INVENTÁRIO
CABEÇA DE CASAL
ACOMPANHAMENTO
REPRESENTAÇÃO
Sumário

SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC):
I. A nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC, apenas se verifica quando ocorre absoluta falta de fundamentação da decisão e não uma fundamentação alegadamente errada.
II. A nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC, primeira parte, reconduz-se a situações em que ocorre incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, isto é, quando a fundamentação indica sentido que contradiz o resultado.
III. A nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC, primeira parte, verifica-se quando ocorre a ausência de posição ou decisão do Tribunal sobre questões cujo conhecimento a lei impõe.
IV. Por força do número 2 do artigo 2082º do CC, quando o cabeça de casal beneficie de medida de acompanhamento, o acompanhante deverá ser tido como representante daquele para o efeito de exercer as funções de cabeça de casal quando tal resulte da sentença de acompanhamento ou de decisão judicial ulterior. Nessa situação, o cargo de cabeça de casal é atribuído ao acompanhado, exercendo as respetivas funções o seu acompanhante.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO.
Nos autos de inventário n.º 16728/17.3T8LSB-H, instaurados, a 19-07-2024, por AA para partilha de bens comuns, que correm por apenso ao processo especial n.º 16728/17.3T8LSB, onde, por sentença proferida a 17-10-2020, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre a mesma e BB, a 05-09-2024, foi proferido despacho com os seguintes termos:
“Como cabeça de casal nomeio o cônjuge mais velho do dissolvido casal, AA, representada pelo seu legal representante, o seu filho CC, nos termos do disposto no artigo 2082º do Código Civil e da sentença proferida no processo de Maior Acompanhado, proferida no Processo n.º 7679/22.0T8LSB, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 1, o qual deverá juntar aos autos compromisso de honra, junta que foi a relação de bens.
Notifique a agora Cabeça de Casal, na pessoa do seu legal representante e cite o requerido e o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 1085º, n.º 2, al. c),1100º, n. 2, al. a), do Código de Processo Civil.”
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A 21-10-2024, o interessado BB apresentou requerimento onde, invocando o disposto no art. 1104º, n.º1, do CPC, alegou que, pelo mesmo, deduzia oposição ao inventário, impugnava a competência do representante do cabeça-de-casal e reclamava da relação de bens.
No que respeita à impugnação da competência do representante do cabeça-de-casal, alegou, em síntese, que:
- é certo que CC foi nomeado acompanhante da requerente e cabeça de casal, AA, no Processo n.º 7679/22.0T8LSB, que correu termos pelo Juízo Local Cível de Lisboa;
- de acordo com o disposto no art. 1082º, n.º2, do CC, o acompanhante é tido como representante do acompanhado para o efeito do número anterior, quando assim resulte da sentença de acompanhamento ou de decisão judicial ulterior;
- acontece que, conforme é citado no art.º 8 do requerimento inicial, na sentença que decretou o acompanhamento da cabeça-de-casal, veio o Tribunal decidir que “No que respeita ao exercício das funções de cabeça de casal compete ao juiz titular dos autos de inventário proceder à respetiva nomeação, como resulta do artigo 1100º do Código de Processo Civil, razão pela qual nada se determina a esse respeito que terá que ser tratada no processo respetivo”;
- portanto, a sentença de acompanhamento não atribui ao acompanhante a representação da ora requerente quanto às suas funções de cabeça de casal, para efeitos do presente processo de inventário, ao contrário do que parece ser a fundamentação do despacho que nomeou o acompanhante CC para representar a ora requerente no presente processo;
- a Requerente, como maior acompanhada, não está em condições de exercer as funções de cabeça de casal;
- competindo ao tribunal, no processo de inventário, nomear o cabeça de casal.
