A sanção de rejeição prevista para a não indicação dos cinco maiores credores, no articulado de oposição, pelo devedor, ao pedido de insolvência, só deve ser determinada depois de lhe ter sido dada oportunidade de suprir a insuficiência, com reiteração da sua indiferença.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5
REL. N.º 973
Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juíz Desembargador João Proença
2º Adjunto: Juíz Desembargador Ramos Lopes
1 - RELATÓRIO
Tendo a ora apelante A..., L.DA requerido a insolvência de B..., LDA, veio esta a ser citada para a causa, apresentando oposição onde, além do mais, referiu:
“CINCO MAIORES CREDORES:
Ponto 101 da Contestação: -----"Dando cumprimento aos trâmites legais a ora Requerida informa não possuir qualquer credor no momento actual, entendendo como seu credor qualquer entidade, pessoa individual ou colectiva, que se encontre munida de um qualquer título executivo que contra o seu património possa ser usado.”
OUTROS CREDORES E RESPECTIVA DOMICILIAÇÃO, SEUS CRÉDITOS, DATAS DE VENCIMENTO E GARANTIAS DE QUE DISPONHAM:
Ponto 102 da Contestação-----"A Requerida não possui quaisquer credores que devam ser relacionados.”
O Serviço de Finanças e o Centro Distrital de Segurança Social foram notificados para que informassem da existência de dívidas a cargo da Requerida e, em 14 de Fevereiro de 2025, a Segurança Social veio informar que a Requerida é devedora, desde Agosto de 2023, de contribuições no montante global de €13.120,62 EUR, a que acrescem juros de mora no montante de €813,97, calculados até ao mês de Fevereiro, num total de €13.934,59; no dia 21 de Fevereiro de 2025 o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2, veio juntar certidão de dividas da Requerida no montante total de €19.363,66.
A requerente, antes da audiência de julgamento, em 9/4/2025, requereu que a falsidade na negação de tais dívidas, pela requerida, fosse tida como fundamento para a rejeição da sua oposição.
Ulteriormente, em fase de audiência de julgamento, em 10 de abril de 2025, foi proferido o seguinte despacho:
“Verifico que os ofícios juntos aos autos pela Autoridade Tributária e pela Segurança Social não foram notificados à Requerida, pelo que, concede-se o prazo de 10 dias para a mesma se pronunciar. Quanto à questão levantada no requerimento da Requerente junto aos autos no dia de ontem, a mesma, a ser procedente, poderá obstar à realização do julgamento, pelo que se concede o prazo de 10 dias para a Requerida se pronunciar. Decorridos que sejam os 10 dias abra conclusão.”
Em 24/4/2025, foi proferido novo despacho, de que se extrai o seguinte trecho:
“Cumpre apreciar o requerimento da Requerente datado de 09/04/2025.
(…)
Resulta dos autos a seguinte factualidade, com interesse à decisão:
1. A Requerida foi citada para deduzir oposição aos presentes autos, com a expressa advertência que “Deve juntar ainda, a lista dos cinco maiores credores e respectivos domicílios, com exclusão do requerente, sob pena de não recebimento da oposição (nº 2 do artº 30º do CIRE).” – cfr. nota de citação.
2. Oficiado ao Serviço de Finanças e ao Centro Distrital de Segurança Social competentes, para que informem da existência de dívidas a cargo da Requerida, montantes e períodos a que reportam, bem como eventuais processos executivos contra a mesma, em 14/02/2025 a Segurança Social veio informar que a Requerida é devedora, desde 08/2023, de contribuições no montante global de €13.120,62 EUR, a que acrescem juros de mora no montante de €813,97, calculados até ao mês de fevereiro, num total de €13.934,59.
3. Em 21/02/2025 o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 veio juntar certidão de dividas da Requerida no montante total de €19.363,66.
4. Em 04/03/2025 a Requerida deduziu oposição/contestação referindo: “CINCO MAIORES CREDORES: 101----- Dando cumprimento aos trâmites legais a ora Requerida informa não possuir qualquer credor no momento actual, entendendo como seu credor qualquer entidade, pessoa individual ou colectiva, que se encontre munida de um qualquer título executivo que contra o seu património possa ser usado. OUTROS CREDORES E RESPECTIVA DOMICILIAÇÃO, SEUS CRÉDITOS, DATAS DE VENCIMENTO E GARANTIAS DE QUE DISPONHAM: 102-----A Requerida não possui quaisquer credores que devam ser relacionados.”
(…)
(…)
As normas dos números 2 e 5 do art.º 30.º do CIRE devem ser conjugadas com as normas dos artigos 23.º, n.º 2, b), e n.º 3, e 37.º, n.º 3, do mesmo Código. Nos termos do artigo 23.º, n.º 2, al. b), o requerente da declaração de insolvência deve identificar, na petição inicial, os cinco maiores credores do requerido, com exclusão do próprio requerente, dispondo-se no n.º 3 que, não sendo possível ao requerente efetuar essa indicação, pode solicitar que a mesma seja efetuada pelo devedor requerido. Por sua vez, o artigo 37.º, n.º 3, estabelece um modo de citação privilegiada da sentença que venha a declarar a insolvência do requerido, relativamente aos cinco maiores credores conhecidos, com exclusão do requerente, para o que aquela informação se mostra relevante. É nesta mesma lógica que se impõe, no n.º 2 do artigo 30.º, que o requerido, com a oposição deduzida ao pedido de declaração de insolvência, identifique os cinco maiores credores.
Porém, afigura-se que a omissão desta indicação não deverá fazer operar imediatamente a cominação prevista na lei, sem que seja dada oportunidade ao requerido de fazer essa indicação, o que se traduziria numa situação de indefesa, incompatível com a garantia constitucional de acesso ao direito e a um processo equitativo, prevista no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
A cominação prevista na lei retira à parte demandada a possibilidade de a sua defesa ser valorada, sendo confrontada com uma decisão cujos fundamentos, de facto e de direito, não tiveram em consideração a oposição deduzida, o que se afigura desproporcional à falta/omissão cometida, que poder ser suprida.
No caso dos autos, é certo que a Requerida não se limitou a omitir a identificação dos seus cinco maiores credores, caso em que teria sido convidada a supri-la, pelas razões expostas.
A Requerida, conscientemente, afirma que não possui quaisquer credores que devam ser relacionados, o que é falso, como resulta dos factos provados em 2 e 3.
Porém, tal circunstância não é fundamento de rejeição da oposição, sem que seja dada à Requerida a oportunidade de fazer tal indicação, como pretende a Requerente, mas sim poderá ter consequências em termos de litigância de má-fé – cfr. art.º 542.º, n.º 2, al.s a) e b) do CPC.
Termos em que, indefiro o requerido e determino a notificação da Requerida para, em 5 dias:
- corrigir a sua oposição, identificando os seus cinco maiores credores, com exclusão da requerente, sob pena de não recebimento da oposição (nº 2 do artº 30º do CIRE);
- se pronunciar sobre a eventual condenação como litigante de má-fé, nos termos do disposto no art.º 542.º, n.º 2, al.s a) e b) do CPC.
Notifique.”
Entretanto, no dia 09 de maio de 2025, a requerida apresentou nova oposição.
A 13 de Maio, o Tribunal admitiu a nova oposição deduzida pela requerida e designou dia para a audiência de julgamento.
Veio, então a requerente apresentar o presente recurso, impugnando quer o despacho de 24/4, que indeferiu o requerimento (…) relativo à pretendida rejeição da oposição apresentada pela requerida,por falta de apresentação da oposição acompanhada dos seus cinco maiores credores…”, quer o despacho de 13 de maio de 2025 “… que admitiu a nova oposição deduzida pela requerida e designou dia para a audiência de julgamento (…) Pois que o caberia ao tribunal determinar a rejeição da Oposição da Requerida com todas as consequências legais, concretamente, considerando confessados todos os factos alegados na petição inicial e, consequentemente, declarando-se a insolvência da Requerida.”
Terminou o seu recurso, concluindo como se transcreve:
(…)
Admitiu-os com subida em separado e efeito devolutivo.
