na sua fundamentação, em nada tem correspondência com a situação de facto que resulta dos presentes autos, no entanto ambos conservam a ideia de que um facto isolado, como a alteração de domicílio fiscal do devedor para outro país não pode consubstanciar por si só motivo para o decretamento de uma providencia cautelar de arresto europeu.
50- Referido também na fundamentação do Tribunal a quo, vem o Acórdão da Relação de Guimarães, n.º 3870/20.2T8GMR-A.G1, de 20/05/2021, relatado por Conceição Sampaio, que nos elucida relativamente ao que não deve ser considerado como garantia de afastamento do risco de dificuldade na cobrança concluindo o seguinte relativamente à situação de facto que aprecia:
“A demonstração do capital social e do volume de negócios da Requerida dá-nos uma noção da sua dimensão, mas não, necessariamente, sua saúde financeira, dependente que está da demonstração de resultados líquidos, ou seja, dos lucros e da consequentemente libertação de recursos financeiros que tal que o seu exercício social vem proporcionando.
O elevado volume de negócios não é demonstrativo da existência de liquidez ou resultado operacional positivo, podendo até a empresa verificar prejuízos; o elevado capital social não é demonstrativo da existência de liquidez, podendo até a empresa ter uma situação liquida negativa; a integração num grande grupo cotado na bolsa de valores francesa, não traz garantias acrescidas ao credito da Requerente, podendo até pela estrutura de elevada complexidade ser demonstrativa da dificuldade acrescida da execução do credito.“
51- Com interesse para os presentes autos, e algo semelhante com as questões de facto discutidas nesta sede, deve ser citado o Acórdão da Relação de Lisboa, processo n.º 22649/17.2T8LSB.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa concluiu o que se cita: “ O tribunal a quo fundou a sua decisão neste racional:
«Uma vez aqui chegados, convém trazer aqui à colação o conceito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” de que depende o decretamento do arresto.
Para se integrar este conceito é necessário que exista uma qualquer causa idónea a provocar num homem médio esse receio; isto é, que seja alegada qualquer atuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito. Aliás, é isto que resulta expressamente dos considerandos do Regulamento (EU) n.º 655/2014. Acontece que, salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso em apreço, a alegação efetuada pela requerente não é suficiente nesse sentido.
Na verdade, a requerente limita-se a afirmar que o requerido pretende regressar a ..., que a sociedade inquilina não tem registada qualquer atividade, que não são conhecidas outras contas bancárias em nome do requerido ou dessa sociedade, designadamente, em Portugal e que não é conhecido qualquer património ou rendimentos auferidos em Portugal, seja em nome do requerido, seja em nome da sociedade inquilina. Ora, conforme se extrai especificamente do Considerando 14 do Regulamento, não basta para preencher o requisito do receio da perda patrimonial alegar que o requerido não pagou, não obstante as interpelações efetuadas e que o único património que possui são os depósitos na conta cujo arresto se requer, mesmo sabendo-se que o dinheiro é um bem de fácil dissipação ou ocultação. Haveria que alegar comportamentos ou condutas do requerido que sustentassem o justo receio de perda da garantia patrimonial, designadamente, que o requerido já se desfez de todo o seu património ou outras condutas que indiciassem que se prepara para dissipar ou ocultar o dinheiro que se encontra depositado na(s) sua(s) conta(s) bancária(s), o que a requerente em momento algum alegou. Por outro lado, a requerente nem sequer alega a existência de outras dívidas por parte do requerido que pudessem indiciar minimamente que o requerido se encontra numa situação financeira precária, assim como, não alega quaisquer outros factos que sugiram uma qualquer situação financeira difícil. Antes pelo contrário, a alegação da requerente encontra-se restrita a Portugal, porquanto afirma que não conhece outro património ou outros rendimentos auferidos em Portugal, deixando, assim, antever a possibilidade de existirem outros rendimentos auferidos pelo requerido no estrangeiro.
Em suma, a requerente não alega factos objetivos que, no seu conjunto, permitam concluir que existe um justo receio de perda de qualquer garantia patrimonial do seu crédito, sendo certo que era no requerimento inicial que o tinha que fazer.»
Não merece acolhimento a fundamentação adotada pelo tribunal a quo.
Com efeito, a alegação da requerente veicula o seguinte: a dívida do requerido e da sua sociedade vem aumentando há quase um ano, não sendo conhecidos rendimentos nem atividades em Portugal nem ao requerido nem à sociedade constituída e sediada em Portugal; apesar de promessas de pagamento, o requerido não as cumpriu; está iminente a ida definitiva do requerido para o estrangeiro (...).
Colocado perante este quadro fáctico, qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir e propósitos do requerido, teme vir a perder a possibilidade de cobrar, efetivamente, o seu crédito. Com efeito, a solvabilidade do requerido é – segundo o alegado – nula, o seu património é escasso, e o requerido evidencia um propósito reiterado de não cumprir que será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a recuperação do crédito. Este quadro fáctico é suficiente para demonstrar o periculum in mora.
