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RESOLUÇÃO CONTRATUAL
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Sumário
Sumário: da responsabilidade do relator: I. A questão de saber se a indemnização prevista no Artigo 801º, nº2, do Código Civil, abarca só o interesse contratual negativo ou se abrange também o interesse contratual positivo é controvertida na doutrina e jurisprudência. II. Atualmente, o STJ tende a considerar «em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.» III. As despesas inutilizadas («dispêndios em dinheiro feitos em vista da obtenção de determinado fim que, posteriormente, não chega a concretizar-se, desde que se possa afirmar que seu autor não o faria se tivesse previsto essa ocorrência») constituem uma rubrica subsumível ao interesse contratual negativo. IV. A autora não tem direito a indemnização das obras de reabilitação das suas instalações e da reparação de equipamentos médicos que fez porquanto, apesar do incumprimento da Ré, está habilitada a prosseguir a atividade de realização de exames médicos, persistindo a utilidade de tal investimento. Cabia à autora demonstrar a inutilidade de tal investimento, o que não logrou.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO
CSC – (...), IPSS intentou ação declarativa de condenação contra (...) – Prestação de Serviços Médicos, Lda., findando a petição inicial nestes termos:
«Termos em que, após ser legalmente citada para – querendo – contestar, deverá reconhecer-se o direito à resolução contratual efetuada pela Autora, condenando-se a Ré no pagamento àquela de 45.911,42€ (Quarenta e cinco mil, novecentos e onze euros e quarenta e dois cêntimos) de capital e 343,39€ (Trezentos e quarenta e três euros e quarenta e nove cêntimos) de juros de mora vencidos, sendo 44.783,88€ (Quarenta e quatro mil, setecentos e oitenta e três euros e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos) relativos encargos/despesas suportadas pela A. e respetiva indemnização, decorrente da resolução e reposição do estado anterior, mediante a restituição das prestações efetuadas (Cf. artigos 433º e 289º do Código Civil) e 1.127,54€ (Mil, cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de lucros cessantes (Cf. artigos 562º, 563º e 564º do Código Civil), igualmente atribuíveis à conduta inadimplente em causa, num valor global de 46.254,81€(Quarenta e seis mil, duzentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e um euros).»
A ré contestou por impugnação, concluindo pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido deduzido pela Autora.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Autora formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Autora/Recorrente peticionou o direito de resolução contratual num vínculo de “colaboração” 17 , inexistindo fundamentação para a classificação “contrato de empreitada e obrigações destes decorrentes” feita na pág.' 18.' sentença, pois não foi pedida a classificação daquele vínculo contratual, sendo a decisão nula – nesse segmento – por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito justificativos daquela classificação. Cf. art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
2. Apesar do Tribunal a quo ter sustentado que “não está preenchido qualquer pressuposto normativo que estatua uma causa de justificação para o incumprimento da ré” – vide pág.ª 21.ª da sentença – e que “à data em que foi operada a resolução, existia fundamento substantivo para tanto; gerando-se assim a relação de liquidação do contrato” – vide pág.ª 23.ª da sentença – e de assim conter fundamentação justificativa da desvinculação contratual pré-existente, em concreto, a decisão não se pronunciou (como se impunha) sobre a validade, nem sobre o reconhecimento do direito de resolução contratual pela Autora/Recorrente, questão que por não ter sido apreciada – e cuja apreciação se requer – implica a nulidade desse segmento da decisão. Cf. art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
3. Além do exposto, não foi pedida a classificação do vínculo contratual e assim o Tribunal a quo apreciou questões de que não podia tomar conhecimento (Cf. art.° 5.° do CPC), importando a nulidade da decisão – naquele segmento – por apreciação e conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento. Cf. art.° 615.°, n.º 1, al. d) do CPC.
4. Acresce que a Autora/Recorrente pediu igualmente a condenação da Ré/Recorrida no pagamento de 46.254,81€ (Quarenta e seis mil, duzentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e um euros) [44.783,88€ (Quarenta e quatro mil, setecentos e oitenta e três euros e oitenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), por encargos/despesas suportadas e respetiva indemnização, decorrente da resolução e reposição do estado anterior, mediante a restituição das prestações efetuadas (Cf. artigos 433° e 289° do Código Civil) e 1.127,54€ (Mil, cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de lucros cessantes (Cf. artigos 562°, 563° e 564° do Código Civil), igualmente atribuíveis à conduta inadimplente em causa].
5. A este propósito o Tribunal a quo sustentou que “não está preenchido qualquer pressuposto normativo que estatua uma causa de justificação para o incumprimento da ré” – vide pág.ª 21.ª da sentença – e que “à data em que foi operada a resolução, existia fundamento substantivo para tanto; gerando-se assim a relação de liquidação do contrato” – vide pág.ª 23.ª da sentença – assim, apesar de se pronunciar e de apresentar fundamentação justificativa da desvinculação contratual pré-existente, em concreto, a decisão não se pronunciou sobre a validade, nem sobre o reconhecimento do direito de resolução contratual pela Autora/Recorrente, questão tinha de apreciar, sendo nesse segmento nula. Cf. art.° 615.°, n.º 1, al. d) do CPC.
6. Sem prejuízo do exposto, a sentença absolveu a Ré/Recorrida do pedido deduzido pela Autora/Recorrente e quanto ao 1.º daqueles pedidos a fundamentação existente na decisão impõe a consequência do reconhecimento daquele direito de resolução contratual, o que tem consequências objetivas, quer quanto ao demais decidido, quer em matéria de custas (Cf. art.° 607.°, n.º 6 do CPC), pelo que a decidir-se superior e consequentemente em conformidade, aquela última não pode ser condenada em custas a esse propósito, mas sim a Ré/Recorrida.
7. Além do referido, a sentença julgou improcedente o pedido indemnizatório da Autora/Recorrida apesar de constatar a previsão do art.° 798.° do Código Civil no sentido do “devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (Cf. pág.ª 24.ª da decisão), porém considerou que “dificilmente se pode asseverar existir um prejuízo para a autora” (Cf. pág.ª 27.ª da decisão), bem como que “não se vislumbra que a boa-fé, enquanto regra de conduta e concretizada em face do caso dos autos, impusesse que a ré, no contexto da cessação do contrato, devesse repor a situação que existia nas instalações da autora”. (Cf. pág.ª 24.ª da decisão).
8. O Tribunal a quo considerou (erradamente) não provado (vide pág.ª 12.ª da sentença) por referência ao facto 4.c (vídeo gastroscópio, sua reparação e assistência. Cf. ponto iii. do art.° 18.° da P.I. e Doc. 7 ali junto) que tenha sido pago um total de €6.753,61 (seis mil, setecentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos).
9 (…)
10. Sendo as provas livremente apreciadas segundo a prudente convicção do juiz acerca de cada facto (Cf. 1ª parte do n.º 5 do art.° 607.° do CPC), a livre apreciação não abrange os factos que só possam ser provados por documentos. Cf. 2ª parte do n.º 5 do art.° 607.° do CPC.
11. Está em causa o Doc. 7 junto com a P.I. (não impugnado pela Ré/Recorrida. Cf. art.° 12.° da contestação) e a circunstância de ter ficado provado (vide segmento 2.5 do ponto c. do n.º 3 dos factos provados) que “a primeira outorgante é responsável pelos contrato de manutenção dos seus aparelhos da marca Fuji”, pelo que, sem prejuízo do exposto e atenta a gravação da prova testemunhal supra identificada e produzida em audiência de julgamento, conjugada com o teor (não impugnado) do Doc. 7 junto com a P.I., deverá agora, em sede de recurso, ser considerado provado (aditando-se o mesmo a esse respeito aos factos provados) que: A Autora/Recorrente [por referência ao facto 4.c (vídeo gastroscópio, sua reparação e assistência. Cf. ponto iii. do art.° 18.° da P.I. e Doc. 7 ali junto)] pagou um total de €6.753,61 (seis mil, setecentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos).
12. O Tribunal a quo não retirou qualquer conclusão indemnizatória da Ré/Recorrida perante a Autora/Recorrente pese embora tenha considerado provado: i. Ponto c. do n.º 3 dos factos provados – (…) ; Ponto 4 dos factos provados (…)
13. Sucede que, a resolução e a indemnização não se apresentam como condição uma da outra no momento de desvinculação contratual, o que é sustentável pelo disposto nos artigos 801.°, n.º 2 e 802.°, n.º 1 do Código Civil, quanto à admissão do direito de resolução contratual sem dependência do direito à indemnização.
14. O art.° 801.°, n.º 2 do C.C. [nos contratos sinalagmáticos – conforme aqui está em causa – atento o inadimplemento do devedor (aqui Ré/Recorrida)] faculta essa opção ao credor e findando o contrato o lesado tem de ficar colocado na situação em que estaria se o contrato não tivesse existido.
15. O real prejuízo resultante do inadimplemento definitivo deve ser reparado, abrangendo o interesse contratual positivo, quando assim se justifique – como é o caso dos autos – a tutela dos interesses de reintegração, ponderado pelo princípio da boa fé, visando a adequação à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais e uma indemnização daquela natureza abrange os lucros cessantes, pois é protegível o benefício que o lesado teria auferido não fora a existência e subsistência do contrato (dano negativo ou de confiança).
16. À luz do art.° 801.°, n.º 2 do C.C. o credor pode pedir a resolução do contrato, cuja eficácia retroativa o libera da sua obrigação de prestar ou lhe possibilita obter a sua restituição, sendo indemnizado pelos danos decorrentes da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo).
17. Essa opção da Autora/Recorrente é um legítimo direito que lhe assiste e que deveria ter sido reconhecido em 1.ª Instância, conforme peticionado, desde logo atenta a prova produzida, inclusive daquela cuja reapreciação ora se veio requerer.
18. A resolução era um direito que assistia à Autora/Recorrente, face ao seu fundamento legal e contratual (art.° 432.°, n.º 1 do CC), possuindo natureza extintiva, equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art.° 433.° do CC), com efeito retroativo (art.° 434.°, n.º 1 do CC), ficando a devedora (Ré/Recorrida) adstrita à obrigação de restituição simultânea de tudo o que houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, do valor correspondente. Cf. art.°s 289.°, n.º 1 e 290.° do CC.
19. Os arts.° 433.°, 289.° e 290.° do C.C., revelam bem a intenção do legislador, por resolução contratual e ainda que o credor que opte pela resolução não possa, em princípio, exigir uma indemnização correspondente ao interesse no cumprimento, por incompatibilidade com os arts. 432.° e ss do CC, importa ainda assim proteger o equilíbrio nas relações contratuais, com a produção dos seus efeitos necessários, tutelando os interesses em causa onde, nomeadamente através da indemnização pelo interesse contratual negativo, a qual abrange, além dos danos emergentes, os lucros cessantes.
20. São aplicáveis ao caso concreto os art.°s 562.° e ss. do CC e em especial do art.° 564.° daquele diploma, pois o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão pelo que, a indemnização compreende, além dos danos emergentes (todas as despesas incorridas pela Autora/Recorrente, não fora o vínculo celebrado com a Ré/Recorrida) os lucros cessantes.
21. O credor (Autora/Recorrente) que resolva o contrato, atento o incumprimento definitivo da contraparte (Ré/Recorrida), pode exigir, cumulativamente, uma indemnização correspondente ao interesse contratual negativo, abrangendo os danos emergentes e os lucros cessantes e a este último propósito, o Tribunal a quo deu como provado o teor do ponto 3.2. da cláusula 3.ª do contrato celebrado em 18.07.2019 (vide ponto d. dos factos provados).
Estava ali em causa a legítima expectativa da Autora/Recorrente, gorada por força do incumprimento contratual da Ré/Recorrida e está justificada a exigibilidade dos lucros cessantes (Cf. artigos 562°, 563° e 564° do Código Civil), igualmente atribuíveis à conduta inadimplente em causa, pese embora (por força da distribuição de dividendos estabelecida) se imputem em 20% daquele montante mínimo expectável, a saber, no global de 1.127,54€ (Mil, cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos). Cf. Cláusula 3ª (3.2) do contrato celebrado em 18 de Julho de 2019.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado integralmente procedente e em consequência, devem ser reconhecidas as nulidades da sentença supra identificadas, deve também ser reapreciada a matéria de facto nos termos anteriormente concretizados e, a final, deve igualmente condenar-se a Ré/Recorrida em todo o pedido formulado na petição inicial, atentos os factos dados como provados na sentença, cuja consequência jurídica assim se impõe, face ao direito indicado, assim sendo feita Justiça.»
*
Contra-alegou a apelada, formulando as seguintes conclusões:
I. (…)
II. Quanto à alegação de nulidade da sentença por errónea classificação do contrato como "contrato de empreitada", a Ré defende que a qualificação jurídica do contrato pelo tribunal insere-se nos seus poderes de interpretação e aplicação do direito, não constituindo uma nulidade.
III. No que respeita à alegada nulidade por omissão de pronúncia sobre o reconhecimento do direito de resolução, a Ré argumenta que, embora não explícito, a fundamentação da sentença valida a resolução efetuada pela Autora devido ao incumprimento da Ré.
IV. Relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto sobre o pagamento de €6.753,61, a Ré sustenta a decisão do Tribunal a quo, referindo a inconsistência com a petição inicial da Autora e que a defesa da Ré sempre negou a exigibilidade desse valor.
V. No tocante ao pedido de indemnização por interesse contratual negativo (danos emergentes e lucros cessantes), a Ré mantém a posição de que não existe obrigação de indemnizar a Autora pelas obras realizadas, pois foram efetuadas pela Autora nas suas instalações e visavam a sua própria atividade, sem previsão contratual de reposição. Adicionalmente, a Ré considera que não foi demonstrado de forma inequívoca o direito a lucros cessantes, dada a falta de prova concreta e a própria decisão da Autora de manter as instalações encerradas.
VI. A Ré reitera que a sua defesa alegou que a Autora também não cumpriu integralmente as suas obrigações contratuais, nomeadamente no que concerne às condições das instalações e à disponibilização de pessoal administrativo adequado, questionando a exclusiva responsabilidade da Ré pelo não início da atividade. A Ré detalha as obrigações contratuais da Autora relativamente às instalações e recursos humanos administrativos. Refere ainda os aspetos que o seu representante considerava pendentes ou insuficientes para iniciar os exames na Clínica, conforme mencionado no doc. 2 da contestação.
VII. Em suma, a Ré conclui que a Autora não apresentou argumentos jurídicos sólidos para as nulidades apontadas à sentença, nem prova robusta contra a apreciação da matéria de facto, e tampouco demonstra clara e inequivocamente o direito à indemnização pelos danos invocados.
VIII. Por seu turno vários elogios podem ser feitos sentença do Tribunal a quo, evidenciando a sua qualidade como documento judicial que, por isso, se deverá manter nos seus precisos termos:
IX. Clara Delimitação das Questões a Decidir: (…)
X. Fundamentação de Facto Detalhada e Objetiva: (…)
XI. Análise Crítica da Prova: (…)
XII. Fundamentação de Direito Abrangente e Bem Argumentada: (…)
XIII. Discussão da Boa-Fé e dos Deveres de Proteção: (…)
XIV. Justificação Detalhada para a Improcedência do Pedido de Indemnização: (…)
XV. Decisão Clara e Concisa: (…)
XVI. Em suma, a Sentença demonstra ser um documento judicial bem elaborado, caracterizado pela sua estrutura organizada, fundamentação detalhada tanto dos factos como do direito, análise crítica da prova e clareza na exposição dos argumentos e da decisão. A sentença evidencia um rigor jurídico e uma preocupação em explicitar o raciocínio que levou o tribunal a julgar a ação improcedente.
XVII. Contudo, a perfeição não existe.
XVIII. Com efeito, a sentença do Tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto ao não dar como provado que a unidade de exames não abriu por responsabilidade da Recorrente, que não substituiu a Enfermeira-Chefe depois de esta se ter demitido nem adquiriu todo o material necessário.
XIX. Oiça-se o depoimento prestado pela Sr.ª Enfermeira MM (…) e o depoimento de MJ (…).
XX. Além disso, o Tribunal a quo também erro ao não dar como provado que os danos invocados pela Recorrente, sob a forma de lucros cessantes, são da responsabilidade da própria Recorrente por ter decidido manter fechada por vários anos a unidade de exames sem que existisse qualquer obstáculo à sua abertura.
XXI. Sobre este ponto oiça-se o depoimento de AS (…) e o depoimento de MJ (…) .
XXII. Importa, pois, proceder à correção da decisão sobre a matéria de facto por forma a que do seu elenco conste que “a abertura da unidade de exames ficou dependente da indicação, por parte da Recorrente, da identidade da Enfermeira que iria substituir a Enfermeira-Chefe e receber formação da Recorrida e ainda da aquisição de uma maca”, e que “a Unidade de exames se manteve encerrada mais de dois anos após a rescisão unilateral do contrato, por decisão da Recorrente”.
XXIII. Decidindo assim fará este Tribunal a acostumada Justiça! QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4, e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da sentença (conclusões 1 a 5 );
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões 8 a 11);
iii. Direito da autora a indemnização pelo incumprimento da ré (conclusões 12 a final);
iv. Ampliação do objeto do recurso (conclusões 18 a 22 das contra-alegações).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A autora é uma instituição particular de solidariedade social, que assegura as necessidades assistenciais dos seus associados e demais utentes através da prestação direta de cuidados de saúde e apoio na terceira idade, materializando os seus objetivos através da Clínica de (...);
2. A ré é uma empresa especializada na realização de exames endoscópicos de gastrenterologia, que se dedica à exploração de centros de realização de exames da referida especialidade clínica;
3. Em 18-07-2019, autora, na qualidade de primeira outorgante, e ré, segunda outorgante, celebraram um negócio denominado «contrato de colaboração», com o seguinte teor:
a. «Considerando que: c) A segunda outorgante deseja colaborar com a primeira outorgante nas instalações desta, como responsável pela exploração do serviço de gastrenterologia»; b. «1. Objeto: A segunda outorgante será responsável pela exploração do serviço de endoscopia gastrenterológica, realizando os exames desta especialidade clínica que se mostrem necessários à deteção de patrologias dos seus utentes, mediante prévia solicitação médica, e segundo as regras e procedimentos inerentes a essa prática médica»; c. «2. Material: 2.1. Para o legal e bom funcionamento dos exames clínicos acima indicados, é necessária a realização de obras de reabilitação no espaço que foi determinado, que serão da responsabilidade da primeira outorgante, com o parecer da segunda outorgante; 2.2. O material existente no serviço de endoscopia gastrenterológica, da primeira outorgante, anexo ao presente contrato, será utilizado pela segunda outorgante nos exames a realizar; 2.3. Todo o material novo, que se mostre necessário, será adquirido pela segunda outorgante; 2.4. O armazenamento do material disponível, como compressa, adesivo, soros, propofol, adrenalina, etc., adquiridos pela segunda outorgante, é da responsabilidade da primeira outorgante; 2.5. A primeira outorgante é responsável pelos contratos de manutenção dos seus aparelhos da marca FUJI; 2.6. A primeira outorgante dispõe de um computador e impressora no serviço de gastrenterologia, que será utilizado pela segunda outorgante; 2.7. Compete à segunda outorgante adquirir, controlar e guardar o software da gastrenterologia para a realização dos exames de endoscopia; 2.8. A primeira outorgante fornecerá o papel de impressão e envelopes, onde deverá constar também o logótipo da (...)»; d. «3. Pagamentos: 3.1. A primeira outorgante celebrou contratos e convenções com várias entidades, no sentido de facultar a realização de exames de gastrenterologia e respetivos procedimentos aos utentes em causa, pelo que, para a sua execução, cobrará a esses utentes os valores que constam de tabelas aprovadas, quer para associados, quer para convencionados ou para utentes particulares; 3.2. Da faturação total, mensal, a primeira outorgante retém 20%, pagando à segunda outorgante 80%; 3.3. O primeiro pagamento terá lugar três meses após o início da atividade, considerando ser o tempo médio do pagamento das entidades com quem celebrou os acordos, passando a efetuar-se mensalmente após essa data»; e. «4. Recursos Humanos: 4.1. A segunda outorgante nomeará o responsável clínico dos serviços de gastrenterologia, sendo também responsável por médicos, anestesistas e enfermeiros/as desse serviço; 4.2. A primeira outorgante disponibilizará à segunda outorgante os recursos humanos administrativos, de receção e acompanhamento de utentes, tendo os últimos formação e controlo da segunda outorgante»; f. «6. Local da Prestação de Serviços: 6.1. Os serviços serão sempre prestados nas instalações da primeira outorgante, em sala adaptada a esse efeito»; g. «7. Obrigações: 7.1. São obrigações da segunda outorgante, para além do dever de confidencialidade abaixo referido: a) garantir uma prestação exemplar dos serviços contratados, com zelo, diligência e profissionalismo, nos termos e condições acordados e em obediência às normas deontológicas e técnicas da atividade clínica de gastrenterologia, segundo as “boas regras da arte”, com elevados níveis de qualidade e de satisfação dos utentes e da primeira outorgante; b) manter válida, comunicando-a à primeira outorgante, uma apólice de seguro que garanta a responsabilidade civil profissional de todos e cada um dos elementos médicos, anestesistas e enfermeiros que empregue, ou que lhe prestem diretamente serviços e que venham a operar nas instalações da primeira outorgante. 7.2. São obrigações da primeira outorgante: a) garantir a disponibilidade e utilização do serviço de gastrenterologia onde se realizam os exames clínicos; b) assegurar que a segunda outorgante dispõe das condições físicas, materiais e humanas necessárias à prestação dos seus serviços»; h. «9. Cumprimento e incumprimento: 9.1. As partes obrigam-se a cumprir na íntegra as obrigações emergentes do presente contrato de colaboração; 9.2. O incumprimento de qualquer das obrigações assumidas neste contrato confere à contraente não faltosa o direito de o resolver de forma imediata e tempestiva; 9.3. Caso o contrato seja resolvido pela primeira outorgante com fundamento no número anterior, a segunda outorgante apenas tem direito a receber da primeira as quantias referidas neste contrato, vencidas e não pagas, devendo retirar de imediato os seus equipamentos»; i. «10. Início, duração e rescisão do contrato: 10.1. O presente contrato de colaboração tem a duração de 5 (cinco) anos, com início a 01 de Outubro de 2019 e termo final a 30 de Setembro de 2024, podendo ser sucessivamente renovável por iguais períodos, se as partes outorgarem previamente no sentido dessa renovação; 10.2. Qualquer uma das partes pode denunciar o presente acordo, a todo o tempo, desde que o faça por escrito e com uma antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias sobre a data de produção dos efeitos, sem que tal denúncia confira direito a indemnização; 10.3. A caducidade, denúncia ou resolução do contrato não extingue as obrigações assumidas pelas outorgantes, nomeadamente as relativas à matéria de confidencialidade e proteção de dados (...)»;
4. A autora realizou as seguintes obras de reabilitação dentro das suas instalações, com as quais suportou os custos que se enunciam:
a. €492,00 (quatrocentos e noventa e dois euros), relativos a serviços de fornecimento e instalação de monofolha relatório gases (MOD135), 1.500 exemplares (arte final e impressão) e autocolante porta bloco operatório (com colocação);
b. €252,48 (duzentos e cinquenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), relativos a teste de fugas LT-7F correspondente aos Endoscópios Série 530;
c. €2.141,12 (dois mil cento e quarenta e um euros e doze cêntimos), relativos à reparação de vídeo gastroscópio EG-530FP (série número 5G74A184), no valor de €161,19 (cento e sessenta e um euros e dezanove cêntimos) e à reparação de vídeo gastroscópio EG-530FI (série número 4C653A034), no valor de €442,42 (quatrocentos e quarenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos), e €1.537,51 (mil quinhentos e trinta e sete euros e cinquenta e um cêntimos) respeitantes a contrato de assistência técnica para os vídeo gastroscópio EG-530FP (série número 5G74A184) e EG-530FI (série número 4C653A034);
d. €3.526,57 (três mil, quinhentos e vinte e seis euros e cinquenta e sete cêntimos), relativos à intervenção nas zonas de esterilização e gastro, mediante: a) Intervenção no gabinete de esterilização para aplicação de máquinas de lavagens, mediante abertura de roços, fornecimento e aplicação de tubagem e acessórios em PVCDN50, fornecimento e aplicação de tubo flexível DN50 para ligação ao equipamento, ligação da tubagem ao esgoto existente; b) Fecho de roços, incluindo a regularização para posterior aplicação de massas de acabamento; c) Fornecimento e aplicação de massas finas de acabamento, incluindo todos os meios necessários à sua aplicação; d) Execução de lixagem de parede, em zona intervencionada, efetuando a sua preparação para pintura, incluindo todos os meios necessários; e) Execução de pintura de parede, em zona intervencionada, com tinta acetinada, lavável, incluindo todos os meios necessários, assim como proteção de zonas envolventes com plásticos e demais isolamentos necessários, de modo a não danificar quaisquer equipamentos existentes neste local; f) Fornecimento e aplicação de tomada elétrica, assim como aumento do circuito que alimentará esta tomada, incluindo revisão da instalação elétrica de forma a garantir o seu correto funcionamento; g) Execução de limpezas finais em todos os espaços intervencionados, por forma a que a sala de esterilização entre em funcionamento imediato; h) Colocação de dispensadores de toalhas, papel higiénico e sabonete líquido;
e. €28.605,75 (vinte e oito mil, seiscentos e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), relativos a trabalhos efetuados no mês de Agosto de 2019, com: a) Fornecimento e aplicação de teto falso constituído por placas de gesso cartonado 60x60 cm, estrutura de perfis teto metálicos, com placagem simples, incluindo barramento de juntas bem como todos os trabalhos necessários para a execução da atividade; b) Fornecimento e aplicação de massas de acabamento para reparação e regularização de paredes interiores; c) Execução de pintura, aplicada sobre parede interiores previamente regularizadas, incluindo a sua preparação através de lixagem, de acordo com esquema do fabricante, nas demãos necessárias por forma a garantir o seu perfeito acabamento; d) Reparação de aduelas de portas interiores, através da aplicação de betumes próprios para o efeito, e lixagem de preparação de portas e aros para posterior aplicação de verniz (3 portas + 4 aros); e) Fornecimento e aplicação de verniz em portas e aros previamente preparados; f) Acompanhamento técnico da Air Liquide durante a substituição de tomadas de parede; g) Adaptação da cablagem elétrica do gabinete; h) Fornecimento e aplicação de 4 luminárias quadradas no teto do gabinete; i) Fornecimento e aplicação de 3 luminárias redondas no teto da instalação sanitária, hall de entrada e sala de apoio; j) Fornecimento e aplicação de ventax em instalação sanitária; k) Fornecimento e aplicação de tomadas externas e de calhas técnicas com tomadas; l) Fornecimento e aplicação de 2 armaduras de emergência; m) Fornecimento e aplicação de pavimento vinílico, incluindo rodapé concavo em meia cana, bem como todos os trabalhos necessários ao acabamento da atividade; n) Fornecimento e substituição de tampo de sanita em instalação sanitária; o) Fornecimento e aplicação de prateleiras em fenólico, incluindo suportes metálicos para paredes em gesso cartonado; p) Fornecimento e aplicação de tubos flexíveis e caixas de derivação para posterior aplicação de cablagem elétrica para mecanismo de entrada/abertura, incluindo abertura e fecho de roços com massas de acabamento apropriadas, para avanço no corredor de portas em vidro; q) Fornecimento e aplicação de porta e bandeira superior em vidro temperado fosco, incluindo remoção da estrutura e vidros existentes, bem como recolocação em nova zona do corredor; r) Fornecimento e aplicação de tubo metálico quadrado para suporte de novas portas em vidro, incluindo abertura e fecho de roços, com massas próprias para o efeito, para a respetiva fixação do tubo de suporte; s) Remate no pavimento, com aplicação de madeira, em zonas onde se encontravam as molas de pavimento das antigas portas de vidro; t) Execução de pintura, aplicada sobre zona circundante das portas de vidro, nas demãos necessárias por forma a garantir o seu perfeito acabamento; u) Execução de pintura, aplicada sobre zona circundante das portas de vidro, nas demãos necessárias por forma a garantir o seu perfeito acabamento; v) Fornecimento e substituição de mecanismo de controlo de acessos, incluindo: vídeo porteiro, monitor extra, botão pressão, alteração do código de porta no Bloco Operatório;
f. €3.816,22 (Três mil, oitocentos e dezasseis euros e vinte e dois cêntimos), relativos a trabalhos efetuados no mês de Julho de 2019, com: a) Reestruturação do gabinete de Gastro: remoção e transporte de equipamentos existentes para outro local; b) Remoção e transporte, para vazadouro autorizado, de equipamento antigo de ar condicionado; c) Demolição de paredes e tetos de pladur (Gesso cartonado e montantes metálicos); d) Desmonte de compartimento em caixilharia de alumínio e vidro; e) Desativação de tubagens de infraestruturas existentes;
g. €1.166,40 (mil, cento e sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), pagos e relativos a trabalhos efetuados no mês de Setembro de 2019, com: a) Fornecimento e substituição de trinco elétrico da porta de vidro controlada pelo controlo de acessos; b) Fornecimento e aplicação da calha técnica em zona de rodapé; c) Fornecimento e aplicação de espelho para WC;
5. A ré não iniciou a prestação de serviços em 01-10-2019, nem nos sessenta dias subsequentes;
6. Atento o exposto, por missiva datada de 06-12-2019, a autora comunicou à ré a resolução do contrato, com esse fundamento;
7. Mais solicitando o pagamento do valor de €45.911,42 a título de danos emergentes e lucros cessantes, no prazo de 10 dias;
8. A ré recebeu aquela missiva em 12-12-2019. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Nulidades da sentença
A apelante argui que a sentença impugnada é nula porquanto na p. 18 é mencionada a classificação “contrato de empreitada e obrigações deste decorrentes”, não tendo sido pedida essa classificação (cf. Art. 615º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil ).
No despacho em que foi admitido o recurso, a Mma Juíza a quo retificou erro material da sentença, corrigindo esse segmento para «da celebração, entre as partes, de um contrato e obrigações deste decorrentes». Assim sendo, a questão suscitada encontra-se ultrapassada.
Em segundo lugar, a apelante sustenta que a sentença é nula por omissão de pronúncia porquanto não se pronunciou sobre a validade nem sobre o reconhecimento do direito de resolução contratual peticionados pela autora/recorrente.
No despacho de admissão de recurso , a este propósito foi dito que «É manifesto que a autora não deduz dois pedidos, nem na letra (não autonomizando o reconhecimento da resolução do pedido de condenação no pagamento de uma quantia, antes o invocando como seu pressuposto), nem na intenção que lhe subjaz (o reconhecimento da resolução, desligado da condenação do pagamento, não representa nenhum efeito útil para a autora; que, aliás, faz coincidir o valor da ação com o do pagamento cuja condenação peticiona, não lhe somando qualquer outro pelo reconhecimento da resolução). A resolução do contrato é, antes, um pressuposto normativo (argumento) do pedido concretamente deduzido.»
A análise feita pelo tribunal a quo está inteiramente correta. Com efeito, nos termos em que finda a petição, o reconhecimento do direito de resolução do contrato surge como um pressuposto do pedido de indemnização formulado e não como um pedido autónomo a acrescer ao de indemnização. A situação é, em tudo, similar ao que se passa na dedução do pedido numa vulgar ação de reivindicação.
Mesmo que assim não fosse, certo é que o tribunal a quo acabou por reconhecer, implicitamente, o direito de resolução da autora como ressalta do seguinte segmento: «Assim sendo, à data em que foi operada a resolução, existia fundamento substantivo para tanto; gerando-se assim a «relação de liquidação» do contrato (…)».
Em terceiro lugar, a apelante sustenta que a sentença é nula, por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento, porquanto não foi pedido a classificação do vínculo contratual. Esta argumentação é despropositada porquanto revela desconhecimento da regra do Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil (“iura novit curia”).
Improcede a arguição de nulidades.
Quanto à questão suscitada na conclusão 6 quanto a custas, improcede a argumentação da apelante. O alegado pedido de resolução , mesmo que tivesse sido autonomizado (não sendo esse o caso), estaria em cumulação aparente com o pedido de indemnização, sendo este o determinante da utilidade económica (cf. Artigo 297º, nº2, do Código de Processo Civil ; Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, p. 437). Impugnação da decisão da matéria de facto
A apelante pretende que o facto não provado 4 c seja revertido como facto provado com a seguinte redação: A Autora/Recorrente (por referência ao facto 4.c (vídeo gastroscópio, sua reparação e assistência) pagou um total de €6.753,61 (seis mil, setecentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos).
O tribunal a quo fundamentou essa resposta de não provado nestes termos:
«Quanto ao facto a), o mesmo é contrariado pela própria versão plasmada pela autora na petição inicial, não podendo asseverar-se existir um custo atual aí onde está em causa um valor ainda inexigível (v.g. elenco de factos conclusivos, «de um total exigível de 6.150,00€ (Seis mil cento e cinquenta euros) e a pagar»).»
Apreciando.
No artigo 18º da petição, alegou a autora:
Com as referidas obras de reabilitação no espaço para o efeito determinado (e conforme o referido contrato), a A. suportou os seguintes custos:
(…)
iii. 6.753,61€ (Seis mil setecentos e cinquenta e três euros e sessenta e um cêntimos), devidos e relativos à reparação de vídeo gastroscópio EG-530FP (série número 5G74A184), no valor de 161,19€ (cento e sessenta e um euros e dezanove cêntimos) e à reparação de vídeo gastroscópio EG-530FI (série número 4C653A034), no valor de 442,42€ (quatrocentos e quarenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos), e Contrato de Assistência Técnica para os vídeo gastroscópio EG-530FP (série número 5G74A184) e EG-530FI (série número 4C653A034), dos quais 1.537,51€ (mil quinhentos e trinta e sete euros e cinquenta e um cêntimos) já foram pagos, de um total exigível de 6.150,00€ (Seis mil cento e cinquenta euros) e a pagar. Cf. Doc. 7 ora junto.»
Na contestação, tal factualidade foi assim impugnada: “desconhecendo-se o teor do alegado no artigo 18º e a autenticidade dos documentos nele referidos” (art. 18º).
A autora sustenta a pretensão essencialmente no depoimento prestado pela testemunha MJ, conjugado com os documentos da petição, nomeadamente o documento nº 7.
A referida testemunha esteve na Administração da autora entre julho de 2010 e dezembro de 2021, tendo também as funções de chefe de serviços com responsabilidade na manutenção da clínica. Prestou depoimento durante 32 minutos. Quanto a esta matéria específica, declarou que a clínica pediu uma verificação técnica dos equipamento à Fuji Film para que o equipamento estivesse com segurança e qualidade quando recomeçasse a atividade (17´). Afirmou isto aquando do confronto com as faturas que constituem doc. 5 e seguintes da petição.
Ora, desde logo, a própria alegação feita na petição inicial peca por ser dúbia e pouco precisa, ficando sem se saber se o contrato de assistência técnica invocado já existia ou se foi celebrado nessa altura, em função do contrato dos autos. Ademais, não foi junto tal contrato assinado e com a discriminação dos preços contratuais de modo que a dúvida não é resolúvel.
Em segundo lugar, o depoimento prestado pela testemunha MJ é muito genérico, não tendo a testemunha intervenção pessoal no acompanhamento dessa manutenção ou mesmo no seu pagamento.
Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto. iii. Direito da autora a indemnização pelo incumprimento da ré
O tribunal a quo julgou a ação improcedente essencialmente com base nesta argumentação:
«Retomando a análise do caso dos autos, pergunta-se se, no contexto da resolução do contrato celebrado entre as partes, impende sobre a ré o dever de repor as instalações da autora no estado em que se encontravam antes do início da relação contratual (e de, não o fazendo, pagar o respetivo valor).
Antecipando a conclusão, de forma a facilitar a exposição que se faz infra, afigura-se-nos que não. Com efeito, compulsado o contrato, verifica-se que:
(i) As referidas obras são realizadas nas instalações da autora, por esta (integrando-se, assim, no exercício de um direito de transformar coisa sua, cf. art. 1305.º do Código Civil);
(ii) Sendo a obrigação da ré tão-somente a de prestar serviços, utilizando para o efeito as instalações que permanecem na esfera de disponibilidade da autora (cf. considerando c) e cláusulas 1. e 6.);
(iii)Assumindo ambas as partes que as obras são realizadas «para o legal e bom funcionamento dos exames clínicos» (ou seja, motivando-as objetivamente, com o propósito de salvaguardar a legalidade e exequibilidade da realização de exames que se integram no objeto de atividade da autora, e não por um capricho da ré);
Nos casos aí especialmente previstos que implicam a cessação da produção de efeitos contratuais não se mostra consagrado qualquer dever de reposição do estado das instalações da autora prévio ao contrato:
a. Veja-se a possibilidade de denunciar o contrato a todo o tempo, com uma antecedência de 120 dias (cláusula 10.2.), caso em que não se prevê qualquer indemnização pela realização daquela obra;
b. Acrescendo a não previsão de qualquer dever de reposição também nos casos de resolução do contrato (cf. cláusula 9).
Finalmente, é a própria autora que, na versão alvitrada na petição inicial (e que foi plasmada na fundamentação de facto), assume que se tratam de obras de reabilitação ou seja, como decorre do seu significado em termos de linguagem natural, que se destinam a reparar ou recuperar uma coisa que se tornou obsoleta.
Neste contexto, não se vislumbra que a boa-fé, enquanto regra de conduta e concretizada em face do caso dos autos, impusesse que a ré, no contexto da cessação do contrato, devesse repor a situação que existia nas instalações da autora. Pelo contrário, afirmar um tal dever implicaria, na prática, a obtenção de um enriquecimento indevido da autora (lesivo do património da ré), por beneficiar de obras de reabilitação e, bem assim, do montante que com estas despendeu.
Finalmente, sempre se diga que, para além de não se vislumbrar qualquer ilicitude, também dificilmente se pode asseverar existir um prejuízo para a autora; com efeito, as obras realizadas, como já referido, beneficiaram as suas instalações e foram realizadas com um propósito que extravasa a vontade da ré, mas se prende com motivações que são comuns à autora, na prossecução dos seus fins sociais (inexistindo, assim, qualquer lesão de interesse juridicamente protegido, subsumível ao conceito de dano patrimonial).
Assim, por não terem sido demonstrados outros danos e, bem assim, não se poder sustentar qualquer dever de indemnizar quanto às obras realizadas (cf. art. 798.º do Código Civil), improcede integralmente a pretensão da autora.»
A Autora/apelante insurge-se contra o assim decidido, centrando a sua argumentação no seguinte:
§ Decorre do Artigo 801º, nº2, do Código Civil que, findando o contrato por resolução, o lesado tem de ficar colocado na situação em que estaria se o contrato não tivesse existido;
§ O real prejuízo resultante do inadimplemento definitivo deve ser reparado, abrangendo o interesse contratual positivo quando se justifique, o que acontece no caso em apreço;
§ À luz do Artigo 801º, nº2, do Código Civil, o credor pode ser indemnizado pelos danos decorrentes da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo), sendo que este abrange os danos emergentes (todas as despesas incorridas pela autora, não fora o vínculo celebrado com a ré) e os lucros cessantes (imputados em 20% do montante expectável, no global de € 1.127,54).
Apreciando.
Nos termos do Artigo 801º, nº2, do Código Civil, «Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.»
A definição do conteúdo dessa indemnização tem sido objeto de amplo debate na doutrina e jurisprudência nacionais, discutindo-se se a indemnização sobre os danos negativos ou os danos positivos da impossibilidade de cumprimento.
«A indemnização dos danos positivos [interesse contratual positivo] visa (…) colocar o lesado na situação em que ele se encontraria se a obrigação tivesse sido cumprida, enquanto a indemnização dos danos negativos [interesse contratual negativo] tem como objetivo colocá-lo na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o negócio inválido ou ineficaz ou se não tivesse iniciado negociações que se romperam» - Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª ed, p. 367.
No que tange ao estado da polémica a nível doutrinal, acompanhamos a síntese de Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 13ª ed, pp. 266-267:
«De acordo com a posição da doutrina nacional, onde se incluíram os nomes de Galvão Telles, Antunes Varela, Almeida Costa, Carlos Mota Pinto, Pessoa Jorge, Brandão Proença e Calvão da Silva, a função do art. 801º, nº2 é, perante o incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, proporcionar à outra parte uma opção entre duas alternativas:
- exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivos), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação;
- obter a resolução do contrato, cuja eficácia retroativa lhe permite liberar-se da sua obrigação, pedindo eventualmente a restituição da sua prestação já realizada, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limite aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo).
O argumento a favor desta solução reside em que, destruído retroativamente o contrato, não faria sentido em termos lógicos que a indemnização pudesse continuar a abranger os danos resultantes da não realização da prestação, sendo que por outro lado os arts. 898º e 908º do Código Civil estabelecem , no âmbito do cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, uma clara distinção entre a indemnização referida ao interesse contratual positivo e a indemnização referida ao interesse contratual negativo.
Contra esta posição, colocaram-se, porém, sucessivamente, Vaz Serra, Baptista Machado, Ana Prata, Ribeiro de Faria, Romano Martinez, Paulo Mota Pinto e Menezes Cordeiro. A posição destes autores assenta na ideia de que, se a resolução do contrato libera o seu autor do dever de efetuar a contraprestação, não pode, porém, prejudica-lo em termos de indemnização, pelo que ela deve continuar a abranger o interesse contratual positivo. Por essa razão, estes autores acabam por contestar o carácter retroativo da resolução por incumprimento que é, no fundo, o argumento fundamental da tese que limita a indemnização ao interesse contratual negativo.»
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, encontramos arestos que pugnam, em caso de resolução, apenas pela indemnização do interesse contratual negativo, nomeadamente: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2007, Pereira da Silva, 07B746, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.9.2009, João Bernardo, 08B4052, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, Álvaro Rodrigues, 1807/08, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2012, Azevedo Ramos, 343/04 ; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.1.2013, Bettencourt de Faria, 485/06.
Todavia, tal jurisprudência tem vindo a ser afastada recentemente, relevando-se a atendibilidade do ressarcimento pelos danos positivos em caso de resolução do contrato.
Assim:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.3.2013, Alves Velho, 1097/09 :
Apesar disso, o efetivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deverá também ser reparado, contemplando o interesse contratual positivo, quando o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, à luz da ponderação do princípio da boa fé e na medida do adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.2.2018, Tomé Gomes, 7461/11:
II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.
III. No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção.
IV. Para tanto, é de considerar, em síntese, que:
a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas;
b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária;
c) – Nesse quadro, deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato;
d) – Nessa medida, tendo em conta a “diversidade ontológica” da invalidade e da resolução, deve ser relativizada a eficácia retroativa atribuída a esta pelos artigos 433.º e 434.º, n.º 1, por equiparação aos efeitos daquela estatuídos nos artigos 289.º e 290.º do CC, em termos de salvaguardar a vertente da tutela ressarcitória (a par da tutela restituitória ou recuperatória), quanto aos danos positivos resultantes do incumprimento que serviu de fundamento à mesma resolução e não abrangidos pela obliteração resolutiva das prestações que eram devidas, assim se ressalvando a finalidade da resolução (que se tem por restrita) a que se refere a parte final do citado artigo 434.º, n.º 1;
e) – Consequentemente, ao contraente fiel, perante o incumprimento definitivo imputável ao outro contraente, assistirá a faculdade de optar, em simultâneo, pela resolução do contrato de forma a libertar-se do respetivo dever típico de prestar ou a recuperar a prestação já por si efetuada, e pelo direito a indemnização dos danos decorrentes daquele incumprimento não satisfeitos pelo valor económico das prestações atingidas pela resolução;
f) – Todavia, em caso de resolução, poderá ser ainda assim desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais.
Seguindo esta posição geral, cf. ainda: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2010, Barreto Nunes, 1285/07, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.1.2016, Lopes do Rego, 1113/14, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.2.2022, Lima Gonçalves, 3009/15, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.1.2022, Lima Gonçalves, 3609/17, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.9.2021, Manuel Capelo, 344/18.
No caso em apreço, o contrato foi outorgado em 18.7.2019, fixando-se o seu início a 1.10.2019.
O contexto essencial do contrato é este: a autora era uma IPSS que detinha uma Clínica, prestando aos utentes cuidados de saúde, nos quais se incluíam exames/serviços de gastrenterologia, anteriormente à celebração do contrato. Essa prestação anterior de serviços de gastrenterologia resulta do teor do contrato, bem como do anexo ao mesmo onde são enumerados equipamentos que a autora já detinha e a respetiva data de aquisição.[3] Com o contrato celebrado, a autora visou continuar a prestar tais serviços/exames de gastrenterologia, agora através da Ré.
Tendo em vista a execução do contrato, as partes acordaram que «Para o legal e bom funcionamento dos exames clínicos acima indicados, é necessária a realização de obras de reabilitação no espaço que foi determinado, que serão da responsabilidade da primeira outorgante, com o parecer da segunda outorgante». Isto porquanto foi assumida como obrigação expressa da autora «assegurar que a segunda outorgante dispõe das condições físicas, materiais e humanas necessárias à prestação dos seus serviços» (Cláusula 7.2.b)).
Daqui decorre o seguinte: a autora decidiu continuar a prestar um serviço, que já prestava, mas com recurso à atividade da Ré; para esse efeito, revelou-se essencial fazer obras de reconfiguração e atualização do espaço e revisão de equipamentos; essa obrigação foi expressamente assumida pela autora ; a definição das obras a realizar ficou a cargo da autora, emitindo a ré apenas parecer a tal respeito.
Nessa senda, a autora – depois da outorga do contrato e antes da sua entrada em vigor – realizou obras de reabilitação dentro das suas instalações, reparou equipamentos, consoante enumerado exaustivamente no facto provado 4. Todavia, a ré não iniciou a prestação de serviços, conforme contratualizado, em 1.10.2019 nem posteriormente, o que veio a dar azo à resolução do contrato pela autora.
Através desta ação, o que a autora visa, em primeira linha, é ser ressarcida das despesas que arcou com as obras de reconfiguração e atualização do espaço, bem como com a revisão de equipamentos. Ou seja, a autora pretende ser ressarcida de despesas inutilizadas as quais correspondem a «dispêndios em dinheiro feitos em vista da obtenção de determinado fim que, posteriormente, não chega a concretizar-se, desde que se possa afirmar que seu autor não o faria se tivesse previsto essa ocorrência» (Maria de Lurdes Pereira, “Da indemnização do interesse negativo em caso de resolução do contrato por incumprimento à indemnização de despesas inutilizadas na responsabilidade contratual”, in Agostinho Guedes e Pinto Oliveira (Coords.), Colóquio de Direito Civil de Santo Tirso, p. 157). As despesas inutilizadas são vistas, correntemente, como uma rubrica do interesse contratual negativo (op. cit., pp. 160 e 178).
Ora, «Nem toda a “perturbação” das razões pelas quais uma despesa foi feita permitem imputá-la ao responsável pela perturbação. Para impor ao devedor o pagamento das despesas que o credor tenha feito, exige-se que o incumprimento tenha eliminado uma razão necessária da despesa, i.e., sem a qual a despesa não teria sido feita. Por outras palavras, é necessário que a decisão de fazer a despesa tenha assentado no pressuposto da manutenção ou verificação de determinada ou determinadas circunstâncias e que o incumprimento tenha feito desaparecer ou impedido a verificação dessas circunstâncias. Se, apesar do incumprimento, tal não se verificou, não pode constituir-se a responsabilidade do devedor por despesas.
Há casos em que a violação do contrato não elimina uma razão necessária da despesa e em que, por isso, o credor não pode exigir o respetivo ressarcimento. É o que sucede quando a despesa tenha sido feita também para a eventualidade de não cumprimento. » (ob. cit. p. 190).
No caso em apreço, não está demonstrada pela autora a inutilização de tais despesas. Com efeito, não emerge dos factos provados que: a autora não tenha, posteriormente ao incumprimento, logrado encontrar outro prestador de serviços para substituir a ré, apesar de ter diligenciado para o efeito; a autora, em virtude do incumprimento da ré, tenha deixado de prestar (ou intenda deixar de prestar) serviços de gastroenterologia; a autora teve de desfazer as obras realizadas; a autora teve de vender, por não necessitar deles, os equipamentos reparados. Só mediante a alegação e prova de circunstâncias deste calibre é que poderia afirmar-se que ocorreu uma inutilização das despesas. O investimento feito pela autora, apesar do incumprimento da ré, pode ser aproveitado e é útil. Não é um investimento inconsequente.
Note-se que nos artigo s 21º e 22º da petição, a autora alegou o seguinte:
21º
Em momento tempestivo e oportuno a A. requereu – junto da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. – autorização legal para reactivar a actividade do contrato público de aprovisionamento de convenção na área da Endoscopia Gastrenterológica, para o Lote 15, no âmbito do CP 2015/105 (em cumprimento do disposto na al. d) do n.º 3 do Despacho n.º 4424/2017, de 11 de Maio), com vista a prosseguir e dar continuidade à actividade de prestação de serviços de saúde contratada, para as instalações convencionadas localizadas no Largo de (...), n.º 1, em Lisboa (sede da Clínica de (...)) podendo a R. ali prestar os seus serviços. Cf. Doc. 12 ora junto, vide pág.ª 5.
22º
A referida autorização foi deferida pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., mas fruto do incumprimento da R. (já assinalado), a A. foi forçada a requerer a suspensão daquela autorização (Cf. Doc. 12 ora junto, vide pág.ª 3) não sabendo agora quanto tempo levará a encontrar uma nova entidade que lhe garanta a prestação dos serviços em causa e se o logrará em momento oportuno a fim de retomar a mencionada autorização.
Ou seja, é a própria autora a proclamar que pretende continuar a exercer tal atividade, mediante modelo similar ao contrato dos autos. Assim sendo, não há inutilização das despesas efetuadas: as mesmas mantêm a sua utilidade futura, mesmo após o incumprimento da ré.
A questão que pode, ainda assim, colocar-se é a da indemnização pelo interesse contratual positivo.
Na petição, a autora alegou a este propósito:
23º
Em Outubro e em Novembro de 2018 (período anual homólogo aos primeiros 2 meses de execução inicial previsível do contrato entretanto resolvido), a A. facturou, no âmbito da realização de exames endoscópicos de Gastrenterologia, um total de 5.637,72€ (Cinco mil, seiscentos e trinta e sete euros e setenta e dois cêntimos). Cf. Doc. 13 ora junto. Correspondentemente a cada um daqueles meses,
24º
A A. facturou 2.304,86€ (Dois mil, trezentos e quatro euro e oitenta e seis cêntimos) e de 3.332,86€ (Três mil, trezentos e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), montantes que expectavelmente seriam – no mínimo – alcançáveis no presente ano de 2019, conquanto que a R. tivesse cumprido as suas obrigações contratuais. Ao invés,
25º
A legitima expectativa da A. foi totalmente gorada por força do incumprimento contratual da R., daí decorrendo lucros cessantes (Cf. artigos 562º, 563º e 564º do Código Civil) igualmente atribuíveis à conduta inadimplente em causa, pese embora (por força da distribuição de dividendos estabelecida) se imputem (nesta sede) em 20% daquele montante mínimo expectável, a saber, no global de 1.127,54€ (Mil, cento e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos). Cf. Cláusula 3ª (3.2) do contrato celebrado em 18 de Julho de 2019.
Todavia, a autora não logrou provar factualidade para estribar uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
Com efeito, o Tribunal a quo considerou como facto não provado o seguinte: «b), Caso a prestação dos serviços tivesse sido iniciada, a autora faturaria um mínimo de € 5.637,72», sendo que a autora/apelante não impugnou a decisão da matéria de facto nesse segmento.
Termos em que improcede a apelação. Ampliação do objeto do recurso.
Mantendo-se a improcedência total da ação, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do objeto do recurso na vertente de impugnação da matéria de facto (Artigos 636º, nº2 e 608º, nº2, do Código de Processo Civil ). Custas
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 23.9.2025
Luís Filipe Sousa
Edgar Taborda Lopes
Ana Mónica Mendonça Pavão
___________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22, de 13.2.2025, Luís Mendonça, 2620/23. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, FonsecaRamos, 971/12). [3] No decurso do seu depoimento, a testemunha JM precisou o Dr. JP, que efetuava tais exames, deixou de o fazer, razão de ser da necessidade da autora encontrar outro prestador.