APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
EXTINÇÃO DO PRAZO
Sumário

Sumário:
I – O pedido de nomeação, ou de substituição, de patrono, apresentado na pendência de uma acção executiva, e mesmo que esta seja de patrocínio judiciário obrigatório (artigo 58º, nº 1, do Código de Processo Civil), não é idóneo a prejudicar os efeitos do acto de notificação da penhora que o agente de execução promova directamente junto do executado (artigo 753º, nº 4, do Código de Processo Civil); salvo quanto à interrupção de prazos (artigos 24º, nº 1, nº 4 e nº 5, alínea a), 32º, nº 2, e 34º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).
II – O prazo interrompido, com a apresentação de um daqueles pedidos, inicia a sua contagem com a notificação ao patrono nomeado (e ao beneficiário do patrocínio) da sua designação.
III – Mas só é hábil a essa interrupção o prazo que ainda estiver em curso à data dessa apresentação; não podendo considerar-se interrompido, e mais tarde outra vez iniciado, aquele prazo que, a essa data, já se mostre extinto e precludido (artigo 139º, nº 3, do Código de Processo Civil).
IV – O regime jurídico da nomeação de patrono, assim desenhado na lei, não é susceptível de extravasar o perímetro constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que se contempla no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. A instância da execução.
1.1. O Banco --- SA suscitou uma acção executiva, além do mais, contra J--- (23.4.2007).
A empresa C--- Limited foi habilitada como cessionária do crédito exequendo (sentença em 21.10.2020).
O executado pediu apoio judiciário, na modalidade da nomeação de patrono.
1.2. A Ordem dos Advogados nomeou patrono ao executado, o Dr. V--- (21.6.2021).
Notificou a nomeação ao executado (documento nº 3 junto com as alegações de recurso).
E comunicou-a ao tribunal; constando assim nesta comunicação:
« Informamos que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e (…) da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, (…), o(a) Senhor(a) Advogado(a) foi notificado(a), na presente data, da nomeação efectuada »
O Dr. V--- foi notificado para termos do processo executivo (19.10.2021).
1.3. Entretanto, efectivou-se a penhora do « quinhão hereditário » do executado na herança « de A--- (…) e G--- » (…), « de 1/4 e 1/3 respectivamente » (10 e 11.10.2023).
O acto da penhora foi notificado (1) ao Dr. V--- e (2) ao executado (11.10.2023).
O executado comunicou ao juiz da execução « as dificuldades que tem tido com a Ordem dos Advogados e os próprios »; consignando assim, além do mais (4.11.2023):
« (…) havia uma carta para me entregar, (…).
Entrei em contacto (…), no intuito de saber qual a advogada que se encontrava registada no processo como defensora. (…).
De imediato, telefonicamente disse-me que existia dando-me o nº do telefone e o nome “V---”, não se sabendo ser advª ou Advº. Tentei entrar em contacto com a pessoa (…), várias vezes e dias, sem qualquer efeito.
(…)
Deste modo, prevejo que o prazo indicado na notificação (10 dias) poderá ter sido ultrapassado, sem minha culpa.
(…)
Assim sendo, caso os dias do prazo estiver esgotado; é pedido ao Meritíssimo Juiz que decida uma prorrogação do mesmo, até que se receba o que será o justo. »
O Dr. V--- foi notificado desta comunicação (despacho de 21.11.2023; e notificação em 22.11.2023).
E veio informar « que o advogado não se encontra inscrito no Instituto de acesso ao Direito e aos Tribunais » (4.12.2023).
1.4. A Ordem dos Advogados nomeou novo patrono ao executado, o Dr. R---, em substituição « do patrono anteriormente nomeado(a) Dr(a) V--- »; constando assim da notificação enviada, pela Ordem, ao novo advogado designado (em 12.1.2024), além do mais:
« Permitimo-nos, (…), chamar a atenção para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial. »
O Dr. R--- comunicou a sua nomeação à execução (12.1.2024).
A Ordem dos Advogados notificou, da nova nomeação, o executado (documento nº 4 junto com as alegações de recurso); e comunicou-a ao tribunal (tudo em 12.1.2024).
1.5. No curso da instância executiva, a agente de execução notificou (1) o Dr. R--- e (2) o executado acerca da decisão sobre a venda dos « quinhões hereditários penhorados » (em 8.3.2024).
