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ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
1 - Não pode considerar-se isoladamente e apenas os 13 pontos fixados como grau de incapacidade no relatório médico-legal, devendo, antes, considerar-se a afetação funcional total de que a autora ficou a padecer, incompatível com o exercício da sua atividade profissional. 2 - Tendo em conta que a recorrente ficou afetada com um défice funcional permanente de 13 pontos, que a impede de exercer a sua profissão habitual de bombeira, contava com 47 anos à data do acidente, auferindo o salário mínimo nacional e considerando que, face às suas habilitações, idade e especificidade do mercado de trabalho atual, terá dificuldade em encontrar qualquer outro trabalho remunerado, compatível com os seus conhecimentos e capacidades, o que equivale a uma incapacidade quase total para o trabalho, afigura-se ser acertado o montante indemnizatório, a título de dano patrimonial futuro, de € 120.000,00. 3 - Resultando dos factos provados que a recorrente, com 47 anos de idade, foi sujeita a exames médicos e fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica e ficou afetada com um défice funcional permanente de 13 pontos e incapaz para o exercício da sua atividade profissional, sofreu dores de grau 4/7, sofreu um dano estético de 2/7, repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer de 3/7, ficou dependente do auxílio de terceira pessoa durante mês e meio e sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual de que muito gostava (bombeira), revela-se ajustado o montante de € 35 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquela sofridos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
AA instaurou ação declarativa contra EMP01..., S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 388.520,00, bem como os valores relegados para liquidação em execução de sentença ou ampliação do pedido, referidos nos artigos 59º a 60º da p.i., acrescida de juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.
Alegou que foi vítima de um acidente de viação, ocorrido por culpa do condutor de um veículo automóvel seguro na R. e, em consequência do qual, sofreu danos.
Contestou a ré aceitando a culpa do condutor do veículo por si segurado e impugnando os danos.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenou a R., a pagar à A., a quantia de € 131.112,50 (cento e trinta e um mil cento e doze euros sessenta e cinquenta cêntimos);
b) Condenou a R., a pagar à A., juros de mora, à taxa legal, sobre a referida quantia, contados desde a data da presente decisão até integral pagamento;
c) Condenou a R., a pagar à A., a quantia ilíquida que esta venha a despender em medicação analgésica e anti-inflamatória;
d) Absolveu a R. do demais peticionado.
A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
I – Na douta decisão proferida fixou-se à Autora uma indemnização global de € 131.112,50;
II - Tal valor é manifestamente miserabilístico, atenta a gravidade dos danos corporais sofridos pela mesma e que lhe determinaram uma incapacidade para a profissão habitual.
III - Com efeito, à Autora foi fixada uma incapacidade geral de 13 Pontos com IPATH; sendo que a mesma, à data do acidente, tinha 46 anos de idade e auferia de vencimento a quantia mensal de € 760,00, como bombeira da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários ....
IV - E, nesta medida, considerando a idade, salário e respetiva incapacidade, a título de dano patrimonial futuro deverá fixar-se-lhe a quantia de € 140.000,00, no seguimento da Jurisprudência mais recente que, apesar das várias tabelas e fórmulas de cálculo existentes, defende que o dano patrimonial futuro deve ser fixado por equidade, considerando a evolução da carreira profissional do lesado, a evolução dos salários e período de vida ativa.
V - Tal défice à integridade física e psíquica que afeta a saúde e bem-estar da Autora, com repercussão na sua vida social e familiar e de bem-estar, implica uma limitação física e diminuição da capacidade de usar o corpo em toda a sua plenitude, deve ser tratado como um dano autónomo e funcional, ou seja, como dano biológico, que não se confunde com o dano patrimonial da perda de capacidade de ganho, conforme estabelece, à contrário sensu, o artº 9º nº 3 da Portaria 377/2008, de 26/05.
VI - Pelo que tal dano biológico deve ser fixado na quantia de € 60.000,00;
VII - Por fim, e no que diz respeito aos danos morais, é de destacar:
- O internamento hospitalar a que a Autora foi sujeita.
