Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
DESPESAS DE VALOR ELEVADO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Sumário
I - Não obstante caber ao Administrador de insolvência a conservação e frutificação dos direitos do insolvente, o que, à partida, cabe no âmbito da esfera da sua responsabilidade singular, é de todo avisado que, perante despesas de valor elevado (em que a diferença entre a receita e a despesa seja mínima) consulte a Comissão de Credores e/ou obtenha decisão judicial. II - Não o fazendo, corre o risco de, em sede de prestação de contas, ver as mesmas não aprovadas por irrazoáveis e não justificadas.
Texto Integral
Processo: 469/07.2TYVNG-O.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 4
Processo: 469/07.2TYVNG-O
ACÓRDÃO
I.RELATÓRIO (transcrição do relatório da sentença)
Nestes autos de insolvência de A..., Lda. veio o(a) Sr(a). Administrador(a) da Insolvência prestar contas através de requerimento apresentado a 18/11/2024 (refª 40734038).
Determinou-se a efectivação das legais notificações.
A credora B..., S.A. pronunciou-se requerendo a não homologação das contas e opondo-se à aprovação das seguintes despesas:
- despesa nº 166, transferência a favor da senhora Administradora da Insolvência no valor de € 24.382,20, porque não justificada;
- despesas nºs 32, 58, 99, 116, 159, 162, relativas a 365 Segurança Privada;
- despesas nºs 123 e 170, relativas a C..., Lda;
- despesa nº 105, “Pagamento de Auditoria” de 28-05-2008, porque não autorizada pela Comissão de Credores.
Também o Ministério Público se pronunciou no sentido de que a senhora Administradora da Insolvência não concretizou as despesas que realizou que justifiquem a transferência a seu favor do valor de €24.382,20, existindo nos autos, apenas, o comprovativo da transferência e não comprovativo dos bens/serviços que foram pagos com esse valor.
II
Foi proferida sentença que, para o que agora importa, julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo(a) Sr(a). Administrador(a) da Insolvência, aprovando as despesas apresentadas, com excepção:
Não se conformando com a decisão, veio a AI interpor recurso. Depois das alegações apresenta as seguintes CONCLUSÕES
I As despesas inumeradas na sentença de prestação de contas comos números 123 e170 são referentes a depósito e armazenagem de bens aprendidos para massa insolvente.
II Os bens a depositar eram caravanas.
III O Administrador Judicial deve prover pela conservação dos direitos da massa insolvente (artigo 55.º n.º 1 c) ed) do CIRE).
IV Portanto o depósito dos bens e seu armazenamento para conservação é um acto inerente à administração da massa insolvente, sendo que o Administrador Judicial é quem administra a massa insolvente, sem necessidade de qualquer consentimento (55.ºn.º1do CIRE).
V As despesas com vigilância, documentos numerados na sentença com os números 32, 58,99,116, 159,162,ao contrário do que consta na sentença em crise, foram aprovadas e sancionadas pela actas 2 e 4 da Comissão de Credores, juntas em 14 de abril de 2008 no processo principal e juntas no processo de prestação de constas em 01 de junho de2017.
Assim, deve revogada a sentença do tribunal a quo relativa à exclusão da aprovação de contas dos documentos numerados com os 32, 58, 99, 116, 159, 162, 123, 170.
Houvecontra-alegações por parte do MP.
(…) Da análise da decisão recorrida verifica-se que a mesma se encontra bem fundamentada, sendo patente e compreensível o motivo por que as despesas em crise não foram consideradas justificadas. Com efeito, tal ocorreu porque não se encontravam autorizadas por quem de direito. Acresce que as mesmas são desproporcionais ao valor apurado para a massa insolvente. Nos termos do artigo 22.º da Lei n.º 22/2013 (Estatuto do Administrador Judicial), o administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são
cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas. Assim, o administrador da insolvência terá direito a ser reembolsado das despesas que realizar para o bom
exercício das suas funções no processo onde for nomeado, sendoqueasmesmasterãoque estarrelacionadascomocumprimentodasobrigaçõesedeveresdecorrentesdopróprioprocesso. Sucede que, apesar do Administrador da Insolvência ter competência própria para praticar atos de gestão da massa insolvente, que podem incluir a realização de despesas a favor da massa insolvente; para a prática de determinadas despesas terá que se munir da autorização prévia da comissão de credores, ou, na falta desta, do juiz. E isso acontece porque o processo de insolvência tem como finalidade primeira a obtenção do pagamento dos créditos dos credores, pelos que estes são os principais interessados na boa gestão da massa insolvente. Assim, em situações em que se afigure a necessidade de realizar despesas não usuais ou que, pelo seu valor, possam colocar em crise a satisfação dos créditos reclamados, cabe aos credores, enquanto interessados, ou ao juiz, quando não exista comissão de credores, a decisão sobre a sua realização. Com efeito, tendo o processo de insolvência como objetivo a satisfação dos créditos dos credores, todas as despesas realizadas ou a realizar têm que ser vistas numa perspetiva de ganho que delas resulta para a massa insolvente, para a satisfação dos créditos reclamados. E só após se ponderar essa ratio entre a despesa e o ganho, se pode concluir que a realização da despesa foi no interesse da massa insolvente.
Ora, no caso em análise háumadesproporçãoentreovalordasdespesasefetuadas pelaSr.ªAdministradoradaInsolvênciaequenãoforamreconhecidasnadecisãorecorrida e
aquele que, após o seu pagamento, ficaria para a massa insolvente e seria rateado pelos credores. Se os credores tivessem sido questionados, previamente, sobre a necessidade da realização das despesas não reconhecidas pelo tribunal recorrido e o custo que as mesmas acarretavam, muito provavelmente, teriam optado pela sua não realização, mesmo que isso implicasse a venda dos bens por um preço inferior àquele que foi obtido.
Com efeito, no caso em análise, mesmo que os bens tivessem sido vendidos por um bem inferior, o valor sobrante da liquidação, a ratear pelos credores, seria superior aquele se que logrou obter.
Deste modo, considerandoosvaloresemcausa,aSr.ªAdministradoradeviaterconsultadoacomissãodecredoresepedidoasuaautorização.
Não o tendo feito, não estava legitimada para realizar as despesas que não foram reconhecidas na decisão recorrida e, consequentemente, de exigir o seu pagamento pela massa insolvente, em prejuízo dos credores.
Assim, bem andou o Mm.º Juiz aquo ao não validar as despesas elencadas sob os n.ºs 32, 58, 99, 116, 159, 162, 123, 170.
Face ao exposto, a decisão recorrida não merece qualquer reparo.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃODOOBJECTODORECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
No caso vertente, em face das conclusões do recurso, aquestãoaapreciaréaveriguarseasdespesas nº 166, transferência a favor da senhora Administradora da Insolvência no valor de € 24.382,20; - as despesas nºs 32, 58, 99, 116, 159, 162, relativas a 365 Segurança Privada e das despesas nºs 123 e 170, relativas a C..., Lda., armazenamento de bens devemseraprovadas.
III.FUNDAMENTAÇÃO
A.OSFACTOS
Os que já constam do relatório
B.ODIREITO
Tal como se retira das alegações e conclusões do recurso interposto, a recorrente não impugna a matéria de facto, mas apenas a subsunção jurídica efectuada pela sentença. O Tribunal a quo decidiu não aprovar os custos suportados pela Massa Insolvente relativamente à transferência a favor da senhora Administradora da Insolvência no valor de € 24.382,20; - as despesas nºs 32, 58, 99, 116, 159, 162, relativas a 365 Segurança Privada e das despesas nºs 123 e 170, relativas a C..., Lda, armazenamento de bens
Escreveu-se na sentença recorrida “desdelogo,verifica-seaapresentaçãodadespesanº166,transferênciaafavordasenhoraAdministradoradaInsolvêncianovalorde€24.382,20–taldespesanãosemostradocumentalmentecomprovada,nãotendoasenhoraAdministradoradaInsolvência,nemnodecursodoapensoL,nemnorequerimentoinicialdesteapenso,justificadoamesma.Nãopode,porisso,seraprovadaestadespesa.
Podemos começar por afirmar que relativamente à despesa nº 166, transferência a favor da senhora Administradora da Insolvência no valor de € 24.382,20, uma vez que a mesma não se mostra documentalmente comprovada, não pode colocar-se a questão da sua aprovação.
No que toca às restantes despesas, temos como seguro que nunca houve autorização da Comissão de Credores para as despesas com a vigilância das instalações e bens apreendidos, não obstante a recorrente ter efectuado uma interpretação das actas 2 e 4 da Comissão de credores que não teve acolhimento na sentença e que, dizemos nós, não teve acolhimento porque não resulta do seu texto daquelas actas.
A recorrente, enveredando por outro caminho, alega que “relativamenteao armazenamentodascaravanaseatreladosaSra.AdministradoraJudicialsempreinformouosautosondeestariamtaisbensdepositados.Aliás,oarmazenamentoedepósitodebensapreendidospeloAdministradorJudicialemsededeprocessodeinsolvênciaéumactoinerenteaosactosdesimplesadministraçãodoprocessodeinsolvênciapeloAdministradorJudicial.Oartigo55.ºn.º1doCIREesclarecequeumadasfunçõesdoAdministradorJudicialé“Prover,noentretanto,aconservaçãoefrutificaçãodosdireitosdoinsolvente;...),ouseja,osbensapreendidosafavordamassainsolvente.Portanto,seriamsempredívidasdamassainsolventeasemergentesdeactosdeadministraçãopraticadospeloAdministradorJudicial,talcomocontanoartigo51.º,n.º1c)ed)doCIRE.Entende-seassim,queoarmazenamentodosbensapreendidosafavordamassainsolventeéumafunçãoinerenteaoAdministradordaMassaInsolvente.-Eassim,tendodearmazenaredepositarosbensteriasempredeencontrarondedepositarearmazenarosbensatésedefiniroseudestino,equetalseriasempreumadívidadamassainsolvente,E,também,umadespesainerenteaosactosdeadministraçãodoAdministradorJudicialquenãodependemdeaprovaçãodacomissãodecredoresoudedespachojudicial.”
O tribunal conhece os normativos relativos às funções atribuídas ao Administrador de insolvência, cabendo-lhe, como refere a recorrente, a conservação e frutificação dos direitos do insolvente.
Assim, à partida, a função de armazenar e zelar pela manutenção dos bens apreendidos, cabe ao Administrador da Insolvência, per si.
Porém, será de todo avisado que o Administrador de insolvência, ao pretender realizar as funções supra referidas e sendo confrontado com valores muito elevados, na ordem dos 20.000,00 salvaguarde o ressarcimento dessa despesa com uma prévia consulta da Comissão de Credores e /ou despacho judicial.
Não o fazendo, como foi o caso, fica dependente de uma futura apreciação que questione a razoabilidade da despesa.
Não podemos deixar de concordar com a Sr.ª Procuradora quando em contra-alegações escreve que “(…)oprocessodeinsolvênciatemcomofinalidadeprimeiraaobtençãodopagamentodoscréditosdoscredores,pelosqueestessãoosprincipaisinteressadosnaboagestãodamassainsolvente.Assim,emsituaçõesemqueseafigureanecessidadederealizardespesasnãousuaisouque,peloseuvalor,possamcolocaremcriseasatisfaçãodoscréditosreclamados,cabeaoscredores,enquantointeressados,ouaojuiz,quandonãoexistacomissãodecredores,adecisãosobreasuarealização.Comefeito,tendooprocessodeinsolvênciacomoobjetivoasatisfaçãodoscréditosdoscredores,todasasdespesasrealizadasouarealizartêmqueservistasnumaperspetivadeganhoquedelasresultaparaamassainsolvente,paraasatisfaçãodoscréditosreclamados.Esóapósseponderaressaratioentreadespesaeoganho,sepodeconcluirquearealizaçãodadespesafoinointeressedamassainsolvente.Ora,nocasoemanáliseháumadesproporçãoentreovalordasdespesasefetuadaspelaSr.ªAdministradoradaInsolvênciaequenãoforamreconhecidasnadecisãorecorridaeaqueleque,apósoseupagamento,ficariaparaamassainsolventeeseriarateadopeloscredores.Seoscredorestivessemsidoquestionados,previamente,sobreanecessidadedarealizaçãodasdespesasnãoreconhecidaspelotribunalrecorridoeocustoqueasmesmasacarretavam,muitoprovavelmente,teriamoptadopelasuanãorealização,mesmoqueissoimplicasseavendadosbensporumpreçoinferioràquelequefoiobtido.Comefeito,nocasoemanálise,mesmoqueosbenstivessemsidovendidosporumbeminferior,ovalorsobrantedaliquidação,aratearpeloscredores,seriasuperioràquelesequelogrouobter.Destemodo,considerandoosvaloresemcausa,aSr.ªAdministradoradeviaterconsultadoacomissãodecredoresepedidoasuaautorização.Nãootendofeito,nãoestavalegitimadapararealizaras despesasquenãoforamreconhecidasnadecisãorecorridae,consequentemente,deexigiroseu pagamentopelamassainsolvente,emprejuízodoscredores.”
As despesas em causa são irrazoáveis.
Não podemos deixar de referir o que é dito na decisão em crise “édesalientaraestranhezaquecausaoelevadovalordasdespesasapresentadas:€338.348,77dedespesas,peranteumvalordoprodutodaliquidaçãode€428.801,07”.
Na verdade, a quantificação da despesa, por referência à receita, leva a concluir pela sua irrazoabilidade e insensatez.
Neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 22.05.2025, tirado no processo 1069/09.8TBBGC-L.G1 onde se pode ler “ Lê-senoart.º62.º,doCIRE,queo«administradordainsolvênciaapresentacontasnos10diassubsequentesànotificaçãodacontadecustaspelotribunalouàcessaçãodassuasfunções,qualquerquesejaarazãoqueatenhadeterminado,podendooprazoserprorrogadopordespachojudicial»(n.º1);eé«aindaobrigadoaprestarcontasemqualqueralturadoprocesso,semprequeojuizodetermine,querporsuainiciativa,querapedidodacomissãooudaassembleiadecredores,fixandoojuizoprazoparaaapresentaçãodascontas,quenãopodeserinferiora15dias»(n.º2).Compreende-sequeassimseja,dadoquelhecabeaadministraçãodebenseinteressesalheios.Ora,tendonoregimeinsolvencialactualarealizaçãodedespesasdeixadodeestarsujeitaapréviaautorização,éfundamentalmenteatravésdaprestaçãodecontasquesepodesindicararazoabilidadedasquetenhamsidoefectuadaspeloadministradordainsolvênciaeacujoreembolsoomesmoterádireito;e,simultaneamente,asditascontaspermitirãocontrolarosactosqueomesmopodeunilateralmentedecidir,equecomportemencargosparaoscredores,odevedorouamassainsolvente.Asditas«contassãoelaboradasemformadeconta-corrente,comumresumodetodaareceitaedespesa,incluindoospagamentosrealizadosemrateiosparciaisefetuadosnostermosdoartigo178.º,destinadoaretratarsucintamenteasituaçãodamassainsolvente,edevemseracompanhadasdetodososdocumentoscomprovativos,devidamentenumerados,indicando-senasdiferentesverbasosnúmerosdosdocumentosquelhescorrespondem»(art.º62.º,n.º3,doCIRE).Contudo,vem-seentendendoque,«aindaqueemprincípiosósejadevidoopagamentodasdespesasquesemostremcomprovadas,sãotambémreembolsáveisasdespesasqueojuizconsidereadequadas,decisãoquedeveassentaremjuízosdeequidade,razoabilidadeeproporcionalidade,v.g.despesasdedeslocação,etc.»(Ac.daRP,de14.01.2025,AnabelaDiasdaSilva,Processon.º113/10.0TYVNG-EJ.P1).Maisselê,noart.º64.º,doCIRE,que,umavezprestadasascontas,serãoasmesmasautuadasporapenso,cumprindo«à comissãodecredores,casoexista,emitirparecersobreelas,noprazoqueojuizfixarparaoefeito, apósoqueoscredoreseodevedorinsolventesãonotificadosporéditosde10diasafixadosàporta dotribunaleporanúnciopublicadonoportalCitius,para,noprazodecincodias,sepronunciarem»(n.º1);epara«omesmofimtemoMinistérioPúblicovistadoprocesso,queédepoisconclusoaojuizparadecisão,comproduçãodaprovaquesetornenecessária»(n.º2).”
Em consonância com o que ficou escrito e sem necessidade de mais considerações, temos como acertada a decisão do tribunal “a quo”, a qual mantemos nos seus precisos termos.
IV.DECISAO
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmenteimprocedenteorecurso interposto mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Registe e notifique.
DN
Porto, 16 de Setembro de 2025.
(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia de Lima
João Ramos Lopes
Maria da Luz Seabra