O executado transmitiu à agente de execução (em 27.3.2024) existirem dificuldades de comunicação com o advogado Dr. R---, dando a nota de que « hoje irei pedir a nomeação de patrono » (documento nº 6 junto com as alegações de recurso).
2. A instância (declarativa) da oposição à penhora.
2.1. O executado, sob a invocação de ter sido « notificado em 11/Outubro/2023 na pessoa do à data defensor V--- que não se encontrava inscrito no sistema de acesso ao direito e os tribunais », apresentou instrumento de oposição à penhora do « quinhão hereditário que (…) tem na herança dos seus pais – A--- e G--- » (em 3.6.2024).
2.2. O senhor juiz a quo proferiu despacho a indeferir liminarmente a oposição à penhora (9.7.2024).
Considerou que a penhora visada foi notificada ao executado e ao patrono, que lhe estava nomeado desde 21.6.2021, em 11.10.2023, considerando-se concretizada a notificação no dia 16.10.2023; e que este advogado só veio a ser substituído por outro, em 12.1.2024.
E esclareceu depois:
« Dispunha, assim, o Executado, do prazo de 10 dias, sem qualquer dilação, para deduzir oposição a tal penhora (cf. artigo 785.º, n.º 1, do CPC), prazo esse que começou a contar-se no dia 17 de outubro de 2023, tendo terminado no dia 26 de outubro de 2023.
Refere o Executado, na oposição ora deduzida, que foi notificado em 11/Outubro/2023 na pessoa do, à data, Defensor V---, que não se encontrava inscrito no sistema do acesso ao direito e aos tribunais. Ora, conforme referido, o Exmo. Sr. Dr. V--- foi nomeado para patrocinar o Executado nestes autos em 21-06-2021, tendo sido substituído pelo Exmo. Sr. Dr. R--- apenas em 12-01-2024, não tendo sido comunicada a estes autos qualquer cessação daquele patrocínio. Acresce que, posteriormente à notificação para deduzir oposição à penhora, o Exmo. Sr. Dr. R--- foi notificado, na qualidade de Patrono do Executado, em 08-03-2024, para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor base da venda do quinhão hereditário penhorado (cf. notificação de 08-03-2024), nada tendo dito. Designadamente, não suscitou qualquer questão quanto à existência de qualquer irregularidade da notificação do executado para deduzir oposição à penhora.
Assim, é de concluir que, tendo a oposição à penhora sido deduzida em 03-06-2024, a mesma foi deduzida extemporaneamente, devendo, por isso, ser liminarmente indeferida, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. a), aplicável por fora do artigo 785.º, n.º 2, ambos do CPC. »
2.3. O executado inconformou-se; e recorreu (22.8.2024).
Esquematizou assim as sínteses conclusivas da sua alegação:
i. Com este recurso visa o recorrente demonstrar que a oposição à penhora apresentada no dia 03 de Junho de 2024 não é extemporânea, pois só nesta data se encontravam reunidas as condições necessárias à defesa do recorrente enquanto executado no processo principal e por consequência que a mesma seja admitida e que o tribunal a quo conheça do seu mérito.
ii. Desde o início do processo, o recorrente teve vários patronos, com sucessivas substituições e dificuldades de contacto, o que prejudicou gravemente a sua defesa.
iii. Em vários momentos do processo, o recorrente não teve um patrono que pudesse assegurar adequadamente os seus interesses, tendo inclusive perdido algumas oportunidades.
iv. No dia 21 de Novembro de 2023, o tribunal a quo proferiu despacho ordenando a notificação do patrono nomeado para, em 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento do recorrente, tendo sido feita a notificação no dia seguinte.
v. No dia 4 de Dezembro de 2023, o Dr. V--- apresentou um requerimento no qual informou o tribunal a quo que não se encontrava inscrito no instituto de acesso ao direito e aos tribunais.
vi. Em 12 de Janeiro de 2024, o Dr. V--- foi substituído pelo Dr. R---, que após alguma insistência disse ao recorrente que havia sido nomeado para o apenso E que estava extinto.
vii. O recorrente requereu a nomeação de um novo advogado e deu conhecimento disso à agente de execução.
viii. Foi nomeada a Dra. D--- que pediu substituição e informou o tribunal a quo tendo requerido a interrupção dos prazos que estivessem em curso.
