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CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
DURAÇÃO
Sumário
(da responsabilidade da Relatora) I. Os quatro meses em que foi fixada a duração da inibição do direito de conduzir não repercute, com adequação e proporcionalidade a elevada TAS apresentada e, por via dela, a gravidade da conduta e o perigo que lhe está inerente, assim como o grau de culpa do arguido, tendo ainda em atenção que, por regra, se trata de um tipo de comportamento delituoso perfeitamente evitável, dada a profusão de meios alternativos de transporte e a facilidade e prontidão de recurso aos mesmos, ou a alternativa, que se materializa em, pura e simplesmente, não consumir bebidas alcoólicas, quando se vai conduzir e, no caso, ainda postura do arguido de total distanciamento em relação ao crime que praticou e à versão «desconectada da realidade» dos factos que apresentou, na tentativa de descredibilizar a investigação e de se eximir à sua responsabilidade e consequente condenação. II. A opção é simples de tomar e é de facílima concretização. III. Considerando que o limiar mínimo da TAS para que a condução de veículos de circulação terrestre sob a sua influência seja crime, é de 1,20 gr/litro, a concreta TAS apresentada de 2,261 g/litro, as características do local que, como assinalado pela Mma. Juíza, na sentença recorrida, potenciam o risco de acidentes e, por isso mesmo, de lesão de bens jurídicos pessoais e patrimoniais importantes, as finalidades acima enunciadas para a imposição de penas acessórias, a fixação da inibição de conduzir em apenas mais um mês do que o limite mínimo previsto no art. 69º do CP para a sua duração é manifestamente insuficiente para prosseguir tais finalidades preventivas e de política criminal.
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em ... de ... de 2024, no processo sumário nº 286/24.5GTSTB do Juízo Local Criminal de Almada - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido AA foi condenando como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. no artigo 292º, n.º 1, do Código Penal praticado em ... de ... de 2024:
a) numa pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos);
b) numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos previstos no artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
I. O Ministério Público vem interpor recurso da sentença proferida nos autos à margem identificados por, não obstante concordar com a matéria de facto dada como provada, bem como com a integração jurídica efectuada pela Exmª. Senhora Juiz a quo, discordar, ainda assim, da pena acessória concretamente aplicada ao arguido, que se entende, face à elevada taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia e aos restantes factos dados como provados, manifestamente desadequada.
II. Com efeito, a ilicitude consideravelmente elevada dos factos (decorrente do elevado grau de alcoolemia com que o arguido conduzia, 2,261 g/l, ultrapassando em muito a taxa mínima com relevância criminal), o facto de ter actuado com dolo directo, o perigo gerado com a sua conduta e as elevadas exigências de prevenção geral, traduzidas nos elevados índices de sinistralidade no nosso país, de que a condução sob o efeito do álcool é responsável, não obstante as reduzidas necessidades de prevenção especial decorrentes da ausência de antecedentes criminais impunham que ao arguido fosse aplicada uma pena acessória de proibição de conduzir não inferior a 6 meses.
III. A condenação do arguido numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de tão somente 4 meses é demonstrativa de que o Tribunal recorrido, na determinação concreta da pena, não ponderou devidamente as circunstâncias atrás mencionadas e, por conseguinte, não as fez reflectir de forma adequada na respectiva dosimetria, contrariamente ao que sucedeu na determinação concreta da pena de multa.
IV. Ao condenar o arguido nos termos em que o fez, violou a sentença recorrida o disposto nos arts. 40º, nº 1 e 71º, nºs 1 e 2, todos CP.
Termos em que, apreciando favoravelmente o presente recurso e decidindo pela revogação da sentença recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que aplique ao arguido uma pena acessória de proibição de conduzir por período não inferior a 6 meses, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!
Admitido o recurso, o arguido apresentou a sua resposta, na qual concluiu:
O recorrido AA, corrobora com a Douta Sentença, que o condenou, em primeira instância, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a) do C.P., na pena de 80 dias de multa, á taxa diária de €: 5,50, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 4 (quatro) meses
Por nada ter a censurar à mesma.
A Meritíssima Juiz de Direito do tribunal a quo, fez uma criteriosa apreciação da prova documental junta aos autos e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, fê-lo à luz das regras da experiencia comum, segundo as regras de razoabilidade e não descurando um conjunto de elementos que lhe possibilitam formar livremente e de forma plena a sua convicção, que considerou os factos dados com provados, factualidade objetiva do crime e condições pessoais do arguido, e que levaram à condenação nos termos e que o fez.
O recorrido não concorda com o recurso interposto pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, no qual alega que, “O tribunal recorrido considerou que a conduta do arguido apresentava uma gravidade muito elevada em virtude das circunstancias elevada taxa de álcool e com atuação com dolo direto, fazendo-as refletir na medida concreta da pena de multa, mas já não seguiu o mesmo raciocínio aquando da determinação da medida da concreta da pena acessória, o que se lhe impunha fazer.
Ao ter decidido como decidiu, condenando o arguido num pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de tão somente 4 meses, violou a sentença recorrida, alem do mais, o disposto nos art.º 40.º, n.º 1 e 71.º , n.ºs 1 e 2 do C.P.
E pugna a final pela aplicação de uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 meses.
Não existe na Constituição qualquer preceito ou princípio que imponha que as medidas da sanção principal e da sanção acessória aplicáveis a certo comportamento tenham a mesma dimensão quantitativa, no que respeita à sua duração ou correspondência com as penas principais.
O tribunal a quo tem ampla margem de discricionariedade na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente.
Ao fixar a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo prazo de 4 meses, a um arguido, sem condenações registadas, inserido profissional, familiar e socialmente, que claramente entendeu o desvalor da sua conduta, que e mostrou arrependimento, entende ser um prazo proporcional e adequado, no que concerne á medida acessória, tanto mais que se verifica um agravamento na pena principal pelo tribunal a quo, considerada que foi a taxa de álcool apurada.
As necessidades de prevenção especial estão salvaguardadas paralelamente às necessidades de prevenção geral já fortemente asseguradas pela aplicação da pena de multa junto aos limites máximos previstos para o ilícito em questão.
Ao ter decidido como decidiu, condenando o arguido num pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo prazo de 4 meses, decidiu o tribunal a quo pela correta interpretação do preceituado do art.º 40.º, n.º 1 e do artigo 71.º , n.ºs 1 e 2 do C.P., contrariamente ao alegado pela Digníssima Procuradora do Ministério Publico, porquanto não tem que haver uma regra de três simples ou um calculo aritmético, mostrando-se assegurados os princípio vertidos nos artigos citados.
Devendo manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo na integra.
E ser negado provimento ao recurso apresentado pela Digníssima Procuradora do Ministério Publico
Nos termos expostos, com os respetivos fundamentos e com o douto suprimento de V. Exas., deverão, manter a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, que condenou o recorrido AA, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a) do C.P., na pena de 80 dias de multa, á taxa diária de €: 5,50, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 4 (quatro) meses, negando provimento ao recurso apresentado pela Digníssima Magistrada do Ministério Público.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral da República Adjunta emitiu parecer, no sentido de que:
«Na nossa perspetiva, da motivação e conclusões do recurso resultam demonstrados os fundamentos da impugnação da sentença, de forma clara e suficiente, com uma correta apreciação dos factos apurados, bem como uma adequada interpretação do direito aplicável.
«Assim sendo, emitimos parecer no sentido da procedência do recurso.»
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a da adequação e proporcionalidade da pena acessória aplicada ao arguido.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. No dia ... de ... de 2024, pelas 15h43min, na ..., rotunda sita na ..., o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-CG-...
2. Naquela ocasião, arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,261 g/litro, correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,338 g/litro registada, deduzida a margem de erro legalmente admissível.
3. O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que não podia conduzir veículo na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas.
4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida por lei e criminalmente punida.
Mais, se provou que:
O arguido completou o 8º ano de escolaridade no ....
Trabalha como ....
Auferindo o vencimento mensal de cerca € 1.100,00
Vivem em ... há 22 anos.
Residindo com a sua mulher, em casa própria.
O arguido tem três filhos todos maiores de idade que vivem no ....
A mulher do arguido trabalha no sector da restauração.
Mas depois de baixa médica que terminou recentemente, ainda não voltou ao trabalho.
O arguido não é proprietário de outros imóveis para além da casa onde vive.
E é proprietário do veículo automóvel que conduzia à data dos factos.
Paga uma prestação mensal de relacionada com crédito à habitação e uma prestação atinente ao seguro de responsabilidade civil automóvel, tudo, no total de cerca de € 800,00 mensais.
O arguido não tem antecedentes criminais
Nunca lhe foi aplicada qualquer medida de suspensão provisória do processo.
Factos não provados.
Não existem.
Quanto à fixação da inibição do direito de conduzir em 4 meses, o Tribunal disse o seguinte:
Foi elevado o grau de ilicitude do facto, atendendo à elevada TAS, ao tipo de veículo conduzido, que é dos mais perigosos, as circunstâncias de tempo e lugar em que foi exercida a condução em que é expectável que circule um grande número de pessoas e veículos na via pública gerando assim um maior risco de acidente rodoviário, mas considerando, em contrapartida que não interveniente em qualquer acidente de viação e que o grau de culpa é mediano, graduou a inibição do direito de conduzir em quatro meses.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
As penas acessórias visam «censurar especialmente o arguido pelo circunstancialismo que envolve o crime cometido, circunstancialismo esse que justifica a privação de certo direito, faculdade ou posição privilegiada de algum modo relacionados com a prática do crime. É precisamente a relação (cuja existência só em concreto pode ser estabelecida) entre o cometimento do crime e o abuso (ou o «mau uso») do direito ou faculdade que a ele se liga que cria o «espaço» onde vive a censura suplementar contida na pena acessória; é também nessa relação que a pena acessória colhe o fundamento material legitimador da sua aplicação ao lado da pena principal». (…) ao passo que as medidas de segurança acessórias «visam reagir – ao lado da aplicação de uma sanção principal (pena ou medida de segurança) – contra a perigosidade manifestada pelo agente na prática de um facto ilícito-típico. Neste caso, a mediação judicial é feita através do juízo de perigosidade criminal» (Pedro Caeiro, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Abril de 1992, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 157, de 10.07.1992, Qualificação da Sanção de Inibição da Faculdade de Conduzir Prevista no artigo 61.º, n.º 2, alínea d), do Código da Estrada – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Abril de 1992, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 157, de 10.07.1992, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2.º a 4.º, Abril-Dezembro 1993, páginas 543-572).
Do mesmo modo que o princípio da legalidade criminal impede a determinação «ex lege» da pena concreta a aplicar e envolve, necessariamente, a possibilidade de individualização jurisdicional da sanção penal em conformidade com as circunstâncias concretas de cada caso, dentro de um sistema de penas variáveis, entre um mínimo e um máximo mais ou menos amplo, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade (especialmente, nas vertentes da adequação e proibição do excesso) e da culpa em matéria penal e da necessidade da pena (cfr. José Sousa e Brito, "A lei penal na Constituição", Estudos sobre a Constituição, Lisboa, 1978, págs. 199 e segs. e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 192), também as penas acessórias carecem de uma intervenção mediadora do Juiz, na sua aplicação, escolha e determinação concreta, na medida em que apesar de prosseguirem objectivos de política criminal diferentes dos das penas principais e das especificidades do seu regime em atenção a questões como a da inadmissibilidade suspensão da respectiva execução, as penas acessórias estão indissoluvelmente ligadas ao facto praticado e à culpa do agente e são dotadas de uma moldura penal específica, que convoca, pois, os mesmos critérios gerais contidos no art. 71º do CP, para a fixação das penas principais (Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237; Tiago Caiado Milheiro, Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentais, Almedina, 2016, págs. 141-144; Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 4.ª reimp., págs. 157 e ss. e Jescheck e Weigend, "Tratado de Derecho Penal - Parte General",5.ª edição, Comares, Granada, 2002, págs. 842 e ss.).
«As penas acessórias constituem verdadeiras penas. (... ) A sua imposição não pode, pois, nunca assumir carácter automático. O carácter não automático da pena acessória reside na necessidade de comprovação judicial dos requisitos formal - prévia punição pela prática de um crime - e substancial - «particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a sua aplicação» (Acórdão do STJ (de Uniformização de Jurisprudência) nº 7/2008, in DR 146, SÉRIE I, de 30.07.2008. No mesmo sentido, Acs. da Relação de Coimbra de 19.12.2017, processo 186/14.7GCLSA.C2; de 28.02.2018, processo n.º 211/17.0GAMIR.C1; da Relação de Lisboa de 09.07.2019, processo 338/17.8PGALM.L1 5ª Secção; de 11.03.2021, processo 179/19.8JDLSB.L1-9, in http://www.dgsi.pt).
No que respeita à decisão sobre a pena, mormente à sua medida, seja a pena principal ou a pena acessória, começa por lembrar-se que os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de penas, mesmo as acessórias, o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico.
A actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo certo que além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento. O tribunal de recurso só alterará a pena aplicada, se as operações de escolha da sua espécie e de determinação da sua medida concreta, levadas a cabo pelo Tribunal de primeira instância revelarem incorrecções no processo de interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais vigentes em matéria de aplicação de reacções criminais. Não decide como se o fizesse ex novo, como se não existisse uma decisão condenatória prévia.
E sendo assim, é preciso ter sempre em atenção que o Tribunal recorrido mantém incólume a sua margem de actuação e de livre apreciação, sendo como é uma componente essencial do acto de julgar.
A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, pois, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197).
«Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”» (Ac. do STJ de 8.11.2023, processo nº 808/21.3PCOER.L1.S1, citado no Ac. do STJ de 11.04.2024, processo nº 2/23.9GBTMR.S1, ambos in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido e na mesma base de dados, Ac. do STJ de 12.06.2025, processo nº 601/22.6T9ACB.C1.S1).
O que acontece é que os quatro meses em que foi fixada a duração da inibição do direito de conduzir não repercute, com adequação e proporcionalidade a elevada TAS apresentada e, por via dela, a gravidade da conduta e o perigo que lhe está inerente, assim como o grau de culpa do arguido, tendo ainda em atenção que, por regra, se trata de um tipo de comportamento delituoso perfeitamente evitável, dada a profusão de meios alternativos de transporte e a facilidade e prontidão de recurso aos mesmos, ou a alternativa, que se materializa em, pura e simplesmente, não consumir bebidas alcoólicas, quando se vai conduzir e, no caso, ainda postura do arguido de total distanciamento em relação ao crime que praticou e à versão «desconectada da realidade» dos factos que apresentou, na tentativa de descredibilizar a investigação e de se eximir à sua responsabilidade e consequente condenação.
A opção é simples de tomar e é de facílima concretização.
É a condenação do agente numa pena principal que constitui o antecedente lógico e essencial da aplicação da pena acessória.
Porém, não é a condição suficiente, porquanto, não sendo a pena acessória um mero efeito da pena principal, nem sua consequência automática, nem uma medida de segurança, porque não se encontra referida apenas a efeitos preventivos, antes surge principalmente associada a uma especial gravidade e/ou censurabilidade do crime, seja pelo particular desvalor das circunstâncias concretas da execução criminosa, seja pela intensificação da culpa, ou pela necessidade de reforço da tutela do bem jurídico ou de protecção da vítima, ou ainda, outros interesses de política criminal, para além dos limites que a pena principal é apta a assegurar, a sua aplicabilidade depende da demonstração de um específico conteúdo de ilícito, de uma culpa especialmente agravada, e/ou de especiais necessidades de protecção da vítima, ou de prevenção geral de intimidação dentro dos limites da culpa que, depois de casuisticamente avaliados, justifiquem materialmente a aplicação em espécie da pena acessória, em reforço e complemento do conteúdo sancionatório e restaurativo ínsito à pena principal.
Ora, como consta da matéria de facto provada, factos 1 e 2, no dia ... de ... de 2024, pelas 15h43min, na ..., rotunda sita na ..., o arguido conduziu o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-CG-.., ocasião em que .apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 2,261 g/litro, correspondente à taxa de álcool no sangue de 2,338 g/litro registada, deduzida a margem de erro legalmente admissível.
Considerando que o limiar mínimo da TAS para que a condução de veículos de circulação terrestre sob a sua influência seja crime, é de 1,20 gr/litro, a concreta TAS apresentada de 2,261 g/litro, as características do local que, como assinalado pela Mma. Juíza, na sentença recorrida, potenciam o risco de acidentes e, por isso mesmo, de lesão de bens jurídicos pessoais e patrimoniais importantes, as finalidades acima enunciadas para a imposição de penas acessórias, a fixação da inibição de conduzir em apenas mais um mês do que o limite mínimo previsto no art. 69º do CP para a sua duração é manifestamente insuficiente para prosseguir tais finalidades preventivas e de política criminal.
Por conseguinte, a duração de seis meses proposta no recurso é a que melhor se ajusta às exigências de prevenção geral e especial e ao grau de culpa do autor do crime.
O recurso merece, pois, provimento.
III – DECISÃO
Termos em que julgam o presente recurso provido, alteram a sentença recorrida, no que se refere à duração fixada para a inibição do direito de conduzir imposta, neste processo ao arguido AA e, em consequência:
Condenam o arguido AA como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. no artigo 292º, n.º 1, do Código Penal praticado em ... de ... de 2024:
a) numa pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos);
b) numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses, nos termos previstos no artigo 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, mantendo, no mais, a sentença recorrida.
Sem Custas – art. 522º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos.
Tribunal da Relação de Lisboa, 24 de Setembro de 2025
Cristina Almeida e Sousa
Cristina Isabel Henriques
Ana Rita Loja