DIVISÃO DE COISA COMUM
CONTRADITÓRIO
NULIDADES DA SENTENÇA
RECONVENÇÃO
Sumário


1 – Quando numa ação de divisão de coisa comum, ainda que contestada, não há divergência sobre a compropriedade do prédio, respetivas quotas e sobre a sua indivisibilidade, cabe ao juiz proferir decisão encerrando a fase declarativa do processo, sem necessidade de produção adicional de provas.
- A decisão proferida nestas circunstâncias no sentido da indivisibilidade do prédio, cabe naturalmente na marcha do processo, porque previsível, não constituindo decisão surpresa, ainda que não tenha sido dada oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de tal decisão.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
AA, NIF ...11 e BB, NIF ...10, residentes na Rua ..., localidade de ..., União de Freguesias ..., ... e ..., em ..., ..., intentaram a presente ação de divisão de coisa comum contra CC, divorciada, residente na Rua ...., freguesia ..., em ..., ..., peticionando que seja reconhecido o direito de propriedade dos Requerentes e Requeridos sobre o prédio urbano sito no Lugar ..., ..., em ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...39 (...) da Freguesia ..., inscrito no artigo matricial ...12 (...) da Freguesia ... e ..., casa de rés-do-chão, andar e logradouro, fixadas as respetivas quotas, que seja ordenada a indivisibilidade e se proceda à adjudicação ou venda do prédio acima descrito.

Alegam, para tanto e em síntese, que, adquiriram metade indivisa do referido prédio no processo de execução n.º 907/10.7TBVVD, que correu termos na Comarca de Braga – ... – Juízo de Execução – J..., pertencendo a outra parte à Requerida, sendo, por isso comproprietários, na proporção de ½.

Alegam ainda que o prédio é indivisível e que não pretendem continuar na indivisão.

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A Requerida apresentou contestação não colocando em causa a existência de compropriedade (conforme a própria refere no seu artigo 3.º), nem o volume das quotas indicada pelos Requerentes (artigos 9.º e 10.º da contestação) nem mesmo a indivisibilidade do bem (artigo 12.º da contestação), sendo que apenas suscita uma questão relativamente à identificação do imóvel, designadamente, no que à sua localização diz respeito, discorda das razões invocadas pelos Requerentes para não terem, extrajudicialmente, efetuado a divisão do prédio e pede a condenação destes como litigantes de má-fé.
A Requerida deduziu ainda reconvenção, pretendendo que seja declarado que nada deve aos Requerentes/Reconvindos, nem estes são credores e/ou com direito a compensação de qualquer quantia sobre a Requerida/Reconvinte, por qualquer facto relacionado com o imóvel em causa nos autos.

Alega, para o efeito, que os Requerentes se arrogam no direito de receber quantia superior à referida metade e/ou pagar quantia inferior à referida metade e ainda no direito de serem credores com direito a compensação de quantias alegadamente atinentes ao imóvel em causa.
Os Requerentes, em sede de réplica, pugnam pela inadmissibilidade do pedido reconvencional, por não subsumível a nenhumas das alíneas do artigo 266.º n.º 2 do Código Processo Civil.
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Sobre o pedido reconvencional foi proferido o seguinte despacho:

(…)
O artigo 266.º n.º 1 do Código de Processo Civil dispõe que “[o] réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.”.
Contudo, a lei estabeleceu alguns limites, impedindo que o réu formule incondicionalmente pedidos contra o autor e exigindo a verificação de certos requisitos substantivos e formais.

No que diz respeito aos requisitos substantivos, exige-se que os pedidos tenham alguma conexão com o pedido formulado pelo autor, apenas se admitindo a reconvenção nos casos expressamente previstos no artigo 266.º, n.º2 do mesmo diploma legal, ou seja, quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa (alínea a)), quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida (alínea b)), quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor (alínea c)) e quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (alínea d)).

Mas, independentemente da verificação dos requisitos objetivos da conexão, a reconvenção não é admissível quando o pedido do réu corresponda a uma forma de processo diferente da que corresponde o pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos do artigo 37.º, n.ºs 2 e 3, com as necessárias adaptações (artigo 266.º, n.º 3 do Código Processo Civil).

In casu, tal como referem os Requerentes, o pedido formulado pela Requerida não tem qualquer fator de conexão com os factos concretos em aqueles sustentam a causa de pedir, já que aqueles se limitam a alegar, tal como lhes é exigido, a identificação do imóvel, compropriedade, volume das respetivas quotas e indivisibilidade e, em parte alguma do seu articulado, se arrogam proprietários de quota superior a ½ ou do direito de receber quantia superior à referida metade.
Acresce que o Requerido também não invoca exceções perentórias, cujos factos possam sustentar o pedido reconvencional formulado.
Assim, impõe-se concluir que aquele pedido não emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à ação nem à defesa (alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do Código Processo Civil).
            Por outro lado, também não emerge das restantes alíneas deste artigo, nomeadamente na alínea e), dado que os Requerentes não formularam nenhum pedido naquele sentido.
Assim sendo, inexiste fundamento processual para deduzir esse pedido reconvencional.

