ACÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
OBJETO
FINALIDADE
Sumário

O processo de prestação de contas é uma das formas de processo especial previstas no Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 941.º, a acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 3843/19.8T8VNG-Y.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5

RELAÇÃO N.º 248

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: João Proença

Lina Castro Baptista


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


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I - RELATÓRIO.

(Prestação de contas administrador (CIRE))

AS PARTES

Insolvente: A..., S.A.

Administrador de Insolvência: AA.

Recorrente: BB (anterior Administrador de Insolvência).


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Por[2] sentença proferida a 28/05/2019, foi declarada a insolvência de A..., S.A. e nomeado como Administrador da Insolvência o Sr. Dr. BB.

O Sr. Dr. BB manteve-se em funções até 27/09/2023, data em que foi substituído devido à suspensão da sua atividade pela CAAJ – cfr. despacho de 27/09/2023 nos autos principais.

Por requerimento datado de 21/12/2022, o Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, apresentou contas intercalares, desde a data de 20/04/2020 até à data de 14/02/2022.

Foi notificada a Comissão de Credores e cumprido o disposto no art.º 64.º do CIRE, tendo a Comissão de Credores e o Ministério Público solicitado diversos esclarecimentos – cfr. requerimento de 04/05/2023 e promoção de 02/06/2023; requerimento de 01/02/2024 e promoção de 02/02/2024.

Por sucessivos despachos - cfr. despachos de 07/06/2023; 14/09/2023; 08/11/2023; 07/12/2023; 12/02/2024 - o Sr. Administrador da Insolvência substituído foi notificado para prestar os esclarecimentos em falta, o que inclusive determinou a sua condenação em multa.

Desde 04/03/2024 o Sr. Administrador da Insolvência substituído apresentou nos autos sucessivos certificados de incapacidade para o trabalho, não tendo prestado qualquer outro esclarecimento.

Por despacho datado de 21/05/2024 advertiu-se o Sr. Administrador da Insolvência substituído que, caso não cumprisse o determinado no despacho de 12 de fevereiro de 2024, não seria concedido novo prazo para o efeito, sendo as contas apreciadas com base nos elementos juntos ao processo de insolvência e seus apensos.

Notificada a Comissão de Credores e o Ministério Público para se pronunciarem sobre a intenção do Tribunal em conhecer as contas com base nos elementos juntos ao processo de insolvência e seus apensos, tal mereceu parecer positivo, pelo que o tribunal determinou que iria proceder a tal conhecimento, sem outros esclarecimentos por parte do Sr. Administrador da Insolvência substituído – cfr. despacho datado de 07/11/2024.

Considerando que Sr. Administrador da Insolvência substituído (Dr. BB) apenas prestou contas até à data de 14/02/2022, sendo certo que se manteve em funções até 27/09/2023, ao abrigo do princípio da colaboração, solicitaram-se os bons ofícios do atual Sr. Administrador da Insolvência, Sr. Dr. AA para, em face das informações de que disponha, e consulta dos elementos ao seu dispor, incluindo as contas bancárias identificadas no requerimento datado de 13/07/2022 junto ao apenso “R” (ref. 32828497), fazer um levantamento das receitas e despesas realizadas após 14/02/2022 até à sua entrada em funções como administrador da insolvência nestes autos, o que este fez.

Sob notificação do tribunal, o Banco 1..., SA veio juntar os extratos bancários emitidos após 14/02/2022, das contas com os seguintes IBAN:  ...65;  ...27; e  ...18– cfr. oficio de 14/03/2025.


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DA DECISÃO RECORRIDA

A final foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos:

Termos em que:

I) Apreciadas as contas referentes ao exercício do Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, entre o período de 20/04/2020 e 27/09/2023:

i) aprovo a receita apresentada no valor de €1.025.853,31, acrescida do valor de €353.858,07, no valor global de €1.379.711,38;

ii) aprovo as despesas apresentadas, com exceção das despesas dos movimentos 23 e 24 (estas no valor total de €106.632,42);

iii) aprovo as despesas de €3.718,06 e de €235.935,02;

iv) não aprovo a despesa no valor total de €215.865,00 correspondente a pagamento do serviço de zeladores após a data do trespasse do estabelecimento à B..., SA, e de €888,99, em 07/05/2020 correspondente a "compra de computador - CC".

II) Fixo o valor das receitas em €1.379.711,38 (um milhão, trezentos e setenta e nove mil, setecentos e onze euros e trinta e oito cêntimos) e o valor das despesas em €710.952,96 (setecentos e dez mil, novecentos e cinquenta e dois euros e noventa e seis cêntimos).

III) Condeno o Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, a repor à massa insolvente o valor de €323.386,41 (trezentos e vinte e três mil, trezentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).

IV) Declaro a compensação do valor da retribuição variável que venha a ser apurado em face do resultado da liquidação, devido ao Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, com o valor que este foi condenado a repor à massa, referido em III).

Custas pela massa insolvente (art.º 304.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas“.


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DAS ALEGAÇÕES

Osr Administrador de Insolvência substituído, BB, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Atento o exposto, V. Exas. revogando a decisão recorrida que condenou o recorrente a repor à massa insolvente o valor de 323 386.41€.


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O apelante apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

1. O Tribunal a quo tem o poder e o dever de aprovar ou rejeitar as contas.

2. A não aprovação de contas, no caso sub iudice, a não aprovação de uma despesa já efetuada e paga a terceiros não dá lugar nunca à imediata condenação do administrador a repor à massa insolvente o valor pago a terceiros.

3. A responsabilidade civil do administrador pelo pagamento de uma despesa a terceiros que não foi aprovada terá de ser apurada em sede de Acão movida pelos interessados.

4. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 62, 63, 64 e 59 do CIRE.“.


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A Massa Insolvente apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso.


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II-FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

A questão a decidir, diz respeito a saber se na acção de prestação de contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência pode/deve ser condenado no pagamento de uma despesa.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e bem como aqueles da sentença ora em crise.

Dos elementos constantes dos autos, incluindo autos principais e apensos, resulta que:

1) O Sr. Administrador da Insolvência substituído, prestou as seguintes contas (intercalares):

2) O Senhor Administrador de Insolvência substituído assumiu a gestão do estabelecimento da insolvente em 03/10/2019, conforme deliberação da Assembleia de Credores realizada nessa data - cfr. ata de 03/10/2019 nos autos principais.

3) O Senhor Administrador de Insolvência substituído manteve-se em funções até 27/09/2023, data em que foi substituído, devido à suspensão da sua atividade pela CAAJ – cfr. despacho de 27/09/2023 nos autos principais.

4) Aberta conta da massa insolvente, sediada no Banco 2..., S.A., a mesma começou a ser movimentada em 18/10/2019 – cfr. extrato referente ao período compreendido entre 18/10/2019 e 08/10/2021, junto pelo Administrador de Insolvência, em 11/02/2022, nos autos principais (ref.ª31348839) e no apenso R (ref.ª31348838).

5) Encontra-se junto aos autos extrato da mesma conta referente ao período compreendido entre 01/10/2021 e 05/02/2024 – cfr. ofício do Banco 2..., S.A., a 23/02/2024.

6) Segundo informação do Senhor Administrador da Insolvência substituído, existiam outras contas tituladas pela insolvente, no Banco 3..., na Banco 4..., na Banco 5... e na Banco 6..., referindo apenas manteve as contas da Banco 4... e da Banco 5..., e que todos os valores recebidos nessas contas foram transferidos para a conta da massa insolvente no Banco 7..., tendo optado por não realizar pagamentos através dessas contas - cfr. req. ref.ª 31990519, apenso R.

7) Notificado para indicar o IBAN das referidas contas bancárias, veio a fazê-lo em 13/07/2022 - cfr. despacho proferido a 27/04/2022, no Apenso R e req. ref.ª 32828497, apenso R.

8) Através da plataforma disponível no site do Banco de Portugal, apurou-se que existem ainda as seguintes contas – cfr. req. do atual Sr. AI de 20/02/2025:

a. Banco 8..., S.A.:

i.  ...11;

ii.  ...16;

b. Banco 9..., S.A:

i. IBAN  ...05.

c. Banco 5...:

i.  ...98;

ii.  ...56.

d. A Banco 10..., Sucursal em Portugal:

i.  ...22;

e. Banco 11...:

i.  ...54;

ii.  ...67.

f. Banco 1...:

i.  ...65;

ii.  ...27; e,

iii.  ...18.

9) Quanto a tais contas apurou-se que:

a. Conta do Banco 3... – encontrava-se depositada a quantia de €2.579.95, tendo o atual Sr. AI solicitado a transferência para a conta da Massa Insolvente.

b. Banco 6..., S.A, - Conta sem movimentos desde 08/09/2021.

c. Banco 9..., S.A - Conta sem movimentos desde 14/02/2022.

d. Banco 8..., S.A.: Conta sem movimentos.

e. Banco 4...: Conta sem movimentos desde 14/02/2020.

f. Banco 5...: Conta sem movimentos, desde a data da declaração de insolvência.

g. Banco 11...: conta com saldo negativo.

– cfr. req. do atual Sr. AI de 20/02/2025

10) Quanto às contas sediadas no Banco 1... – cfr. ofício datado de 14/03/2025:

i.  ...65 tem um saldo de €0,01, sem movimentos desde 14/04/2002;

ii.  ...27, encerrada desde 03/06/2022.;

iii.  ...18, apresenta saldo de €616,98 e não tem movimentos desde 24/04/0219.

11) A gestão do estabelecimento da insolvente por parte do Senhor Administrador da Insolvência substituído terminou em 17/04/2020, data em que, após aceitação pela Comissão de Credores da proposta apresentada por B..., SA, ocorreu a venda do estabelecimento - cfr. termo de adjudicação em 03/01/2020, req. ref.ª 24910966, apenso R; contrato de trespasse, ref.ª citius 25667252, de 22/04/2020, apenso R.

12) O estabelecimento foi vendido, pela quantia de €1.800.000,00, cujo pagamento foi acordado em 13 prestações, a primeira no montante de €450.000,00, até ao dia 20/04/2020; e as restantes 12 prestações iguais e sucessivas, no valor de €112.500,00 cada uma, tendo sido emitidos 12 cheques para o respetivo pagamento mensal - cfr. cópia de cheques junta no req. ref.ª 38075211, de 18/02/2021, apenso R.

13) A primeira prestação foi liquidada por transferência bancária na data acordada - cfr. comprovativo junto com o requerimento ref.ª citius 25674886, de 23/04/2020, Apenso R e extrato junto aos autos principais com o requerimento citius n.º 31348839, de 11/02/2022.

14) Relativamente às restantes 12 prestações, na informação que apresenta a 31/05/2021 (ref.ª39030576, apenso R), o Senhor Administrador da Insolvência afirma que foram depositados 4 cheques, todavia, não se vislumbra qualquer evidência de terem sido depositados na conta da massa mais do que 3 desses cheques (em 09/02/2021, 08/04/2021, 30/04/2021) – cfr. extrato da conta da massa referida em 4).

15) Relativamente ao valor em dívida, que totalizava a quantia de €1.012.500,00, em 27/01/2022, foi proposto pela adquirente novo plano de pagamento que consistiria no pagamento do remanescente em 12 prestações: 6 no valor de €30.000,00, 5 no valor de €50.000,00 e 1 no valor de €582.500,00 - cfr. requerimento junto aos autos principais com a ref.ª citius 31348839, e ao apenso R com a ref.ª 31348838, ambos em 11/02/2022.

16) A adquirente propôs ainda que o valor de €101.699,69, correspondente a pagamentos indevidamente feitos na conta bancária da massa insolvente, fosse utilizado para pagar as prestações relativas ao mês de Março, Abril, Maio e parte de Junho de 2022 -cfr. req. de 18/04/2022, ref.ª 31990519, apenso R.

17) Tal proposta foi comunicada à Comissão de Credores, a qual não se pronunciou - cfr. despacho proferido a 11/10/2022.

18) A proponente fez o primeiro pagamento no valor de €30.000,00, em 01/03/2022 - cfr. extrato junto aos autos pelo Banco 7... a 23/02/2024.

19) O Senhor Administrador de Insolvência substituído apresentou, em 18/04/2022, o ponto da situação desses pagamentos (ref.ª 319905149, apenso R):


20) Em relação às contas apresentadas, os movimentos com os números 4, no valor de €408,00 (“Pagamento AT”); 5 no valor de €255,00 (“Pagamento AT”); 7 no valor de €121.255,75 (Pagamento TSU/Pagamento Segurança”) e 18 no valor de €74.789,97 (Pagamento TSU/Pagamento Segurança”) não se mostram documentados nos autos.

21) Relativamente às despesas dos movimentos com os números 4 e 5, o Senhor Administrador da Insolvência veio confirmar que corresponderam a pagamentos ao IGFEJ – cfr. requerimento de 10/04/2023.

22) Relativamente às despesas dos movimentos com os números n.º 7 e 18, descritas como pagamentos à segurança social, as ordens de pagamento juntas, no valor de €121.255,02 e €74.789,97, respetivamente, encontram correspondência com os pagamentos efetuados nas datas referidas - cfr. extrato bancário junto em 11/02/2022, nos autos principais (ref.ª31348839) e no apenso R (ref.ª31348838).

23) As despesas dos movimentos com os números 8, 9, 10, 11, 12 e 17, tratam-se de pagamentos à Autoridade Tributária – cfr. informação presada pela AT, constante do requerimento de 10/04/2023.

24) Mostra-se junta aos autos fatura emitida por “C...” no valor de €1.248,45, para justificação da despesa do movimento com o número 19; e faturas no valor global de €20.772,73 (€972,19 + €19.800,54) e de €85.859,69 (€25.001,53 + €14.317,20 + €27.928,38 + €18.612,58) para justificação dos movimentos com os números 23 e 24 - cfr. req. 10/04/2023 ref. 35320125.

25) Resulta dos autos o pagamento do montante de €3.718,06, em virtude da sentença judicial proferida no âmbito do Apenso T, e conforme ordenado no despacho proferido nos autos principais a 02/06/2021, tendo sido junto aos autos o respetivo comprovativo de pagamento, em 02/07/2021 - cfr req. ref.ª 29374550; e movimento do extrato da conta da massa referida em 4), datado de 04/06/2021.

26) Foram detetadas pela Comissão de Credores outras despesas não justificadas, nomeadamente, levantamentos efetuados mensalmente em numerário ao balcão, no valor de €5.535,00 e a "compra de computador - CC", no valor de €888,99, em 07/05/2020.

27) Os levantamentos efetuados encontram-se refletidos no extrato da conta Banco 7..., do período de 01/10/2021 a 05/02/2024 - cfr. e-mail do Banco 7... junto a 23/02/2024, e cópia dos talões de “levantamento em numerário” juntas pelo Banco em 06/02/2024, apenso R.

28) O Senhor Administrador da Insolvência substituído informou que esses movimentos bancários correspondem a pagamentos efetuados à empresa contratada pela massa insolvente para prestação de serviços de zeladoria, conforme contrato celebrado em 31/10/2019 e respetiva revogação, de 30/06/2023, juntas aos autos – cfr. informação prestada pelo atual Sr. Administrador da Insolvência (req. ref.ª 38428095, de 11/03/2024, apenso R).

29) O pagamento deste serviço, após a data do trespasse do estabelecimento à B..., SA, que ocorreu em 20/04/2020, efetuados pela Massa Insolvente até julho de 2023, ascendem ao valor de €215.865,00.

30) Foram intentadas ações judiciais contra devedores, do qual resultam recuperados créditos no valor total de €522.044,13 - cfr. requerimento junto em 11/02/2022, nos autos principais (ref.ª n.º 31348839) e no apenso R (ref.ª 31348838); requerimento com a ref.ª 31990519, apenso R; despacho proferido a 24/01/2024, ref.ª 456080249, apenso R e req. De 19/06/2024, ref.ª 39387511, apenso R; e e-mail de 16/06/2024, remetido pelo anterior mandatário da massa, conforme requerimento de 21/10/2024, nos autos principais.

31) Comparando a listagem constante do e-mail de 16/06/2024, remetido pelo anterior mandatário da massa, conforme requerimento de 21/10/2024, com a apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência substituído, em 11/02/2022, constata-se uma correspondência entre os 29 processos e valores identificados, com exceção dos processos listados com os n.ºs 2 (proc. n.º 7715/19.8T8VNG) e 27 (proc. n.º 7994/19.0T8PRT), que apresentam agora valores diferentes, em virtude de, no primeiro, ter decorrido o acordado pagamento em prestações e, no segundo, àquela data pendente, se mostrar agora findo e com valores cobrados.

32) Na listagem constante do e-mail de 16/06/2024, remetido pelo anterior mandatário da massa, conforme requerimento de 21/10/2024, são identificados mais 38 processos.

33) Quanto ao processo n.º 7715/19.8T8VNG foi celebrado acordo de transação entre a massa insolvente e a sociedade D..., S.A., no qual ficou acordado que esta pagaria à massa insolvente o valor de €390.763,49, em prestações mensais no valor de €21.709,08, com início a 15/07/2020, através do depósito numa conta bancária que se verificou ser do anterior mandatário da massa insolvente - cfr. req. ref.ª 38050456, de 05/02/2024 e req. ref.ª 38948012, de 06/05/2024, nos autos principais.

34) O anterior mandatário da massa insolvente já apresentou os esclarecimentos em falta, bem como apresentou a sua conta final de honorários – cfr. e-mail de 21/11/2024 junto com o requerimento de 06/02/2025 do atual Sr. Administrador da Insolvência nos autos principais.

35) Dos esclarecimentos prestados pelo anterior mandatário da massa insolvente, resulta o valor total de €522.044,13 obtido através de cobranças judiciais - cfr. o mesmo e-mail.

36) Desse valor, €56.919,49 foram pagos para a conta da Massa; €465.124,64 foram pagos diretamente para a conta do anterior mandatário da massa insolvente, tendo este transferido para a conta da massa insolvente o valor de €286.731,46 (em três transferências diferentes: €10.000, €168.186,06 e €108.545,40) - cfr. o mesmo e-mail.

37) O anterior mandatário da massa insolvente apresentou honorários pelos serviços prestados no valor de €187.019,68 mais IVA, o que perfaz o valor de €230.034,21, a que acrescem €5.384,01 de taxas de justiça pagas e €516,08 de despesas de deslocação, num total de €235.935,02 - cfr. o mesmo e-mail.

38) Foram realizados rateios parciais aos credores trabalhadores, conforme rateio parcial apresentado em 07/06/2023, homologado por despacho de 03/07/2023, designadamente, 2 pagamentos em lote no valor de €386.713,00 e de €52.696,00 e 2 pagamentos individuais no valor de €5.059,42 e de €1.849,39, num total de €446.317,81 (cfr. comprovativos de pagamento juntos aos autos principais a 20/09/2023 – ref.ª 36703086).

39) O atual Sr. Administrador da Insolvência elaborou conta corrente referente aos movimentos efetuados após 14/02/2022 até 27/09/2023, relativamente aos movimentos financeiros da conta da Massa Insolvente do Banco 7... (cfr. req. de 20/02/2025 do atual Sr. AI).

40) O atual Sr. Administrador da Insolvência veio esclarecer quanto aos seguintes movimento: a) levantamentos em numerário no valor de €5.535,00 entre 10/03/2022 e ../../2023, correspondem a “pagamento de zeladores”; b) “transferência E...” em 01/09/2023, no valor de €381.654,00 é referente aos pagamentos previstos no mapa de rateio parcial apresentado pelo AI cessante; c) valores a débito na conta da Banco 5..., com data de 11/03/2024 e de 18/03/2024 referem-se ao pagamento de credores que não foram pagos no dia 01/09/2023 (cfr. requerimento de 05/03/2025).


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Os factos enunciados resultam dos documentos e requerimentos a que nos mesmos se faz alusão.

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DE DIREITO.

Como ficou exarado supra a única questão a decidir diz respeito à condenação que foi objecto do sr Administrador de Insolvência substituído, de condenação:

III) Condeno o Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, a repor à massa insolvente o valor de €323.386,41 (trezentos e vinte e três mil, trezentos e oitenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).

IV) Declaro a compensação do valor da retribuição variável que venha a ser apurado em face do resultado da liquidação, devido ao Sr. Administrador da Insolvência, Dr. BB, com o valor que este foi condenado a repor à massa, referido em III).

A decisão da primeira instância quanto à questão objecto do recurso fundamentou do seguinte modo:

Nos termos do disposto no art.º 941.º do Código de processo Civil, a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Assim, o Sr. Administrador da Insolvência substituído deve repor à massa insolvente a quantia correspondente ao valor das despesas não aprovadas, no total de €323.386,41 (€106.632,42 + €215.865,00 + €888,99).

Nos termos do disposto no art.º 23.º, n.º 4 do Estatuto do Administrador Judicial (Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, com sucessivas alterações) os administradores judiciais auferem uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos ali previstos.

Nos termos do disposto no art.º 847.º do Código Civil: (…)

No caso dos autos, sendo devida ao Sr. Administrador da Insolvência substituído remuneração variável a calcular nos termos do disposto no art.º 23.º, n.º 4 do Estatuto do Administrador Judicial, e sendo o Sr. Administrador da Insolvência substituído devedor à massa insolvente do valor de €323.386,41, nos termos do disposto no art.º 847.º do Código Civil, deve operar-se a compensação entre estes dois créditos, pelo que desde já se declara que o valor da remuneração variável que venha a ser apurado ser devido ao Sr. Administrador da Insolvência substituído, que nunca terá valor superior a €100,000,00, mostra-se compensado pelo valor que o Sr. Administrador da Insolvência substituído deve repor à massa insolvente.

O apelante insurge-se contra o decidido sustentando que no processo de prestação de contas do Administrador de Insolvência no âmbito de processo de insolvência “a sentença que não aprova as contas apresentadas pelo Administrador da insolvência e que, simultaneamente, declara que determinada quantia correspondente a remunerações deve ser reposta na conta da massa insolvente” não é condenatória.

E conclui: “A responsabilidade civil do administrador pelo pagamento de uma despesa a terceiros que não foi aprovada terá de ser apurada em sede de Acão movida pelos interessados.” (Cls 3.), pois que “não pode é, no âmbito da insolvência, decidir de eventual responsabilidade civil do administrador, uma vez que o art. 1262º nº 2 que, no CPC, regulava a falência, desapareceu com o CPEREF e tal ausência mantém-se com o actual CIRE.

Em suma, a M.ma Juíza após apreciação das contas, julgou que o valor correspondente à diferença entre receitas, despesas e despesas não aprovadas, no valor de 323.386,41 €, deverá ser restituído pelo Administrador de Insolvência substituído à massa insolvente.

Vejamos então o acerto do decidido.

O processo especial de prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se (art. 941º do CPC11), sendo ele constituído por duas fases: uma, primeira, que visa apreciar e decidir da existência, ou não, da obrigação de prestar contas (art. 942º), que é condição prévia e necessária à segunda fase e que tem, assim, natureza prejudicial; e, reconhecida que seja tal obrigação, uma segunda fase, que se destina à efetivação das demais operações de natureza essencialmente material, que visa a efetivação da prestação de contas cuja obrigação de as prestar foi reconhecida na primeira fase (art. 944º) 12.“, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça 3888/16.0T8VFR.P3.S1, de 18.06.2024, relatado pela Cons PAULA LEAL DE CARVALHO.

O objecto da acção especial de prestação de contas encontra-se definido no art.º 941º do NCPC, segundo o qual “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

Esta disposição preliminar contém duas regras autónomas: a primeira, relativa à legitimidade, diz quem tem o direito de exigir a prestação de constas e quem tem o dever de as prestar; a segunda, relativa ao objeto da ação, define-o como pré-ordenado ao apuramento e a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administre bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se, o que mostra que a prestação de constas, a par de uma fase essencialmente declarativa, tem uma outra de cariz executivo (cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Ediforum, 2017, p. 1382).

Decorre do enunciado normativo que o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade (cfr. ac. da RC de 23.11.2010 (relator Fonte Ramos) e ac. da RG de 07.11.2019 (relator Jorge Teixeira), ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Essa actividade de administrador de bens alheios é susceptível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; apuradas as receitas e as despesas, verificar-se-á qual o saldo a pagar.

Destina-se tal processo especial a alcançar, por um lado (função puramente declarativa), o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens ou interesses alheios; e, por outro lado (função condenatória), a alcançar a eventual condenação do réu no pagamento do saldo que se venha a apurar (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 192).Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 12238/20.0T8LSB-A.L1-8, de 13.10.2022, relatado pela Des CARLA MARIA DA SILVA SOUSA OLIVEIRA.

Em igual sentido, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 8731/21.5T8VNG-A.P1, de 27.11.2023, relatado pela Des FERNANDA ALMEIDA, na sua fundamentação pode-se ler: “Em primeiro lugar, não assiste razão ao recorrente quando afirma que o processo de prestação de contas não é próprio para levar à condenação da parte no pagamento de uma quantia à outra.

É exatamente o oposto: “A formulação do pedido de prestação de contas envolve, ainda que implicitamente, o pedido de condenação do obrigado no eventual saldo favorável” (anotação 1 ao art. 942.º, Abrantes Geraldes et alt., Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2021, p. 390).

No mesmo sentido, Rita Lobo Xavier (A relação especificada de bens comuns: relevância jurídica da sua apresentação no divórcio por mútuo consentimento, JULGAR - N.º 8 – 2009, p. 25, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/5221/3/464646546.pdf): “Não será de excluir que o outro ex-cônjuge, mais tarde, pretenda propor uma acção de prestação de contas, nos termos dos artigos 1014.º e ss. do CPC [atual 941.º ss.], pedindo o apuramento das receitas e despesas realizadas e a condenação no pagamento do respectivo saldo.

Também Rui Pinto, citando jurisprudência: «Se as contas apresentarem um saldo a favor do autor, a parte final do art. 941.º admite que o autor possa cumular sucessivamente um pedido condenatório. Deste modo, normalmente, “o pedido de prestação de contas, […] [envolve] necessariamente, o pedido de condenação no eventual saldo final” (RC 14.5.2013/Proc. 9-B/1991.C1)».