- ou, nos termos do processo de acompanhamento, fica na competência do juiz que preside ao presente processo de inventário, a nomeação do representante da requerente para o exercício das funções de cabeça de casal;
- contudo, essa nomeação tem de ser fundamentada e não se podia basear numa nomeação - que não existe - no processo de Acompanhamento;
- fundamentação que não se verificou;
- sempre se diga que nunca seria justificada a nomeação do filho CC para representar a mãe nestas funções, dada a grande litigância existente entre ele e o ora requerido, como se pode ver das acções judiciais em que interveio, em representação da requerente, contra o ora requerido, que especifica;
- assim, a cabeça-de-casal, AA, deverá ser substituída e ser o próprio, BB, nomeado como cabeça de casal, ao abrigo do disposto nos artigos 2080º, n.º 1, al. a), CC, e 1103º do CPC;
- caso assim não se entenda, o representante da cabeça-de-casal, CC, deverá ser substituído e o tribunal designar outro representante da cabeça de casal
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A cabeça de casal, a 21-11-2024, respondeu, no que respeita ao acima referido, nos seguintes termos:
- apesar de a sentença de acompanhamento esclarecer que compete ao juiz titular dos autos de inventário proceder à nomeação do cabeça de casal, nos termos do artigo 1100.º do CPC, tal não significa que o juiz nos presentes autos não tenha que levar em linha de conta o que consta dessa mesma sentença, em especial, no que concerne à defesa dos imperiosos interesses da aqui requerente, já devidamente acautelados naquela decisão com a nomeação do seu filho CC como seu acompanhante;
- não pode ser valorada contra a possibilidade de nomear CC como cabeça de casal a circunstância de já existirem várias acções judiciais contra o requerido, desde logo porque, ao contrário do que este alega, a litigância existente não ocorre entre requerido e CC, mas sim entre a requerente – muito embora representada pelo filho – e o requerido;
- não deve admitir-se a substituição da requerente como cabeça de casal pelo requerido, considerando, desde logo, a sua conduta desleal no âmbito dos processos judiciais que correm os seus termos e para a própria requerente, da qual chegou mesmo a ocultar, deliberada e intencionalmente, a alienação do prédio urbano que identifica, o que evidencia que o requerido não tem um bom relacionamento com a requerente, sua ex-cônjuge, e indicia que pode vir a ocultar desta, na pessoa do seu representante, quaisquer informações relevantes para o presente processo de inventário, o que sai agravado pela circunstância de a requerente se encontrar privada de recorrer às respetivas contas;
- pelo exposto, reitera o alegado no requerimento inicial de inventário, peticionando no sentido de ser a requerente, enquanto cônjuge mais velha, nomeada como cabeça de casal, sendo para o efeito representada pelo filho, CC (cfr. artigo 1133.º, n.º 2, do CPC).
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A 07-03-2025, foi proferida decisão com os seguintes termos:
Da nomeação do cabeça de casal
O Requerido, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 1104/CPC, veio impugnar a competência do Representante da cabeça de casal para exercer esse cargo, defendendo que a Requerente, como maior acompanhada, não está em condições de exercer essas funções, as quais devem ser exercidas pelo Requerido, que a deve substituir no cargo, não obstante não ser o cônjuge mais velho, o que requer, ao abrigo do disposto nos artigos 2080, nº 1 al. a) do Código Civil e 1103º do CPC.
Defende que nunca seria justificada a nomeação do filho CC para representar a mãe nestas funções, dada a grande litigância existente entre ele e o ora Requerido.
A Requerente vem aos autos opor-se à substituição da Requerente como Cabeça de Casal pelo Requerido, alegando que este tem tido uma conduta desleal no âmbito dos processos judiciais que correm termos e contra a própria Requerente, tendo ocultado a alienação de Prédio urbano; evidenciando que o Requerido não tem um bom relacionamento com a Requerente, sua ex-cônjuge, e indiciando que pode vir a ocultar desta, na pessoa do seu representante, quaisquer informações relevantes para o presente processo de inventário, o que sai agravado pela circunstância de a Requerente se encontrar privada de recorrer às respetivas contas.
Cumpre decidir:
Decorre expressamente da lei, do artigo 1133.º, n.º 2, do CPC que compete à Requerente, enquanto cônjuge mais velha, o cargo de Cabeça de Casal.
Estando a mesma limitada ou mesmo incapaz para o exercício dessas funções, conforme decorre da sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, será para o efeito representada pelo filho, CC, seu representante legal, em conformidade com o art.º 2082º/1 do Código Civil.
O despacho que nomeou a Requerente para o cargo de cabeça de casal apenas obedeceu ao citado imperativo legal, não carecendo, salvo melhor entendimento, de mais profusa fundamentação.
O afastamento da cabeça de casal designada afigura-se-nos, pois, que apenas pode ocorrer nos termos do art.º 1103º do Código de Processo Civil, já que o cargo foi deferido a quem compete o respetivo exercício, de acordo com a citada norma legal.
Nestes termos, não havendo acordo dos interessados para a substituição no cargo, nem tendo sido formulado pedido de escusa pela cabeça de casal nomeada, ao Requerido é atribuída a faculdade de vir pedir a sua remoção, nos termos previstos no art.º 2086º do Código Civil, caso entenda que estão verificados os respetivos pressupostos.
Por ora, o inventário prossegue com o cabeça de casal designado – cfr. art.º 1103º/3 do Código de Processo Civil.
Notifique.