Face do exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b) e 583.º, n.º 1 e 2 do Código Processo Civil, não se admite a reconvenção deduzida pela Requerida.”
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Na mesma data foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
Pelo exposto, e de harmonia com os preceitos legais supra citados:
6.1. Julga-se a ação procedente, e consequentemente, decide-se:
- Declarar que os Requerentes AA e BB e a Requerida CC são comproprietários do prédio supra referido na proporção de ½ (½ para os Requerentes e ½ para a Requerida).
- Declarar indivisível o prédio urbano denominado lote n.º ...2, composto de casa de ..., andar e logradouro, sito em Monte ..., sito em Monte ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...12 ..., da Freguesia ... e ..., concelho ..., a confrontar de norte com a rua do loteamento, do sul com DD, do nascente com zona verde e do poente com lote n.º ...1, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...39, na Freguesia ....
6.2. Absolve-se os Requerentes do pedido de condenação como litigantes de má fé.”
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Inconformada a Requerida recorreu formulando as seguintes conclusões:

I – A recorrente não se conforma com a douta Sentença de 10/03/2025, na qual, além do mais: (I) foi indeferido o requerimento apresentado pela Ré em 27/02/2025; (II) não foi admitida a sua reconvenção; (III) não foi produzida a prova requerida, e não foi admitida a prova que a Ré protestou juntar; (IV) não foram dados como provados factos confessados ou, pelo menos, notoriamente assentes por acordo das partes; (V) a douta Sentença constituiu decisão surpresa.
II – Atendendo ao 4º, do requerimento aqui referido em primeiro lugar (I), diga-se que tal requerimento pretendia obstar à presente situação, desde logo, porque nesta fase já se tornava evidente a contradição entre o comportamento dos A. e aquilo que escreviam pois, a ser verdade o que é dito na douta p.i., e na douta Réplica, inexistiria qualquer necessidade para o presente processo e correspondente decisão (quando muito homologatória) (I).
III – Por outro lado, e considerando os deveres e princípios referidos, deveria o Tribunal ter exigido aos A. esclarecimentos quanto ao seu comportamento manifestamente contraditório, não olvidando que também estava em causa a potencial má-fé assinalada, cujo julgamento deles também dependia, bem como da produção da respetiva prova nos termos requeridos, mas ignorados (documental e testemunhal).
IV – Tendo os A. proposto ação de divisão com fundamento em alegada falta de acordo, a Ré, na sua contestação esclareceu que nunca houve falta de acordo nos termos aí enunciados, mas apenas em resultado das quantias que os A. reclamavam, e apenas enquanto assim fosse, pelo que, na sua reconvenção, veio a Ré pedir o mesmo efeito dos A. (divisão), mas agora prevenindo qualquer estratagema daqueles, ou seja, que a matéria relacionada com as ditas quantias não pudesse voltar a ser suscitada, assim ficando definitivamente encerrada.
V – Os A., na sua réplica, vêm dizer que não é verdade, e que, antes e agora, apenas pretendem a sua metade no imóvel, pelo que, perante esta postura dos A. (que para a Ré é nova), logo alertou o Tribunal a quo, além de, entre Mandatários, acordar transigir nestes exatos moldes, mas sem obter a transação assinada mediante notório protelamento.
VI – Recorrendo ao auxílio do Tribunal, o mesmo foi negado – já em Sentença –, e a subsequente decisão não tomou conhecimento da matéria indubitavelmente resultante da postura das partes, apesar de suscitada a sua apreciação pela Ré, com clara violação dos deveres e princípios indicados no referido requerimento, com influência e em prejuízo da descoberta da verdade e boa decisão da causa, além da correspondente nulidade.
VII – Acresce que, também não foi admitida a reconvenção (II) apresentada pela Ré por se considerar que “…não emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à ação nem à defesa…” e, por outro lado, “…também não emerge das restantes alíneas deste artigo, nomeadamente na alínea e), dado que os Requerentes não formularam nenhum pedido naquele sentido…”, quando, pelo contrário, e antes de mais, a contestação e a reconvenção da Ré fundamentam-se nos mesmo factos que a douta p.i., ao que se acrescentaram outros que resultam da defesa na contestação e foram transpostos para a reconvenção.
VIII – Recorde-se que, logo nos pontos 24º e 25º, da reconvenção, a Ré disse que “…24 –

