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EXECUÇÃO
ENCARREGADO DA VENDA
REMUNERAÇÃO
Sumário
1) A remuneração das entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, pelo que, se o valor da venda for superior ao valor da causa, como é o caso dos presentes autos, é este último, o valor (da causa) a tomar como referência para o cálculo da remuneração devida ao encarregado da venda; 2) Na fixação do montante dos honorários devidos aos encarregados da venda deve ter-se em consideração diversos parâmetros que têm a ver, designadamente, com o nível de desempenho evidenciado, das funções que lhe são atribuídas no processo e, neste âmbito, as diligências efetuadas para a efetiva realização da venda em causa, como sejam deslocações, visitas, publicidade e contactos mantidos com potenciais interessados na aquisição dos bens a vender, sendo necessário que tenha existido atividade da sua parte no âmbito das funções que lhe estão cometidas, uma vez que é o expectável desempenho eficaz e útil, à luz dos fins da satisfação dos direitos do credor/exequente, de tais funções que está na base da sua nomeação e na posterior remuneração dos serviços por si prestados; 3) Constitui objeto de valorização da atividade de encarregado da venda a angariação de interessado que, em consequência dessa atividade, venha a apresentar proposta de aquisição do bem a vender, que seja aceite e que tal venda em questão se concretize.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Nos autos de execução ordinária, com o valor processual de €32.948,77, que a exequente AA intentou contra o executado BB, foi nomeado encarregado da venda CC, em 23/07/2021, para proceder à venda do prédio rústico penhorado à ordem dos autos (ref. ...10, de 02/12/2019).
O imóvel em questão acabou por ser vendido através da plataforma E-Leilões, por negociação particular, sem intervenção do referido encarregado da venda, exceto quanto à celebração do contrato de compra e venda, em que interveio, à proponente “EMP01..., Unipessoal, Lda.”, pelo valor de €95.183,06, conforme despacho de 07/03/2024 (ref. ...11).
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B) O encarregado da venda CC, apresentou requerimento onde conclui peticionando o pagamento da quantia global de €5.901,27, a título de despesas e honorários devidos pelas diligências por si levadas a cabo na qualidade de encarregado de venda.
Para tanto alega, em síntese que foi nomeado encarregado de venda do imóvel identificado nos autos e envidou diversas diligências com vista à venda do aludido bem, designadamente, efetuou duas deslocações ao local onde o prédio se encontra localizado, na freguesia ..., do concelho ..., com vista a conhecer o imóvel e apurar o seu estado de conservação e teve de diligenciar no sentido de contactar possíveis interessados na aquisição do imóvel penhorado, diligências que implicaram dezenas de horas de trabalho.
Para além das despesas das duas deslocações ao local onde se situa o imóvel no valor de €47,52 (33km x 4 trajetos de ida e volta x €0,36).
Refere ainda o requerente que uma vez que já foi autorizada a venda do imóvel pelo preço de €95.183,06, tem direito a ser ressarcido das referidas diligências, fixando, a título de despesas o valor de €47,52 e a título de honorários o montante global de €5.853,75, correspondente a 5% do valor da proposta apresentada e pelo qual o imóvel foi vendido (€4.759,15), acrescido de IVA, à taxa legal de 23% (€1.094,60).
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A credora reclamante Banco 1... apresentou reclamação em que alega, em síntese, que o imóvel penhorado nos autos se encontrava em venda por negociação particular desde 23/10/2020, tendo sido adquirido por “EMP01..., Unipessoal, Lda”, pelo preço de €95.183,04, no seguimento da proposta apresentada na plataforma E-Leilões, cujo leilão terminou no dia 24/01/2024.
Não pode a Credora Reclamante conformar-se com o valor peticionado na nota discriminativa apresentada nos presentes autos, e, alegadamente, em dívida ao encarregado de venda em que é peticionado o valor de €5.901,27, alegadamente, em dívida ao encarregado de venda, sem juntar qualquer documento justificativo do mesmo, nem especificar a que se deve o seu pagamento.
Na verdade, a venda do imóvel que se encontrava penhorado à ordem dos autos, ocorreu mediante a publicidade da mesma no E-Leilões, sem qualquer intervenção de encarregado de venda, que, em momento algum, apresentou qualquer proposta de terceiro ou tentou incrementar as propostas que foram sendo apresentadas nos leilões eletrónicos ocorridos.
Assim, ao não promover a concretização da venda não pode a encarregada da venda receber qualquer remuneração, em face a recuperação, pelo que, requer a notificação da Sra. Agente de Execução para que proceda à retificação da conta notificada, da qual não conste qualquer valor a pagar à Encarregada de Venda.
Caso, assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio de concede, requer que se fixe a retribuição do encarregado de venda em valor não superior a 2 UC, de acordo com o disposto no nº 6 do artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais.
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O encarregado da venda CC veio apresentar resposta onde refere que teve de consultar o processo analisando de forma pormenorizada a documentação relativa ao imóvel penhorado, a deslocação ao imóvel para aferir do seu estado, que implicou uma deslocação de ... a ... (...) e volta (65 km), com a perda de metade de um dia.
Afirma ter feito uma consulta de mercado para “perceber como exponenciar as características do imóvel de forma a angariar o maior número de interessados na respetiva compra, com o inerente dispêndio de tempo”.
Refere, ainda ter contactado com potenciais interessados na aquisição do imóvel, tendo estado presente em diversas reuniões e tendo visitado o imóvel ao longo destes anos, pelo menos por seis vezes para acompanhar os proponentes na deslocação ao local para visitar o imóvel (o que implicou cerca de 400 kms percorridos, para além de largas dezenas de horas despendidas).mais refere que teve de dar conta, de forma assídua, do andamento das diligências e do estado de venda do imóvel, implicando a preparação de diversos requerimentos apresentados nestes autos.
Entende ainda que os honorários devidos devem ser medidos em função das especificidades do serviço, complexidade e tempo necessário, não podendo estar dependente de ter logrado a venda do imóvel penhorado, tratando-se de uma obrigação de meios, sendo certo que só com as despesas de deslocações o encarregado de venda teve um custo superior ao avançado pela reclamante (2 UC’s).
Acrescenta, ainda, que teve em consideração para a fixação do valor da nota reclamada as despesas suportadas com as inúmeras deslocações e contactos telefónicos, entre outras, invocando, ainda um Acórdão do Tribunal Constitucional, sobre o trabalho desenvolvido por peritos, que entende ser aplicável à situação dos encarregados de venda, devendo indeferir-se a reclamação apresentada pela Banco 1..., mantendo-se os honorários peticionados pelo encarregado de venda.
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Foi proferido o seguinte despacho:
“Banco 1..., Credora Reclamante nos autos melhor acima identificados, em que é Executado BB, notificada da nota discriminativa da Sra. Agente de Execução, veio deduzir reclamação sobre a mesma, peticionando a final a correção por meio de fixação da retribuição ao Encarregado da Venda em valor não superior a 2UC, de acordo com o art.º 17º, nº 6 do RCP.
Para o efeito, alegou, em síntese, que a Sra. Agente de Execução peticiona o valor de €5.901,27, alegadamente, em dívida ao Encarregado de Venda, no entanto, não junta qualquer documento justificativo do mesmo, nem especifica a que se deve o seu pagamento. Mais aduziu que, a venda do imóvel que se encontrava penhorado à ordem dos autos, ocorreu mediante a publicidade da mesma no E-Leilões, sem qualquer intervenção de Encarregado de Venda, que, em momento algum, apresentou qualquer proposta de terceiro ou tentou incrementar as propostas que foram sendo apresentadas nos leilões eletrónicos ocorridos.
Por seu turno, veio o Sr. Encarregado da Venda, CC, pronunciar-se nos termos juntos aos autos sob a referência ...98, que aqui se dão por reproduzidos, pugnando pela improcedência da reclamação, porquanto encetou várias diligências de entre as quais várias deslocações ao imóvel.
Após resposta da Exequente, veio, ainda, o Sr. Encarregado da Venda invocar a ausência de pórticos e/portagens no percurso até ao imóvel em causa, razão pela qual não dispõe de evidências das deslocações, e, posteriormente, apresentou dois escritos particulares denominados declarações de visita ao imóvel.
Nesta sequência foi a Sr.ª Agente de Execução notificada para juntar comprovativos documentais do seguinte, sob pena de não ser admitida a despesa.
Veio a Sr.ª Agente de Execução, com o devido respeito, numa desnecessária amálgama de considerações, juntar a nota de honorários e despesas apresentadas pelo Sr. Encarregado da Venda.
Cumpre apreciar e decidir.
No que aqui interessa, dispõe o art. 17º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais que “As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento”, sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, “A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento”.
Por força deste último preceito legal, não sendo a venda executiva, ainda que extrajudicial, uma venda privada, nem todo regime jurídico para esta previsto se aplica àquela, nomeadamente, para o que aqui interessa, no que se refere à remuneração do encarregado da venda, relativamente à qual o nº 2 do art. 17º do RCP é expresso quanto à sua natureza imperativa.
Isto significa que, não obstante a remuneração seja fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, esse valor deve conter-se dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem (cf. nº 4 do art. 17º).
Assim sendo, o que se tem de aplicar no caso em apreço é o critério geral estabelecido pelo nº 3 do art. 17º do RCP, segundo o qual a remuneração é fixada tendo em consideração, nomeadamente, o tipo de serviço e os usos do mercado, em função do serviço ou deslocação.
Uma vez que, está em causa a remuneração do encarregado da venda, cumpre aplicar posteriormente o disposto no nº 4 do mesmo artigo, nos termos do qual “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.”
Todavia, a aplicação da percentagem até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos pressupõe que o ato da venda se concretize, dado que a racionalidade da norma pressupõe e exige que exista conexão entre o exercício das funções de encarregado da venda e o pagamento do credor.
Assim sendo, parece dever entender-se que o argumento teleológico pressupõe que o ato da venda tenha êxito, total ou parcialmente, em resultado da atividade do encarregado da venda para que a este seja devida a remuneração adicional prevista no nº 6 do art. 17º do RCP.
Vale isto por dizer, que a aplicação dos 5% apenas se conforma com a atividade do prestador do serviço na efetivação da venda, e, não, como no caso vertente, quando a concretização da venda ocorre por outra via externa à atividade do Encarregado da Venda, assente que a venda do imóvel penhorado deu-se por meio de leilão eletrónico sem qualquer intervenção do “negociador particular”.
Pelo que, sem demais delongas, por carecer de fundamento legal a aplicação da percentagem de 5% do valor do bem vendido, julga-se procedente a reclamação do Credor Reclamante fixando-se em 2 UC’s a remuneração do Sr. Encarregado da venda por negociação particular, acrescido do valor das despesas de deslocação, em concreto, €47,52, e, consequentemente, ordena-se a correção da nota discriminativa de honorários e despesas.
Custas do incidente a cargo do reclamante, ao abrigo do disposto nos artigos 527º, nºs 1 e 2, 539º, nº 1 e artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se a taxa de justiça em ½ unidade de conta.
Notifique, também a Ex.ma Sr.ª Agente de Execução.”
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C) Inconformado com esta decisão, veio o requerente CC interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.
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Nas alegações de recurso do apelante CC, são formuladas as seguintes conclusões:
1. A nossa discordância reside no valor que foi fixado pela Mm.ª Juiz a quo no douto despacho ora posto em crise, relativamente aos honorários a pagar ao Encarregado de Venda, ora recorrente.
2. O douto despacho ora recorrido de 10.01.2025 (ref.ª ...98), fundamentou a sua decisão de reduzir o valor a pagar a título de honorários ao Encarregado de Venda com base no seguinte:“ (…) como no caso vertente, quando a concretização da venda ocorre por outra via externa à atividade do Encarregado da Venda, assente que a venda do imóvel penhorado deu-se por meio eletrónico sem qualquer intervenção do “negociador particular”.
3. Mais referindo que “ (…) parece dever entender-se que o argumento teológico pressupõe que o ato da venda tenha êxito, total ou parcialmente, em resultado da atividade do encarregado da venda para que a este seja devida da remuneração adicional prevista no nº 6 do art. 17º do RCP”.
4. Esse despacho faz tábua rasa do facto do recorrente, ao longo dos últimos três anos, volvidos desde o momento em que foi nomeado como encarregado de venda no âmbito dos presentes autos até ao momento em que outorgou a escritura do imóvel penhorado, ter efetuado inúmeras deslocações, quer com destino ao imóvel penhorado, quer às demais entidades públicas, cartórios, e conservatórias, consultado o processo, consultado websites, consultado jurisprudência, estudando os trâmites da ação executiva, retribuindo e efetuando chamadas, redigido emails, redigido requerimentos e demais atividades que lhe competiam.
5. O Tribunal a quo, com a decisão ora colocada em crise, mal decidiu quando perfilhou o entendimento que caso o Encarregado de Venda não proceda, já na reta final, à venda do imóvel através de uma proposta por ele apresentada, os honorários que lhe forem devidos estarão desde logo “condenados” a quantias irrisórias e bem aquém dos ditos 5% que dimana do disposto no art. 17º, nº 6 do RCP.
6. A jurisprudência tem vindo a entender, cada vez mais, que os honorários devidos ao Encarregado de Venda devem ser ajustados em conformidade com o tempo despendido nessas atividades e o esforço manifestado com vista à concretização da venda (por exemplo, os contactos efetuados, o tipo de publicidade desenvolvida, o número de possíveis interessados angariados). - cfr. Ac. Ac. do TRE de 22.10.2020 proferido no âmbito do processo n.º 332/18.1T8BJA-B.E1.
7. Assim como tem vindo a entender que “O encarregado da venda tem direito à remuneração (valor/preço devido pela atividade desenvolvida) ainda que a venda não se tenha realizado, desde que por facto que não lhe é imputável.” - cfr. Ac. do TRC de 12.11.2024 proferido no âmbito do processo nº 813/12.0TJCBR.C1.
8. No caso em apreço, o Recorrente revelou-se sempre cumpridor das funções que lhe competiam na qualidade de Encarregado de venda.
9. O Recorrente, ao longo dos últimos três anos, cumpriu com tudo quanto lhe foi sendo solicitado.
10. O Recorrente, logrou pelo menos dois contactos de possíveis interessados na aquisição do imóvel, tendo-se deslocado com os mesmos com vista a acompanhá-los nas visitas ao prédio para que aqueles aferissem do estado de conservação e características.
11. Pese embora a venda tenha sido efetuada por conta de uma proposta obtida no E-Leilões sem a intervenção do recorrente, a verdade é que, até então, não se pode olvidar todos os esforços e diligências encetadas pelo Recorrente, com vista, precisamente, à obtenção de propostas para a venda do referido imóvel.
12. Aliás, o Recorrente, conforme é possível concluir pelo documento ora junto como doc. nº 1, após a proposta final ter sido feita, ainda diligenciou pela sua presença na escritura, a qual outorgou na qualidade de Encarregado de Venda.
13. Posto isto, e face à factualidade que aqui se deixou vertida, o valor fixado pela AE na nota discriminativa com vista ao pagamento de honorários devidos ao Recorrente configura-se, diga-se em abono da verdade, justo, considerando as diligências envidadas por este.
14. O despacho recorrido viola, assim, o disposto nos citados arts. artigos 16º, nº 1, al.h) e 17º, nºs 2, 3 e 6 do RCP.
Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, por provado, devendo o douto despacho ser substituído por outro que ordene o pagamento ao Recorrente da remuneração inicialmente fixada pela AE na sua nota discriminativa no valor de €5.901,27.
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Não foi apresentada resposta.
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Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir no recurso é a de saber se deverá ser atribuído ao apelante a reclamada quantia.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Estabelece o artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais:
“1. As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
2. A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efetuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela IV, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3. Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:
a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;
b) Remuneração em função do número de páginas ou fração de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.
4. A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
5. ( … )
6. Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.
( … )”
A remuneração em apreço consta da tabela IV, onde se refere que as entidades encarregadas da venda extrajudicial têm direito à remuneração por serviço/deslocação correspondente a 1/255 UC, por quilómetro, acrescido de, até 5%, do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
Conforme se refere no acórdão da Relação do Porto de 04/05/2022, processo 164/14.6T8AGD.P1, relatado pelo Desembargador Jorge Seabra, disponível em www.dgsi.pt, “em termos de critérios legais, segundo o nº 6 do citado artigo 17º, o juiz deve graduar a remuneração devida ao encarregado da venda nomeado no processo pelo agente de execução entre um mínimo e um máximo de 5%, tendo por referência o valor da causa ou o valor da venda, se este último valor for inferior àquele outro.
Por conseguinte, se o valor da venda for superior ao valor da causa, como é o caso dos presentes autos, é este último o valor (da causa) a tomar como referência para o cálculo da remuneração devida ao encarregado da venda e não um qualquer outro valor ajustado pelas partes em arrepio do previsto na lei.
No contexto daquela graduação da remuneração devida ao encarregado da venda o critério decisivo deve ser, naturalmente, em nosso ver, o nível de desempenho evidenciado das funções que lhe são atribuídas no processo e, neste âmbito, as diligências efetuadas para a efetiva realização da venda em causa, como sejam deslocações, visitas, publicidade e contactos mantidos com potenciais interessados na aquisição dos bens a vender.
Sendo assim, não basta, evidentemente, para efeitos de atribuição daquela remuneração, a mera e estrita nomeação no processo do encarregado da venda, sendo mister que tenha existido atividade da sua parte no âmbito das funções que lhe estão cometidas, pois que é o expectável desempenho eficaz e útil, à luz dos fins da satisfação dos direitos do credor/exequente, de tais funções que está na base da sua nomeação e na posterior remuneração dos serviços por si prestados.
Destarte, ( … ), se o sucesso na realização da venda tem necessariamente de ser ponderado em sede de fixação da remuneração devida ao encarregado, esse sucesso ou insucesso não pode constituir o único critério relevante para aquele efeito, sendo certo, por um lado, que esse sucesso não depende apenas e estritamente da vontade do encarregado da venda e das suas diligências e, por outro, hipóteses existem em que a venda não vem a ter lugar e, apesar disso, seria de todo iníquo que os serviços prestados pelo encarregado da venda não fossem remunerados. Basta pensar, entre outras, nas hipóteses de o executado pagar voluntariamente a quantia exequenda na proximidade da venda entretanto angariada pelo encarregado ou, ainda, de a execução vir a ser julgada extinta em sede de embargos de executado e, apesar disso, o encarregado ter efetuado no processo de execução diligências para a venda de bens penhorados, que, depois, não vem a ter lugar, etc.
Nestes termos, em nosso ver, ainda que o encarregado da venda não venha a conseguir realizar a venda executiva, sempre lhe é devida a remuneração prevista na lei, a graduar nos termos do citado nº 6 do artigo 17º, em função das efetivas diligências realizadas para uma eventual consumação daquela venda, ou seja, mesmo que ela não venha a ter lugar ou não venha a ter lugar em consequência daquela sua comprovada atividade no processo, sendo, por isso, apenas de excluir a remuneração quando nenhuma atividade tenha sido levada cabo pelo encarregado da venda para o atingimento daquele objetivo.
Trata-se, pois, a obrigação assumida pelo encarregado da venda, de uma obrigação de meios (realização de diligências para o eventual atingimento do resultado pretendido – a venda) e não de resultado (realização da venda).”
Isto dito, importa relembrar que, conforme acima se referiu, por força do disposto no artigo 17º nº 6 RCP, se o valor da venda for superior ao valor da causa, como é o caso dos presentes autos, é este último o valor (da causa) a tomar como referência para o cálculo da remuneração devida ao encarregado da venda e não um qualquer outro valor.
Ora, o valor da causa (execução) é de €32.948,77 e o valor de venda do prédio foi de €95.183,06, o que significa que o valor de referência, no caso presente, é aquele de €32.948,77, pelo que, ainda que se aplicassem os critérios sustentados pelo apelante o valor a obter seria de 5%, de tal valor, isto é, €1.647,44.
Porém, não é este o valor devido.
Para apreciação do concreto valor devido terá de se atentar nas considerações que o apelante tece na sua nota de despesas e honorários e no seu confronto com as alegações de recurso.
Na nota de despesas e honorários refere o apelante que efetuou duas deslocações ao local onde se situa o prédio para conhecer o imóvel e apurar o seu estado de conservação e diligenciou no sentido de contactar possíveis interessados na aquisição do imóvel, que implicaram dezenas de horas de trabalho.
Ora, tratando-se de uma nota de despesas e honorários, importa que se concretize em que consistiram tais diligências e, ainda qual o número de horas gasto, que não se basta com uma declaração genérica de que as diligências implicaram dezenas de horas de trabalho, dado que tal declaração abrange um espaço que varia entre vinte horas e infinito, pelo que, esse tempo podia e devia ser contabilizado, desde que devidamente anotado pelo apelante.
Nas sua alegações de recurso, já afirma o apelante que teve que se deslocar ao imóvel para aferir do seu estado, o que implicou, desde logo, uma deslocação de ... a ... (...) e vice-versa (65 kms), com a inerente perda de metade de um dia.
Trata-se de uma afirmação que contraria a alegação que consta da nota de despesas e honorários, dado que aí afirmou o apelante ter-se deslocado ao local do prédio duas vezes, para conhecer o imóvel e apurar o seu estado de conservação.
Por outro lado, quando ali se fala na “perda de metade de um dia”, fica-se sem saber qual a correspondência de tal período em número de horas, que pode ser desde 3,5 horas (de trabalho), até 12 horas.
Afirma ainda o apelante, nas alegações, que se revelou necessário visitar o imóvel ao longo destes anos, pelo menos por seis vezes, para acompanhar possíveis clientes, porém, nada referiu onde deveria ter referido, na nota de honorários, dado que é com base nesta, além de outros elementos, que é fixado o montante dos honorários devidos e sobre a qual é proferida uma decisão em primeira instância.
Não pode agora o apelante invocar factos que não referiu naquela nota e que a decisão proferida na 1ª Instância apreciou, sendo certo que não pode agora ser conhecida, uma vez que se trata de questão nova.
Escreve a propósito Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 109): “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas”.
A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes.
Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto …” (cfr. Acórdãos da Relação de Guimarães de 21/09/2023, no processo 176/20.0T8EPS.G1 e de 08/11/2018, no processo 212/16.5T8PTL.G1).
Refere o apelante que outorgou a escritura de compra e venda na qualidade de encarregado da venda, o que resulta da documentação junta aos autos, não obstante a celebração de tal contrato não tenha resultado de qualquer atividade de angariação desse cliente, pelo apelante, atividade essa que terá decorrido ao longo de três anos.
Sustenta o apelante ter direito à percentagem de 5% sobre o valor da venda, situação sobre a qual já tivemos oportunidade de esclarecer que não é assim, dado que, como referimos, o valor da causa (execução) é de €32.948,77 e o valor de venda do prédio foi de €95.183,06, pelo que o valor de referência, no caso presente, é aquele de €32.948,77, pelo que, ainda que se aplicassem os critérios sustentados pelo apelante o valor a obter seria de 5%, de tal valor, isto é, €1.647,44.
A circunstância de o comprador do prédio em questão não ter sido angariado pelo encarregado da venda, nem ser conhecido qualquer interessado na aquisição do mesmo, em resultado do trabalho realizado pelo encarregado da venda, o tempo entretanto decorrido (três anos) naturalmente que são impeditivos de se fixar o máximo legal, antes aconselham a que se tomem em consideração outros elementos, alguns dos quais já referenciados.
Com efeito, a fixação do montante dos honorários devidos aos encarregados da venda deve ter em consideração diversos parâmetros a que acima se fez referência, que têm a ver, designadamente, com o nível de desempenho evidenciado, das funções que lhe são atribuídas no processo e, neste âmbito, as diligências efetuadas para a efetiva realização da venda em causa, como sejam deslocações, visitas, publicidade e contactos mantidos com potenciais interessados na aquisição dos bens a vender, sendo necessário que tenha existido atividade da sua parte no âmbito das funções que lhe estão cometidas, uma vez que é o expectável desempenho eficaz e útil, à luz dos fins da satisfação dos direitos do credor/exequente, de tais funções que está na base da sua nomeação e na posterior remuneração dos serviços por si prestados.
Constitui objeto de valorização da atividade de encarregado da venda a angariação de interessado que, em consequência dessa atividade, venha a apresentar proposta de aquisição do bem a vender, que seja aceite e que tal venda em questão se concretize
Ora, a imprecisão da matéria constante da nota de honorários e despesas, aliada à apontada contradição com a alegação de recurso, não obstante não sejam de molde a impedir a atribuição de uma remuneração ao encarregado de venda, no entanto, condicionam o valor a fixar pela sua vaguidade e indefinição o que leva a que se recorra à equidade com vista ao apuramento do valor a fixar.
Assim sendo atento o atrás exposto, afigura-se-nos equitativo, a atribuição de uma remuneração ao encarregado da venda no montante de 2% (do valor do processo), que corresponde ao montante de €658,98, improcedendo o mais peticionado.
As custas serão suportadas, pelo apelante, na proporção de decaimento (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
*
D) Em conclusão:
…
***
III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-seem julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência fixar-se a remuneração do apelante e encarregado da venda no montante de 2% do valor da causa (execução), no valor de €658,98 e, no mais, improcedente. Custas pelo apelante, na proporção de decaimento.
Notifique.
*
Guimarães, 18/09/2025
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes
2ª Adjunta: Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira