I - A Lei n.º 9/2022, de 11/01, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva (EU) 2019/1023, tem como escopo, no que ao cálculo da remuneração variável respeita, valorizar o trabalho desenvolvido pelo administrador judicial, além de reforçar e dignificar as suas funções.
II - Para efeitos de interpretação do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação da Lei n.º 9/2022, de 11/01, deve entender-se que o administrador judicial provisório em sede de PER tem direito a receber uma remuneração fixa e uma remuneração variável, equivalendo esta última à percentagem do perdão conseguido para os créditos em sede de negociação, já que a percentagem desse perdão corresponde necessariamente à medida da melhoria da situação patrimonial do devedor em decorrência presumivelmente do trabalho do administrador judicial.
III – Aberto incidente de fixação de remuneração variável, o tribunal recorrido encontra-se vinculado à tomada de decisão sobre o mérito do pedido formulado, com ou sem colaboração do Administrador Judicial provisório.
Comarca: [Juízo de Comércio de Amarante (J1); Comarca do Porto Este]
Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista
Juiz Desembargador Adjunto: Alberto Taveira
Juíza Desembargadora Adjunta: Alexandra Pelayo
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I - RELATÓRIO
“A..., LDA.”, sociedade com sede na Rua ..., freguesia ..., concelho de Paredes, veio, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º-A e seguintes do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa[1], em conjunto com os credores “Banco 1... – Sucursal em Portugal” e “B..., Lda.”, comunicar que pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação, no âmbito de processo especial de revitalização.
Alega, em síntese, que tem como objecto social a fabricação de artigos em madeira, principalmente destinadas à indústria da construção.
Afirma encontrar-se numa situação económica difícil, na medida em que o seu desempenho financeiro dos últimos anos limitou o acesso a novos financiamentos, encontrando-se sem soluções para financiar a sua atividade e, assim, cumprir com as suas obrigações.
Acrescenta estar, atualmente, a submeter-se a uma reestruturação interna, de forma a tornar mais leve a estrutura de custos, tornando-se mais eficiente na gestão dos encargos e potenciando a total recuperação e revitalização.
Declara que, com vista à sua recuperação, necessita que lhe seja concedido um período de proteção e prorrogação dos prazos de pagamento.
Assegura que a proposta de plano de recuperação permitirá assegurar a continuidade da empresa, atenuando o serviço de dívida, com a consequente libertação de recursos destinados à actividade, e manutenção dos postos de trabalho.
Diz que os seus credores “Banco 1... – Sucursal em Portugal” e “B..., Lda.”, representando mais de 10 % dos créditos, já manifestaram a sua vontade de encetar negociações conducentes à revitalização, por meio de um plano de recuperação.
Foi admitido liminarmente o processo especial de revitalização e nomeado, por sorteiro, o Sr. Dr. AA como Administrador Judicial Provisório.
Com data de 29/06/2023, o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou a Relação Provisória de Credores.
Esta Relação Provisória foi objecto de impugnação por parte dos devedores.
Com data de 28/09/2023, foi proferida decisão que apreciou tais impugnações.
Com data de 13/10/2023, foi sequencialmente apresentada Lista de Créditos corrigida.
Decorrido o prazo de negociações, foi proferida sentença, com data de 29/11/2023, que homologou o plano de revitalização, explicando que “Assim, a presente decisão de homologação do Plano vincula todos os credores, mesmo os credores que não hajam participado nas negociações, nos termos previstos no artigo 17.º-F, n.º 11, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com exceção do crédito da Segurança Social, por este credor o ter requerido expressamente e não ter dado o seu assentimento ao plano aprovado.”, acrescentando que cessam as funções do Sr. Administrador Judicial Provisório.
Na parte final desta sentença, consta ainda “Notifique, ainda o/a Sr./a Administrador/a Judicial provisório para oferecer a sua proposta de remuneração, no prazo de 10 dias, e, após, notifique a devedora com vista ao exercício do contraditório, no prazo de 10 dias, após o que deverá ser aberta ao Ministério Público para se pronunciar também.”
O Sr. Administrador Judicial Provisório não se veio pronunciar no prazo fixado.
Em 04/11/2024, o Sr. Administrador Judicial Provisório foi novamente notificado para apresentar proposta de remuneração variável, no prazo de 10 dias, não se tendo pronunciado uma vez mais.
Com data de 26/11/2024, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Tendo em conta que o Sr. Administrador Judicial Provisório apenas leu a notificação que lhe foi remetida, no dia de ontem, aguarde por mais 5 dias, e caso nada seja junto nesse prazo, então, insista com a advertência que, em caso de novo silêncio, o Tribunal considera que o Sr. Administrador Judicial Provisório entende não ter direito a qualquer remuneração variável, face ao plano aprovado. Prazo: 10 dias.”
Com data de 05/12/2024, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio responder pedindo a fixação da remuneração variável no montante de EUR 30 152,49, justificando que: a) tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de EUR 2000, e b) o resultado da recuperação, com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme b), do n.º 4, do art.º 23.º do AJ – o plano prevê o pagamento da totalidade dos créditos reclamados nos termos da Lei e que são no valor de EUR 563 049,70 - aplicado a percentagem de 5% o resultado é de EUR 28.152,49.
A Requerente veio exercer contraditório, defendendo que, face à inexistência de perdão de dívida, e contemplando o plano o pagamento integral dos créditos, não existe fundamento para o cálculo da remuneração variável peticionada.
Também o Ministério Público se veio pronunciar no sentido de que, não havendo qualquer tipo de “perdão de divida”, não há qualquer tipo de justificação para o pagamento da remuneração variável tal e qual requerido.
Com data de 07/01/2025, foi proferido despacho com o seguinte teor resumido: “(…) Descendo ao caso dos autos temos que o montante total dos créditos reconhecidos ascende a 563 049,70 euros. Resulta também que o montante a pagar na execução do Plano aprovado será de 100%, isto é, prevê-se o pagamento integral dos créditos reconhecidos.
Assim, não existe qualquer perdão dos créditos que haviam sido reconhecidos, pelo que a recuperação do/a/s Devedor/a/s é nula, existindo apenas deferimento do pagamento dos seus créditos.
Donde, aplicando a fórmula prevista no artigo 23.º, n.º 4, alínea a), do Estatuto do Administrador Judicial, na versão introduzida pela Lei 9/2022, de 11 de janeiro, e o montante do perdão de créditos que resulta da aprovação do Plano Homologado sendo nulo, nada temos para aplicar a percentagem de 10%, pelo que nenhum valor seria fixado a título de remuneração variável, por não ser devida tal remuneração.
Não obstante, no caso concreto, o plano aprovado prevê o perdão de juros vencidos e vincendos, porém da Lista de Créditos Reconhecidos não consta terem sido reconhecidos quaisquer montantes a título de juros vencidos, pelo que, nessa parte, não se pode considerar que haja qualquer perdão. Haverá apenas perdão de juros vincendos, desconhecendo-se qual será o seu montante, por dos autos não constar o seu cálculo.
Assim, por ora, não se fixa qualquer valor a título de remuneração variável, por não ser devida, face ao não perdão de qualquer valor a título dos créditos reconhecidos na Lista definitiva junta aos autos em 13.10.2023.
Sem prejuízo, convida-se o Sr. Administrador de Insolvência a vir apresentar nos autos o cálculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade.
No que se refere à remuneração fixa a mesma já foi fixada no despacho de nomeação, como tal, nessa parte nada há a determinar.
Notifique.”
O Sr. Administrador Judicial Provisório não se veio pronunciar e, entretanto, os autos foram à conta e foi-lhe aposto “Visto em Correição”.
Com data de 07/04/2025, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio apresentar requerimento nos autos afirmando que a lista provisória de créditos, que se encontra junta aos autos, foi apresentada com os valores reclamados na sua totalidade, incluindo o capital em dívida, com os juros já vencidos.
Declara que no plano de revitalização homologado nos presentes autos os juros vencidos reclamados foram no montante de EUR 12.353,64, tendo tais valores sido perdoados neste plano.
Quanto aos juros vincendos, apresenta um mapa em anexo e informa que para os credores que reclamaram fornecimentos de produtos e serviços aplicou a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio. Diz que relativamente aos credores que reclamaram os créditos resultantes de salários e direitos do contrato de trabalho aplicou a taxa juro civil, nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de junho, aos Ministros das Finanças e da Justiça, Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril com a taxa de 4%.
Conclui que os valores totais dos juros vincendos são de EUR 221.693,65, e conforme mapa em anexo. Bem como que o valor total de juros vencidos e vincendos que foram perdoados em sede de plano de revitalização é de (12.353,64 € + 221.693,65 €) - EUR 234.047,29.
Notificada a Requerente para se pronunciar, esta veio apresentar requerimento alegando que o pedido do Sr. Administrador Judicial Provisório é extemporâneo.
Supletivamente invoca discrepâncias entre as listas apresentadas, repetição de verbas, contabilização indevida de juros de mora e errada aplicação das taxas de juros.
Com data de 30/05/2025, foi proferido despacho com o seguinte teor resumido: “Nos presentes autos foi homologado um Plano que prevê o pagamento integral dos créditos reconhecidos, seja a título de capital seja a título de juros.
Não obstante o Sr. Administrador de Insolvência veio reclamar o pagamento de uma remuneração variável, tendo sido proferido despacho em 07.01.2025, devidamente notificado e que não mereceu recurso, pelo que transitou em julgado, onde foi decidido que o Sr. Administrador de Insolvência não teria direito ao pagamento de uma remuneração variável, atendendo a que o Plano não previa qualquer perdão de capital ou de juros vencidos.
Não obstante foi o Sr. Administrador de Insolvência convidado a vir apresentar nos autos o cálculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade.
Decorrido o prazo de 10 dias concedido, o Sr. Administrador de Insolvência nada veio trazer aos autos, pelo que foram arquivados.
Porém, decorridos cerca de 4 meses, o Sr. Administrador de Insolvência veio apresentar um requerimento onde refere que o valor total de juros vencidos e vincendos que foram perdoados em sede de plano de revitalização é de 234 047,29 euros, soma dos vencidos mais vincendos: 12.353,64 + 221.693,65, remetendo para um quadro anexo que não juntou e só mais tarde, após notificação do Tribunal, o veio juntar. (…)
Assiste razão à Devedora quanto invoca extemporaneidade na apresentação do seu requerimento com o cálculo de juros vincendos efetuado, por referência ao despacho proferido em 07.01.2025, de que foi regularmente notificado e, não tendo merecido recurso transitou em julgado.
Assim, estando já os autos no arquivo, o requerimento apresentado mais de três meses após o trânsito em julgado de tal despacho é extemporâneo.
Mas também não foi dado cumprimento ao que havia sido ordenado pelo Juiz no despacho proferido pois o Sr. Administrador de Insolvência veio indicar juros vencidos quanto já resultava do despacho proferido que não existiu perdão de juros vencidos e, como tal, nesta parte não havia lugar a remuneração variável.
Por outro lado, é manifesto que os cálculos apresentados não se mostram em conformidade com o determinado no despacho proferido, pois não tiveram por referência os juros efetivamente perdoados, já que, como bem refere a Devedora, no tocante aos créditos das Instituições Financeiras também não existirá perdão de juros vincendos, de acordo com o plano, logo não há lugar a remuneração variável, nesta parte.
Por fim, os prazos para pagamento aos credores não são todos de 60 meses (nem de 48 meses), pelo que se impunha fazer o cálculo em conformidade.
Sendo que os juros apenas poderiam incidir sobre o respetivo capital em divida nada data de cada prestação, no pressuposto de que será cumprido o plano.
Assim, face ao que resulta dos autos, não há lugar ao pagamento de qualquer remuneração variável, por não ter sido atempadamente cumprido o determinado no despacho proferido em 07.01.2025 e as razões invocadas no requerimento tardiamente junto no dia de hoje, 28 de maio de 2025, para além do prazo de 08 dias concedido para contraditório, carecerem de fundamento legal, atendendo à Lista de Créditos Reconhecidos que serviu de base à aprovação do plano e ao teor do Plano e sentença homologatória do mesmo, não podendo agora apreciar-se matérias já abrangidas pela sentença homologatória do plano e pelo despacho proferido em 07.01.2025, transitados em julgado e, como tal, quanto à respetiva matéria esgotou-se o poder jurisdicional do Juiz.
Notifique e, oportunamente, arquive de novo os autos.”
Inconformado com esta decisão, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio interpor recurso, rematando com as seguintes
CONCLUSÕES:
A. A questão colocada prende-se com a qualificação jurídica do prazo concedido pelo tribunal a quo ao apelante para, em sede de procedimento de fixação de remuneração variável, convidou o apelante a quantificar o montante dos juros de mora objeto de perdão pelo plano de revitalização que fora aprovado pelos credores da devedora e homologado pelo tribunal.
B. O Tribunal a quo ao considerar que a reposta do apelante a esse convite era extemporânea, recusando, deste modo, fixar qualquer remuneração variável ao apelante, entendeu que o prazo fixado tinha natureza perentória, quando na verdade era meramente procedimental ou ordenador do processo, pelo que o efeito preclusivo que lhe foi dado é manifestamente ilegal, por violação do disposto no artigo 139.º do CPC.
C. O apelante foi nomeado pelo tribunal para exercer funções de administrador judicial provisório (AJP) nestes autos, tendo elaborado a lista de credores, orientado e fiscalizado as negociações entre a devedora e os credores, e organiza a votação final do plano de revitalização apresentado pela devedora.
D. Dispõe o n.º 6 do artigo 17.º-C do CIRE que “a remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que aquele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, suportado pela empresa, sendo o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça responsável pelo seu pagamento apenas no caso de a empresa beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.”
E. O disposto no n.º 6 do artigo 17.º-C é uma expressão do disposto no artigo 22.º do EAJ segundo o qual “o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.”
F. E sobre o cálculo dessa remuneração dispõe o n.º 1 do artigo 23.º do EAJ que “o administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro).”
G. O n.º 4 da mesma norma dispõe ainda que “os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 /prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.”
H. E, de acordo com o n.º 5, “considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.”
I. No âmbito destes autos e após despacho de admissão do procedimento e nomeação do apelante como AJP, foram reclamados créditos no montante global de 563.049,70 €, conforme lista elaborada pelo apelante e objeto de publicação, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 17.º-D do CIRE.
J. Após as negociações encetadas pela devedora com os seus credores, sob orientação e fiscalização do apelante, foi votado, aprovado e homologado um plano especial de revitalização.
K. Como decorre do plano apresentado pela devedora e homologado pelo tribunal, a empresa não contempla qualquer perdão de capital, prevendo apenas a fixação de um prazo de pagamento em prestações mensais desse capital, diferenciado de acordo com a categoria dos credores.
L. Mas, em todo o caso, não prevendo um perdão de capital, o plano prevê um perdão de juros moratórios, quer vencidos quer vincendos, o que muito influenciará (para menos) o valor de cada uma das prestações de capital a pagar pela empresa aos seus credores.
M. Por isso, concluído que foi o procedimento negocial encetado pela devedora com os seus credores conducente à aprovação do plano de revitalização, o apelante apresentou nos autos requerimento em que pediu ao tribunal a fixação do valor da remuneração variável a que tinha, e tem, direito, de acordo com as regras previstas no artigo 23.º do EAJ.
N. O requerimento em causa deu entrada em tribunal em 05/12/2024, sob a referência CITIUS 10141433, nos termos do qual o apelante veio requerer que lhe fosse fixado o montante 30.152,49 € a título de remuneração variável.
O. O tribunal a quo indeferiu o pedido do apelante, o que fez por despacho datado de 07/01/2025, sob a referência CITIUIS 97336193.
P. No entanto, o tribunal a quo considerou que “Sem prejuízo, convida-se o Sr. Administrador de Insolvência a vir apresentar nos autos o cálculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade. No que se refere à remuneração fixa a mesma já foi fixada no despacho de nomeação, como tal, nessa parte nada há a determinar. Notifique.”
Q. O tribunal a quo, num primeiro momento considerou que não existia qualquer perdão de divida e, como tal, o apelante não tinha direito a qualquer remuneração variável, a calcular nos termos explanados no despacho, mas, num segundo momento, já considerou existir perdão de divida, concretamente, quanto aos juros de mora, vencidos e vincendos e, por isso, convidou o apelante a informar o respetivo montante, de modo a que o tribunal pudesse “fixar uma remuneração variável em conformidade.”
R. O convite formulado pelo tribunal não teve prazo fixado, pelo que por aplicação do disposto no artigo 149.º do CPC, se considerou de 10 dias.
S. O apelante respondeu ao convite por requerimento datado de 07/0472025, sob referência CITIUS 10465836, completado por outro requerimento, datado de 10/04/2025.
T. Por esses requerimentos, o apelante informou o tribunal que o perdão de juros de mora previstos no plano de revitalização ascendiam ao valor global de 234.047,29 €, 12.353,64 € referentes a juros vencidos e 221.693,65 € referentes a juros vincendos.
U. No que respeita aos juros vincendos, o apelante juntou um mapa de pagamento por cada credor, de acordo com a fórmula constante do plano de revitalização, tendo aplicado a taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que fossem titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, existente á data da homologação do plano, conforme Aviso n.º 1850/2024 da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, de 28/12/2023, publicado na 2.ª série do D.R. de 25 de janeiro, que fixou em 12,5%.
V. E, relativamente aos credores que reclamaram os créditos resultantes de salários e direitos do contrato de trabalho aplicou a taxa juro civil, nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de junho, aos Ministros das Finanças e da Justiça, Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, com a taxa de 4%.
W. Pelo que, de acordo a fórmula preconizada pelo tribunal a quo, o apelante teria direito a 23.404,73 € a título de remuneração variável.
X. Sucede que, apesar da resposta quanto ao montante dos juros de mora objeto de perdão, o tribunal a quo considerou que a resposta havia sido tardia, e efetivamente foi, e como tal estava precludido o direito do apelante requerer a fixação da remuneração variável.
Y. O apelante não aceita a interpretação do tribunal a quo quanto à natureza jurídica do prazo concedido ao apelante para informar sobre o montante dos juros de mora objeto de perdão, convite esse feito de modo a habilitar o próprio tribunal a quo a fixar a remuneração variável a que o apelante tinha direito e a que o tribunal se encontrava vinculado.
Z. O artigo 139.º do CPC refere a existência de duas modalidades de prazos: dilatórios e perentórios.
AA. No entanto, é sabido que a doutrina e a jurisprudência referem ainda uma terceira modalidade: prazo meramente ordenador ou procedimental.
BB. Os prazos dilatórios diferem para certo momento a possibilidade de realização de qualquer ato ou o início ou continuação da contagem dum outro prazo, enquanto o decurso do prazo perentório faz extinguir o direito a praticar o ato, salvo o caso de justo impedimento.
CC. Os prazos meramente ordenadores estabelecem também um limite para a prática do ato, mas nem por isso os atos praticados após esse limite perdem validade.
DD. O tribunal a quo notificou o apelante para aperfeiçoar o pedido que havia feito de lhe ser fixada a remuneração variável a que tinha, e tem direito, por Lei, não tendo fixado expressamente um prazo nem a respetiva cominação.
EE. Não há dúvidas que o tribunal a quo ao fixar o prazo de 10 dias, ainda que por remissão legal, certamente o fez tendo em vista estabelecer um prazo procedimental de modo a que o processo não ficasse indefinidamente a aguardar pela resposta do apelante e, por isso, fosse imprimida celeridade ao processo.
FF. Não se pode aceitar que o não cumprimento desse prazo tivesse a consequência tão severa como a não fixação da remuneração variável que é justamente devida ao apelante pelo trabalho que desempenhou nos autos e a que legalmente tem direito.
GG. O prazo fixado pelo tribunal a quo era meramente ordenador, não decorrendo da sua violação a impossibilidade de o tribunal fixar a remuneração variável ao apelante.
HH. O apelante, enquanto AJP, não é parte interessada nos autos, mas sim um coadjuvante a quem foram cometidas funções de auxiliar da justiça.
II. Por isso, aberto o incidente de fixação da remuneração variável do apelante, o tribunal a quo encontrava-se vinculado à tomada de decisão sobre o mérito do pedido, com ou sem colaboração do apelante, pois uma decisão sobre esse pedido teria sempre de ser tomada.
JJ. O tribunal a quo ao decidir como decidiu pura e simplesmente negou ao apelante uma decisão jurisdicional sobre uma pretensão remuneratória a que tinha, e tem direito.
KK. A consequência da ausência tempestiva de resposta ao convite feito pelo tribunal jamais poderia ser a preclusão do direito, desde logo porque não foi estabelecida qualquer cominação para a ausência de resposta, atenta a natureza do incidente em causa.
LL. Por isso, a falta de resposta apenas poderia ter como consequência a eventual responsabilidade disciplinar do apelante, mas não a extinção do direito que o apelante tem a ser justamente remunerado pelo exercício de funções nestes autos.
MM. E, as eventuais irregularidades que se pudessem constatar nos cálculos da remuneração variável jamais poderiam levar o tribunal a rejeitar o pagamento, mas sim à correção desses cálculos, se assim fosse entendido pelo tribunal.
NN. Por isso, o tribunal a quo ao decidir como decidiu, fez errada qualificação jurídica da natureza do prazo que concedeu ao apelante para aperfeiçoar o cálculo da remuneração variável a que tinha direito, violando, assim, o disposto no artigo 139.º do CPC.
OO. Pelo que, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que admita o requerimento de aperfeiçoamento apresentado pelo apelante, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
A Requerente/Devedora veio apresentar contra-alegações pedindo que seja fixado para efeitos de valor de recurso €30.152,49, conforme artigo 12.º n.º 2 RCP e artigo 296.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2]; que seja decretado que as conclusões apresentadas são manifestamente deficientes (artigo 639.º, n.º 3 CP Civil), não sendo indicada em específico qual a decisão recorrida [artigo 639.º, n.º 2, alínea b) CP Civil], com as demais consequências legais; ou, caso assim não se entenda, que seja julgado improcedente, por infundado, o recurso deduzido pela Recorrente, mantendo-se integralmente as decisões proferidas.
Remata com as seguintes
CONCLUSÕES:
I.A Recorrida entende que nas decisões/despachos proferidos em 07.01.2025 e 30.05.2025 foi feita uma apreciação cabal, proporcional e adequada aos preceitos legais, inexistindo fundamentos para revogação ou alteração.
II.O Recorrente nas alegações de recurso de apelação apresentadas não faz menção/indicação do valor para efeitos de recurso, devendo, ainda assim, aplicar-se o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RCP – valor da sucumbência.
III.Pretendendo o Recorrente vir, através da revogação/alteração dos despachos proferidos, a ser ressarcido do valor de €30.152,49 a título de remuneração variável, este é o valor da utilidade económica imediata do pedido – artigo 296.º, n.º 1 CPC – e, como tal o valor a considerar para efeitos de valor de recurso.
IV.Adicionalmente, o Recorrente ao não indicar expressamente nas suas conclusões qual a decisão/despacho em concreto cuja revogação e/ou alteração pretende, violou as disposições legais 639.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do CPC.
V.A omissão quanto à indicação da decisão recorrida, e bem assim, os argumentos prolixos apresentados, mormente no que à extemporaneidade e remuneração variável pretendida, não permitem delimitar em concreto o fundamento e objecto do recurso, compelindo a Recorrida a apresentar contra-alegações de forma mais ampla, não tão concisa e clara.
VI.Ademais, não indica, em cumprimento do previsto no artigo 646.º CPC, quais as peças processuais, despachos e demais documentação dos autos que deverá instruir o recurso, compelindo ainda mais ao alargamento do seu âmbito (artigo 646.º, n.º 1 do CPC).
VII.A Recorrida, salvo o devido respeito, entende que as conclusões apresentadas são manifestamente deficientes (artigo 639.º, n.º 3 CPC), não sendo indicada em específico qual a decisão recorrida [artigo 639.º, n.º 2, alínea b) CPC] em clara violação das disposições legais.
VIII.O Recorrente ao não indicar em concreto qual o despacho cuja revogação/alteração pretende também não permite o exercício do contraditório à Recorrida quanto à tempestividade do recurso de apelação apresentado.
IX.Face ao incumprimento das especificações legais previstas para as conclusões de recurso caberá ao Recorrente, a convite se assim se entender, indicar especificadamente qual a decisão cuja revogação/alteração pretende.
X.Ainda assim, e à cautela de patrocínio, por análise das motivações do recurso apresentadas, a Recorrida entende que o prazo estabelecido no despacho datado de 07.01.2025 tem natureza perentória, não sendo meramente procedimental.
XI.O Tribunal a quo, conforme despacho de 07.01.2025, ao não fixar qualquer valor a título de remuneração variável face à inexistência de perdão de face aos créditos reconhecidos, apreciou os argumentos de facto e de direito aduzidos.
XII.Aí se esgotou o poder jurisdicional quanto à matéria em causa (artigo 613.º, n.º 1 CPC), não tendo a decisão sido contestada, reclamada ou recorrida por qualquer dos intervenientes processuais.
XIII.O facto de o Recorrente não ter respondido no prazo supletivo de 10 dias (artigo 149.º CPC ex vi artigo 17.º CIRE) à indicação do Tribunal para apresentação de cálculo discriminado de juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao prazo de pagamento da dívida, constitui um claro incumprimento dos prazos processuais.
XIV.Na verdade, tais cálculos foram, de forma incompleta e desconforme ao indicado pelo Tribunal e extemporânea, apresentados nos requerimentos de 07.04.2025 e 10.04.2025, volvidos 4 meses sobre o despacho inicial (07.01.2025).
XV.O artigo 17.º-A, n.º 3 do CIRE determina que o processo de revitalização tem carácter urgente, obstaculizando a quaisquer entraves à atividade da Devedora, impondo celeridade e resultados breves.
XVI.Ademais, o artigo 23.º, n.º 4 alínea a) do EAJ estatui que a proposta de remuneração variável deve ser apresentada 30 dias após a homologação do plano de recuperação – prazo este que também não foi cumprido.
XVII.Para além dos fixados especialmente na lei, o Juiz pode determinar prazos perentórios, como se verificou na decisão de 07.01.2025, prazos esses que face a eventual incumprimento só podem ter como cominação a preclusão do direito ou resposta.
XVIII.O Tribunal a quo não poderia substituir-se ao Recorrente e apreciar e fixar uma remuneração variável sem dispor das reclamações de créditos, facturas, datas de vencimentos e juros reclamados – incumbido tal ónus ao Sr. Administrador Judicial Provisório.
XIX.Determinar que o prazo supletivo aplicável ao despacho de 07.01.2025 tem natureza meramente procedimental seria abrir precedente para que os autos aguardassem sine die pela posição das partes – em clara violação do princípio da celeridade processual e segurança jurídica.
XX.Entende a Recorrida que não existe qualquer violação do disposto no artigo 139.º CPC porquanto o prazo concedido tem claramente natureza perentória e preclusiva, não sendo meramente processual.
XXI.Ainda assim, e mesmo extemporaneamente, o Recorrente não cumpriu o disposto no despacho de 07.01.2025, porquanto as informações, mapa e detalhe do cálculo de juros apresentados não se coadunavam com o estabelecido no plano de revitalização.
XXII.O Recorrente no seu requerimento de 07.04.2025 aplica a taxa de juro de 12,5% (§ 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio) ao invés de proceder à aplicação da taxa de juro comercial de 10,5% § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial e Aviso n.º 1278/2025/2, de 15 de janeiro).
XXIII.O Tribunal a quo estabeleceu que a remuneração variável deveria ter por base o perdão de juros vincendos (e não vencidos por tais não constarem na lista de créditos provisória), não obstante, o Recorrente incluiu nos seus cálculos, de forma não detalhada, o valor de €12.353,64 a título de juros vencidos.
XXIV.O cálculo de juros vincendos deveria ter por base os créditos reconhecidos na lista provisória de credores (na qual não consta qualquer destrinça entre capital e juros) tendo, no entanto, duplicado créditos (quanto à credora BB).
XXV.No plano de revitalização ficou expressamente previsto que os credores comuns (instituições financeiras) não teriam qualquer alteração aos contratos, mantendo-se todas as comissões, encargos e juros (vencidos e vincendos). Ainda assim, o Sr. Administrador Judicial Provisório nos seus cálculos contabilizou juros vincendos relativamente a tais credores.
XXVI.Ademais, ficou previsto no referido plano que os créditos comuns, inferiores a €1000,00, seriam pagos na integra em 12 prestações mensais, que foi desconsiderado para efeitos do cálculo de juros vincendos apresentado em 07.04.2025 e 10.04.2025.
XXVII.O mapa de cálculos dos juros de mora apresentado pelo Recorrente em 10.04.2025 não reflete em concreto para cada um dos credores a taxa de juro aplicada, o n.º de prestações e demais informações quanto à totalidade dos credores da lista.
XXVIII.O mapa submetido aos autos por requerimento de 10.04.2025 reflete uma capitalização de juros, a qual não foi acordada, estabelecida, nem tem qualquer respaldo com a legislação (artigo 560.º CC).
XXIX.Nestes termos, entende a Recorrida, com o devido respeito, que o prazo estabelecido no despacho de 07.01.2025, e nos que lhe sucederam. é efetivamente um prazo perentório, o qual ao não ser cumprido tem como consequência a preclusão do direito à remuneração variável do Sr. Administrador Judicial Provisório.
XXX.Ainda que se entenda, por mera hipótese de raciocínio, que tal prazo não é preclusivo, também não assistirá razão ao Recorrente nas suas pretensões porquanto as informações e esclarecimentos tardiamente vertidos nos autos não permitem a apreciação e fixação da mencionada remuneração nos termos peticionados.
Também o Ministério Público veio apresentar contra-alegações pugnando por que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES:
a) Determina o artigo 613.º n.º 1 do CPC que: “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2 - É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes. 3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”
b) Por despacho proferido em 07.01.2025 determinou que: “Assim, por ora, não se fixa qualquer valor a título de remuneração variável, por não ser devida, face ao não perdão de qualquer valor a título dos créditos reconhecidos na Lista definitiva junta aos autos em 13.10.2023. Sem prejuízo, convida-se o Sr. Administrador de Insolvência a vir apresentar nos autos o cálculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade.”
c) O teor desse mesmo despacho nunca veio a ser contestado pelo AI, nem foi solicitada qualquer prorrogação daquele, nem apresentada qualquer justificação para incumprimento dos respectivos prazos.
d) Os elementos de calculo a remuneração vieram a ser juntos aos autos a 07.04.2025 e 10.04.2025, decorridos 4 meses do despacho inicial, já tendo os autos sido definitivamente encerrados e remetidos ao arquivo com visto em correição.
e) Qualificar os prazos da forma como pretende o recorrente significaria que o poder jurisdicional nunca se esgotasse, podendo as decisões ser continuadamente alteradas – colocando em crise o trânsito em julgado.
f) O processo de insolvência tem a natureza de processo urgente, conforme dispõe o artigo 17.º-A, n.º 3 do CIRE, tendo em atenção as características especiais deste tipo processual, destinado a permitir que o Devedor possa continuar a desenvolver a sua actividade, obstaculizando um eventual fim da mesma.
g) O Recorrente foi exortado por diversas vezes a responder às solicitações do tribunal, incumprindo frequentemente os respectivos prazos, em desrespeito pelo mesmo e pelos demais intervenientes processuais.
h) Nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro Estatuto dos Administradores “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: 10/prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5.”
i) A sentença de homologação do plano de recuperação transitou em julgado em 22.10.2024, sendo que, apenas em 05.12.2024, veio o Sr. Administrador Judicial Provisório juntar aos autos proposta de remuneração variável, já depois de ultrapassado o prazo de 30 dias fixado no Estatuto do Administrador Judicial e só após várias insistências do Tribunal.
j) A M.ª juíza veio determinar, que não era admissível a remuneração variável apresentada, por não existir perdão de capital, concedendo, contudo, a possibilidade ao Sr. Administrador Judicial Provisório de vir detalhadamente apresentar nos autos o cálculo discriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que pudesse ser fixada uma remuneração variável em conformidade.
k) Essa mesma decisão foi sujeita ao prazo legal (supletivo) de 10 dias (149.º CPC, ex vi artigo 17.º CIRE), e encontra-se em consonância com o direito ao contraditório expressamente previsto na lei (artigo 3.º, n.º 3 do CPC)
l) Com efeito, concordamos integralmente com qualificação deste mesmo prazo pela M.ª Juiz a quo como peremptório.
m) Na verdade, a faculdade do Juiz determinar prazos perentórios encontra respaldo jurisprudencial, entre outro, no Acórdão do Tribunal de Guimarães, datado de 31.10.2018, processo n.º 49/18.7T8BRG-A.G1, disponível para consulta integral em www.dgsi.pt).
n) Não tendo o Sr. Administrador Judicial Provisório cumprido nenhum dos prazos que lhe foi fixado pelo Tribunal a quo, e não dispondo o Tribunal de elementos necessários para a fixação da remuneração variável calculada com base do perdão dos juros vincendos, a solução só poderá ser uma determinar a preclusão de tal direito por ultrapassados os prazos fixados – prazos perentórios.
o) Admitir que tal prazo se configurasse como meramente procedimental teria como corolário a impossibilidade de esgotar-se o poder jurisdicional nunca se esgotasse, ficando o processo à mercê a boa vontade, zelo e diligência do Sr. Administrador
p) Aqui chegados, e em suma, afigura-se-nos que o Recorrente actuou com manifesto desrespeito pelo Tribunal e pelas demais partes processuais não tendo apresentado qualquer justificação para as violações sucessivas de prazo processuais.
q) Concorda-se integralmente com a posição vertida nos autos pela credora quando refere que “a celeridade imposta aos Tribunais, às partes e demais Intervenientes, mormente nos processos especiais de revitalização, que revestem carácter urgente (artigo 17.º CIRE), não se compadece com a fixação de prazos meramente procedimentais conforme pretende o Recorrente”.
r) Nestes termos, entende a Recorrida que não existe qualquer violação do disposto no artigo 139.º CPC, porquanto os prazos concedidos têm claramente natureza preclusiva e não meramente procedimental, e não tendo o Sr. Administrador Judicial cumprido tal prazo, fica consequentemente precludido o seu direito.
s) Da análise do Mapa junto ao requerimento de 10-04-2024 o próprio Recorrente não cumpre com o que foi estipulado nos autos, senão vejamos: a. Nos requerimentos apresentados pelo Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório em 07.04.2025 e 10.04.2025 é utilizada a taxa de juros comercial incorreta b. No despacho de 07.01.2025, Ref.ª 97336193, é feita a apreciação quanto ao perdão de juros vencidos, a saber: “Não obstante, no caso concreto, o plano aprovado prevê o perdão de juros vencidos e vincendos, porém da Lista de Créditos Reconhecidos não consta terem sido reconhecidos quaisquer montantes a título de juros vencidos, pelo que, nessa parte, não se pode considerar que haja qualquer perdão. Haverá apenas perdão de juros vincendos, desconhecendo-se qual será o seu montante, por dos autos não constar o seu cálculo.” Tal decisão foi aceite pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, o qual, reitera-se, não apresentou qualquer reclamação ou recurso à mesma. Ainda assim, no requerimento apresentado em 07.04.2025, fazendo “tábua rasa” da mencionada decisão judicial, veio incluir nos seus cálculos, e de forma não detalhada, o valor de €12.353,64 a título de juros vencidos. c. Tal inclusão é manifestamente ilegítima e infundada, não só porque é contrária à decisão proferida nos autos, como também não se encontra devidamente detalhada de forma a verificar em que moldes e termos foram tais juros calculados, nem a que credores se reporta. d. O cálculo de juros vincendos deveria ter por base a lista provisória de credores de 13.10.2023, onde não é feita qualquer destrinça entre capital e juros. e. Na lista remetida em 07.04.2025 consta em duplicado o crédito da trabalhadora BB (n.º 3 e 4), com os créditos de €6.428,95 e €9050,00, sendo que na lista provisória de créditos de 13.10.2023 apenas foi considerado para efeitos de votação o valor de €6.428,95. f. Os créditos comuns decorrentes de instituições financeiras ficou estipulado no plano de recuperação a manutenção das condições e garantias existentes, manutenção dos Planos de pagamentos em curso – não existindo assim qualquer alteração aos contratos existentes. g. Não obstante, o Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório no mapa junto ao requerimento submetido em 07.04.2025, contabiliza tais juros para efeitos de apuramento de remuneração variável relativamente aos credores: i. Banco 2..., SA (n.º 2): €597,92; ii. Banco 3..., SA (n.º 8): €6.518,00; iii. Banco 4... – Sucursal em Portugal (n.º 12): €74.569,14; e iv. Banco 5..., CrL (n.º 13): €12.360,00. v. Quanto aos outros credores comuns cujos créditos sejam inferiores a €1000,00 ficou estipulado que o correspondente pagamento seria um pagamento integral da totalidade do capital em dívida, em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira 12 meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação, h. O prazo de pagamento para os credores abrangidos seria feito no prazo de 24 meses (12 meses de carência e 12 meses para pagamento). i. Nos cálculos apresentados com o requerimento submetido aos autos em 10.04.2025, é considerado um prazo de pagamento de 60 prestações, mormente quanto ao credor C... – Unipessoal, Lda. – contrariamente ao estabelecido no plano de pagamentos. j. No âmbito do referido despacho, com menção expressa na respectiva notificação (Ref.ª 97388207) foi o Exmo. Senhor Administrador Judicial Provisório convidado “ (…) a vir apresentar nos autos o calculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade.” k. Da análise do mapa submetido com o requerimento de 07.04.2025, parece resultar que aí se encontram identificados os credores que constam na lista provisória de créditos de 13.10.2023 – ainda que com algumas imprecisões, já alegadas. l. No referido documento não consta a taxa de juros aplicada, o n.º de prestações e o cálculo detalhado dos juros vincendos – conforme seria exigível para conferência. Por outro lado, o mapa submetido em 10.04.2025, apesar de apresentar o cálculo detalhado dos juros vincendos, ainda que incorrecto, conforme alegação, não contempla a totalidade dos credores. Aliás, em tal documento apenas constam 23 credores, sendo que a lista provisória de credores de 13.10.2023 tem elencados 37. m. Tendo por base o cálculo detalhado dos juros de mora vincendos constante do mapa submetido em 10.04.2025 foi possível verificar que os cálculos apresentados não refletem o cálculo de juros vincendos referente ao capital em dívida. n. Os cálculos apresentados refletem uma situação de capitalização de juros, ou seja, os juros vencidos vão integrando para efeito de cálculo o capital, passando a registar-se um cálculo de juros sobre juros. o. É possível verificar que nos cálculos apresentados os juros passam a integrar o capital (com inclusão nas prestações seguintes) para efeitos de novo cálculo de juros – capitalização de juros. Tal circunstância não se encontra prevista no respectivo plano de recuperação da Devedora, nem tem foi por esta aceite ou acordada. Em bom rigor, e tendo por base os limites estabelecidos ao anatocismo, não estão reunidos os pressupostos ou usos que possam levar à sua aplicação unilateral – conforme se pretende face aos cálculos apresentados. p. Nestes termos, e nos mais de direitos, afigura-se-nos que o mapa e informações prestadas pelo Sr. Administrador Judicial Provisório não se encontram em consonância com o despacho de 07.01.2025, nem tão pouco permitem a apreciação da remuneração variável nos termos peticionados pelo Recorrente, pelo que deve a sua argumentação improceder.
t) Assim, é de concluir que bem andou o Tribunal a quo, tendo decidido conforme as disposições legais aplicáveis, pelo que nenhum reparo deverá merecer a sentença proferida.
Com data de 28/08/2025, foi proferido despacho a admitir o recurso, com o seguinte teor: “Por legal e tempestivo, recebo o recurso interposto pelo/a Sr./Sr.ª Administrador/a Judicial Provisório/a, da decisão proferida em 30.05.2025, quanto ao seu pedido de fixação de remuneração variável, o qual é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 14.º, n.º 5 e 6, alínea a), do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do CP Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
Há, contudo, duas questões prévias a apreciar.
A Recorrida “A..., Lda.” suscita que o Recorrente nas alegações de recurso de apelação apresentadas não faz menção/indicação do valor para efeitos de recurso, devendo, ainda assim, aplicar-se o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – valor da sucumbência.
Adianta que, pretendendo o Recorrente vir, através da revogação/alteração dos despachos proferidos, a ser ressarcido do valor de €30.152,49 a título de remuneração variável, este é o valor da utilidade económica imediata do pedido e, como tal o valor a considerar para efeitos de valor de recurso.
Pede que seja fixado para efeitos de valor de recurso o de €30.152,49.
Efetivamente o Recorrente não indicou no seu articulado o valor do recurso e o mesmo não chegou a ser fixado pelo tribunal recorrido.
O valor de € 30 152,49 foi o indicado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório no seu requerimento inicial de fixação da remuneração variável.
Entretanto, tendo-se este conformado com a decisão de 07/01/2025, a sua atual pretensão já não é a de receber esta quantia, mas “apenas” a de € 23 404,73, tal como se encontra enunciado nas alegações de recurso.
Sendo este o valor da respetiva sucumbência, fixa-se como valor do presente recurso este de € 23 404,73 (vinte e quatro mil quatrocntos e quatro euros e setenta e três cêntimos).
Entende que a omissão quanto à indicação da decisão recorrida, e bem assim, os argumentos prolixos apresentados, mormente no que à extemporaneidade e remuneração variável pretendida, não permitem delimitar em concreto o fundamento e objecto do recurso, compelindo a Recorrida a apresentar contra-alegações de forma mais ampla, não tão concisa e clara.
Pede que o Recorrente, a convite se assim se entender, indique especificadamente qual a decisão cuja revogação/alteração pretende.
Entendemos que não lhe assiste razão.
O Recorrente, logo no início das suas alegações de recurso, esclarece: “Vem o presente recurso do douto despacho proferido nos autos sob a referência CITIUS 98811727, nos termos do qual o tribunal a quo indeferiu o pedido de pagamento da remuneração variável devida ao requerente, por ter exercido funções de administrador judicial provisório nestes autos, com fundamento na extemporaneidade da resposta ao despacho do tribunal, datado de 07/01/2025, com a referência CITIUS 97336193, com convidou o apelante a quantificar o valor dos juros de mora perdoados à devedora, em consequência da homologação do plano de revitalização.”
O despacho com a referência CITIUS 98811727 foi proferido em 30/05/2025 na sequência do requerimento do Recorrente a “liquidar” a retribuição variável que entende ser-lhe devida.
A leitura da alegações e conclusões do recurso comprovam ser este o despacho objeto do mesmo.
Por outro lado, o teor das alegações e conclusões é claro e objetivo (e não prolixa e impedindo a delimitar o fundamento do recurso, nos termos alegados).
O tribunal recorrida, no mesmo sentido, proferiu despacho a receber o recurso interposto da decisão proferida em 30/05/2025 quanto ao pedido de fixação de remuneração variável.
Não há, portanto, quaisquer dúvidas quanto ao objeto do presente recurso, indeferindo-se o formulado pedido de convite ao aperfeiçoamento.
Ultrapassadas estas questões prévias, temos que a questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em decidir se deve ser fixada ao Sr. Administrador de Insolvência Provisório uma verba a título de remuneração variável.
A factualidade relevante resume-se aos trâmites processuais atrás consignados no Relatório e ao teor da decisão recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Decorre do disposto no art.º 60.º, n.º 1, do CIRE que o administrador da insolvência nomeado tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas.
A disciplina da remuneração do Administrador da Insolvência encontra-se consagrada na Lei n.º 22/2013, de 26/02 (Estatuto do Administrador Judicial).
Em termos gerais, resulta deste diploma legal que “O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas.” (cf. art.º 22.º).
Por seu turno, o art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação da Lei n.º 9/2022, de 11/01, dispõe, na parte potencialmente aplicável à situação dos autos, que: “1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euros). (…) 4 – Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10/prct. da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5, b) 5/prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 – Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. (…).”
Este regime legal encontra-se em consonância com a teleologia e regime legal do processo especial de revitalização.
Com efeito, o processo especial de revitalização foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, e destina-se a “(…) permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.” – Cf. art.º 17.º-A, n.º 1, do CIRE.
Trata-se de um processo judicial especial, pré-insolvencial e com natureza híbrida.
Em termos processuais, proferido despacho de admissão, os credores dispõem de 20 dias para reclamar os respetivos créditos, após o que o administrador judicial provisório elabora uma lista provisória de créditos (cf. art.º 17.º-D, n.º 2 e 3, do CIRE) que será, oportunamente, convertida em lista definitiva.
Segue-se a fase da negociação, a qual, nos termos consagrados no mesmo dispositivo legal do CIRE, se desenvolve entre o devedor e os credores.
Esta fase da negociação ocorre com a participação e sob orientação e fiscalização do administrador judicial provisório.
Finalmente o acordo de pagamento aprovado necessita de ser homologado judicialmente, cessando o administrador judicial provisório as suas funções com o encerramento do PEAP (cf. art.º 17.º-F, n.º 4, e art.º 17.º-J, n.º 2, do CIRE).
Uma vez que estamos perante um processo negocial com o propósito de obter a recuperação do devedor, é inquestionável que o resultado do trabalho do administrador judicial equivale ao valor de perdão conseguido para os créditos em sede de negociações. Bem como que, noutra perspetiva, a percentagem desse perdão corresponde necessariamente à medida da melhoria da situação patrimonial do devedor.
Deve ser esta a interpretação a dar ao conceito de “recuperação do devedor” utilizado na lei em análise, bem como ao conceito igualmente utilizado na lei de “situação líquida”. Ou seja, deve afastar-se a interpretação contabilística deste último conceito (equivalente à diferença entre o ativo e o passivo do devedor), já que esta comparação de valores, por si só, não reflete, em muitos casos, a atuação do administrador judicial provisório.
No caso dos autos, decorrido o prazo de negociações, foi proferida sentença, com data de 29/11/2023, que homologou o plano de revitalização e julgou cessadas as funções do Sr. Administrador Judicial Provisório.
Com data de 05/12/2024, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio, na sequência de várias notificações, pedir a fixação da remuneração variável no montante de EUR 30 152,49, justificando que: a) tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de EUR 2000, e b) o resultado da recuperação, com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme b), do n.º 4, do art.º 23.º do AJ – o plano prevê o pagamento da totalidade dos créditos reclamados nos termos da Lei e que são no valor de EUR 563 049,70 - aplicado a percentagem de 5% o resultado é de EUR 28.152,49.
Com data de 07/01/2025, foi proferido despacho com o teor acima transcrito.
Este despacho judicial, em consonância com o regime legal acima analisado e com o teor do plano aprovado, decidiu que não há qualquer verba a pagar a título de remuneração variável por referência a perdão de créditos ou de juros de mora vencidos, mas que haverá uma verba a pagar a este título por referência aos juros de mora vincendos.
Sequencialmente, convida o Sr. Administrador Judicial Provisório a apresentar nos autos o cálculo discriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, a fim de fixar a respetiva remuneração variável.
Esta decisão não foi objeto de reclamação ou recurso. Decorrido os prazos legais para estes efeitos, ficou esgotado o poder jurisdicional sobre aquelas matérias, por aplicação do disposto no art.º 613.º do CP Civil.
É, pois, incontestável que esta decisão tem que se considerar transitada em julgado.
Como referia Alberto dos Reis[3] “A decisão pode conter erro de facto ou erro de direito; não obstante isto, desde que passa em julgado, a ordem jurídica imprime-lhe força e autoridade indiscutível, como se estivesse puro e isento de qualquer mácula.”
No entanto, como é evidente, esta decisão apenas constitui caso julgado quanto às questões que apreciou concretamente: a não existência de qualquer verba a pagar a título de remuneração variável por referência a perdão de créditos ou de juros de mora vencidos.
Podemos assim, desde já, concluir que o Recorrente, ao contrário do que decorre das suas alegações de recurso, não tem direito a qualquer verba de remuneração tendo por referência juros de mora vencidos.
Prosseguindo para apreciação do seu invocado direito a receber uma verba com fundamento nos juros de mora vincendos, temos que o Sr. Administrador Judicial Provisório não se veio pronunciar e, entretanto, os autos foram à conta e foi-lhe aposto Visto em Correição”.
Com data de 07/04/2025, o Sr. Administrador Judicial Provisório veio apresentar requerimento nos autos pugnando pela fixação de uma indemnização a título de remuneração variável, em que alega que os valores totais dos juros vincendos são de EUR 221.693,65, conforme mapa em anexo, e que o valor total de juros vencidos e vincendos que foram perdoados em sede de plano de revitalização é de (12.353,64 € + 221.693,65 €) - EUR 234.047,29.
Com data de 30/05/2025, foi proferido despacho com o teor acima resumido, o qual concluiu que “(…) face ao que resulta dos autos, não há lugar ao pagamento de qualquer remuneração variável, por não ter sido atempadamente cumprido o determinado no despacho proferido em 07.01.2025 e as razões invocadas no requerimento tardiamente junto no dia de hoje, 28 de maio de 2025, para além do prazo de 08 dias concedido para contraditório, carecerem de fundamento legal.”
Entendeu-se neste despacho que o requerimento apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório era extemporâneo e, cumulativamente, que o mesmo veio indicar juros vencidos, contém cálculos errados e referência errónea de que os pagamentos dos credores seriam todos de 60 meses.
Ora, como explica Anselmo de Castro[4] “Os prazos funcionam como garantia do interesse público, na medida em que servem a celeridade da decisão dos litígios, e do interesse particular, assegurando às partes o tempo necessário para a afirmação e defesa dos seus direitos. Garantem, além disso, a coordenação dos diversos atos, sob um ponto de vista temporal (…).”
No que se refere à modalidade dos prazos, o art.º 139.º, n.º 1, 2 e 3, do CP Civil prescreve que estes são dilatórios ou perentórios, sendo estes últimos aqueles cujo decurso do prazo extingue o direito de praticar o ato.
Os prazos processuais podem ser fixados pela lei ou pelo próprio juiz.
Especificamente quanto aos prazos fixados pelo próprio juiz, os mesmos incluem-se no poder discricionário de que dispõe na escolha das melhores soluções para a tramitação processual concreta, eficiente e célere (cf. art.ºs 6.º e 547.º do CP Civil).
Nos presentes autos, o Recorrente e os Recorridos têm posições opostas quanto à caracterização do prazo fixado no despacho de 07/01/2025.
Consta do despacho em causa: “convida-se o Sr. Administrador de Insolvência a vir apresentar nos autos o cálculo descriminado dos juros vincendos perdoados a cada credor, por referência ao respetivo prazo de pagamento da divida, para que o Tribunal possa fixar uma remuneração variável em conformidade.”
A dúvida coloca-se entre a natureza perentória ou meramente procedimental ou ordenadora do processado do prazo em causa.
A natureza perentória do prazo judicial em causa teria que resultar clara do teor do mesmo, face às gravosas consequências deste tipo de prazos.
Não é seguramente o caso deste despacho, em que “apenas” se convida o Sr. Administrador de Insolvência a prestar um conjunto de informações nos autos sem sequer se determinar o prazo concreto para o efeito nem se fixar qualquer cominação para a falta de resposta.
Não resultando de forma clara deste despacho ter efeito perentório, teremos que concordar com o Recorrente na consideração de que estamos perante um prazo meramente procedimental ou ordenador do processado.
Tal como este refere, o tribunal a quo ao fixar o prazo de 10 dias, ainda que por remissão legal, certamente o fez tendo em vista estabelecer um prazo procedimental de modo a que o processo não ficasse indefinidamente a aguardar pela resposta do apelante e, por isso, fosse imprimida celeridade ao processo.
Independentemente destas considerações e conclusão, o argumento efetivamente decisivo no sentido da procedência do presente recurso é a circunstância de ainda não ter sido apreciado o direito do Sr. Administrador Judicial de receber remuneração a título de retribuição variável.
O direito do ora Recorrente a ver o seu direito a receber uma remuneração variável apreciado é inquestionável.
Quanto ao vencimento desta remuneração, decorre do art.º 29.º, n.º 5, do Estatuto do Administrador Judicial que a mesma é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo.
Como se referiu atrás, o tribunal recorrido considerou, estando tal decisão transitada em julgado, que haverá uma verba a pagar a este título por referência aos juros de mora vincendos.
Independentemente de o Sr. Administrador Judicial Provisório se ter ou não pronunciado nos termos em que foi convidado, impunha-se que o tribunal recorrido tivesse proferido novo despacho a decretar o valor devido a título de remuneração variável ou a declarar não ser devida qualquer verba a este título, designadamente por não ter elementos suficientes nos autos para o efeito.
Assiste, pois, inteira razão ao Recorrente ao defender que, aberto o incidente de fixação da remuneração variável, o tribunal a quo encontrava-se vinculado à tomada de decisão sobre o mérito do pedido, com ou sem colaboração do Apelante, pois uma decisão sobre essa questão teria sempre de ser tomada.
Tendo-se o tribunal recorrido demitido, até ao presente, de decidir esta questão, nenhum inconveniente processual existe a que atenda aos argumentos agora apresentados pelo Recorrente.
Bem pelo contrário: os princípios da cooperação e da adequação processual impõem precisamente que o tribunal recorrido atenda a todos os elementos existentes nos autos e relevantes para a decisão final do incidente, designadamente o requerimento do Recorrente e mapa anexo (cf. art.º 7.º e 547.º do CP Civil).
Não se diga que o caráter urgente do processo especial de revitalização impede a apreciação neste momento do requerimento do Recorrente.
Esta urgência justifica-se e impõe-se quanto à tramitação do incidente em causa e já não também quanto à determinação da remuneração devida ao Sr. Administrador Judicial Provisório, elemento secundário e estruralmente a apreciar após o final do processado.
Nem se diga igualmente que a circunstância de o processo já ter ido à conta e já se encontrar arquivado impede a fixação neste momento do valor da retribuição variável do Administrador Judicial Provisório.
Não é assim, já que a remuneração do administrador judicial provisório é, em princípio, um encargo a suportar pela empresa requerente (cf. art.º 17.º-C, n.º 6, do CIRE).
A conclusão final é, pois, a da parcial procedência do presente recurso, devendo o tribunal recorrido decidir, em complemento com a decisão de 07/01/2025, do direito do Recorrente a receber uma remuneração variável tendo por fundamento os juros de mora vincendos perdoados.
As eventuais irregularidades na apresentação e contabilização de tais juros deverão ser, por indicação do tribunal recorrido, retificadas pelo Recorrente ou corrigidas por tal tribunal.
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido de 30/05/2025, devendo o tribunal recorrido decidir, em complemento com a decisão de 07/01/2025, do direito do Recorrente a receber uma remuneração variável tendo por fundamento os juros de mora vincendos perdoados.
As eventuais irregularidades na apresentação e contabilização de tais juros deverão ser, por indicação do tribunal recorrido, retificadas pelo Recorrente ou corrigidas por tal tribunal.
Porto, 16 de setembro de 2025
Lina Baptista
Alberto Taveira
Alexandra Pelayo
[1] Doravante apenas designado por CIRE, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] Doravante apenas designado por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3.ª Edição, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 217.
[4] In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III; 1982, Almedina, pág. 49.