- A cirurgia e tratamentos que realizou.
- O quantum doloris no grau 4/7
- O dano estético no gau 2/7
- A repercussão nas atividades desportivas de 3/7
- E a incapacidade para a profissão habitual (IPATH)
VIII - Tudo isto deve ser valorado a título de danos morais com uma quantia não inferior a € 50.000,00, quantia essa que melhor se adequa à gravidade e extensão dos danos corporais sofridos pela Autora.
IX - Pelo exposto, e nos termos atrás enunciados, deve fixar-se à Autora uma indemnização global de € 250.000,00.
X - A decisão proferida violou, assim, o disposto no artº 496º nº 1 do Cód. Civil, e artº 9º nº 3, à contrario sensu, da Portaria nº 377/2008 de 26/05.
Termos em que o recurso deve ser admitido e, consequentemente, alterar-se a decisão proferida.
Assim se fazendo Justiça!
A ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a resolver prende-se com os montantes das indemnizações.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos provados:
1 - No dia 12.12.2022, cerca das 13 horas e 55 minutos, na Estrada Nacional Nº ..., ocorreu um acidente de viação.
2 - Foram nele intervenientes: o veículo de matrícula ..-LC-.., conduzido por BB e o veículo de matrícula ..-..-NP, conduzido pela A.
3 - No local do acidente, a estrada dispõe de cerca 6,5 metros de largura e é composta por duas faixas de rodagem, destinadas, cada uma, ao trânsito em cada sentido.
4 - No dia, hora e local referidos em 1, o veículo de matrícula ..-..-NP, conduzido pela A., seguia na referida estrada, no sentido .../...,
5 - Circulando pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha e a uma velocidade de cerca de 50 Km/horários.
6 - Na mesma estrada, mas em sentido contrário, ou seja, .../..., circulava o veículo de matrícula ..-LC-..,
7 - Cujo condutor, sensivelmente, ao km 38,850, iniciou uma manobra de ultrapassagem à fila de veículos que seguia à sua frente,
8 - Sem previamente se certificar se podia executar tal manobra em segurança,
9 - Nomeadamente, se na faixa de rodagem da esquerda, que ia ocupar, circulava qualquer veículo cuja circulação pusesse em risco, com tal manobra;
10 - Para o que ocupou a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário àquele em que seguia;
11 - Não tendo conseguido retomar a faixa da direita;
12 - Pois foi embater frontalmente com o veículo ..-LC-..;
13 - Nada tendo podido fazer a A. para evitar o embate;
14 - Uma vez que foi inesperadamente confrontada com o veículo LC, na sua faixa de rodagem, em aceleração, para tentar ultrapassar os veículos que seguiam à sua frente.
15 - O proprietário do veículo de matrícula ..-LC-.., havia transferido para a R., a responsabilidade civil emergente da sua circulação, por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24.
16 - Em consequência do embate, a A. ficou gravemente ferida, sofreu dores intensas e uma angústia e aflição enormes, com receio pela vida da sua filha de 8 anos, que seguia no veículo como passageira.
17 - A A. foi transportado de ambulância pelo INEM, para o serviço de urgências do Hospital ...;
18 - Onde foi submetida a exames radiológicos, tratamento e sutura de feridas e escoriações, bem como tratamentos para controlo de dor e estabilização de lesões e fraturas.
19 - Foram-lhe diagnosticadas as seguintes lesões:
a) Trauma do antebraço e punho direito;
b) Fratura do punho direito;
c) Trauma do joelho esquerdo;
d) Trauma do tornozelo esquerdo.
20 - No decorrer do internamento foi sujeita a intervenção cirúrgica.
21 - Teve alta para o domicílio no dia 17.12.2022, com tala no punho direito e, por isso, com indicação de repouso e inatividade da mão direita.
22 - Em casa, permaneceu, durante cerca de um mês e meio, dependente da ajuda de terceira pessoa para as tarefas básicas do quotidiano, como lavar-se, vestir-se e despir-se, tratar da casa, confecionar refeições e cuidar dos filhos.
23 - Deslocava-se, semanalmente, ao centro de saúde de ..., para mudar o penso.
24 - E deslocou-se, uma vez, ao Hospital ..., para tirar os pontos.
25 - Em 11.01.2023 a A. removeu a tala, que substituiu por ortétese amovível.
26 - No dia 25.01.2023 começou tratamento de medicina física e de reabilitação, nomeadamente, consultas diárias de fisioterapia, que manteve por mais de três (3) meses.
27 - Durante todo esse período de tempo, a A. sentiu dores no membro superior direito, dores que se mantiveram e que ainda tem atualmente.
28 - A A. sentiu, também, temporariamente, dor no membro inferior esquerdo e nas costas.
29 - Em 04.05.2024 a A. foi avaliada pelos serviços clínicos da R. que consideraram a fratura consolidada, mas com limitação de dor, atribuindo-lhe uma IPG de 8 Pontos (Ma0221-pela anquilose funcional do punho direito com a prono-supinação conservada), com IPATH, com Reconversão, Quantum Doloris de 4/7, Dano Estético de 2/7.
30 - Entre tratamentos, intervenção cirúrgica, fisioterapia e reabilitação, decorreu cerca de meio ano.
31 - As sequelas sofridas pela A., limitaram-na e, limitam-na, no exercício das tarefas domésticas e na prática desportiva que exija a utilização do braço direito, bem como de acompanhar os seus filhos em brincadeiras e no exercício de atividades que exijam o uso do braço direito.
32 - Antes do embate, a A. era uma pessoa relativamente alegre e bem-disposta.
33 - Atualmente é uma pessoa abalada, insegura, impaciente, agitada, com o sistema nervoso alterado e revoltada.
34 - Era bombeira na Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários ...;
35 - Onde exercia funções de socorrista na equipa do INEM, socorrendo vítimas de acidentes e doenças, integrando as equipas de combates a incêndios rurais;
36 - Trabalho que exercia com enorme prazer, uma vez que era a vocação da sua vida.
37 - Após o embate, a A. viu-se impedida de exercer as suas funções, devido às limitações e dores no punho direito;
38 - Razão pela qual foi, temporariamente, colocada a atender telefones na referida associação;
39 - Atividade com a qual não se identificava, nem lhe dava satisfação pessoal ou profissional;
40 - Tendo acabado por ser despedida, por extinção do posto de trabalho.
41 - A A. nasceu em ../../1976.
42 - No exercício da sua atividade profissional, a A. auferia o vencimento mensal de € 760,00 × 14 meses por ano.
43 - Em consequência do ocorrido, a A. sofreu um período de défice funcional temporário total de 5 dias;
44 - Um período de défice funcional temporário parcial de 139 dias;
45 - Um quantum doloris de grau 4/7;
46 - Ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos;
47 - As sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área de preparação técnico profissional;
48 - Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 2/7;
49 - Sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3/7;
50 - E ficou a carecer de ajuda de medicação analgésica e anti-inflamatória.
Factos não provados:
1 - A A. foi seguida em consulta externa de Ortopedia no Hospital ....
2 - A A. era uma pessoa com grande gosto e apetência pela prática desportiva, assim como pela prática de caminhadas e outras atividades desportivas e de lazer, que praticava com prazer em companhia dos seus filhos e marido;
3 - Hoje em dia, essas atividades estão comprometidas devido às suas limitações;
4 - A A. está impedida de praticar desporto, correr, ou qualquer outra atividade que exija esforço físico e força nas pernas.
5 - Encontra-se totalmente impossibilitada de acompanhar os filhos em todas as atividades desportivas e de lazer, como fazia antes do acidente.
6 - Teve ajuda de 3ª pessoa durante o período de recuperação, que consistiu em 16 horas/dia, durante os primeiros 30 dias e 8 horas/dia durante os 90 dias seguintes.
7 - Está dependente de ajuda de 3ª pessoa para o resto da vida.
8 - E irá necessitar de acompanhamento médico regular, nomeadamente:
a) Consulta Médica na Especialidade de Ortopedia: 2 × ano;
b) Medicina Física e de Reabilitação: 45 sessões × 3 anos;
c) Cirurgia Ortopédica para extração dos EMOS;
A apelante não põe em causa a decisão de facto, pelo que estes são os factos que terão de sustentar as indemnizações devidas à autora.
A autora pediu € 60.000,00 pelo que designa como dano biológico, € 244.720,00 a título de dano patrimonial futuro, € 80.000,00 a título de dano não patrimonial e, ainda, € 3.800,00 pela ajuda de terceira pessoa, num total de € 388.520,00, a que acrescem juros e valores a relegar para execução de sentença.
Em 1.ª instância, foi a ré condenada a pagar à autora € 1.112,50 pela ajuda de terceira pessoa e a quantia ilíquida referente à medicação analgésica e anti-inflamatória que venha a ter de despender, não tendo tais condenações sido objeto de recurso.
A discordância da autora prende-se com o valor de € 30.000,00 fixado a título de danos não patrimoniais, que a apelante pretende ver aumentado para € 50.000,00 e com o valor de € 100.000,00 fixado a título de dano patrimonial futuro, que a apelante pretende ver aumentado para € 140.000,00. Entende, ainda, a apelante que, para além destes valores, deve ser fixada a quantia de € € 60.000,00 a título de dano biológico autónomo.
Vejamos.
A apelante entende que o dano biológico deve ser autonomizado dos demais danos, patrimonial e não patrimonial, com um valor próprio, uma vez que “afeta a saúde e bem-estar da pessoa lesada, com repercussão na sua vida social, familiar e de bem-estar, implicando uma limitação física e uma diminuição da capacidade de usar o corpo em toda a sua plenitude”, devendo ser fixada, a esse título, a quantia de € 60.000,00.
Ora, no caso concreto, considerou-se na sentença recorrida que o dano biológico a que a autora se refere deve ser enquadrado como dano não patrimonial (aí se tendo tido em conta as limitações físicas de que ficou a padecer e o seu reflexo na sua vida em termos físicos e psicológicos, que se prolongarão durante toda a vida), fixando-se a esse título a quantia de € 30.000,00.
Resulta, também, da sentença recorrida, que o que vem sendo designado como dano biológico, que é unanimemente defendido ser ressarcível, deve considerar-se, no caso concreto, ao nível do dano patrimonial futuro, com as inerentes dificuldades de cálculo num caso como o dos autos, em que a incapacidade é de apenas 13 pontos, mas em que a lesada ficou incapaz para o exercício da sua atividade profissional habitual, motivo pelo qual, usadas várias fórmulas de cálculo, se viu o Sr. Juiz obrigado a socorrer-se da equidade para apurar um valor final.
Fê-lo de forma que nos parece acertada nos seus termos, apenas com a correção de valor que se assinalará adiante.
Resulta dos factos provados que as sequelas de que a autora ficou a padecer são incompatíveis com o exercício da sua atividade profissional – “As sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área de preparação técnico profissional” -, a que acresce que, com a idade da autora, as suas habilitações e as limitações de que ficou a padecer, terá dificuldade em encontrar qualquer outro trabalho remunerado, compatível com os seus conhecimentos e capacidades, o que equivale a uma incapacidade quase total para o trabalho.
Veja-se a este propósito, e em caso similar (um pouco mais grave) ao dos autos, o Acórdão do STJ de 02/06/2016, processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt, onde se lê: “Estando, pois, a A.. totalmente impedida de exercer a sua profissão habitual e, não obstante a compatibilidade do seu défice funcional com outras atividades da sua preparação técnico-profissional que, aliás, nem se encontram especificadas, não se divisando que possua idade e habilitações para lograr uma condizente reconversão profissional noutra atividade desse tipo e muito menos de outra natureza, teremos de concluir que a situação em presença corresponde, na prática, a uma perda total da sua capacidade de ganho. Acresce que o referido défice é ainda de molde a tornar mais penoso o desempenho de tarefas pessoais com acrescido custo económico”.
Ou seja, esta incapacidade, constitui uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial, indemnizável com recurso à equidade.
“A afetação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da atividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cfr. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considera-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida ativa e com o período posterior à normal cessação da atividade laboral.
“Em suma, o chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis (A este propósito, veja-se artigo doutrinário de 2011 da autoria Maria da Graça Trigo, aqui 1.ª adjunta, sob o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; e ainda o aprofundamento desse tema pela mesma Autora, sob o título Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp.69 e seguintes, Universidade Católica, 2015) – Acórdão do STJ de 02/06/2016, processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
“Deve-se chegar a tal indemnização através de um juízo de equidade, que não é um qualquer exercício de discricionariedade, mas antes a procura da justiça do caso concreto” – Acórdão do STJ de 07/01/2010 (Conselheiro Pires da Rosa), processo n.º 5095/04.5TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt.
Não pode, nem deve, assim, considerar-se apenas os 13 pontos fixados como grau de incapacidade no relatório médico-legal, considerando-se, antes, a afetação funcional total de que a autora ficou a padecer, incompatível com o exercício da sua atividade profissional habitual.
A fixação da indemnização deve, também, pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos:
- considerando que a um sinistrado com 51 anos, que ao tempo do acidente auferia € 6.560,00/ano e ficou totalmente impossibilitado para o trabalho e dependente de terceiros para o dia a dia, julgou-se não ser exagerada a quantia de € 100.000,00, a título de danos patrimoniais futuros (STJ, 16.02.2010, 1043/03.8TBMCN.P1.S1);
- a um lesado com 54 anos de idade, cantoneiro de profissão que ficou com IPP de 20% mas totalmente incapacitado para a profissão habitual bem como para todas as atividades que exigissem esforços físicos, atribuiu-se indemnização de € 65 000,00 (STJ, 06.10.2011, 733/06.8TBFAF.G1.S1);
- a uma lesada com 18 anos de idade e IPG de 31,20%, envolvendo impossibilidade absoluta para o exercício da atividade profissional habitual e de todas as que envolvam componente significativa de esforço físico (e que eram as imediata e efetivamente acessíveis às capacidades naturais e habilitações da lesada antes do acidente), atribuiu-se a indemnização de € 100.000,00 (STJ, 10/11/2016, 175/05.2TBPSR.E2.S1);
- a uma lesada com 39 anos de idade, com um défice funcional permanente de 9 pontos que, muito embora não a impossibilite de exercer a sua atividade profissional como enfermeira, a obriga a desenvolver um esforço superior ao que desenvolvia antes do acidente e a impede de trabalhar nas equipas das viaturas médicas de emergência e reanimação, como era habitual antes do acidente, atribuiu-se a indemnização de € 40.000,00 (STJ, 20/12/2017, 390/12.2TBVPA.G1.S1);
- a um lesado com 41 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 29 pontos, sendo trolha de profissão e tendo ficado com muitas limitações no exercício da mesma, atribuiu-se uma indemnização por perda de ganho, no valor de € 170.000,00 (STJ, 25/05/2017, 2028/12.9TBVCT.G1.S1);
- a uma lesada com 43 anos de idade, desvalorização funcional permanente de 26 pontos, mas impossibilitada de exercer o trabalho de costureira que sempre exerceu e sem formação profissional para o exercício de outra atividade, atribuiu-se uma indemnização de € 162.000,00 (STJ, 19/04/2018, 196/11.6TCGMR.G2.S1);
- a uma lesada de 47 anos de idade, com um défice de 18 pontos, impeditivo do exercício da sua atividade profissional e com dificuldade de reconversão profissional (apenas com a 4.ª classe), atribuiu-se uma indemnização de € 150.000,00 (STJ, 02/06/2016, 2603/10.6TVLSB.L1.S1);
- um lesado afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, que contava 45 anos à data do acidente e auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00, acrescido de € 80,00 de subsidio de alimentação; afigura-se ser acertado o montante indemnizatório de € 200 000,00, considerando o benefício emergente da entrega antecipada do capital, para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita à perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico) – STJ de 19/09/2019, processo n.º 2706/17.&T8BRG.G1.S1.
Da análise destes Acórdãos do STJ ressalta à evidência a evolução jurisprudencial, sobretudo a mais recente, que vem atribuindo quantias indemnizatórias substancialmente superiores às arbitradas há 10 ou 20 anos atrás.
Assim, tendo em conta o caso concreto e esta evolução jurisprudencial a que não podemos ficar alheios, julga-se adequado fixar em € 120.000,00 o valor a arbitrar à autora a título de dano patrimonial futuro (aqui se englobando o dano biológico na vertente assinalada).
Também quanto ao dano não patrimonial, considerando o internamento hospitalar, exames e cirurgia a que a autora, de 47 anos de idade, foi sujeita, tendo ficado afetada com um défice funcional permanente de 13 pontos, a dependência de 3.ª pessoa para as tarefas básicas da vida durante mês e meio, os três meses de fisioterapia diária, a limitação no exercício das tarefas domésticas e na prática desportiva (repercussão permanente de grau 3/7), bem como no exercício de todas as atividades que exijam o uso do braço direito (designadamente, brincadeiras com os filhos), o quantum doloris de grau 4/7, o dano estético de grau 2/7, o ter-se tornado uma pessoa abalada, insegura, impaciente, agitada, com o sistema nervoso alterado e revoltada e não poder continuar a exercer a atividade de bombeira, trabalho que exercia com enorme prazer, uma vez que era a vocação da sua vida e finalmente a necessidade permanente e futura de ajuda de medicação analgésica e anti-inflamatória, entendemos ajustado, uma vez mais socorrendo-nos dos dados jurisprudenciais recentes, fixar a esse título, o montante de € 35.000,00.
Veja-se, como exemplo, o Acórdão do STJ já citado, de 19/09/2019: “Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de € 50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos”.
Releva, também, o facto de, em acórdão datado de 23/02/2023, relatado pela aqui relatora, proferido no processo n.º 3387/20.5T8VCT.G1, termos já fixado a indemnização de € 30.000,00, num caso semelhante, mas com contornos menos graves do que este que aqui nos ocupa: “É adequado fixar o valor de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais a favor de lesado de 48 anos de idade, com um défice funcional permanente de 7 pontos, período de défice funcional temporário parcial de 419 dias, quantum doloris de grau 4, dano estético de grau 2 e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, sujeito a vários exames, consultas e uma cirurgia com anestesia geral, para além de 180 sessões de fisioterapia, necessitando até ao fim da sua vida de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares, nomeadamente, fisioterapia em períodos de agudização das dores”.
Procede, assim, parcialmente, a apelação, alterando-se os valores arbitrados a título de danos não patrimoniais – de € 30.000,00 para € 35.000,00 – e de dano patrimonial futuro – de € 100.000,00 para € 120.000,00 – mantendo-se a sentença quanto ao mais - € 1.112,50 pela ajuda de terceira pessoa e a quantia ilíquida referente à medicação analgésica e anti-inflamatória que venha a ter de despender.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida no que diz respeito às quantias arbitradas a título de danos não patrimoniais e de dano patrimonial futuro, indo a ré condenada a pagar à autora, a estes títulos, respetivamente, € 35.000,00 e € 120.000,00 e confirmando-se a sentença no que toca às demais quantias (€ 1.112,50 pela ajuda de terceira pessoa e a quantia ilíquida referente à medicação analgésica e anti-inflamatória que venha a ter de despender) e juros nos termos aí definidos.
Custas por apelante e apelada conforme decaimento.