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O interessado BB, a 21-03-2025, apresentou recurso de tal decisão, onde formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. O despacho recorrido é nulo, quer por manifesta contradição nos seus próprios termos, entre o pedido formulado na oposição e a decisão (art.º 615, n.º 1, al. c)/CPC), quer porque não se pronunciou sobre o pedido formulado (art.º 615, n.º 1 al. d)/CPC), quer porque não especifica os fundamentos de facto e de direito para a decisão (art.º 615, n.º 1 al. b)/CPC).
II. O despacho, ao reconhecer que o Requerido impugnava a ilegitimidade do Acompanhante para representar a cabeça de casal e, ao decidir sobre a remoção da cabeça de casal, entra em manifesta contradição, nos seus próprios termos.
III. Pelo que é nulo por força do art.º 615, n.º 1, al. c)/CPC.
IV. O Requerido formulou o pedido de ser substituído o Acompanhante CC, como representante da cabeça de casal AA e designado outro representante.
V. E alegou que é manifesto que a sentença de acompanhamento não atribui ao Acompanhante a representação da ora Requerente quanto às suas funções de Cabeça de Casal, para efeitos do presente processo de Inventário.
VI. Como o próprio Requerente alega no art.º 8 do R.I., na sentença de Maior Acompanhado da ora cabeça de casal, ficou consignado que (doc. 3 da R.I.):
No que respeita ao exercício das funções de cabeça de casal compete ao juiz titular dos autos de inventário proceder à respetiva nomeação, como resulta do artigo 1100º do Código de Processo Civil, razão pela qual nada se determina a esse respeito que terá que ser tratada no processo respetivo”.
VII. O Requerido alegou vários factos que não justificam nomeação do filho CC como Acompanhante, em representação da sua mãe, cabeça de casal, no processo de inventário, nomeadamente, dada a grande conflitualidade entre ele e o ora Requerido, em função dos factos alegados.
VIII.Acontece que o despacho recorrido não se pronunciou sobre nenhum destes factos alegados, nem se pronunciou quando ao pedido de ilegitimidade do Acompanhante CC e sua substituição, como representante da cabeça de casal.
IX. Por outro lado, o Requerido alegou factos e reclamou quanto à relação de bens apresentada pela Requerente.
X. Também sobre estes factos relativos à reclamação e sobre a mesma o tribunal não se pronunciou.
XI. Pelo que o despacho é nulo por força do art.º 615, n.º 1 al. d)/CPC.
XII. O despacho recorrido parece ter depreendido que a nomeação do filho CC, no processo de Acompanhado de Maior, abrangia o requisito no exercício das funções de cabeça de casal, o que é inequivocamente falso.
XIII.E, sem qualquer fundamento para essa representação da cabeça de casal, decidiu: “Estando a mesma limitada ou mesmo incapaz para o exercício dessas funções, conforme decorre da sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, será para o efeito representada pelo filho, CC, seu representante legal, em conformidade com o art.º 2082º/1 do Código Civil”.
XIV. Esse requisito, neste processo, não resulta da sentença do Acompanhante de Maior, nos termos do art.º 2.082, n.º 2/C. Civil, como se deixou demonstrado.
XV. Nem o despacho recorrido invoca quaisquer fundamentos para essa representação.
XVI. Pelo que o despacho recorrido também é nulo por força do art.º 615, n.º 1 al. b)/CPC.
XVII. Dado o teor da sentença de Acompanhante de Maior quanto à representação da beneficiária no exercício das funções de cabeça de casal e, dada a manifesta conflitualidade do Acompanhante CC, para o exercício dessa representação no presente processo, deverá o Tribunal designar outro representante da cabeça de casal.
XVIII. Ou, caso não designe novo Acompanhante de maior para este efeito, deverá reconhecer a incapacidade do cônjuge mais velho para o exercício das funções e nomear o outro cônjuge, tendo em atenção o cumprimento do art.º 2.080, n.º 1 al. a)/C. Civil.
XIX. Pelo que o Tribunal se deverá pronunciar quanto às reclamações apresentadas pelo Requerido.
No termo da peça processual em referência pede-se a declaração de nulidade do despacho recorrido e que e ordene a emissão de novo despacho sobre a oposição apresentada.
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A 08-04-2025, a cabeça-de-casal respondeu, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A. O Recorrente vem interpor recurso de apelação do despacho proferido em 07.03.2025, ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea h), do CPC, que prevê a possibilidade de recurso de apelação das decisões de 1.ª instância cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
B. No entanto, a não decisão da questão da substituição do cabeça de casal não se torna inútil se apenas for impugnada com o recurso da decisão final, não se podendo confundir, como destaca a jurisprudência e a doutrina, com a mera inutilização de atos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual.