Perante este quadro fáctico, é desnecessária a alegação/demonstração de atos especificados de dissipação do património do requerido porquanto, nos termos alegados, tal património é escasso. Também não é necessária a alegação/demonstração da existência de outros credores, tanto mais que – sendo o crédito de montante não elevado (inferior) a € 8.000 –o seu reiterado não pagamento evidencia, de forma clara e mais sintomática, a insolvabilidade e/ou o propósito de não cumprir.
Também não faz qualquer sentido que se exija ao requerente deste tipo de procedimento a alegação e prova de que o requerido não tem rendimentos ou bens no estrangeiro, no caso, em .... Tal exigência consubstanciaria uma prova diabólica que, à partida, inviabilizaria este novo arresto no espaço da União Europeia.
Com efeito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva está consagrado no Artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais e subdivide-se em dois outros: o princípio da equivalência e o princípio da efetividade. Na formulação do Acórdão Unibet de 13.5.2007, Processo C-432/05, «as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito comunitário não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade)». Exigir à requerente a alegação/demonstração de que o requerido não tem bens e/ou rendimentos no estrangeiro, designadamente em ..., seria impor uma conduta processual que violaria o princípio da efetividade porquanto, na prática, isso significaria que o exercício do direito de arresto ficaria extremamente difícil.”
52- Dito isto, é obvio que a Credora não tem acesso às mesmas informações que qualquer Credor Espanhol: não consegue ser informada em tempo útil da insolvência da Devedora, não consegue obter informação oficial quanto à existência de dividas às finanças ou à segurança social espanhola, nem tem acesso às contas de 2024 pois não se encontram publicadas.
53- O que a Credora sabe, é que a Devedora tem mais de 50 trabalhadores, não tem pago aos fornecedores, caso contrário não teria execuções em curso, nem teria perdido a capacidade de se financiar a curto prazo.
54- Ademais é notória a fragilidade económica da Requerida, pelo que atendendo às regras da experiência comum, é claro para qualquer sujeito de mediana compreensão, que quando uma empresa fecha a única loja que tem no país; deixa de ter crédito no mercado; não apresenta património imobiliário; tem financiamentos bancários que ultrapassam os 14 milhões; deixa de pagar, deixa de atender as chamadas e não cumpre com as promessas de pagamento, é mau sinal.
55- Portanto é natural e justificado neste cenário que a Requerente receie que possa conseguir a boa cobrança do crédito.
56- Especialmente quando das várias interpelações para o pagamento ao longo do tempo, já amplamente descritas nos articulados, nenhuma surtiu qualquer efeito e até a previsão do Tribunal de primeira instância de que a Requerida iria pagar em Maio ou em Junho falhou.
57- A atitude da Requerida, denota apenas que esta apenas pagou o suficiente para que a encomenda pudesse ser entregue, e que não tem qualquer intenção de pagar o remanescente.
58- Tal contrasta com a atitude da Requerente que tem sido paciente, dilatou ao máximo o prazo de pagamento, foi inclusive flexível ao ponto de permitir que a Devedora procedesse ao pagamento em prestações, no entanto continua à espera.
59- Julga-se que são apresentadas provas concretas pela Credora, que tendo em conta a natural assimetria de informação e a situação fragilizada em que se encontra tem de ser suficientes sobre pena de tal configurar prova diabólica. (Por muito que a Credora quisesse, apenas a Devedora tem acesso às suas contas de 2024 que ainda não publicou, e a outros documentos oficiais com interesse que podem estar disponíveis no seu domicílio em ...).
60- Ainda assim e se estes não são forem motivos para justificar o risco da Credora ver frustrada ou dificultada a sua cobrança, convém refletir que na Europa o único mecanismo que permite efetuar a cobrança de créditos de forma mais ou menos eficiente é o arresto europeu de contas bancárias. Note-se que os saldos das contas bancárias são extremamente fáceis de movimentar e são os primeiros a assumir responsabilidade por dívidas.
61- Tendo em conta o supra alegado, devem ser alterados os factos indicados como requerido e julgado totalmente procedente o presente recurso, sendo eliminadas do elenco dos factos indiciariamente não provados as alíneas a) e b), e ao serem consideradas as informações supervenientes relativas ao não pagamento da divida até ao final o Junho deste ano, ser incluído no elenco dos factos indiciariamente provados:
- Que a Requerente deixou de ter financiamento a curto prazo, pois perdeu o seguro de crédito em Setembro de 2023, nunca tendo recuperado a cobertura
- Que é extremamente difícil contactar a Requerida por email, e que esta deixou de atender as chamadas telefónicas da Requerente nomeadamente as de cobrança.
- Que a Requerida não aceitou nenhuma das propostas de pagamento faseado apresentadas pela Requerente, nem cumpriu com os seus próprios timings de pagamento prometidos no email