Por razões de economia, considera-se aqui integralmente reproduzido o antes exposto, bem como o demais exposto na douta p.i. com as retificações aqui produzidas (designadamente quanto à localização do imóvel), desde já se requerendo a notificação dos Requerentes/Reconvindos para juntarem aos autos certidão do seu título de aquisição, mais se requerendo a notificação da Conservatória do Registo Predial ..., para juntar aos autos certidão da descrição do imóvel porquanto Requerida/Reconvinte beneficia de apoio judiciário para o efeito; 25 – Demonstrando-se com a junção dos requeridos documentos a compropriedade em partes iguais sobre o identificado imóvel, pertencendo metade aos Requerentes/Reconvindos e a outra metade à Requerida/Reconvinte, importa proceder à sua divisão na referida proporção;…”, considerando, de forma legítima, aí reproduzido o antes exposto na contestação, bem como na douta p.i. com as retificações produzidas.
IX – E disse ainda que, demonstrando-se com a junção dos requeridos documentos a compropriedade em partes iguais sobre o identificado imóvel, pertencendo metade aos Requerentes/Reconvindos e a outra metade à Requerida/Reconvinte, importaria proceder à sua divisão na referida proporção, de seguida expondo aquilo que os A. se arrogam perante a Ré, independentemente daquilo que aqueles se arrogam perante o Tribunal a quo, e ainda aquilo que a Ré também pretende ver declarado (cfr. pontos 26º a 30º, da reconvenção), bem como, subsequentemente, prosseguindo os autos os seus termos para a efetivação da requerida divisão (cfr. ponto 31º, da reconvenção).
X – O que significa que a Ré, na sua reconvenção, além dos mesmos efeitos dos A., pretende ainda outros, os quais, até têm tudo que ver com o alegado na sua contestação e subsequente, pois, atendendo ao referido artigo 266º, do CPC, além do pedido da Ré emergir de factos jurídicos que servem de fundamento à ação e à defesa, a Ré propõe discutir de forma definitiva qualquer direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa, bem como qualquer eventual crédito (seja para compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado exceda o dos A.), sendo certo que a Ré não perde de vista alcançar o mesmo efeito jurídico que os A. se propõem obter.
XI – Aliás, nem sequer é descabido, nomeadamente atendendo ao habitual neste tipo de ações, e sobretudo sabendo a Ré o que sabe (e deveria ter podido demonstrar), pois, de facto, concebendo-se a possibilidade de uma dupla reconvenção, não repugna que a Ré possa demonstrar que os A. têm essa pretensão, e pretenda discutir, aqui e agora, e de forma definitiva, tal questão.
XII – É que, se não existe de facto essa outra pretensão dos A., presente ou futura, nada obsta a que estes – no mínimo pela cooperação devida ou pela prova que venha a ser produzida – deixem aqui as coisas totalmente claras e de forma definitiva.
XIII – Bem vistas as coisas, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça privilegia a adoção de mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio, apontando para que o Juiz autorize a dedução de reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio.
XIV – Por isso mesmo, “…I – Na ação de divisão de coisa comum, é a lei, no art. 926º, nº 3 parte final, do n.C.P.Civil, que se mostra adaptável a incluir no processo especial de divisão de coisa comum, a forma de processo comum. II – Quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fração autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com recurso a pedido de empréstimo bancário (mais concretamente quanto ao pagamento por um deles de empréstimo bancário relativo ao prédio, e bem assim dos montantes a título de IMI e contribuições de condomínio), numa situação em que o pagamento caberia a ambos, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente. III – O poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção…” (sublinhado nosso). IV – Sendo certo que esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efetiva composição do litígio (de acordo com o art. 37º, nos 2 e 3, do mesmo n.C.P.Civil)…”
XV – Não pode a Ré ser forçada a colocar-se numa situação como a descrita, por exemplo, no âmbito do processo 2263/12.0TBBRR.L1-2, decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 29-10-2015 (disponível em www.dgsi.pt): “…I - A aplicação, mesmo oficiosa, do abuso do direito, não deixa de depender de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos — salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis – pelo que não caberá ao tribunal estimular requerimentos das partes em que as mesmas venham sucessivamente trazer elementos que aquele entenda relevantes para a aplicação daquele instituto, e menos lhe caberá investigar por conta própria esses elementos. II – A circunstância da aqui A. não ter feito valer na contestação da ação de divisão da coisa comum o valor das benfeitorias cuja realização seria já anterior a essa contestação e que agora vem reclamar nos presentes autos, e a circunstância de apenas ter interposto esta ação cerca de dez anos depois, poderão ter intervindo como fatores válidos da confiança dos RR. na sua não futura demanda por esses valores. III – Mas, num sistema processual como o nosso, em que a reconvenção é, por regra, facultativa, não poderá, pelo menos, sem outros (fortes) elementos vir a concluir-se pela supressio do direito de fazer valer em ação autónoma o direito que justificaria a reconvenção, tanto mais que tal equivaleria a cercear o direito de ação que está compreendido no direito fundamental de acesso aos tribunais (art 20º da CRP). IV – Do disposto no art 334º CC resulta que, para que se possa falar de abuso de direito, tem de haver um excesso manifesto, o que implica que a existência do mesmo tenha de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações…” (sublinhado nosso).
XVI – Importa deixar aqui definitivamente definido que os A. não se arrogam, e não irão exigir, qualquer crédito, compensação ou direito, de modo que o processo possa considerar-se como efetivamente em condições de prosseguir para uma justa e definitiva composição do litígio; importa evitar que a Ré se veja envolvida noutro processo, e em discussões de abuso direito, preclusão , renúncia ou quaisquer outras, e sobretudo obstar a que os A. venham a propor uma outra ação para ver reconhecidos direitos que aqui negam frontalmente.
XVII – Assistindo à Ré o direito de ver aqui discutidas todas as questões relativa ao imóvel, em respeito, designadamente, pelo acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva
XVIII – A admissibilidade da reconvenção em mérito é também imposta não só pelo princípio da economia processual, cooperação e inquisitório, com vista ao cumprimento do dever de descoberta da verdade e justa composição do litígio, como pelo próprio Direito, que não consente soluções iníquas, incompletas e que atentem à paz social, como o faria a Decisão recorrida.
XIX – Assim, à parte da resistência gratuita, conveniente ou entorpecedora dos A., e a desconsideração feita pelo Tribunal a quo, inexistem razões de ordem jurídica para obstar à admissão da reconvenção formulada ou, por qualquer outra forma (e.g.: produção de prova e julgamento da matéria vertida na contestação), se plasmar no processo de forma definitiva a questão levantada pela Ré.
XX – Pela sua abrangência, referência a doutrina, bem como a vasta jurisprudência, é de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2024, processo 2372/23.0T8SXL.L1-2 (disponível em www.dgsi.pt), no sentido de ser admitida a reconvenção relativa a créditos que tenham que ver com o prédio a dividir, e que possam influenciar o valor que se tenha direito a receber no fim dessa ação, de modo a evitar que tenha de ser intentada nova ação para discutir esses créditos.
XXI – Aí se referindo o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, quanto ao pedido reconvencional na ação de divisão de coisas comum, diz-se que, “…b) Num outro plano, pode ainda perguntar-se se, na hipótese de o direito a benfeitorias pertencer à parte demandante, seria impensável admitir que esse direito pudesse ser feito valer na ação de divisão de coisa comum. Se não se descortinam razões para considerar inadmissível essa cumulação de pedidos pela parte demandante, então, por imposição do princípio da igualdade das partes, também a dedução de um idêntico pedido pela parte demandada não pode ser inadmissível…” (sublinhado nosso).
XXII – Mais se referindo de seguida nesse Acórdão que “…Esta posição corresponde àquela que se considera a melhor e maioritária jurisprudência sobre a matéria (daí que o réu possa ter arrolado 26 acórdãos do STJ e das Relações no mesmo sentido), sendo também a posição assumida pelo relator do atual no ac. do TRL de 12/09/2024, proc. 16759/21.9T8LSB-A.L1-2, de que se passam a transcrever apenas algumas partes…”, seguidamente mencionando doutrina e vasta jurisprudência.
XXIII – De onde se conclui que, podendo cada uma das partes cumular outros pedidos (e.g.: relativos a benfeitorias, créditos, etc.) com o da divisão, também a parte demandada pode deduzir um idêntico pedido tendente à apreciação definitiva do direito da demandante, mesmo que essa demandante não o tenha pedido (sobretudo quando a demandada sabe que a demandante se arroga tais direitos).
XXIV – A possibilidade de recurso aos tribunais para a resolução de litígios afigura-se como um direito constitucionalmente protegido no artigo 20º, da lei fundamental, donde resulta que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a Justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
XXV – O acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva é universal e, no caso concreto dos autos, a Ré limitou-se a exercer tal direito, com o fito de proteger interesses e direitos legalmente protegidos, como sejam os reditos na contestação e na reconvenção, e aqui reiterados.
XXVI – Ora, ao nunca ver respondida as questões que levou ao Tribunal a quo para que decidisse, existiu uma violação do disposto no artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa – mormente, desde logo, quanto aos seus números 1 e 4 –, pela sua não aplicação, o que, para todos os devidos e legais efeitos se invoca e requer.
XXVII – O direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e obtenção de uma sua tutela jurisdicional plena e efetiva, tendo por referência o artigo 20º, da Constituição, e por referência à abundante jurisprudência constitucional sobre o mesmo, tem o respetivo âmbito de proteção normativa sido assim entendido como se segue.
XXVIII – O artigo 20º, da CRP, garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo.
XXIX – Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório (cfr. Acórdão n.º 86/88, disponível em “https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/”).
XXX – Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras” (cfr. entre muitos outros, o acórdão n.º 1193/96, disponível em “https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/”).
