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BENS COMUNS DO CASAL
ARRESTO
CONVERSÃO DO ARRESTO EM PENHORA
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da relatora): 1 – Ao arresto aplicam-se as regras da penhora; o que fundamentalmente distingue os dois institutos é a função. Pela penhora, o bem é apreendido para ser vendido e realizado o direito do credor – trata-se de um efeito imediato. Pelo arresto obtém-se, a título preventivo e conservatório, a tutela do direito do credor, pela garantia de que no futuro aquele bem poderá ser apreendido e vendido com vista a realizar o direito do credor. Neste caso, pois, um efeito mediato. 2 – O regime de subsidiariedade da penhora face ao arresto só deve ceder quando estejam em causa as regras específicas do arresto, ou quando o fim prosseguido pela norma do regime da penhora vise acautelar o efeito imediato desta – a venda do bem. 3 - Nada obsta ao arresto de um bem comum em providência cautelar dirigida apenas contra um dos cônjuges, por dívidas próprias desse cônjuge, sendo mesmo, aliás, esta a solução que melhor acautela o interesse do credor. 4 – A citação do cônjuge meeiro poderá mesmo ocorrer sem qualquer prejuízo, na fase da execução, após a conversão do arresto em penhora determinada pelo artigo 762.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, momento processual em que convém ao dito cônjuge suspender a execução até à partilha.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
1 Nesta providência cautelar de arresto que intentaram apenas contra a requerida, invocando serem credores desta, os requerentes, ora apelantes, pediram o arresto de um imóvel cuja propriedade é bem comum do casal – da requerida e do seu cônjuge, não demandado.
2 O pedido de arresto fundou-se, em suma, na prática pela requerida de atos geradores de responsabilidade civil e na ausência de outros bens que respondam pela dívida decorrente da obrigação de indemnizar os requerentes.
3 O tribunal de primeira instância indeferiu liminarmente a providência cautelar.
4 Os apelantes inconformados com a decisão do tribunal de primeira instância que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar de arresto que interpuseram contra a apelada, interpuseram recurso.
5 Concluíram as suas alegações de recurso, em suma, da seguinte forma:
CONCLUSÕES DOS APELANTES
I. O presente recurso visa reagir contra a decisão que indeferiu liminarmente a providência cautelar de arresto requerida, com o fundamento de que o bem sobre o qual recai o arresto — imóvel comum do casal — não responde por dívida exclusiva da requerida, nos termos do artigo 1696.°, n.° 1, do Código Civil.
II. Tal entendimento enferma de erro de julgamento na aplicação das normas jurídicas pertinentes, designadamente os artigos 1696.°, n.° 1 do Código Civil, e 391.°, 601.°, 622.° e 740.° do Código de Processo Civil, ao considerar que a natureza comum do bem obsta ao arresto, ignorando a possibilidade de afetação da meação do cônjuge devedor.
III. A meação do cônjuge devedor constitui fração presumida do património comum e responde, subsidiariamente, pelas dívidas exclusivamente por si contraídas, podendo ser objeto de providência cautelar, nos termos da doutrina (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.a ed., p. 734-736; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, anot. ao art. 391.°; Ana Prata, Julgar Online, dez. 2021).
IV. A jurisprudência dominante confirma este entendimento: o Acórdão do TRP de 17.11.2017, proc. 6024/17.1T8VNG-C.P1 reconhece expressamente que “a meação do cônjuge devedor pode ser objeto de arresto, não sendo necessário que tal quota esteja previamente individualizada, bastando a presunção legal de comunhão”.
V. Também o Acórdão do STJ de 20.11.2008, proc. 08A2152, admitiu o arresto sobre a meação do devedor em bens comuns do casal, quando a dívida é de sua exclusiva responsabilidade, desde que estejam preenchidos os requisitos cautelares.
VI. O despacho recorrido incorre em erro de subsunção ao afastar a possibilidade de arresto da meação com fundamento na indivisibilidade do bem comum, contrariando os artigos 391.° e 622.° do CPC e a ratio do artigo 1696.° do Código Civil.
VII. Para além do erro substantivo, a decisão padece de nulidade processual, nos termos do artigo 195.° do CPC, por ter conhecido, liminarmente e sem contraditório, matéria jurídica controvertida, impedindo o desenvolvimento da instância cautelar e o exercício pleno do direito de defesa.
VIII. A jurisprudência do STJ entende que o indeferimento liminar só é admissível quando seja manifesto e inequívoco que a pretensão não pode proceder - Acórdão do STJ de 14.01.2021, proc. 4046/18.6T8VFX.L1.S1 - o que não se verifica no caso concreto, onde a questão da afetação da meação é objeto de interpretação plural.
IX. A omissão do contraditório, conjugada com a rigidez formal da decisão liminar, viola os princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva consagrados nos artigos 20.° e 18.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
X. A decisão recorrida, ao impedir a admissibilidade e instrução de uma providência cautelar baseada em fundamentação jurídica legítima e apoiada em jurisprudência reiterada, compromete a função instrumental do processo cautelar e o direito ao acesso à justiça.
XI. Devem, por isso, ser revogados os efeitos do indeferimento liminar, admitindo-se o procedimento de arresto requerido, nos termos legais, com prosseguimento da lide para apreciação do mérito, sob o contraditório das partes.
XII. Foram violados os artigos 1696.°, n.° 1, 601.° e 622.° do Código Civil; 391.°, 740.°, 195.°, 3.°, 5.°, 6.° e 652.° do Código de Processo Civil; e os artigos 18.°, n.° 2 e 20.° da Constituição da República Portuguesa.»
6 Recebido o recurso neste tribunal, foi proferida decisão sumária, que julgou o recurso improcedente.
7 Os apelantes requereram que sobre o objeto o recurso recaia acórdão, em conformidade com o disposto no artigo 652.º, n.3, do Código de Processo Civil, tendo fundamentado o seu pedido.
OBJETO DO RECURSO
8 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
9 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir se o tribunal de primeira instância errou ao julgar inadmissível o pedido de arresto de um bem comum para garantia de uma dívida própria da cônjuge mulher.
FUNDAMENTOS DE FACTO
10 Com interesse para a decisão importa considerar o que resulta descrito no relatório que antecede, a que acresce o seguinte facto, que o tribunal de primeira instância julgou demonstrado:
Encontra-se inscrita por ap. … de 2016/05/25, a aquisição por compra a favor de RA e MRA, casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano melhor identificado nos autos.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO Nota prévia
11 Na análise das questões objeto de recurso, todas as referências jurisprudenciais respeitam a acórdãos publicados em www.dgsi.pt, exceto quando expressamente mencionada publicação diferente. Enquadramento legal
12 O enquadramento legal relevante a considerar na análise e solução deste caso é o seguinte: Artigo 1696.º, n.º 1, do Código Civil
Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns Artigo 391.º, n.º 2, do Código de Processo Civil
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção. Artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns. Artigo 762.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
Quando os bens estejam arrestados, converte-se o arresto em penhora e faz-se no registo predial o respetivo averbamento, aplicando-se o disposto no artigo 755.
* Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Enquadramento da questão
13 O tribunal de primeira instância considerou que, nos termos da lei, o procedimento cautelar de arresto é dirigido a bens do devedore que, neste caso, o bem indicado para arresto não é um bem da requerida devedora do crédito invocado, mas sim um bem integrado na comunhão conjugal, pelo que não pode responder por dívida exclusiva da requerida, atento o preceituado no artigo 1696º, n.º 1, do Código Civil.
14 Invocando uma decisão do tribunal superior, o tribunal de primeira instância justificou que, no caso do arresto, diferentemente do caso da penhora, não pode ter lugar o instituto de separação de meações a pedido do cônjuge meeiro não executado, por o arresto ser um mero procedimento cautelar, de natureza preventiva e conservatória, que esgota os seus efeitos na indisponibilidade dos bens sobre que incide, podendo acontecer que nem tenha seguimento qualquer acção executiva.Significa, portanto, que a citação do cônjuge meeiro, para requerer a partilha, está fora do âmbito do nº 2 do artigo 391.º do CPCivil.
15 O tribunal de primeira instância não questionou que, a provarem-se os factos invocados pelos requerentes, se verificam os pressupostos necessários à decretação da providência. O que é questionado pelo tribunal de primeira instância, como vimos, é o pedido de arresto concretamente formulado: o arresto de um bem comum para garantia de uma dívida própria de um dos cônjuges.
16 E, de facto, de acordo com a alegação do requerimento inicial, a dívida, pressuposto do arresto, é uma dívida própria pela qual respondem os bens próprios da requerida e, subsidiariamente, a meação nos bens comuns – artigo 1696.º, do Código Civil.
17 Neste caso, os requerentes alegaram que o bem que indicaram – o bem comum – é o único conhecido que pode responder pela dívida.
18 O que importa analisar é se, de facto, o regime legal não permite o arresto de bens comuns nestes casos. Arresto de bem comum para garantia de dívida própria de um cônjuge
19 Com todo o respeito que temos por posição diversa, consideramos que nada obsta ao arresto de um bem comum, em providência cautelar dirigida apenas contra um dos cônjuges, por dívidas próprias desse cônjuge, sendo mesmo, aliás, esta a única solução que acautela o interesse do credor.
20 O arresto dos bens do devedor “constitui um importante meio de tutela dos direitos de crédito, atentas as potencialidades que revela no tocante à conservação da garantia patrimonial do credor” – Código de Processo Civil anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, 3ª ed. Almedina, vol. I, p. 503.
21 Pese embora se tratem de institutos diversos, ditam as semelhanças de regime, nos termos legais, que ao arresto se aplique o regime da penhora, exceto se o regime do arresto dispuser de forma diferente – artigo 391.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. As semelhanças de tratamento das duas figuras justificam ainda que o arresto seja posteriormente, e sem necessidade de mais, convertido em penhora – artigo 762.º do Código de Processo Civil.
22 O que fundamentalmente distingue os dois institutos é a função. Pela penhora, o bem é apreendido para ser vendido e realizar o direito do credor. Podemos ver aqui um efeito imediato. Pelo arresto obtém-se, a título preventivo e conservatório, a tutela do direito do credor, pela garantia de que no futuro aquele bem poderá ser apreendido e vendido com vista a realizar o direito do credor. Nas palavras do Código de Processo Civil anotado citado, p. 504, “[o] arresto de bens do devedor constitui, assim, a garantia da garantia patrimonial”. Neste caso, pois, um efeito mediato.
23 Não vemos, assim, razão para que no arresto não sejam sempre respeitadas as regras da penhora, com exceção daquelas que se prendem precisamente com o efeito imediato da penhora – a venda do bem. Pois, reiteramos, no arresto estamos ainda perante a garantia da garantia.
24 Este entendimento é igualmente válido caso devam ser arrestados bens comuns do casal, numa ação movida apenas contra um deles, se os bens próprios se revelarem insuficientes.
25 É que em execução movida contra um dos cônjuges é possível a penhora de bens comuns. Para permitir efetivar a venda, é determinada a citação subsequente do cônjuge do executado para requerer a separação de meações – – artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
26 O que nos caberá importar deste regime da penhora, para o regime do arresto, é sobretudo a possibilidade legal de penhorar bens comuns do casal, por dívidas próprias de um dos cônjuges, quando os bens próprios sejam insuficientes para o pagamento da dívida.
27 Também, admitimos, o regime subsequente de citação do cônjuge meeiro. No entanto, quanto a este, não o vemos como obrigatório nesta fase por dois motivos: porque se prende com o momento de criar as condições que permitam a venda do bem – o momento da penhora; e porque o arresto será sempre convertido em penhora (artigo 622.º, do Código de Processo Civil), ao que se poderá seguir sem dificuldade o regime do artigo 740.º, n.º 1, 2ª parte do Código de Processo Civil.
28 Nessa medida, não subscrevemos, com todo o respeito, a posição defendida no Ac. TRP de 12/07/20217, pr. n.º 159/17.8T8AVR.P1, seguida pela decisão recorrida de que “no caso do arresto não é possível fazer funcionar o mecanismo da separação de bens comuns do casal, por o arresto ser um mero procedimento cautelar”.
29 Como expusemos, nada impede que tal mecanismo ocorra. Mas não sendo obrigatório, ainda que não ocorra, nada impede que não venha a ocorrer em momento subsequente, após a conversão do arresto em penhora – artigo 762.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
30 No sentido que aqui defendemos – admissibilidade do arresto de bens comuns por dívidas próprias de um dos cônjuges - mas entendendo mesmo que o mecanismo do artigo 740.º, n.º 1 - não se aplica ao arresto, Ana Carolina dos Santos Sequeira em Do Arresto como Meio de Conservação da Garantia Patrimonial, ed. Almedina, 2020, p. 306, refere que “[o] artigo 740.º, n.º 1, do C.P.C. é, em primeiro lugar, desadequado para regular os interesses das partes em conflito, perante o caráter provisório e instrumental do arresto, a ratio da norma em questão centra-se na tutela do cônjuge do requerido, permitindo-lhe suspender a execução até à partilha, de modo a evitar que os bens comuns (parcialmente seus) sejam vendidos ou adjudicados antes da separação de bens”.
31 Concluímos assim que nada impede a aplicação do regime da penhora dos bens comuns ao regime do arresto no presente caso, posição ainda defendida no Ac. TRL, de 9/11/2023, Pr. 5531/23.1T8LRS.L1-2, que, citando Abrantes Geraldes, em Temas da reforma do PC, vol. IV, 2001, Almedina pág. 192, nota 334 diz “Se tiverem de ser arrestados bens comuns do casal, devem respeitar-se as regras prescritas para a penhora, atenta a relação de instrumentalidade. Porém, no ac. do STJ, de 06/07/2000, in CJSTJ, tomo II, pág. 141, considerou-se inadmissível o arresto de bens comuns do casal, em procedimento instaurado contra um dos cônjuges. Não encontramos justificação para este entendimento uma vez que as normas da penhora são supletivamente aplicáveis ao arresto. Por outro lado, não se vêem obstáculos a que seja citado o cônjuge do requerido para promover a separação de meações. A tutela dos interesses do credor não prescinde do arresto de bens comuns do casal.”
32 Alternativa a esta solução seria o arresto da meação, solução que nem foi equacionada nas decisões revidendas, mas que a maioria da jurisprudência e doutrina recusa, como se pode analisar na resenha feita no referido Ac. TRL, de 9/11/2023.
33 E, concordamos também que o arresto da meação não seria possível. Pois decorrendo do regime legal a conversão do arresto em penhora, teríamos a penhora da meação.
34 Ora, citando o último aresto mencionado:
“[a] penhora de bens destina-se a vendê-los na execução e o resultado da venda da meação seria que o património comum do casal passasse a ter como titular um terceiro em vez de um dos cônjuges.
(…)
Em suma: enquanto dura a comunhão conjugal, não é possível a penhora da meação; se, por dívida própria do devedor, o credor quer executar o devedor, pode indicar à penhora bens comuns, penhora a que se seguirá oficiosamente, se for o caso, a citação do cônjuge do executado pelo agente da execução.”
35 Termos em que concluímos que deve ser revogada a decisão do tribunal de primeira instância de indeferimento liminar do requerimento inicial, devendo os autos prosseguir os seus termos de acordo com a lei. Custas
36 Nos termos do artigo 527.º, do Código de Processo Civil, os requerentes deverão suportar as custas (na modalidade de custas de parte).
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o presente recurso, revogando a decisão impugnada e determinando o prosseguimento dos autos nos termos legais.
Custas pelos apelantes.
O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.
Lisboa, 23 de setembro de 2025
Rute Lopes
Luís Lameiras
Paulo Ramos de Faria