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil, atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da decisão recorrida que indeferiu indeferido o decretamento do peticionado Arresto, indeferindo a providência cautelar
- reapreciação da matéria de facto
- da verificação do periculum in mora

FUNDAMENTAÇÃO

I.São os seguintes os factos declarados indiciariamente provados na decisão recorrida:

1) A requerente é uma sociedade comercial anónima, com sede em Portugal, que se dedica à produção de fio, tecelagem de algodão, tinturaria e acabamentos têxteis.
 2) A requerida é uma sociedade comercial espanhola que exerce a actividade de comércio a retalho e por grosso de todo o tipo de produtos para o lar, inclusive, têxteis, decoração e artesanato.
3) No exercício da sua actividade, a requerente forneceu à requerida no contexto da encomenda ...96 – MM_20240347, os seguintes artigos têxteis: - PACK 2 TOALLAS TOCADOR 30X30CM CRU, 1.482 Uni - TOALLA CRUDO, 1.194 Uni - TOALLA CRUDO, 1.352 Uni - TOALLA CORAZONES, 1.182 Uni - TOALLA CORAZONES, 1.400 Uni - Alfombra baño, 2.178 Uni - Alfromba baño corazones, 2.262 Uni
4) Por conta do fornecimento acima referido em 3), a requerente emitiu a factura n.º ..., a 17.12.2024, no valor de € 36.312,60, com vencimento a 60 dias após a data da emissão.
5) A encomenda dos artigos acima mencionados em 3) foi realizada em Julho de 2024.
6) As condições de pagamento acordadas entre as partes, determinavam o pagamento de 30% do valor total com a confirmação do pedido e os restantes 70% no prazo de 60 dias.
7) Aquando da confirmação da encomenda, a requerida procedeu ao pagamento da quantia € 10.062,00, por meio de transferência bancária realizada a 02.08.2024.
8) Por esse motivo foi dado seguimento à encomenda.
9) Após a data de vencimento da mencionada factura, a requerida não realizou o pagamento do remanescente do valor em dívida por conta da mesma factura.
10) Nessa sequência, a requerente interpelou a requerida, tanto por telefone como por email.
11) A 13.02.2025, a requerente enviou um email à requerida, através do qual a informa do montante ainda em dívida e questiona acerca da data para o pagamento do mesmo montante.
12) A requerida respondeu à requerente nesse mesmo dia 13.02.2025, informando que remeteria o email da requerente à respectiva administração para que dessem uma previsão de pagamento.
13) No dia 25.02.2025, através de email, a requerente voltou a informar a requerida sobre o valor ainda em dívida e solicitou indicação sobre a data de pagamento da mesma.
14) Nos dias 05.03.2025, 10.03.2025 e 11.03.2025, através de emails, a requerente solicitou novamente à requerida o pagamento da quantia em dívida.
15) No dia 13.03.2025, através de email, a requerente solicitou à requerida que lhe respondesse aos emails anteriores, sob pena de encaminhar o assunto ao departamento jurídico.
16) Respondeu a requerida à requerente, no mesmo dia 13.03.2025, através de email, pedindo desculpas pelo atraso do pagamento e referindo que a requerida atravessa uma situação financeira complicada, que estão a trabalhar para resolver a situação o mais breve possível, que não pode indicar data para o pagamento e que não poderão fazê-lo antes de Abril, mais questionando se será possível dividir o pagamento em duas prestações.
17) A requerente respondeu à requerida, através de email, no mesmo dia 13.03.2025, propondo o pagamento do valor em dívida em duas prestações, uma até 21.03.2025 e outra até 17.04.2025.
18) A requerida respondeu à requerente, através de email, no mesmo dia 13.03.2025, referindo não ser possível à requerida cumprir os prazos de pagamento propostos, acrescentando que nesse mês não poderá efectuar o pagamento, mas que estão a trabalhar para poder solucionar a situação.
19) A requerente enviou novo email à requerida nesse dia 13.03.2025, sugerindo novo plano de pagamento em duas prestações, uma até 04.04.2025 e outra até 25.04.2025.
20) Respondeu a requerida através de email, no dia 14.03.2025, dizendo que iria informar o seu departamento financeiro e que tentariam cumprir os prazos, acrescentando que a sua principal intenção era regularizar a situação e cumprir o pagamento o mais cedo possível, mas a realidade financeira da requerida não lhe permite ter fluxo de caixa suficiente, referindo ainda que, apesar de não poderem dar uma data para o pagamento, estão a trabalhar para resolver a situação.
21) A requerente respondeu, através de email, no mesmo dia 14.03.2025, informando a requerida de que necessitam da confirmação da mesma de que irão pagar as datas propostas.
22) No dia 18.03.2025, através de email, a requerente insistiu junto da requerida por uma resposta.
23) Respondeu a requerida à requerente, através de email, no dia 19.03.2025, referindo não poder ainda confirmar uma data de pagamento e que quando tiver uma resposta do departamento financeiro, lhe dará conhecimento.
24) A requerente respondeu à requerida, através de email, no mesmo dia 19.03.2025, referindo que esperará até ao dia 24.03.2025 ou pelo pagamento, ou que confirmem que irão pagar nas datas propostas, caso contrário passarão o assunto para o jurídico.
25) No dia 24.03.2025, através de email, a requerente solicitou à requerida que lhe enviasse o plano de pagamento até ao dia seguinte, sob pena de passar a situação a “requerimento judicial europeu”.
26) Respondeu a requerida à requerente, no dia 25.03.2025, através de email, referindo que a situação da requerida é bastante crítica, que a sua equipa financeira confirmou que não poderá cumprir das datas estabelecidas e que o pagamento poderá realizar-se entre Maio e Junho, assegurando que estão a trabalhar para tentar resolver a situação o mais rápido possível