Desta Relação, podem ver-se, entre outros, ac. de 10.1.2022, relatado pela aqui primeira adjunta e assinado pelas ora relatoras e segunda ajunta, no Proc. 194/19.1T8VGS.P1: “ (…) este processo tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administre bens alheios e, também, a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

Ac. de 11.5.2020, Proc. 1471/17.1T8PRT-A.P1, também subscrito pelas aqui adjuntas: «Da conjugação destes preceitos [941.º, 942.º, 944.º, n.º 5 e 946.º, n.º 2, do CPC] emerge, sem margem para dúvidas, que a acção de prestação de contas não é uma acção de simples apreciação ou constitutiva.

É, isso sim, uma acção declarativa de condenação, em que se visa apurar” quem deve e o que deve “, e em que se consente, até, que o devedor possa vir a ser executado por apenso.

A prestação de contas tem em mira a definição de um quantitativo como saldo.

E isto porque o pedido de prestação de contas envolve, necessariamente, um pedido de condenação no pagamento de um saldo positivo»”.

Outros arestos em igual sentido: Acórdão, Tribunal da Relação do Porto 826/20.9T8OAZ-A.P1, de 12.07.2023, relatado pelo Des ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, “O processo de prestação de contas é uma das formas de processo especial previstas no Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 941.º, a acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. A finalidade desta acção é assim apurar e aprovar as receitas e as despesas realizadas pelo administrador de bens alheios e condenar no pagamento do respectivo saldo, se o houver.” e Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 6991/15.0T8ALM-A.L1-7, de 11.07.2024, relatado pela Des CRISTINA SILVA MAXIMIANO.

Fixada a natureza da acção de prestação de contas, a resposta à questão suscitada pelo apelante, Administrador de Insolvência substituído, terá que ser decidida em seu desfavor, e, portanto, confirmando-se o decidido pela M.ma Juíza.

Em recente aresto o Tribunal da Relação de Lisboa 662/14.1TJCBR-P.C1, de 07.09.2021, relatado pelo Des ARLINDO OLIVEIRA, na qual estava em discussão a questão aqui em debate, podemos ler:

Efectivamente, a sentença de prestação de contas não pode ser vista como de simples apreciação, visando, para além da apresentação das contas, o depósito do respectivo saldo, se existir, sob pena de inutilidade.

Conclusão que mais se reforça se se atentar que, na parte final do artigo 941.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1, do CIRE, a acção de prestação de contas, também, tem por objecto “a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

Como se refere no Código GPS, Vol. II, Almedina, 2020, a pág. 388, o fim do processo de prestação de contas “é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito”.

Daí que, como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 26 de Setembro de 2006, Processo n.º 062451, disponível no respectivo sítio do itij (e onde se cita outra jurisprudência, nesse sentido) “ninguém pede contas só para saber o saldo. Manifestamente pretende o seu pagamento, na eventualidade de se vir a apurar (…) um pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação”.

Consequentemente, como se refere na sentença recorrida, a sentença de prestação de contas que determina um saldo positivo a favor de quem promove a prestação de contas, tem de se considerar como título executivo, na modalidade de sentença judicial de condenação. (…)

Assim, consideramos que a sentença proferida no apenso de prestação de contas, constitui título executivo, uma vez que esta visa, primordialmente, a condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Efectivamente, a presente instância teve o seu início por impulso do Administrador de Insolvência BB, à data (21.12.2022), tendo como objecto a prestação de contas durante um certo e determinado período de tempo em que o Administrador de Insolvência substituído exerceu as suas funções.

Mais é evidente, dada a natureza do processo de prestação de contas, aqui incluindo o processo previsto no artigo 62.º do CIRE, pelo que bem andou a M.ma Juíza depois de julgar as contas devidamente aprovadas, receitas e despesas, concluiu por o sr Administrador de Insolvência haver de restituir à massa o saldo das despesas não aprovadas.

Como nota final, nos presentes autos não está em discussão a apreciação da conduta do sr Administrador de Insolvência substituído à luz da responsabilidade civil (extracontratual por factos ilícitos).


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto,16 de Setembro de 2025

Alberto Taveira

João Proença

Lina Castro Baptista

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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exma. Senhora Juíza.