Foram recebidos nesta Relação, cumprindo apreciá-los.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
Nas circunstâncias do processo, as questões a resolver são as seguintes:
- Se o incumprimento na identificação dos credores deveria ter determinado a rejeição da oposição apresentada pela devedora;
- Se, subsequentemente, deveriam ter sido declarados confessados os factos alegados na petição, com a consequente declaração de insolvência;
- Por inerência, se é ilegal a concessão de um prazo de cinco dias para a correcção da oposição, designadamente em face da prévia concessão de um prazo de 10 dias para o mesmo efeito, designadamente quanto às dívidas já identificadas para com a Segurança Social e a Autoridade Tributária.
- Se não podia ser admitida um novo articulado de oposição, como admitido no despacho de 13 de Maio.
Assim, a 3 de Junho, em audiência de julgamento, foi proferido o seguinte despacho, na sequência de requerimento da devedora:
“Compulsado o requerimento que foi mandado desentranhar no despacho de 13 de Maio 2025, que deixou de constar do Citius, mas que foi neste momento exibido, verifico que tal peça processual deu efetivamente entrada no dia 24 de Abril 2025 pelas 23:47:48.
Sucede frequentemente que o Citius assume como data dos requerimentos o dia seguinte à sua entrada em juízo, quando os mesmos são apresentados a horas tardias.
Do requerimento agora exibido verifica-se, ainda, que foi paga a multa por ter sido entregue no 3º dia após o prazo, nos termos do art.º 139º C.P.C.
Conclui-se, pois, que o despacho proferido a 13 de Maio 2025 enferma de lapso quanto à extemporaneidade do requerimento, pelo que se retifica, nos termos do art.º 614º C.P.C, e pelo que admito o requerimento apresentado.”
O requerimento em causa, apresentado pela devedora, referia o seguinte em relação aos credores da devedora:
“- (…)
3 -É manifesto que a Requerida errou quando em 4 de Março p.p. apresentou o seu articulado de contestação sem indicar a Segurança Social e a Administração Tributária como suas entidades credoras.
4 - Tal erro nasceu do facto de o seu gerente, em conversa com o aqui subscritor, ter entendido que o Tribunal lhe perguntava acerca da existência de qualquer pessoa ou empresa que pudesse arrogar—se de um qualquer crédito, já vencido, relativamente à Requerida. Mas não só,
5 - Relativamente aos valores em dívida à Segurança Social e à AT resultantes dos ofícios trazidos aos autos em 14 e 21 de Fevereiro p.p. deseja a requerida informar que pensava estarem todos os processos que perfaziam aquele total de € 16.693,84 devido à Segurança Social vindo a ser pago com recurso a planos prestacionais em curso e relativamente às dívidas fiscais à AT, que em 21 de Fevereiro totalizavam € 19.543,41“ (e no dia de hoje se encontram resolvidas), nunca constituíram preocupação da gerência da Requerida uma vez que o seu crédito sobre a AT em termos de recebimento de IVA era e é muito superior. De facto,
6 - Sabendo a Requerida que a AT lhe devia cerca de € 80.000,00 a título de IVA (na realidade € 79.932,94 em 20 de Fevereiro de 2025, (Cfr. doc. nº 5)) sempre manteve o propósito junto daquela entidade de que a sua dívida de impostos - bem menor - fosse compensada por aquele montante que habitualmente é devolvido pela AT, depois de solicitado, no final do segundo trimestre de cada ano. Para além disto,
7 - Pese embora, quer a gerência da Requerida e o seu mandatário aqui subscritor, bem saibam que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, certo é que,
8 - É manifesto que a ocultação desta informação a Juízo não foi de forma alguma intencional. Aliás,
9 - Pouco sentido faria tentar a Requerida omitir factos perante a Justiça, exactamente relativamente às duas entidades que estão obrigatoriamente representadas em autos de insolvência.