XXXI – Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de proteção normativa do artigo 20º, da CRP, se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito.
XXXII – Integrando, assim, a “proibição da indefesa” o núcleo essencial do “processo devido em Direito”, constitucionalmente imposto, e qualquer regime processual que o legislador ordinário venha a conformar – seja ele de natureza civil ou penal – estará desde logo vinculado a não obstaculizar, de forma desrazoável, o exercício do direito de cada um a ser ouvido em juízo.
XXXIII – Importa reter, que, in casu, a decisão proferida nestes autos – que julgou não admissível a reconvenção ou de qualquer outra forma permitiu a discussão da matéria trazida a julgamento – veio a provocar na esfera da Ré grave prejuízo e incerteza, com a litigância presente e futura melhor plasmada nos autos.
XXXIV – Razão pela qual, terão as instâncias de sindicar da bondade de uma tal decisão, cabendo-lhe, designadamente, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes, as normas colocadas em causa, e ainda o próprio interesse do Estado no funcionamento dos Tribunais obstando à contribuição para a sua ineficiência em razão da litigância duplicada e desnecessária que afeta todos os recursos disponíveis.
XXXV – Pois que, conformando-se com o princípio da igualdade e da proporcionalidade, não cabe ao julgador, caso a caso, criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, como – salvo devido respeito e melhor entendimento – sucedeu no caso concreto dos autos.
XXXVI – Assim, porque todos estes valores detêm igual relevância e todos eles são constitucionalmente protegidos – sejam os valores da “proibição da indefesa” e do contraditório, sejam os princípios da segurança e da paz jurídica – impõe-se, como se disse, um juízo de censura à luz da Constituição.
XXXVII – Razão pela qual, perante tal problemática, sempre deverá o recurso em causa ser admitido e julgado procedente, e, assim não sucedendo, tem-se por violado o direito à tutela jurisdicional efetiva, padecendo de conformidade constitucional, questão que ora se levanta em sede recursiva, por ofender, nomeadamente, o artigo 20º, da Constituição – mormente, desde logo, quanto aos seus números 1 e 4 –, ou seja, o acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, com a consequente e necessária sindicância nos termos apropriados.
XXXVIII – Razão pela qual também deveria ter sido admitida a reconvenção, e, na dúvida, produzida a prova requerida, incluindo a testemunhal e documental que se protestou juntar (a qual deveria ter sido perscrutada antes de qualquer decisão), quedando, além do mais violado o artigo 266º, nomeadamente o seu n.º 1, as suas alíneas a) a d), do n.º 2 (na douta Sentença é referida uma alínea “e)”, certamente por lapso), e o nº 3, e ainda os artigos 37º, n.º 2 e 3, 926º, n.º 3, 7º, 8º, e 411º, todos do CPC; artigo 334º, do CC; artigo 20º, da CRP, mormente, desde logo, quanto aos seus números 1 e 4; e artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XXXIX – Acresce que, por outro lado, ambas as partes indicaram prova, mas que, por opção do Tribunal a quo, não foi produzida, como também não foi admitida aquela que a Ré protestou juntar, o que aqui se reitera para todos os devidos e legais efeitos, procedendo à sua junção logo que admitida para esse efeito (assim obstando a qualquer penalização ou – a manter-se a douta Decisão em crise – à sua eventual inadmissibilidade nesta concreta fase) (III);
XL – Com efeito, e salvo o devido respeito, a Ré não carece do consentimento dos A. para estar em desacordo, ou seja, a existência de matéria controvertida não está na disponibilidade de apenas uma das partes, mesmo que os A. neguem a sua existência, e muito menos na ausência de produção de prova requerida e omitida, recordando-se que, de acordo com a tese da Ré/Recorrente, os fundamentos da ação são falsos, carecendo, pelo menos, de causa de pedir.
XLI – Por outro lado, a ser verdade o que dizem os A. – inexistência de outras questões que inviabilizaram o entendimento extrajudicial –, e confiando o Tribunal a quo nessa alegação, no mínimo teria de verter na douta Sentença tal matéria assente (diga-se) por acordo das partes, o que dela acabou por não resultar de forma explícita ou sequer implícita, desde logo, nem sequer inviabilizando a propositura de outra ação por estes A. com vista a discutir essa “outra matéria”.
XLII – A qual, conforme já se viu, deveria ficar resolvida neste processo, não só por ser a sede própria, mas também por uma questão de respeito básico pelos elementares princípios e deveres já invocados, e que, em resumo, impõem que toda a matéria trazida aos autos deverá ser aqui discutida e resolvida de forma definitiva, o que também implica, pelo menos, a produção de prova e decisão da concreta matéria controvertida.
XLIII – E, mesmo que se entendesse que o processo dispõe de todos os elementos necessários à prolação, de imediato, de uma decisão sumária, não sendo necessário determinar a produção de prova suplementar, como foi o caso, haveria que apreciar e decidir (eventualmente declarando) a matéria trazida aos autos pelas partes, designadamente as questões relativas a quaisquer eventuais direitos dos A. a propósito da referida compropriedade, nomeadamente qualquer crédito ou compensação (mormente atenta às confissões sobre essa matéria ou, pelo menos, por se tratar de matéria assente por acordo das partes).
XLIV – O que não pode é deixar de pronunciar-se sobre aquilo que foi pedido (incluindo matéria controvertida e prova), não podendo decidir e manter em aberto tal questão que lhe foi colocada, não decidindo de forma global e definitiva, designadamente permitindo ainda que possa haver nova ação em que os requerentes venham pedir outras quantias, nomeadamente relacionadas com o imóvel, porventura a título de crédito, compensação ou qualquer outra causa (e.g.: enriquecimento sem causa).
XLV – A propósito das nulidades da Sentença, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018, processo 1716/17.8T8VNF.G1 (disponível em www.dgsi.pt), refere-se o Acórdão dessa mesma Relação e Secção, em que a Relatora foi aí adjunta, e proferido na apelação n.º 1799/13.0TBGMR-B, em que “…Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (10)…”.
XLVI – E, na respetiva nota de rodapé aí indicada, refere-se que “…10. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera:
“Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe- se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”…”.
XLVII – Com efeito, além da violação de normas resultante da não admissão da prova, e correspondente nulidade transversal à matéria de recurso (nomeadamente 423º, 452º, 498º, d), do n.º 1 do artigo 615º, todos do CPC), decorre ainda violação do já referido princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, agora na vertente do direito à produção de prova, o que se invoca e cuja apreciação se requer.
XLVIII – Acresce que, não foram dados como provados factos confessados ou, pelo menos, notoriamente assentes por acordo das partes (IV), quando resulta claro na réplica apresentada pelos A. que estes confessam entendimentos e quantias a mais a seu favor (cfr. pontos 19º a 27º, da réplica, supratranscritos): em primeiro lugar, nenhum comproprietário ponderaria que o outro recebesse mais, a não ser que fosse compelido a tanto, designadamente para evitar um litígio (e desde que recebesse aquilo que considerasse justo ou que o satisfizesse); e não é por existir discordância entre as partes relativamente aos exatos termos do vertido pelos A. nos pontos 22º a 25º, da douta Réplica, que, dos autos, e mormente do constante nos pontos supratranscritos, não se possa extrair que os A. prescindem de qualquer outro direito além do referido no ponto 27º (a divisão de coisa comum, na proporção de metade para cada uma das partes), nada mais lhes sendo devido pela Ré, e assim ficando impedidos de mais tarde invocar qualquer eventual direito relativo a créditos, compensações ou até enriquecimento sem causa.
XLIX – Por outro lado, a Ré não teve sequer oportunidade de demonstrar que o único acordo feito, para venda, não foi verbal, mas antes escrito e em Cartório Notarial (cfr. ponto 26º da Réplica).
L – Acresce que, cumpre ainda referir que nada fazia prever uma “decisão sumária”, sobre a qual a Ré nem sequer foi ouvida (V).
LI – É pacífico que, presentemente, existe uma conceção ampla do princípio do contraditório, tendo a doutrina e a jurisprudência ligado ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo a ser visto como um sistema dinâmico e de comunicações entre as partes e o Tribunal.
LII – Cabe, assim, ao Juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de previamente sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões surpresa (como solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever).
LIII – Com o aditamento do n.º 3, do artigo 3º, do CPC, e a proibição de decisões surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
LIV – Constitui decisão surpresa a Decisão tomada pelo Tribunal relativamente à desconsideração do alegado pela Ré na sua contestação e reconvenção (mesmo que esta última fosse de não admitir porquanto a matéria sempre constaria da contestação), até porque a não admissão ou desconsideração da (matéria da) contestação nunca esteve em causa, apesar de vir a constituir a base da Decisão sumária proferida.
LV – A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir o exame ou a decisão da causa, sendo nula a Decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo, o que se invoca e requer.
LVI – Termos em que deverá proceder o presente recurso nos termos expostos, revogando-se a douta Decisão em crise, sob pena de violação, designadamente: (I) do dever de gestão processual, princípio da cooperação, princípio da limitação dos atos e princípio do inquisitório que se encontram plasmados nos artigos 6º, 7º, 130º e 411º, do CPC, com influência e em prejuízo da descoberta da verdade e boa decisão da causa; (II) do artigo 266º, nomeadamente o seu n.º 1, as suas alíneas a) a d), do n.º 2 (na douta Sentença é referida uma alínea “e)”, certamente por lapso), e o nº 3, e ainda os artigos 37º, n.º 2 e 3, 926º, n.º 3, 7º, 8º, e 411º, todos do CPC; artigo 334º, do CC; artigo 20º, da CRP, mormente, desde logo, quanto aos seus números 1 e 4; e artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; (III) das normas resultante da não admissão da prova (nomeadamente 423º, 452º, 498º, d), do n.º 1 do artigo 615º, todos do CPC), decorrendo ainda violação do já referido princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, agora na vertente do direito à produção de prova, e artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; (IV) do artigo 574º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e artigo 352º, do CC; (V) do artigo 3º, n.ºs 3 e 4, do CPC.
Pois só assim se fará
JUSTIÇA!
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Questões a decidir:

- Verificar se houve violação do princípio do contraditório com a prolação de decisão surpresa;
- Verificar se a sentença é nula por omissão de pronúncia;
- Verificar se foi violado o art. 20º da Constituição da República Portuguesa;
- Analisar se a reconvenção é admissível;
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Na primeira instância foram fixados os seguintes factos:

3.1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...39, na Freguesia ..., o prédio urbano denominado lote n.º ...2, composto de casa de ..., andar e logradouro, sito em Monte ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...12 ..., da Freguesia ... e ..., concelho ..., a confrontar de norte com a rua do loteamento, do sul com DD, do nascente com zona verde e do poente com lote n.º ...1, com inscrições a favor de EE e Requerida, casados em separação de bens, por apresentação n.º 25 de 2007.05.22., por compra e ½ a favor dos Requerentes, por apresentação n.º 5904 de 15.07.2022, por compra por negociação particular em processo de execução.
3.2. Por escritura de compra e venda exarada de folhas 95 a folhas 97 verso do livro de escrituras diversas n.º ..., outorgada no dia 15 de julho de 2022, no Cartório Notarial na Rua ..., ..., rés-do-chão, na cidade e concelho ..., no dia 15 de julho de 2022, Dr. FF, na qualidade de agente de execução do processo n.º 907/10.7TBVVD, que correu termos na Comarca de Braga – ... – Juízo de Execução – Juiz ... e encarregado da venda, por negociação particular, do bem imóvel identificado supra, declarou que, naquela qualidade, “proceder à venda, por negociação particular, pelo preço de oitenta e sete mil euros, valor que importa a proposta apresentada pela segunda outorgante, relativamente a metade indivisa do seguinte bem imóvel:
Prédio urbano, denominado “Lote número ...2”, composto por lote onde foi edificada uma casa de ... e andar, com logradouro, destinada a habitação, situado em Monte ..., inscrito na matriz sob o artigo ...12.º da União das Freguesias ... e ..., do concelho ..., (provém do artigo urbano ...82 da extinta Freguesia ...) com valor patrimonial tributário relativamente à metade indivisa de 33.492,87€, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../..., inscrito a favor do executado, nos termos da inscrição da apresentação número ... e ..., de ....
(…)
Que, pela presente escritura, e pelo preço de oitenta e sete mil euros, valor que importa a proposta apresentada pela segunda outorgantes vende live de quaisquer ónus ou encaros e desembaraçado de pessoas e bens, à segunda outorgante, a metade indivisa do prédio urbano referido no contexto desta escritura.”, tendo os segundos outorgantes, os aqui Requerentes, declarado que aceita a presente venda nos termos exarados.
3.3. Os Requerentes pretendem pôr termo à indivisão.
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O Direito:

Indeferimento do requerimento apresentado pela Ré em 27/02/25:

O Requerimento em causa tem o seguinte teor:
CC, melhor identificada no processo em epígrafe referenciado, no qual é Requerida, vem, pelo presente e muito respeitosamente, dizer o seguinte:
1 – Conforme resulta do exposto pela Requerida nos pontos 13º a 23º da sua contestação, foi colocado em causa o referido pelos Requerentes quanto à veracidade dos termos dos ditos acordos aí alegados;
2 – Contudo, e como se impunha, perante a firme manutenção da afirmação dos Requerentes quanto a esses factos e respetivos termos, foi promovido pelo aqui signatário o necessário contacto entre Mandatários, com apresentação da respetiva minuta contendo proposta;
3 – Contudo, até à presente data, e apesar dos manifestos protelamento pelo menos desde 12/01/2025, não foi dada qualquer resposta;
4 – Assim sendo, designadamente atendendo ao dever de gestão processual, princípio da cooperação, princípio da limitação dos atos e princípio do inquisitório que se encontram plasmados nos artigos 6º, 7º, 130º e 411º, do CPC, s.m.o., deverão ser notificados os Requerentes para prestar os devidos esclarecimentos ou, em alternativa, concluir com a Requerida o dito entendimento no prazo máximo doutamente fixado pelo Tribunal.”

Este requerimento mereceu o seguinte despacho:
           
Requerimento de 27.05.2025, ref.ª ...43: Vi o requerimento que antecede.
Pese embora as partes possam estabelecer negociações e transigir nos presentes autos, ao Tribunal apenas caberá apreciar e homologar a transação no momento próprio e caso ela venha a realizar-se.
Assim, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal.”

Conforme verificamos da leitura do requerimento acima transcrito e também dos artigos da Contestação aí mencionados, o pedido formulado pelos ora Recorrentes está relacionado com negociações que existiram anteriormente à propositura da ação e que visavam resolver o litígio consensualmente.
Uma vez que estamos no âmbito de um processo judicial, pressupõe-se que a divisão ou partilha não logrou ser feita pela via amigável. De qualquer forma, as negociações ou simples contactos que ocorreram entre as partes previamente à propositura da ação são inócuas em face do objeto da ação, pelo que, tal requerimento foi bem indeferido pela primeira instância.
Acresce que nada obriga qualquer das partes a responder a proposta da outra no sentido da resolução do litígio por acordo, sem prejuízo de o mesmo poder ser alcançado durante a pendência da ação, cabendo, neste caso, ao Tribunal apreciá-lo e homologá-lo, tal como se refere do despacho recorrido.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso.