B) Factos indiciariamente não provados

a) A requerida não tem pago aos demais fornecedores.
 b) A requerida deixou de responder aos emails e às chamadas da requerente, nomeadamente de cobrança.

II.O DIREITO APLICÁVEL

1.Reapreciação da matéria de facto

Nos termos do artº 662º-nº1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:
Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nº2 – No caso previsto na al.b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Impugna a apelante a matéria de facto fixada na decisão recorrida, designadamente no tocante aos factos não provados, als. a) e b), que considera deverem ser retirados.
E, mais requer sejam considerados e aditados ao elenco factual factos que denomina supervenientes, designadamente:- Que a Requerente deixou de ter financiamento a curto prazo, pois perdeu o seguro de crédito em Setembro de 2023, nunca tendo recuperado a cobertura - Que é extremamente difícil contactar a Requerida por email, e que esta deixou de atender as chamadas telefónicas da Requerente nomeadamente as de cobrança.- Que a Requerida não aceitou nenhuma das propostas de pagamento faseado apresentadas pela Requerente, nem cumpriu com os seus próprios timings de pagamento prometidos no email de 25.03.2025; que o pagamento do montante em divida não aconteceu entre Maio e Junho (aliás não aconteceu até hoje, nem se prevê que vá acontecer).
E, se faça constar do elenco dos factos indiciariamente provados que a Requerente deixou de ter financiamento a curto prazo, pois perdeu o seguro de crédito em Setembro de 2023, nunca tendo recuperado a cobertura; que é extremamente difícil contactar a Requerida por email, e que esta deixou de atender as chamadas telefónicas da Requerente nomeadamente as de cobrança; e que a Requerida não aceitou nenhuma das propostas de pagamento faseado apresentadas pela Requerente, nem cumpriu com os seus próprios timings de pagamento no email de 25.03.2025.