10 - A quanto fica acrescem ainda os mais recentes entendimentos, tanto da Doutrina, como da Jurisprudência que nos ensinam que esta norma contida no nº 2 do artigo 30º do CIRE é inconstitucional por violar o Princípio do Processo Equitativo consagrado no nº 4 do artigo 209 da Constituição da República Portuguesa. Na verdade,
11 - Depois de avanços e recuos, acabaria o douto Acórdão 639/2014, de 7 de Outubro, com o Relator José da Cunha Barbosa, por julgar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 30º do CIRE, por violação do princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição, quando "interpretada no sentido de não dever ser admitida a oposição se não acompanhada da lista contendo a indicação dos cinco maiores credores da Requerida e sem que a esta tenha previamente sido concedida a oportunidade de suprir a deficiência", (…).
(…)
15 - A Requerida apenas por uma vez, quando da sua citação, foi advertida de que deveria dar cumprimento a quanto dispõe o artigo 309 do CIRE e,
16 - Tendo o Tribunal recebido em 14 e 21 de Fevereiro os ofícios da Segurança Social e da Administração Tributária a que supra se fez referência, e não lhe tendo tais ofícios sido notificados, acabaria a Requerida por, erradamente, apresentar a sua Oposição/contestação sem a tais matéria fazer referência. Para além disso
17 - Apenas agora, com o douto despacho proferido por V. Exa. na data designada para a audiência de discussão e julgamento, tomou a Requerida conhecimento da existência dos ditos ofícios, apercebeu-se do seu erro e diligenciou de modo a corrigi-lo como infra demonstrará. Ou seja,
(…)
51 - Isto posto, sem embargo de a Requerida conhecer quanto resulta da Lei, nomeadamente do nº 1 do artigo 130º do CIRE, a verdade é a de que a Requerida não está insolvente.
52 - A Requerida titula quotas sociais em, por agora, outras três sociedades por quotas de responsabilidade limitada, sociedades essas denominadas:
"C..., LDA.", com o código de acesso: ...54;
"D..., LDA.", com o código de acesso: ...48;
"E..., LDA.", com o código de acesso: ...08.
53 - Em todas estas sociedades a Requerida detém quotas no valor de 50% do respectivo capital social.
54-E, porque o processo de criação ainda vai a meio, está a dias de passar a deter 50% do capital social de uma outra sociedade por quotas de responsabilidade limitada, esta denominada "F..., LDA.", a qual possui como código de seu certificado de admissibilidade o nº ...50-...24-...51 e o número do Certificado de Admissibilidade ...300 e irá ter o NIPC ...40. Para além disso,
55 - A Requerida afirmou nos pontos 106 a 110 da sua contestação, ser a proprietária de vários prédios urbanos, tendo indicado as respectivas matrizes prediais. Pois agora,
56 - E para que não subsista qualquer dúvida, a Requerida repete ser a proprietária de tais imóveis e sobre eles não existir qualquer penhora, reserva de propriedade ou ónus semelhante qualquer que ele seja, nomeadamente:
(…).”
1 - A requerida foi citada para a acção de insolvência;
2 – Na oposição que ofereceu, afirmou inexistir qualquer credor que se encontre munido de título executivo contra si, nem qualquer credor que devesse ser relacionado;
3 – Segurança Social e Autoridade Tributária, notificadas para o efeito, vieram informar que a requerida era devedora, para consigo, de 13.934,59 e de €19.363,66.
4 – A autora, ora apelante, requereu que a falsidade na negação de tais dívidas, pela requerida, fosse tida como fundamento para a rejeição da sua oposição.
5 – Em 10 de Abril, em audiência, o tribunal verificou que os ofícios da Segurança Social e da AT não haviam sido notificados à devedora/requerida e determinou tal notificação, concedendo-lhe prazo para que sobre isso se pronunciasse.
6 – Em requerimento inicialmente tido por extemporâneo, mas depois repristinado por ser tempestivo, a requerida afirmou que não havia informado dos créditos da Segurança Social e da AT por aqueles estarem a ser pagos segundo plano prestacional e estes estarem sujeitos a compensação por contra-crédito (por reembolso de IVA) de valor muito superior, estando até já liquidados. Assim, não pretendeu omitir voluntariamente a existência desses créditos, tanto mais que os mesmos jamais deixariam de ser convocados para os autos de insolvência, como foram. Mais alegou que a omissão verificada não poderia determinar a ineficácia da oposição e impugnou que se encontrasse em situação de insolvência.