Da alegada violação do princípio do contraditório:
           
As Recorrentes entendem que o princípio do contraditório foi violado por ter sido proferida decisão no sentido da indivisibilidade do prédio.

O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do processo civil que reconhece às partes o direito a exporem as suas razões, o direito a serem ouvidas e a exercerem uma influência efetiva na marcha do processo, garantindo às partes uma efetiva participação no andamento do processo.
Este princípio emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional do direito de ação ou direito de agir em juízo através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP).
Como acima se menciona, o referido princípio encontra-se legalmente consagrado, designadamente no art. 3º, nº 3 do C. P. Civil.
Diz-nos este preceito que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
A violação do contraditório consubstancia uma nulidade (v. art. 195º, nº 1 do C. P. Civil) quando a omissão do ato ou formalidade que a lei prescreve possa influenciar a decisão da causa, devendo ser invocada no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento da mesma, perante o tribunal onde foi cometida.
No entanto, conforme se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/1/11, da Relação de Coimbra de 13/11/12 e da Relação de Évora de 10/04/14 e no  nosso Acórdão desta Relação, de 8/11/2018 (todos in www.dgsi.pt ), estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório sancionada/coberta por uma decisão judicial, a respetiva arguição poderá ocorrer em sede de recurso interposto dessa mesma decisão.

Na verdade, conforme explica o Professor Miguel Teixeira de Sousa no blog do IPCC em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 30/06/2016, a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.), dado que, sem a prévia audição das partes, o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
É certo que, no caso, foi proferida decisão no sentido da indivisibilidade do prédio objeto da ação sem que qualquer das partes tenha sido previamente ouvida, no entanto, em face da estrutura da ação em causa e da posição das partes nos seus articulados, entendemos que essa falta de audição não constituiu violação do princípio do contraditório.

Vejamos:
Dispõe o artigo 925.º do CPC que “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.
De acordo com o disposto no artigo 926.º, n.º 2 do CPC, “Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão” e se “o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum”, conforme dispõe o n.º 3 do citado artigo.

No caso, quer a compropriedade e respetivas quotas, quer a indivisibilidade do prédio não foram contestadas pela Ré, pelo que, cabia ao juiz proferir decisão encerrando a fase declarativa do processo.
Na verdade, não havendo discordância sobre os aspetos acima referidos e que cabia definir na fase declarativa do processo em causa, não havia que produzir provas, pois tal seria um ato inútil.
A decisão proferida nestas circunstâncias no sentido da indivisibilidade do prédio, cabia naturalmente na marcha do processo, porque previsível, não constituindo decisão surpresa, ainda que não tenha sido dada oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de tal decisão.

Não foi, pois, violado o princípio do contraditório

Da alegada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia:

O vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
Resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Como se refere no Ac. da R.L. de 29/11/05 (in www.dgsi.pt ) , o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou decisões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

No caso, a Ré fundamenta a alegada omissão de pronúncia no facto de a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre a alegada compensação de créditos e sobre o alegado facto de os AA. querem mais do que têm direito na partilha do imóvel.
Ora, como acima se referiu, o facto de os AA. quererem ou não mais do que têm direito na partilha do imóvel, não faz parte do objeto da ação, sendo certo que se trata de matéria relacionada com negociações que ocorreram entre as partes antes da propositura da ação.
A mencionada questão não tinha, pois, de ser apreciada na sentença. De qualquer forma foi referida no despacho prévio à sentença que apreciou o pedido feito pelas Rés no requerimento de 27/02/25.
Relativamente a uma eventual compensação de créditos, tal matéria teria apenas de ser discutida/apreciada se o pedido reconvencional tivesse sido admitido, que não foi. Se bem ou mal é questão que veremos mais abaixo. Contudo, tendo a Srª Juiz indeferido a apresentação do pedido reconvencional, não tinha de apreciar tal matéria e, consequentemente, os meios de prova aí enunciados, não tinham de ser produzidos.
Com efeito, dada a posição adotada pelo Tribunal recorrido relativamente à reconvenção, a apreciação da questão relativa à eventual compensação de créditos estava prejudicada.
Não existe, pois, qualquer omissão de pronúncia.  

Da alegada violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa
Alega a Recorrente que a decisão recorrida, ao não admitir a reconvenção e não permitiu a discussão da matéria aí alegada, violou o disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa,
O art. 20º, nº 1, da C:R.P. dispõe que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/94 (Proc. 510/92 in tribunalconstitucional.pt ) “O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão funda­mentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas.”.
Contudo, tem sido também entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que, embora esteja vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efetiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, “o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo de todo o modo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há‑de resultar de uma perspetiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles conflituantes entre si” (cfr. Acórdão n.º 63/2003)” (No mesmo sentido, Acórdãos do mesmo Tribunal nºs 373/15, de 14/7/2015 e 674/16, de 13 de Dezembro de 2016).
Assim, o respeito pelas normas de direito probatório material, não consiste numa violação do art. 20º da C.R.P., pelo que improcede, também nesta parte o recurso da Ré.

Da admissibilidade da reconvenção:
A reconvenção consiste numa contra-ação deduzida pelo Réu contra o Autor.
O exercício do poder reconvencional não pode ser admitido sem que haja qualquer conexão com o objeto da ação pois, “a reconvenção incondicionada abriria portas a quaisquer pedidos formulados pelo réu contra o autor, pedidos que o tribunal teria que conhecer concomitantemente com o pedido formulado por este, que veria assim, o processo marchar morosamente, talvez com inevitáveis e irreparáveis repercussões sobre a sua esfera jurídica (v. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 172).

Assim, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 266º do C. Proc. Civil, a reconvenção é admissível nos seguintes casos:

a) Quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

A estes limites objetivos, acrescem outros de cariz processual, nomeadamente, os previstos no nº3 do preceito citado, que refere que “Não é admissível a reconvenção, quando o pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 37º, com as necessárias adaptações.
                       
Vejamos:
A jurisprudência não tem sido uniforme relativamente à problemática da admissibilidade da reconvenção na ação de divisão de coisa comum, havendo acórdãos que têm uma visão restritiva sobre a respetiva admissibilidade e outros que entendem não haver obstáculos à formulação de pedido reconvencional nesta espécie de ações.
No entanto, grande parte da jurisprudência tem admitido, ao abrigo dos arts. 266º, nº 3, 37º, nº 2 e 3 e 547º, todos do C. P. Civil, tal dedução quando o reconvinte peticione o reconhecimento de um crédito que invoca sobre o requerente, em razão de benfeitorias ou de despesas efetuadas, como IMI, seguros, quotas do condomínio, com o prédio objeto do processo, ou para exercício da compensação de créditos caso o crédito de tornas venha a ser exigido ao requerente, por não ocorrer uma tramitação manifestamente incompatível – daí não derivando a prática de atos processuais contraditórios ou inconciliáveis - na apreciação de tal pretensão em conjunto com a da requerente. (v. a título de exemplo Ac. do STJ de 25/05/21 e de 26/01/21; Acs. desta Relação de 4/05/23 e de 13/07/22; Acs da RL de 15/3/18, de 11/05/23, de 28/09/23, de 02/03/23 e de 7/11/24; Ac. R.E. de 15/09/22 e de 27/6/24; Ac. R.P. de 8/11/22, de 6/6/24 e de 20/02/24).
Nesta situação, apesar de os pedidos da ação e reconvenção seguirem formas de processo diversas, há interesse relevante na apreciação conjunta das pretensões, evitando a propositura de outra ação para que o reconvinte veja o seu crédito reconhecido.

No caso, não se discutindo a indivisibilidade do bem, nem a situação de comunhão ou as quotas dos contitulares, a dedução e apreciação da reconvenção apenas poderia ser autorizada pelo juiz se o réu pretendesse obter a seu favor crédito emergente de despesas efetuadas com o prédio objeto da ação, como as acima referidas e de benfeitorias resultantes de obras realizadas no mesmo, a favor da requerente, a fim de obter a compensação desses créditos, na partilha do valor correspondente, através da adjudicação do imóvel.
De qualquer forma, ao contrário do que refere a Ré, o pedido reconvencional não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, não existindo, pois, conexão entre os factos invocados na petição inicial e/ou na contestação com os factos alegados na reconvenção.
Com efeito, no que respeita à alínea a) citada, temos que o pedido reconvencional se pode fundar no todo ou em parte na causa de pedir invocada na petição inicial ou ainda parcial ou totalmente nos factos que o réu invoca como exceção perentória ou quando o réu alega factos diversos dos alegados pelo autor e com estes incompatíveis (v. José Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil, conceito e princípios gerais à luz do código revisto, pág. 172-173).

No Acórdão do STJ de 27-04-2006 (in www.dgsi.pt) diz-se que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do C. Proc. Civil (que corresponde ao atual artigo 266º) implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.

Conforme explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 302), “O facto jurídico que serve de fundamento à ação (al a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria da exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação específica dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Na presente ação, a causa de pedir assenta na compropriedade sobre determinado bem imóvel, na sua indivisibilidade e no desejo dos AA. de porem fim a essa situação de comunhão.
Na contestação, a Ré não contesta essas alegações, apenas refere que não há falta de acordo entre AA e Ré.        

Assim, o pedido reconvencional nunca poderia ser admitido com base nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 266º.

Acima já vimos que, objetivamente, poderia ser admitido com base na alínea c) do mesmo preceito desde que a Ré, na reconvenção alegasse a existência de créditos que tivesse contra os autores, por pagamentos relacionados com o bem a dividir.

É certo que na reconvenção a Ré pretende que seja declarado que nada deve aos Requerentes/Reconvindos, nem estes são credores e/ou com direito a compensação de qualquer quantia sobre a Requerida/Reconvinte, por qualquer facto relacionado com o imóvel em causa nos autos, alegando para o efeito, que os Requerentes se arrogam no direito de receber quantia superior à referida metade e/ou pagar quantia inferior à referida metade e ainda no direito de serem credores com direito a compensação de quantias alegadamente atinentes ao imóvel em causa, no entanto, analisando os fundamentos de tal pedido, vemos que não alega a existência de qualquer crédito  sobre os AA. e, por outro lado, quando a eventual quantia que os AA. quisessem receber superior ao valor da sua quota, já vimos que essa questão está relacionada com negociações anteriores à propositura da ação e com a eventual composição amigável do litígio, sendo certo que na decisão proferida na presente ação, em segmento que não foi impugnado, já se concluiu que “Requerentes e Requerida são comproprietários na proporção de ½ cada um do prédio urbano supra descrito” e será com base neste pressuposto que se efetuará o preenchimento das quotas dos comproprietários na fase executiva do processo.
Assim, tendo em conta o acima exposto e, nomeadamente, que na reconvenção, não foi invocado qualquer crédito da Ré sobre os AA., tal pedido não é admissível.

Pelo exposto, improcede totalmente o recurso.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação da Requerida, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
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Guimarães, 18 de setembro de 2025

Alexandra Rolim Mendes

António Beça Pereira, com a seguinte declaração de voto:
Subscrevo a decisão, com excepção da afirmação de que "a nulidade processual decorrente da violação do princípio do contraditório é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (cf. art. 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.)", pois entendo que neste cenário estaríamos, sim, na presença de uma nulidade prevista no artigo 195.º do Código de Processo Civil.
Raquel Baptista Tavares