C. Como tal, uma vez que o recurso do despacho recorrido deve ser conhecido no recurso que vier a ser interposto da decisão final proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 3, do CPC, ou, em qualquer caso, não havendo recurso da decisão final, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, não havendo fundamento para o recurso ser agora conhecido, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea h), do CPC, por não se tratar de decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, deve o mesmo ser considerado improcedente pelo Tribunal ad quem, nos termos gerais, o que desde já se requer.
Da alegada nulidade do despacho recorrido por manifesta contradição entre o pedido
formulado na oposição e a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC)
D. O Recorrente alega que o despacho recorrido é nulo por existir contradição entre aquele que é o seu “pedido” de alteração do representante da cabeça de casal e a decisão que se pronuncia pela remoção do cabeça de casal propriamente dito (e não do seu representante).
E. No entanto, a contradição existe na própria impugnação do Recorrente, tendo-se limitado o despacho a quo a proferir decisão sobre o pedido formulado por este.
F. O pedido principal formulado pelo Recorrente não foi, ao contrário do que alega, a impugnação da legitimidade do representante da cabeça de casal, mas sim a substituição desta pelo próprio Recorrido BB, ao abrigo dos referidos artigos 2080.º, n.º 1, alínea a), do CC e 1103.º do CPC (cfr. artigos 7.º e 13.º da Oposição).
G. E, uma vez que o Tribunal se encontra limitado pelo princípio do pedido (cfr. artigo 609.º, n.º 1, do CPC), foi sobre este que o Tribunal se pronunciou e proferiu decisão, explicando que o pedido principal de substituição do cabeça de casal não podia ter ocorrido em sede de Oposição, mas antes deveria ter seguido os termos previstos no artigo 1103.º do CPC, enquanto incidente específico de remoção ou substituição do cabeça de casal.
H. Não havendo, por isso, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada ou sequer um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la.
I. Pelo que deve o Tribunal ad quem considerar absolutamente improcedente o alegado pelo Recorrente, declarando que o despacho recorrido não padece de qualquer nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Da alegada nulidade do despacho recorrido por falta de pronúncia sobre os pedidos formulados (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC)
J. Alega o Recorrente que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido formulado “de ser substituído o Acompanhante CC, como representante da cabeça de casal AA e designado outro representante”.
K. No entanto, o pedido principal configurado pelo Recorrente na sua Oposição foi o de “ser substituída a cabeça-de-casal AA e SER NOMEADO como CABEÇA-DE-CASAL o Requerido BB, ao abrigo do disposto nos artigos 2080, nº 1 al. a) do Código Civil e 1103º do CPC” (cfr. artigo 13.º da Oposição).
L. O despacho recorrido pronunciou-se sobre o pedido principal, no sentido de determinar o prosseguimento dos autos com a cabeça de casal designada (cfr. artigo 1103.º, n.º 3, do CPC).
M. Não há, por isso, falta de pronúncia sobre o pedido subsidiário, porque, o conhecimento dessa questão ficou prejudicada pela solução dada pelo Tribunal a quo ao pedido principal, quando determinou que, para proceder à substituição da cabeça de casal, deve seguir-se o incidente específico no artigo 1103.º do CPC.
N. Sendo no âmbito do referido incidente que caberá ao Tribunal recorrido pronunciar-se também a propósito da legitimidade do representante da cabeça de casal, enquanto pedido subsidiário.
O. O Recorrente alega ainda que o Tribunal não se pronunciou quanto à relação de bens apresentada pela Requerente, e que, por esse motivo também, é nulo o referido despacho por falta de pronúncia.
P. No entanto, não cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a relação de bens em sede do despacho recorrido, cujo âmbito o próprio juiz a quo circunscreveu à pronúncia quanto à questão da substituição da cabeça de casal.
Q. Pelo exposto, não pode ser o despacho recorrido declarado nulo por força do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Da alegada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC)
R. O Recorrente alega que o despacho é nulo por falta de fundamentação, no que respeita à impugnação da legitimidade do representante da cabeça de casal, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
S. Tendo o Tribunal entendido que o problema da substituição da cabeça de casal – ou o do seu representante –, ficaria relegada para momento decisório posterior com o incidente do artigo 1103.º do CPC, mais não se impunha ao Tribunal a quo que fundamentar essa opção processual.
T. O despacho recorrido não padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC: só a falta absoluta de motivação é suscetível de a ferir de nulidade, o que não sucede no caso dos autos.
Da reforma do despacho recorrido pelo juiz a quo (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC)
U. No pedido de reforma do despacho, vem o Recorrente procurar corrigir o que outrora peticionara ao Tribunal a quo na sua Oposição, invertendo a ordem dos pedidos: peticiona agora, a título de pedido principal, que o Tribunal proceda à substituição do representante da cabeça de casal e apenas a título subsidiário a substituição desta.
V. No entanto, não pode através do pedido de reforma do despacho, ao abrigo do disposto no artigo 617.º do CPC, vir o Recorrente procurar corrigir a pretensão inicial que consta da sua Oposição.
W. Sobre essa – i.e., sobre o pedido de substituição da cabeça de casal, ao abrigo do disposto nos artigos 2080.º, n.º 1, alínea a), do CC, e 1103.º do CPC –, já o Tribunal se pronunciou, fundamentadamente, tendo determinado que esse é um problema que só pode ser resolvido em sede de incidente específico, a ser desencadeado pelo Recorrente, ao abrigo do artigo 1103.º do CPC.
X. Quanto à relação de bens, vem o Recorrente requerer que o juiz a quo se pronuncie quanto às reclamações apresentadas a este propósito, embora não seja essa a sede adequada para o fazer.
Y. Pelo exposto, deve também o Tribunal a quo confirmar o despacho proferido, recusando a reforma dos seus termos, ao abrigo do disposto no artigo 617.º do CPC.
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A 06-06-2025, o recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
Na mesma decisão, foi dado cumprimento ao disposto no art. 617º, n.º1, do CPC, defendendo-se que a decisão recorrida não padece das nulidades invocadas no recurso.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões, considerando a sua dependência:
1. Saber se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC (falta de fundamentação).
2. Saber se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão);
3. Saber se a decisão padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC (omissão de pronúncia);
4. Saber se a decisão recorrida padece de erro de direito e se ocorre fundamento para a designação de outro representante para a cabeça-de-casal ou para a designação do recorrente para desempenhar tal cargo.
*
2.
A recorrida, nas conclusões A. a C., alega que o presente recurso, por força do disposto no art. 644º, n.º3, do CPC, apenas pode ser interposto com o que vier a ser interposto da decisão final proferida pelo Tribunal a quo ou, não havendo recurso da decisão final, em recurso único, a interpor após o trânsito em julgado de tal decisão, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, pelo que não ocorre fundamento para o seu conhecimento nesta fase dos autos de inventário, o que constitui fundamento de rejeição do recurso.
Como se assume na decisão proferida pelo Tribunal recorrido a 06-06-2025, o presente recurso mostra-se admissível, na fase processual em que foi deduzido, por força do disposto no art. 1123º, n.º2, al. a), do CPC, segundo o qual cabe apelação autónoma da decisão sobre a competência, a nomeação ou a remoção do cabeça-de-casal.
Face ao exposto, entende-se não existir o fundamento para a rejeição do recurso invocado pela recorrida.
*
3.
A factualidade a ponderar na presente decisão é a que resulta da marcha do processo, acima descrita, que aqui se dá por reproduzida, bem como a seguinte, que se mostra assente por concordância das partes e por documento.
1. No processo especial de acompanhamento de maior n.º 7679/22.0T8LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Cível – J 11, foi proferida sentença que decidiu:
a. Determinar a aplicação do regime de maior acompanhado a AA;
b. Aplicar as medidas de acompanhamento de representação especial, previstas no art. 145º, n.º 2, als. b) e e), do CC, para a:
- Supervisão do acompanhamento médico da beneficiária, por forma a garantir que a mesma cumpre todas as indicações médicas e demais cuidados clínicos;
- Para representação em juízo e prática de todos os actos em processos judiciais, de qualquer natureza, ou inquérito crime, e todos os actos ou peças processuais, nomeadamente, os necessários a instaurar as respetivas acções, apresentar articulados ou requerimentos, apresentação de denúncia ou queixa, requerer a constituição como assistente e apresentação de pedido de indemnização civil, bem como a outorga de procurações forenses com ou sem poderes especiais para confessar, desistir ou transigir;
- Para a prática de todos os actos societários, quanto às sociedades ROBUSTA - EMPREENDIMENTOS TURISTICOS LDA, NIPC 500233376, e GLOBO DAS BEIRAS – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, AGRO E COMÉRCIO LDA., NIPC 500860254, ambas com sede na Rua Regueirão dos Anjos, n.º 17, 1150-028 Lisboa, nomeadamente, no exercício dos direitos que lhe cabem enquanto sócia, contitular de quotas, ou titular de quotas, podendo o acompanhante outorgar procurações ou carta mandadeira a si próprio para efeitos de representação em assembleias.
c. Nomear para o cargo de Acompanhante o filho da beneficiária CC;
d. Fixar em 2020, como o ano a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes (cfr. artigo 900º, nº 1 do Código de Processo Civil) – cf. cópia da decisão junta com requerimento inicial do inventário, identificada como doc. n.º 3.
2. A requerente, AA, é mais velha do que o requerido, BB – cf. certidão de assento de casamento junta com o requerimento inicial de inventário, identificada como doc. n.º 1.
*
4.
- Da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC.
A sentença – e, por força do disposto no art. 613º, n.º3, do CPC, os despachos judiciais – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios do acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites.
Uma das causas de nulidade da sentença ocorre quando nela não se especifiquem os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art. 615º, n.º1, al. b), do CPC).
De acordo com o disposto no art. 607º, n,º2 e 3, do CPC, que define as regras a observar pelo juiz na elaboração da sentença, esta “começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer”, seguindo-se “os fundamentos de facto”, onde o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final”.
O art. 607º, n.º 4, do CPC, determina que, na “fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; e “tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”.
Por fim, no art. 607º, n.º 5, do CPC, refere-se que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, não abrangendo, porém, aquela livre apreciação “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Por força do disposto no art. 154º do CPC, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, em concretização do determinado no art. 205º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa.
O dever de fundamentação referido tem por finalidade “impor ao juiz a verificação e controlo crítico da lógica da decisão e permitir às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e colocar a instância de recurso em posição de exprimir, com maior certeza, um juízo concordante ou divergente” (ac. STJ de 05-03-2015, processo n.º 7331/10.0TBOER.L1.S1; ac. TRL de 21-03-2024, processo n.º 1019/23.9T8ALM-B.L1-2, ambos acessíveis em dgsi.pt).
A nulidade em referência abrange apenas a absoluta falta de fundamentação da decisão e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 03-03-2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 10; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 221; Lebre de Freitas, A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 332);
A falta absoluta de fundamentação pode respeitar apenas aos fundamentos de facto da decisão ou apenas aos seus fundamentos de direito (cf. o ac. STJ de 15-05-2019, processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, acessível em dgsi.pt), além de poder incidir sobre ambos.
O recorrente, nas conclusões XII a XVI, arguiu a nulidade em referência alegando, para seu sustento, que a decisão recorrida fundamenta a representação da cabeça de casal pelo seu filho CC nos autos de inventário na sentença proferida no processo especial de acompanhamento de maior n.º 7679/22.0T8LSB e no art. 2082º, n.º1, do CC.
O recorrente alega, ainda, que de tal decisão não resulta que a representação da cabeça de casal nos autos de inventário tenha de ser desempenhada por seu filho CC.
Como se afere da própria argumentação do recorrente, a decisão impugnada está dotada de fundamentação, no que tange à representação da cabeça de casal, que se reconduz ao dispositivo da sentença acima mencionada e à norma contida no art. 2082º, n.º1, do CC.
Como se referiu, a nulidade em apreço apenas se verifica quando ocorre absoluta falta de fundamentação da decisão e não uma fundamentação alegadamente errada, como invoca o recorrente.
Conclui-se, pelo exposto, que a decisão impugnada não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC, arguida pelo recorrente.
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5.
- Da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC.
Outra das causas de nulidade da sentença ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615º, n.º1, al. c), do CPC).
A nulidade em referência abrange as situações em que ocorre incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, isto é, quando a fundamentação indica sentido que contradiz o resultado, o que se distingue de eventual erro de julgamento, em que se decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impõe uma solução jurídica diferente.
O vício mencionado demanda um erro de raciocínio lógico, em que a decisão corresponde a um resultado contrário ao que os seus fundamentos de direito impõem (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 14-04-2021, processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 11; Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670).
O vício verifica-se quando exista contradição entre o raciocínio expresso pelo juiz na fundamentação da decisão, mas já não quando “o antagonismo interceda entre o elenco de factos provados propriamente ditos e a decisão, já que, sendo aqueles factos o terreno de apreciação do caso à luz do direito aplicável, qualquer incompatibilidade entre a sua significância jurídica e a apreciação efetiva que o juiz faça deles envolve erro de julgamento” (ac. desta Secção de 20-06-2024, processo n.º 11433/21.9T8LSB.L1).
A sentença será obscura quando contenha algum segmento cujo sentido seja ininteligível, indecifrável, e ambígua se alguma parte permita interpretações diferentes, assim comprometendo a sua inteligibilidade (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 09-03-2022, processo n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também, Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, obra citada, p. 793, nota 11).
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que o recorrente argui a nulidade da decisão impugnada por a mesma reconhecer que o pedido por si formulado correspondia à impugnação da ilegitimidade do acompanhante para representar a cabeça-de-casal e o seu dispositivo versar sobre a remoção da cabeça de casal (conclusões II e III).
A argumentação apresentada pelo recorrente não constitui fundamento da nulidade em apreço, posto que, como acima se referiu, o mesmo reconduz-se a situações em que ocorre incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, isto é, quando a fundamentação indica sentido que contradiz o resultado.
Na verdade, a incompatibilidade alegada pelo recorrente não respeita à fundamentação e ao dispositivo da decisão, antes se reporta a uma incongruência entre a pretensão nela identificada como tendo sido deduzida e o dispositivo.
Conclui-se, face ao referido, que a decisão impugnada não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC, arguida pelo recorrente.
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6.
- Da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC.
Outra das causas de nulidade da sentença encontra-se prevista no art. 615º, n.º1, al. d), parte final, do CPC, e reconduz-se aos denominados omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.
O primeiro vício mencionado, invocado pela autora neste recurso, verifica-se quando ocorre a ausência de posição ou decisão do Tribunal sobre questões cujo conhecimento a lei impõe.
Tais questões são aquelas que as partes submetem à apreciação do Tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso.
As “Questões” referidas são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112), sendo que não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).”
Importa, assim, distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos apresentados pelas partes para defesa da solução que defendem para cada questão a resolver. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, p. 143).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16-04-2013, processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, acessível em dgsi.pt) e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
O vício em referência respeita, pois, aos limites da decisão, tal como definidos no art. 608º, n.º2, do CPC: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Se bem se compreende a alegação do recorrente, o mesmo invoca a nulidade em referência com o fundamento de que alegou factos que, no seu entendimento, legitimam o afastamento de CC de representar a cabeça de casal no inventário, formulou pedido nesse sentido, bem como de substituição da cabeça de casal por si, e a decisão recorrida não conheceu de tais factos nem dos aludidos pedidos (conclusões VII, VIII e XI).
Lida a decisão recorrida, constata-se que na mesma existe pronúncia sobre as pretensões deduzidas pelo recorrente, no sentido da sua improcedência e prosseguimento dos autos de inventário com a requerente como cabeça de casal, representada pelo seu filho CC.
Por outro lado, a matéria de facto alegada pelo recorrente no requerimento que apresentou a 21-10-2024, que se reconduz à existência de acções judiciais intentadas por CC, como representante da cabeça de casal, e o requerido, não se mostra idónea a colocar em causa a fundamentação convocada na decisão recorrida para sustentar a improcedência acima mencionada, como abaixo se referirá.
Assim, o conhecimento de tal matéria de facto mostra-se prejudicado, pelo que a sua ausência na decisão recorrida não constitui fundamento da nulidade em apreço.
O recorrente convoca, ainda, outro fundamento para a verificação da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, que se reconduz à ausência de conhecimento da matéria de facto que alegou em sede de reclamação à relação de bens e da própria reclamação, que apresentou no requerimento junto a 21-10-2024 (conclusões IX a Xi).
Como se alcança da decisão recorrida, na mesma delimita-se o seu objecto ao alegado e requerido pelos interessados sobre a nomeação da cabeça de casal.
A reclamação à relação de bens deduzida pelo recorrida não integra, pois, o objecto da decisão recorrida, não devendo ser nela conhecida.
Conclui-se, face ao referido, que a decisão impugnada não padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. c), do CPC, arguida pelo recorrente.
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7.
Passando ao conhecimento da quarta questão acima enunciada.
A decisão recorrida apreciou o requerimento junto pelo interessado a 21-10-2024, deduzido ao abrigo do art. 1104º, n.º1, al. c), do CPC, segundo o qual, o interessado directo na partilha pode, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, além do mais que não releva para a economia da presente decisão, impugnar a competência do cabeça de casal.
Como referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres (O Novo Regime do Processo de Inventário, e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2020, Coimbra, Almedina, p. 81), a impugnação da competência do cabeça-de-casal consubstancia-se na alegação de que tal cargo foi deferido em violação da escala de preferência definida na lei.
Por força do disposto no art. 1133º, n.º2, do CPC, as funções de cabeça de casal em processo especial de inventário para partilha de bens comuns subsequente a divórcio, como ocorre no caso em apreço, incumbem, sem prejuízo de acordo de todos os interessados em sentido diverso (art. 2084º do CC, aplicável por força do estatuído no art. 1788º do CC), ao cônjuge mais velho, neste caso, a requerente, AA.
De acordo com o disposto no art. 2082º, n.º1, do CC, aplicável ao caso dos autos por força do estatuído no art. 1788º do mesmo código, se o cônjuge que tiver preferência para exercer o cargo de cabeça de casal for incapaz, o seu representante legal exercerá as funções de cabeça de cabeça de casal. Nesta situação, o cargo de cabeça de casal é atribuído ao incapaz, mas as respetivas funções são exercidas pelo representante legal (cf.: Radinbranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3ª edição, Coimbra, 2002, Coimbra Editora, p. 43; Cristina M. Araújo Dias, Lições de Direito das Sucessões, 6ª edição, Coimbra, 2017, Almedina, p. 167).
Por força do número 2 do artigo 2082º do CC, quando o cabeça de casal beneficie de medida de acompanhamento, o acompanhante deverá ser tido como representante daquele para o efeito de exercer as funções de cabeça de casal quando tal resulte da sentença de acompanhamento ou de decisão judicial ulterior. Nessa situação, o cargo de cabeça de casal é atribuído ao acompanhado, exercendo as respetivas funções o seu acompanhante.
Para a verificação da situação referida, necessário é, face ao disposto no preceito mencionado, que o exercício do cargo de cabeça de casal em representação do acompanhado pelo acompanhante seja determinado na sentença que decretou o acompanhamento ou em decisão judicial posterior.
No caso dos autos, está demonstrado que a requerente é o cônjuge mais velho do extinto casal constituído pela mesma e o requerido, pelo que tem preferência para exercer o cargo de cabeça de casal, atento o disposto no art. 1133º, n.º2, do CPC.
Está, igualmente, demonstrado nos autos que, por sentença proferida no processo n.º 7679/22.0T8LSB, determinou-se que a requerente beneficie, além do mais, da medida de acompanhamento de representação em juízo e prática de todos os actos em processos judiciais, de qualquer natureza, ou inquérito crime, e todos os actos ou peças processuais, nomeadamente, os necessários a instaurar as respetivas acções, apresentar articulados ou requerimentos, apresentação de denúncia ou queixa, requerer a constituição como assistente e apresentação de pedido de indemnização civil, bem como a outorga de procurações forenses com ou sem poderes especiais para confessar, desistir ou transigir.
Da decisão mencionada resulta, claramente, a determinação da representação da requerida nos processos judiciais em que a mesma intervenha pelo acompanhante, o seu filho CC, o que abrange a sua intervenção, como interessada e cabeça-de-casal, nos autos de inventário, ao invés do defendido pelo recorrente.
Na verdade, sendo certo que o sentido do dispositivo da aludida decisão deve ser interpretado com apelo à sua fundamentação, o segmento desta que o recorrente identifica não afasta a representação da acompanhada pelo acompanhante no exercício do cargo de cabeça-de-casal.
O segmento referido tem o seguinte teor:
“No que respeita ao exercício das funções de cabeça de casal compete ao juiz titular dos autos de inventário proceder à respetiva nomeação, como resulta do artigo 1100º do Código de Processo Civil, razão pela qual nada se determina a esse respeito que terá que ser tratada no processo respetivo.”
Do aludido segmento resulta, tão só, a exclusão da nomeação, em sede de processo de inventário, da pessoa que desempenha o cargo de cabeça de casal por tal tarefa incumbir ao Juiz titular do processo, sendo o mesmo alheio à representação da acompanhada pelo acompanhante quando intervenha em processos judiciais.
Entende-se, face ao referido, que, da sentença proferida no processo n.º 7679/22.0T8LSB, resulta que o acompanhante da interessada AA, CC, deve representá-la em juízo na prática de todos os actos processuais, incluindo no exercício do cargo de cabeça de casal, como assumido na decisão recorrida.
Por outro lado, a factualidade alegada pelo recorrente relativa à existência de litigância entre o acompanhante, CC, e o próprio (conclusão XVII), mostra-se irrelevante para a designação do cabeça de casal e sua representação, posto que não coloca em causa a aplicação ao caso das normas constantes dos arts. 1133º, n.º2, do CPC, e 2082º, n.º1 e 2, do CC, acima convocadas e assumidas na decisão impugnada.
O mesmo ocorre em relação à invocada incapacidade da recorrida para exercer o cargo de cabeça de casal (conclusão XVIII), posto que, por força do disposto no art. 2082º, n.º1 e 2, do CC, a mesma é suprida pela representação da interessada indigitada para o cargo de cabeça de casal no seu exercício.
Responde-se, assim, negativamente à quarta questão acima identificada.
A decisão recorrida deve, pois, ser mantida, mostrando-se o recurso improcedente.
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8.
Considerando a improcedência da apelação, o recorrente deverá suportar as custas do recurso (art. 527º, n.º1 e 2 do CPC).
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2025.
Fernando Caetano Besteiro
Higina Castelo
Pedro Martins