Relativamente aos factos não provados, als. a) e b), falece a impugnação, nos precisos termos já expostos na decisão recorrida, designadamente, no tocante à al.b) a respectiva factualidade é afastada atento o teor da factualidade indiciariamente assente dos factos nº 11 a 26, e, no tocante à al.a) da prova produzida e ora especificada em alegações de recurso não resulta demonstrada tal factualidade, sendo, ainda que, e como se refere na decisão recorrida “a prova documental junta pela requerente em sede de diligência de produção de prova, constante de fls. 36 (pesquisa de sociedades com garantia de seguro), não revelou, no cotejo com a prova vinda de referir, qualquer préstimo adicional para o apuramento da factualidade controvertida, sendo certo que se refere a um período temporal decorrido entre 11.04.2022 a 06.05.2024, ou seja, além de não ser actual, reporta se a situação já verificada à data em que pelas partes foi outorgada a transacção comercial que originou estes autos”.

No tocante ao demais impugnado e requerido salienta-se que a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso se traduz em “reexame” da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância e não abrange, consequentemente, matéria superveniente não alegada ou apreciada nos autos e sujeita ao julgamento do Tribunal “a quo”, e, no mais nenhuma factualidade invocada resulta, por si só, e atento o elenco factual já fixado e factos não provados, relevante à decisão a proferir.
Improcedendo os fundamentos da impugnação.

2. Relativamente à Providência Cautelar de decisão europeia de Arresto de contas, previsto no Regulamento (EU) n.º 655/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio de 2014, contra EMP02..., S.A., e, cfr. se salienta já na decisão recorrida, “estipula no seu artigo 7.º, n.º 1, que “O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada”.
No mesmo sentido, consta do Considerando (7) do mesmo Regulamento, que o Tribunal apenas poderá emitir uma decisão europeia de arresto de constas bancárias, quando as provas apresentadas pelo requerente lhe permitam concluir que existe um risco sério de, sem esse arresto, a subsequente execução do crédito do credor sobre o devedor será frustrada ou consideravelmente dificultada. (…)
Conforme se assinala no Considerando (14) do mesmo Regulamento, “As condições de concessão da decisão de arresto deverão proporcionar um equilíbrio adequado entre o interesse do credor em obter uma decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão”, razão pela qual se exige que o credor, demonstre “suficientemente ao Tribunal que o seu crédito tem necessidade urgente de protecção judicial e que, sem a decisão, a execução da decisão judicial existente ou futura pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de que, na altura em que o credor vir esta decisão executada, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens ou tê-los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual”.
O Regulamento em apreço, no mesmo Considerando (14), fornece algumas orientações ao Juiz nacional relativamente à (in)suficiência das provas apresentadas pelo credor quanto à existência daquele risco, orientações essas que se afiguram coadunar com o aludido princípio subjacente ao mesmo diploma de equilíbrio entre o interesse do credor em obter uma decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão. Com efeito, aí se ressalta que “Tais provas poderão ter a ver, por exemplo, com o comportamento do devedor em relação ao crédito do credor ou num anterior litígio entre as partes, com o historial de crédito do devedor, com a natureza dos bens do devedor e com qualquer acto recentemente praticado por este a respeito dos seus bens”.
Mais se consigna, de forma expressa que, sem prejuízo de poder o Tribunal ter em conta tais factores na avaliação global da existência do risco, “A simples falta de pagamento ou contestação do crédito, ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão”, assim como “O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão”.
Ainda, a par do direito interno, na análise de verificação do “periculum in mora”, “as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o periculum in mora - o prejuízo da demora inevitável do processo -, a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, pág. 23.(…).
O periculum in mora, requisito de decretamento da providência, traduz-se no perigo iminente da lesão do direito ameaçado.
O preenchimento do periculum in mora não se reconduz a mera situação de recusa de cumprimento da obrigação, terá de basear-se em factos concretos que demonstrem a elevada probabilidade de insatisfação futura do crédito, tal demonstração não se verificando no caso sub judice.
Nos termos expostos, se concluindo pela improcedência do recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 18 de Setembro de 2025

( Maria Luísa Duarte Ramos )
( António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida)
( Paulo Reis )