7- Ainda que sem considerar tal requerimento, que havia sido mandado desentranhar, o tribunal proferiu decisão, a 24/4, que supra se transcreveu parcialmente, onde afirmou que “… a omissão desta indicação (dos 5 maiores credores) não deverá fazer operar imediatamente a cominação prevista na lei, sem que seja dada oportunidade ao requerido de fazer essa indicação, o que se traduziria numa situação de indefesa, incompatível com a garantia constitucional de acesso ao direito e a um processo equitativo, prevista no art.º 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.”
8 - No dia 09 de maio de 2025, a requerida apresentou nova oposição.
9 - A 13 de Maio, o Tribunal admitiu a nova oposição deduzida pela requerida e designou dia para a audiência de julgamento.
Em face da realidade processual assim descrita, o recurso da apelante tem dois pressupostos errados: o de que a requerida não se pronunciou, quando foi interpelada para explicar a existência de dívidas informadas pela Segurança Social e pela AT (conclusões 5, 17 e 19); o de que, perante esse silêncio se deve ter por precludido o direito à apresentação da resposta ao despacho de 24/4 (conclusão 20), que seria a concretização de uma segunda oportunidade dada pelo tribunal, para o suprimento da omissão de pronúncia quanto às dívidas referidas pela Segurança Social e pela AT.
Em qualquer caso, o processado algo anómalo dos autos, nesta fase, impõe que se tenha presente, por um lado, que não está em causa averiguar se existiam as dívidas em questão e em que termos deveriam ter sido enunciadas pelo própria devedora/requerida; por outro, que não está em causa saber se a omissão inicial dessa enunciação deve determinar a imediata rejeição da oposição, numa aplicação automática do regime do nº 2 do art. 30º do CIRE.
Com efeito, quanto à primeira questão, acabou a requerida por explicar a razão da não enunciação das dívidas em questão. Porém, isso só releva para momento ulterior, designadamente o da averiguação da situação de insolvência, ou não, da requerida.
Quanto à segunda questão, parece ser esse também o entendimento da requerente da insolvência, já que não reagiu por qualquer forma ao despacho inicial, de 10 de Abril, em que o tribunal concedeu à requerida o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre as dívidas denunciadas pela AT e pela Segurança Social.
Efectivamente, perante esse despacho, proferido na audiência de 10/4, a requerente não manifestou qualquer discordância, não requereu que, em vez dele, fosse rejeitada a oposição, em observância do nº 2 do art. 30º do CIRE, nem o impugnou por recurso.
Contrariamente, anuiu a que a devedora pudesse beneficiar desse prazo para completar a oposição oferecida. E fez bem. Com efeito, é unânime o entendimento segundo o qual a não concessão de uma oportunidade para o suprimento dessa omissão, como resultaria da aplicação imediata do nº 2 do art. 30º do CIRE, redundaria numa sanção desproporcionada, consubstanciadora de um processo não equitativo, em termos aptos a redundar numa aplicação inconstitucional da próprias norma, em face do disposto no art. 20º, nº 4 da CRP (cfr., entre outros, proc. n.º 4051/13.7TBVNG-A.P1.S1, relator Azevedo Ramos, em dgsi.pt “ (…) II - A necessidade do devedor, na oposição, juntar a lista dos seus cinco maiores credores é justificada pelo facto de nesta fase declarativa do processo não existirem outros articulados, para além da petição e da oposição, seguindo o processo para julgamento logo após a dedução desta última. III - Mas a cominação da oposição não ser recebida, prevista no art. 30.º, n.º 2, do CIRE, retira à parte demandada a possibilidade da sua defesa ser valorada, acabando esta por se ver confrontada com uma decisão, cujos fundamentos de facto e de direito não tiveram em consideração a oposição por ela manifestada. IV - A norma do citado art. 30.º, n.º 2, do CIRE, é materialmente inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20.º, n.º 4, da CRP, quando interpretada no sentido de não dever ser admitido o articulado da oposição, se este não for acompanhado da lista contendo a indicação dos cinco maiores credores da requerida e sem que a esta tenha sido previamente concedida a oportunidade de suprir essa deficiência”).
Partiu, entretanto, a apelante do pressuposto de que a devedora nada respondeu e, com isso, deveria ter-se por precludido o seu direito a apresentar nova resposta, na sequência do despacho de 24/4, o que inquinaria a validade reconhecida a tal nova pronúncia, subjacente ao despacho de 13/5. Desta conexão entre os despachos de 24/4 e o de 13/5, sendo este consequência daquele, resulta, aliás, a conveniência do tratamento conjunto das questões suscitadas nos recursos dirigidos a cada um deles.
Verifica-se, porém, que tal pressuposto não é correcto. De resto, tal como o não foi para o despacho de 24/4, mas cujo conteúdo não resultou, apesar disso, prejudicado, segundo o afirmado pelo próprio tribunal, no despacho de 13/5.
É que, de facto, a requerida respondeu, pelo requerimento de 24/4, erradamente mandado desentranhar por extemporâneo, mas que veio a ser repristinado por se concluir ter sido apresentado em tempo, como o reconheceu a própria apelante. E, nesse requerimento, admitiu a realidade daquelas dívidas e alegou a respectiva irrelevância para a imputada situação de insolvência.
Em face disto, como alega a apelada, não se identifica uma situação de repetida omissão de pronúncia em relação às dívidas em questão, merecedora da aplicação do regime do nº 2 do art. 30º, como aquela que, por exemplo, foi alvo do acórdão do TRC, de 28-01-2025 (proc. nº 631/24.3T8FND-A.C1, Relator: Chandra Gracias). Por isso, quando a devedora veio juntar novo articulado, em resposta ao despacho de 24/4, não o fez depois de precludido o exercício de um direito, pois que efectivamente já o tinha exercido. Limitou-se a dar resposta a uma nova interpelação do tribunal, interpelação esta, é certo, subsequente a um errado pressuposto. Mas tal não lhe pode ser censurado, por não ter sido ela, devedora, a dar causa a esse erro.
Uma coisa, no entanto, é certa: não ficou sem confirmação a denunciada existência das dividas à Segurança Social e à AT. E, como tal, está fora de questão o preenchiumento da previsão da norma do nº 2 do art. 30º do CIRE, em ordem á efectivação do efeito ali previsto: dar-se sem efeito a oposição apresentada, com a consequência da confisaão dos factos alegados na petição inicial.
E tal é suficiente para que se tenha de decretar a falta de provimento de cada um dos recursos apresentados.
Note-se, a este propósito, que neste acórdão não pode conhecer-se da eventual relevância da existência de outros credores não informados pela devedora, nem, tão pouco, do eventual excesso de conteúdo do requerimento apresentado pela devedora, em resposta ao despacho de 24/4.
Com efeito, essas são questões que não foram alvo de qualquer das decisões recorridas, pelo que conformariam verdadeiras questões novas colocadas perante este tribunal de recurso, o qual, por isso, as não poderia conhecer.
Veja-se, por exemplo a afirmação constante da conclusão 26ª do recurso, relativa à existência de outros credores: a alegada omissão e eventual relevância da mesma não foram suscitadas pelo ora apelante perante o próprio tribunal recorrido, que de forma alguma incluiu tal matéria em qualquer dos despachos recorridos. Não tendo isso sido suscitado e decidido pelo tribunal a quo, inexiste decisão que, a esse propósito, possa ser reapreciada nesta sede de recurso. De resto, note-se que nem sequer nenhuma nulidade por omissão de pronúncia, a esse ou a outro propósito, veio o ora apelante imputar à decisão recorrida.
Para além disso, a verificar-se um qualquer excesso de conteúdo na referida resposta, apresentada pela recorrida a 9/5, e que foi admitida genericamente em ordem à marcação da audiência de julgamento, isso não poderia ter deixado de ser arguido como nulidade - sendo caso disso, repete-se – nos termos do art. 195º, nº 1, do CPC. E não o foi.
Como tal, quanto a tais questões está este tribunal impedido de proferir qualquer decisão.
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal no não provimento de ambos os recursos de apelação, com a confirmação das decisões recorridas.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
Porto, 16/9/2025
Rui Moreira
João Proença
João Ramos Lopes