ix. O recorrente pediu novamente a substituição de patrono tendo-lhe sido nomeada a actual patrona Dra. B---, tendo sido na sequência desta nomeação apresentada oposição à penhora que foi agora indeferida liminarmente pelo tribunal a quo por extemporaneidade.
x. O recorrente informou sempre a agente de execução e o tribunal a quo das dificuldades que teve com o contacto dos advogados que lhe foram sendo nomeados e pediu sempre a interrupção dos prazos.
xi. Dado o valor da execução (€ 72.148,61), que supera a alçada dos tribunais de 1.ª instância e da Relação, a representação por advogado é obrigatória, conforme estabelecido nos artigos 40º e 58º do Código de Processo Civil e 44º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
xii. O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra que todos têm o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
xiii. O nº 2 do mesmo preceito legal assegura que todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consultas jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
xiv. Nos termos do disposto nos artigos 24º, nº 4, e 34º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, os prazos no processo, nomeadamente o prazo para a oposição à penhora, deveriam ter sido interrompidos durante os períodos em que o recorrente solicitou a nomeação de novo patrono e enquanto não lhe foi assegurada a devida representação legal.
xv. A possibilidade de pedir a substituição de patrono nomeado encontra-se prevista no artigo 32º da supra-referida lei, aplicando-se com as devidas adaptações os artigos 34º e seguintes.
xvi. Segundo o artigo 34º, nº 2, ex vi artigo 32º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o pedido interrompe o prazo que estiver em curso, aplicando-se o disposto no nº 5 do artigo 24º, ou seja, no presente caso o prazo interrompido iniciar-se-ia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
xvii. Tendo em conta a interrupção dos prazos e que só agora o recorrente logrou obter os meios necessários para que a sua defesa fosse assegurada, devendo a oposição à penhora apresentada em 3 de Junho de 2024 ser admitida.
xviii. O recorrente não viu, conforme supra mencionado, a sua defesa assegurada nos presentes autos.
xix. Verifica-se assim que a decisão do tribunal a quo, ao indeferir liminarmente a oposição à penhora, viola o direito fundamental do recorrente ao acesso à justiça, consagrado no artigo 20º da CRP.
O despacho recorrido, então, deve ser revogado; e substituído por outro que, face à sua tempestividade, admita a oposição à penhora, para ser conhecida de mérito.
2.4. Não foi apresentada resposta.
2.5. Na acção executiva, a efectivação da penhora supõe a seguinte notificação ao executado (artigo 753º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Civil); o qual dispõe do prazo de 10 dias, a contar da notificação do acto, para se lhe opor (artigo 785º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.).
A questão decidenda no recurso centra-se no escrutínio deste prazo.
Beneficiando o executado da nomeação de patrono, e assumindo que o advogado nomeado não se encontrava inscrito no sistema de acesso ao direito, será que a notificação feita a este e simultaneamente ao executado é hábil na sua eficácia?
E o prazo desencadeado por esse acto tem que termo inicial?
Estas são as duas questões instrumentais e nucleares para apurar acerca da tempestividade da petição incidental de oposição à penhora, que o executado suscitou.
II – Fundamentos
1. As condições relevantes para aquele escrutínio já se deixaram expressas.
Ainda assim; e rememorando-as agora no seu de mais essencial:
i. A Ordem dos Advogados nomeou o advogado Dr. V--- patrono do executado, em 21.6.2021.
ii. O acto da penhora foi notificado àquele advogado e ao executado, no dia 11.10.2023.
iii. O executado fez saber ao juiz da execução, em 4.11.2023, ter tido como intuito « saber qual a advogada que se encontrava registada no processo como defensora » e pediu-lhe, « caso os dias do prazo estiver esgotado (…) uma prorrogação do mesmo ».
iv. O advogado Dr. V--- fez saber ao juiz de execução que « não se encontra inscrito no Instituto de acesso ao Direito e aos Tribunais », no dia 4.12.2023.
v. A Ordem dos Advogados nomeou o advogado Dr. R--- patrono do executado, em substituição da designação anterior, em 12.1.2024.
vi. Em 27.3.2024, ainda era subsistente esta outra nomeação de patrono.
vii. A petição para oposição à penhora foi entregue no dia 3.6.2024.
2. A notificação da penhora foi hábil e eficiente?
2.1. O agente de execução, a quem compete orientar a instância executiva, uma vez feita a penhora, deve notificar o executado da sua realização, advertindo-o de que pode deduzir-lhe oposição (artigo 753º, nºs 2 e 4, citado antes).
Na acção executiva, o patrocínio judiciário, por advogado, é obrigatório além do mais quando o seu valor seja superior à alçada da Relação (artigo 58º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.); com isso se significando que, nessa instância executiva, o executado não pode praticar actos (pleitear) por si, sem a participação de advogado que o represente.
Porém; apenas isso.
Se na execução (de valor superior àquele) o executado não estiver representado por advogado (e pode nunca estar), naturalmente que os actos, do agente de execução ou do próprio tribunal, de que aquele seja destinatário, ou que atinjam a sua esfera, não deixarão por isso de ser hábeis e eficientes.
Estando o executado representado por advogado, as notificações em processos pendentes são feitas na pessoa destes (artigo 247º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.).
Se o não estiver, é directamente a si que a notificação deve ser dirigida (artigo 249º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.).
No caso concreto, a notificação foi feita ao advogado, designado patrono pela Ordem dos Advogados, e ao mesmo tempo directamente ao executado.
A notificação, em qualquer dos casos, foi feita no dia 11.10.2023.
O advogado notificado remeteu-se ao silêncio.
O executado evidenciou (?) o equívoco em conhecer quem era realmente o seu patrono; situação algo inusitada porquanto fôra efectivamente e no momento próprio notificado pela Ordem da nomeação (é inequívoco a este respeito o documento nº 3 junto com a alegação).
E admite até a superação do prazo, em 4.11.2023; pedindo, se for esse o caso, a sua prorrogação por uma decisão judicial.
2.2. No dia 4.12.2023, o advogado informou que não se encontrava inscrito no sistema de acesso ao direito.
De certa forma, uma informação algo vaga, ambígua e lacunar (!).
Afinal; o Dr. V---, nomeado em Junho de 2021, nunca estivera inscrito no sistema de acesso ao direito, o que só fez saber em Dezembro de 2023?...
Ou, estando inscrito no início, deixara entretanto de o estar (desde quando [?...])?...
O quadro normativo do Regime de acesso ao direito e aos tribunais contém-se essencialmente na Lei nº 34/2004, de 29 de Julho; de onde resulta, ao que mais aqui importa, (1.º) que o apoio judiciário é extensivo ao processo principal e a todos os apensos (artigo 18º, nº 4), (2.º) que o pedido de nomeação de patrono, apresentado na pendência de acção, interrompe o prazo que estiver em curso (artigo 24º, nº 4), e que este só inicia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação (artigo 24º, nº 5, alínea a)); ainda (3.º) que a nomeação de patrono é realizada pela Ordem dos Advogados, nos termos de uma portaria regulamentar (artigo 30º, nº 1), e é pela mesma Ordem notificada ao requerente e ao patrono e, em caso de pendência de processo, para além da expressa advertência do início do prazo judicial, também ao tribunal (artigos 26º, nº 4, e 31º, nº 1); ou, por fim, (4.º) que a substituição do patrono na pendência do processo envolve também a interrupção do prazo em curso e o seu início com a notificação da designação (artigos 32º, nº 2, e 34º, nº 2), e deve ser comunicada pela Ordem ao tribunal (artigo 32º, nº 3).
A regulamentação visada contém-se na portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, que se debruça, além do mais, sobre a admissão dos profissionais forenses ao sistema de acesso ao direito e tribunais; e de onde resulta, com interesse aqui, a participação voluntária no sistema, sujeita a candidatura e selecção pela Ordem dos Advogados (p. ex.; artigo 10º); com regras próprias, e saída igualmente voluntária do sistema.
Na hipótese do caso, e volvendo ao Dr. V---.
Nomeado patrono (?), manteve-se inerte ao longo de mais de dois anos.
De certa forma, compactuando o executado, que verdadeiramente só tomou uma acção (mais) impressiva com a penhora e a sua notificação (?); e ainda assim para manifestar a dúvida sobre quem era (?) o patrono.
Gerando, só então, a informação de que o advogado estava fora do sistema (?).
2.3. Como se notou, a circunstância de o executado não ter qualquer advogado que o representasse não era susceptível de pôr em causa a habilitação e a eficiência da notificação da penhora, que a si foi (também) feita.
A dúvida será outra.
Ao estar desencadeado o procedimento da nomeação de patrono pelo executado e operando a hipótese de o advogado Dr. V--- estar excluído (?) do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, não obstante a sua efectiva designação, não será de considerar como persistente a interrupção dos prazos, de acordo com o disposto nos artigos 24º, nºs 4 e 5, alínea a), ou 34º, nº 2, da Lei nº 34/2004?
Por conseguinte, não obstante a válida notificação da penhora ao executado, ter o prazo de 10 dias, desencadeado por este acto (artigo 785º, nº 1, já citado), como não contado e interrompido?...
3. Qual o termo inicial do prazo para a oposição à penhora?
A dúvida, não inteiramente esclarecida, acerca da posição do advogado Dr. V---, no confronto com o sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em todo o período que decorre, desde a sua designação, em 21 de Junho de 2021, mas sobretudo, e ao que aqui mais importa, desde o momento em que lhe foi notificada a penhora, em 11 de Outubro de 2023, até à informação da exclusão, em 4 de Dezembro seguinte, não permite dar uma resposta inequívoca e clara acerca desse termo inicial.
O despacho recorrido refere, a este propósito, « não te[r] sido comunicada a estes autos qualquer cessação daquele patrocínio ».
E é verdade. Não obstante, se esse fosse o único assunto, carecendo então de ser melhor esclarecida essa dúvida, acerca da situação do advogado designado; para o que se imporia porventura uma nulidade de decisão por omissão de pronúncia (artigos 608º, nº 2, início, 615º, nº 1, alínea d), início, e 662º, nº 2, alínea c), segmento final, do Código de Processo Civil).
O despacho recorrido, porém, não se queda por aí.
Acrescenta que, já depois da notificação da penhora, novo patrono foi designado e este notificado, designadamente, em 8.3.2024, a pretexto da audição sobre a decisão da venda executiva; e nada disse.
Recentremos à justeza da notificação da penhora.
Na hipótese ensaiada de o advogado Dr. V--- jamais ter participado do sistema de acesso ao direito e tribunais ou, ao menos, dele estivesse excluído aquando da notificação da penhora, não era por aí que se encontrava vício algum na outra notificação feita directamente ao executado.
Já dissemos que a inexistência de advogado, para este efeito, em nada releva.
Por outro lado; hábil a notificação, e porque interrompido, nessa hipótese, não podia correr o prazo, que se mantinha então incontado (via artigos 24º, nº 4, ou 34º, nº 2, ambos antes citados).
E só iniciaria com a notificação do (outro; este, efectivamente inscrito no sistema de acesso ao direito e tribunais) advogado (artigo 25º, nº 5, alínea a)).
Ou seja; e para dissipar qualquer dúvida; a lei não impõe num caso deste tipo uma outra (nova) notificação (da penhora) ao outro patrono, nomeado em alteração do precedente. A notificação já feita, directamente ao executado, foi eficiente; e deu enquadramento bastante à disposição do artigo 753º, nºs 2 e 4, do Cód. Proc. Civ.
O curso da acção executiva, e dos seus actos típicos, não é afectado, salvo no que a lei disponha, pela pendência do procedimento administrativo tendente à concessão do apoio judiciário, mesmo na modalidade da nomeação de patrono (artigo 24º, nº 1, da Lei nº 34/2004).
O único efeito detectado é o da incontagem do prazo.
O outro patrono, o advogado Dr. R---, em substituição do Dr. V---, foi nomeado em 12 de Janeiro de 2024. A notificação, que lhe dirigiu a Ordem dos Advogados, contém a expressa advertência « para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho ».
Esta comunicação não foi posta em causa.
A Ordem notificou também o executado (documento nº 4 junto com a alegação).
E a nomeação é extensiva à execução (aonde o novo patrono fez ele próprio comunicar a designação, no mesmo dia, em 12.1.2024) e a todos os apensos; como decorre inquestionável do artigo 18º, nº 4, da Lei nº 34/2004, já também referido.
A nomeação do Dr. R--- persistia ainda no dia 27.3.2024 (documento nº 6 junto com a alegação).
A apresentação da petição incidental de oposição à penhora, em 3 de Junho de 2024, é em qualquer das hipóteses accionadas extemporânea.
É-o na hipótese de o Dr. V--- integrar (ainda) o sistema de acesso ao direito, à data da notificação da penhora, em 11.10.2023; caso em que o termo inicial do prazo é no dia 17 de Outubro de 2023.
É-o na hipótese de este advogado (já) não integrar o sistema, àquela data; caso em que o prazo fica interrompido, desde a notificação (directa) da penhora ao executado, e inicia com a notificação da outra nomeação, do Dr. R---, em 12.1.2024; posicionando-se, então, o termo inicial do prazo no dia 16 de Janeiro de 2024.
4. O direito à defesa do executado mostra-se afectado, por modo intolerável?
4.1. O executado argumenta que, em face da interrupção dos prazos, e sem patrono que pudesse apoiar, só com a petição incidental que apresentou, em 3 de Junho de 2024, conseguiu ver real e efectivamente assegurada a sua defesa.
E invoca a norma constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que se contém no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Recentremos outra vez no regime de acesso ao direito e aos tribunais.
A lei ordinária concretiza o imperativo constitucional promovendo, além do mais, a protecção jurídica, sob a veste do apoio judiciário e, neste, sob a modalidade da nomeação de patrono (artigos 2º, nº 2, 6º, nº 1, ou 16º, nº 1, alínea b), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).
Para a hipótese de nomeação, quando o apoio judiciário se suscite na pendência de uma acção judicial, promove a salvaguarda do interesse do beneficiário garantindo a interrupção dos prazos judiciais em curso, para defesa ou resguardo de qualquer direito (substancial; relevante) que importe proteger – são as já invocadas regras contidas, p. ex., nos artigos 24º, nº 4 e nº 5, alínea a), ou 34º, nº 2, da Lei nº 34/2004.
Permite-se por aqui que os prazos não corram enquanto não esclarecida a clara nomeação do patrono; por modo a viabilizar que todo o prazo tenha lugar já no quadro da sua intervenção; e facultando-lhe (na íntegra) o tempo, que a lei tem por ajustado, para desenvolver, com todas as garantias e maturação, a defesa e a protecção ao directo interessado, usuário do apoio (p. ex.; o acórdão do tribunal constitucional sobre tema conexo, com o nº 515/2020, proferido no dia 13.20.2020, e publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18.11.2020, páginas 22 a 29).
É, portanto, um regime jurídico de harmonia e de equilíbrio, capaz de adequar ao preceito constitucional que o executado, nas alegações do recurso, invoca.
Não obstante.
Como é intuitivo do texto do artigo 24º, nº 4 (também do artigo 34º, nº 2), da lei em causa, só « o prazo que estiver em curso » é passível de ser interrompido.
O prazo já corrido na sua íntegra, já esgotado, não é hábil a esse efeito.
Desde que esgotado, sendo peremptório, já fez produzir o efeito extintivo do artigo 139º, nº 3, do Cód. Proc. Civ.; que, no caso da oposição à penhora, é a consequência (fatal) fixada pelos artigos 785º, nº 2, final, e 732º, nº 1, alínea a).
Um prazo (já) extinto é inábil a poder ser interrompido.
E esta consequência, obviamente, não atinge (não fere) o injuntivo constitucional.
4.2. Na hipótese concreta, mesmo operando uma interrupção de prazo em todo tempo coberto pela nomeação do advogado Dr. V---, verifica-se que, com a notificação da designação do advogado Dr. R---, feita pela Ordem dos Advogados, (1) ao próprio, (2) ao executado e (3) ao tribunal, sempre em 12 de Janeiro de 2024, o curso do prazo teria aqui (3.º dia após; em 16 de Janeiro) (re)iniciado.
Ora, em qualquer caso, o patrocínio do Dr. R--- persistiu a seguir.
E persistia ainda em 8 de Março de 2024 (dia em que foi ouvido sobre a venda).
Mesmo assumindo o (generoso) termo inicial do prazo, para oposição, em 16 de Janeiro, como acima ensaiámos, os 10 dias do artigo 785º, nº 1, ter-se-iam esgotado no dia 26 do mesmo mês; sendo 3.º dia útil posterior (até onde ainda virtualmente possível a oposição), o dia 31 de Janeiro de 2024.
E, no indicado contexto, inviável a interrupção de prazo a jusante deste dia (!).
A prática do acto, em 3 de Junho seguinte, não pode deixar de ser extemporânea.
E, portanto, outra não podia ser senão a decisão do indeferimento.

III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar o despacho de indeferimento liminar do juiz da 1.ª instância.
As custas são encargo do apelante (executado); sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 23 de Setembro de 2025
Luís Filipe Brites Lameiras
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano