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DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ATA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
Sumário: (elaborado pela Relatora) I - A Lei n.º 8/2022, de 10/01, quanto ao que sejam contribuições devidas ao condomínio, reveste um carácter interpretativo, visando acabar com a divergência entre a posição que admitia que uma acta que se limitasse a inventariar as dívidas do condómino podia servir de título executivo e os que entendiam que apenas revestiam essa qualidade as actas que contivessem a deliberação sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, com menção do modo de cálculo, atribuição a cada condómino (nomeadamente tendo em conta a permilagem), prazo e modo de pagamento. II – Assim, aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido. III - Apenas com este conteúdo é razoável falar-se em título executivo com dispensa da interposição da acção declarativa prévia, como é afinal a finalidade do legislador.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
Na pendência da execução que o Condomínio do Prédio Villa Panteão, Urb. … - Rua …, Albufeira intentou contra Villa Panteão Empreendimentos Turísticos Lda., a exequente veio requerer a cumulação de execuções, pelo valor de 9.712,72 € (Nove Mil Setecentos e Doze Euros e Setenta e Dois Cêntimos) relativo ao valor devido a titulo de prestações de condomínio, não pagas e já vencidas correspondente ao período de Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2023, no valor de € 7 448,10 (sete mil quatrocentos e quarenta e oito euros e dez cêntimos), que discrimina pela forma seguinte: Fracção A- € 1 062,08; Fracção B- € 2 655,76; Fracção BO- € 1 340,30; Fracção X- € 2 389,96; valores acrescidos de juros moratórios devidos à taxa legal, taxa de justiça autoliquidada e despesas jurídicas devidas.
Juntou Acta Número Treze, lavrada na sequência da Assembleia Geral Ordinária de Condóminos, realizada no passado dia 23 de Março de 2024.
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Foi proferido o despacho a indeferir liminarmente a requerida cumulação por falta de título executivo, porquanto, em síntese: “…o ora exequente apenas juntou uma acta datada de 2024, certificativa da dívida ora reclamada, não tendo sido junta qualquer das actas onde constem e portanto que titulem as obrigações de pagamento incluídas no novo pedido exequendo, ora cumulado.
É manifesto portanto, seguindo o entendimento supra expresso, que a acta junta não constitui título executivo, pois a lei só atribui força executiva à ata que contenha a deliberação da assembleia de condóminos que aprove as despesas que serão suportadas pelo condomínio e a quota parte que será devida por cada condómino, com indicação do prazo do respetivo pagamento, entendendo-se ser meramente complementar e mesmo desnecessária, a ata que liquide o que for já devido.”
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Desta decisão recorreu a Exequente, formulando as seguintes Conclusões:
“O presente Recurso é interposto face à não conformação e discordância absoluta com o despacho proferido pelo Mm. Juiz do Tribunal de 1ª instância, o qual indeferiu liminarmente o requerimento de cumulação de valores nos autos de execução.
Para o efeito, a Exequente/ Recorrente juntou a Acta Número Treze, lavrada na sequência da assembleia geral ordinária de condóminos realizada no dia 24 de Março de 2024.
Que, na nossa humilde opinião a Acta Treze está suficientemente clara e preenche todos os requisitos legalmente exigidos, pois nela estão contidas a deliberação dessa assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles.
Pois, para o caso em concreto, consideramos que a questão fulcral é a de saber se a Acta Treze cumpre ou não os requisitos legalmente exigidos.
Ora, à luz do D.L. n.º 268/94, de 25/10, que títulos executivos especiais, procurando soluções que tornassem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros, em particular o art.° 6.º dispõe que a Acta da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
Decorre deste artigo que o legislador atribuiu força executiva à Acta da assembleia de condóminos, permitindo ao condomínio instaurar acção executiva contra o proprietário da fracção, condómino devedor, relativamente à sua contribuição para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, na proporção do valor da sua fracção, sem que, previamente, tenha que lançar mão ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento do crédito.
Os condóminos, estão obrigados a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respectivas fracções (art.º 1424.º n.º 1 do C Civil).
O que sucede com a Executada/Recorrida.
A doutrina e a jurisprudência têm-se dividido quanto à definição das deliberações da assembleia de condóminos passíveis de servirem de título executivo: enquanto uns somente atribuem força executiva às Actas em que se proceda à liquidação dos valores em dívida de condóminos concretos outros defendem serem títulos executivos as Actas que definem a fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio em cada ano pelos condóminos.
Assim, Delgado de Carvalho, em defesa desta tese, refere "Consideramos como melhor doutrina a primeira das soluções apontadas, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria deliberação da assembleia de condóminos, vertida em acta, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota-pane nas contribuições e nas despesas comuns."
Na jurisprudência, decidiu-se neste sentido designadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2014, tendo como Relator Fernandes do Vale: "Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependente, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, ser explicitado aquele valor."
Cita-se igualmente, por particularmente incisivo, o Acórdão desta Relação de 15/01/2019, tendo como Relatora Maria Cecília Agente, onde se refere: "Propugnamos que o mencionado artigo 6.º/1 do decreto-lei 268/94 não faz depender a força executiva da acta da assembleia de condóminos da liquidação do montante concreto, certo, da dívida de cada condómino, bastando que os dados da acta e dos demais documentos que a completam permitam determinar esse valor.
Cremos até bastar a menção do valor global devido ao condomínio por contribuições correntes, pela realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns ou para pagamento de serviços de interesse comum, se os demais dados permitirem que cada condómino, pela aplicação da permilagem da sua fracção ao valor global, conheça o montante que lhe diz respeito."
A nosso ver, esta é a interpretação mais consentânea com a letra da lei e com o respectivo espírito. Efectivamente, o art.º 6.º do D.L. n.2 268/94, de 25/10 confere força executiva às deliberações que tenham por objecto as "contribuições devidas ao condomínio" contra o proprietário "que deixar de pagar".
O artigo 10º nº 5 do Código de Processo Civil, determina que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Por outro lado e como é por demais sabido, podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
No caso dos autos, a Acta Treze, documento que serviu de base, fundamento e título executivo ao requerimento de cumulação de valores em divida, cumpre todos os requisitos supra mencionados, uma vez que na acta consta a deliberação na assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles imputado de acordo com o orçamento aprovado.
Da leitura atenta e cuidada da Acta Treze, constata-se que se encontra portanto, em plenas condições, para valida e legalmente ser considerada título executivo.
O que por evidente erro de interpretação e aplicação das normas do Tribunal "A quo" proferiu despacho de indeferimento liminar, o que discordamos.
Contudo, conforme se demonstrou o presente Recurso tem por objectivo repor a verdade e iegalidade.
Pelo que, face ao exposto, não temos qualquer dúvida que são cumpridos todos os requisitos, de forma clara, concreta e incisiva e que a Acta Treze constitui título executivo.
O que deverá o despacho de indeferimento liminar do requerimento de cumulação de valores nos autos proferido pelo Tribunal "A quo" ser necessariamente substituído por outro, que o revogue, dê provimento ao pedido e ordene o seu prosseguimento, julgando procedente a Apelação interposta pela Exequente/Recorrente.
Assim, face ao exposto requer-se a V. Exa. que, com o mui douto saber e conhecimento, admitam o presente Recurso, por tempestivo e, em consequência dêem total provimento ao pedido da Exequente/Recorrente, declarando:
- Revogada a decisão do Tribunal de lã instância, e
- Determinando a sua substituição por despacho que julgue procedente o requerimento de cumulação de valores, pelo facto da Acta Treze cumprir todos os requisitos legais; e
- Ordene o consequente prosseguimento dos autos.”
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente mas sempre tendo em consideração a decisão que foi concretamente proferida.
Deste modo no caso concreto a única questão a apreciar consiste em saber se dispõe a exequente ou não de título executivo para a execução que pretende cumular.
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III. Fundamentação de Facto.
Com interesse para a decisão do presente recurso, há que atender ao que decorre do relatório supra, dando-se ainda aqui por reproduzido o teor da Acta n.º 13 junta com o requerimento para cumulação de execução.
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IV. Do Direito.
Da qualidade da Acta como título executivo.
De acordo com o art.º 10º, n.º 4 do Código de Processo Civil, “Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida”, dispondo-se ainda no n.º 5 que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”
Sendo o título executivo a condição sine qua non da acção executiva, o mesmo pressupõe que a obrigação que contém está validamente constituída, sem necessidade de se recorrer a uma acção declarativa para ver reconhecido o direito que no mesmo se insere. O mesmo constitui ainda o limite da execução, não podendo o credor pedir mais do que no título se inscreve.
A Lei limita a espécie de títulos executivos, previstos pelo art.º 703º do Código de Processo Civil:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Do que se vem expondo decorre que, para que um determinado documento seja considerado título executivo, o mesmo há-de observar determinados requisitos, formais e substanciais, desde logo as sentenças e alargando o legislador o elenco, típico e taxativo, dos títulos executivos a determinados documentos particulares, desde que observados os requisitos impostos pela norma que lhes atribui força executiva.
Nenhuma ação executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação – Lebre de Freitas, A acção executiva depois da reforma da reforma, 5.ª edição, pág. 35.
Desde já aqui se nota que a questão da validade do documento não se confunde com a da sua qualidade de título executivo, que não são coincidentes: um documento válido não se reveste necessariamente da qualidade de título executivo.
Não está em causa a validade da Acta.
A questão é se o seu teor cumpre os requisitos exigidos pela Lei para se falar em título executivo, sendo aqui aplicável o que se prevê no art.º 703º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 6º do DL n.º 268/94, de 25 de Outubro - Regime da Propriedade Horizontal, na versão em vigor à data da entrada em juízo da execução, do Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de Outubro:
“1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior.”
A interpretação desta norma, sobre o que se deve entender por “montante das contribuições devidas ao condomínio e quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” deu origem a uma clara divisão entre a jurisprudência, naquilo que se entendia como uma interpretação restritiva e uma interpretação extensiva da norma.
Para a visão restritiva são títulos executivos apenas as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.
Para a interpretação extensiva será de atribuir força executiva quer à citada acta quer à acta em que, por um condómino não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
Colocava-se ainda a questão de saber se a acta podia constituir título executivo para contribuições extraordinárias, enquanto integradas na previsão “quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”.
Outro motivo de controvérsia prendia-se com a executoriedade da acta que previa a aplicação de penalizações ao condómino incumpridor, entendendo parte da jurisprudência que tais quantias se encontravam abrangidas pela norma e parte da jurisprudência a rejeitar tal possibilidade.
Atentas estas divergências e questões suscitadas, esta norma veio a ter nova redacção conferida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, passando a constar:
“1 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições a pagar ao condomínio menciona o montante anual a pagar por cada condómino e a data de vencimento das respetivas obrigações.
2 - A ata da reunião da assembleia de condóminos que reúna os requisitos indicados no n.º 1 constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
3 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
4 - O administrador deve instaurar ação judicial destinada a cobrar as quantias referidas nos n.ºs 1 e 3.
5 - A ação judicial referida no número anterior deve ser instaurada no prazo de 90 dias a contar da data do primeiro incumprimento do condómino, salvo deliberação em contrário da assembleia de condóminos e desde que o valor em dívida seja igual ou superior ao valor do indexante dos apoios sociais do respetivo ano civil.”
Dispõe o artigo 9.º, da Lei 8/2022, de 10 de Janeiro, que a mesma entrava em vigor 90 dias após a respectiva publicação, com excepção do previsto quanto à alteração dada ao artigo 1437.º, do Código Civil; ou seja, a Lei 8/2022 veio a entrar em vigor a partir de 10 de Abril de 2022.
Constata-se que na nova redação do n.º 1 da norma foi suprimido o segmento “… ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”; por outro lado, foi aditado o segmento no sentido de a acta mencionar o montante anual a pagar por cada condómino (e a data de vencimento das respetivas obrigações), bem como o n.º 3, prevendo expressamente que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.
A lei 8/2022 resulta do Projecto de Lei n.º 718/XIV/2.ª, no qual já constava a redacção que veio a ser dada a este artigo 6.º e de acordo com a respectiva exposição de motivos, teve-se em vista introduzir “… mecanismos facilitadores da convivência em propriedade horizontal, nomeadamente agilizando procedimentos de cobrança (…). O diploma pretende ainda contribuir para a pacificação da jurisprudência que é abundante e controversa a propósito de algumas matérias, como, por exemplo, os requisitos de exequibilidade da acta da assembleia de condóminos, a legitimidade processual activa e passiva no âmbito de um processo judicial e a responsabilidade pelo pagamento das despesas e encargos devidos pelos condóminos alienantes e adquirentes de fracções autónomas, colocando fim, neste último aspecto, à vasta e sobejamente conhecida discussão acerca das características de tais obrigações”.
Com a entrada em vigor desta Lei, novas questões se colocaram, desta vez sobre o carácter interpretativo ou, pelo contrário, inovador da nova redacção da norma.
Nos termos do n.º 1 do art.º 12.º do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Porém, o n.º 2 do mesmo art.º 12.º, segunda parte, preceitua que quando a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, se entende que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
A lei interpretativa, tal como refere Pedro Romano Martinez, Introdução ao Direito, AAFDL, 2021, pág.s 222/3, contrapõe-se a uma lei inovadora, visando explicitar o sentido de uma lei anterior que tinha um sentido dúbio, determina o sentido da lei interpretada, integrando-se nela e por isso de aplicação retroactiva, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Tem-se entendido que a Lei n.º 8/2022 reveste estas duas características, consoante o que esteja em causa:
Por um lado, quanto às sanções de natureza pecuniária, se entende que a Lei assume uma dimensão meramente interpretativa, face à controvérsia anterior (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1253/22.9T8CVL-B.C1, de 18/6/2024 e onde é citada outra jurisprudência no mesmo sentido);
Quanto às contribuições extraordinárias, já se entende que a lei não pode deixar de revestir um carácter inovatório, deixando de ter a acta a função de título executivo quanto a estas, mas não se podendo negar essa qualidade a actas aprovadas em data anterior à da e.v. da Lei (veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Proc. 1089/22.7T8SRE-B.C1 de 13/6/2023).
Já quanto o que sejam contribuições devidas ao condomínio, entende-se que a Lei n.º 8/2022 reveste igualmente um carácter interpretativo, visando acabar com a divergência entre a posição que admitia que uma acta que se limitasse a inventariar as dívidas do condómino podia servir de título executivo e os que entendiam que apenas revestiam essa qualidade as actas que contivessem a deliberação sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, com menção do modo de cálculo, atribuição a cada condómino (nomeadamente tendo em conta a permilagem), prazo e modo de pagamento - o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual – entendendo-se à luz da redacção anterior do art.º 6º que tal igualmente se exigia quanto à aprovação de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum – impunha-se que da acta constasse a deliberação e aprovação da despesa, modo e forma de pagamento, permilagem, prazo, etc…
Neste sentido, a título meramente exemplificativo, já decidia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/6/2021, proferido no Proc. n.º 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1: “I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo; II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94.”
Ou como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/7/2023, desta Secção, proferido no Proc. 2237/19.0T8LRS-A.L1-6, onde se remete para diversa jurisprudência e onde se pode ler: “A questão que se levanta é a de saber qual é, afinal, a ata que pode ser considerada título executivo, pois a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”. Esta questão levanta-se, nomeadamente na execução aqui em causa, porque há muitas assembleias de condóminos que deliberam ou simplesmente fazem constar de ata as dívidas ao condomínio por parte dos condóminos e que são existentes à data da assembleia, levando a efeito uma inventariação de tais dívidas. Estas deliberações são distintas daquelas que decidem sobre o montante da contribuição periódica ao condomínio, o que geralmente é feito através da aprovação do orçamento anual, ou da aprovação de quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Que estas últimas constituem título executivo, não há qualquer dúvida. A questão que se tem levantado e que tem dividido a jurisprudência é a de saber se as atas que contêm deliberações que se limitaram a inventariar as dívidas dos condóminos também constituem título executivo. Sobre esta questão temos jurisprudência que nega a natureza de título executivo a tais atas e outra que lhe concede essa característica. (…) Consideramos que a segunda interpretação é de afastar, desde logo porque é contrária ao princípio geral da proibição da autotutela dos direitos, que decorre do artº 1º do CPC. Por via dessa interpretação está-se a conceder a um credor a possibilidade de ser ele a definir o seu crédito e o respetivo conteúdo. O legislador, ao dispensar o condomínio da instauração da ação declarativa, não lhe concedeu o poder de declarar o seu próprio direito, que é o que na realidade se passa quando se atribui força executiva à mera menção na ata da circunstância de determinado condómino dever determinada quantia. Não é, nem pode ser, esta declaração que consubstancia a obrigação exequenda, exatamente porque dela não decorre qualquer obrigação. Tal configuraria uma declaração de dívida que, ao invés de partir do devedor, parte do próprio credor. A obrigação que efetivamente está em causa constituiu-se por via da anterior deliberação que, essa sim, contém os factos determinantes suscetíveis de gerar a pretensão creditícia do condomínio. As referidas menções efetuadas nas atas das assembleias de condóminos respeitantes às dívidas ao condomínio podem ter a utilidade de chamar a atenção do condómino em causa para o que está a dever ao condomínio e também, há que dizê-lo, para expor o incumprimento das obrigações por parte desse condómino perante todo o condomínio. Têm, portanto, uma finalidade meramente informativa e nem sequer se percebe qual o instituto jurídico, ou a norma, ou princípio jurídico a que se pode recorrer para sustentar algum tipo de eficácia jurídica a uma mera deliberação que menciona o rol das dívidas ao condomínio.”
Neste sentido também o Acórdão proferido Processo n.º 12745/21.7T8SNT-A.L2, desta Secção e da aqui Relatora.
Em resumo, adere-se a esta orientação; de facto, aquilo que deve constar do título é a constituição da obrigação e esta apenas nasce com a deliberação, validamente formada, que fixa o conteúdo dessa obrigação e não a simples declaração, tomada pelo credor, do montante que considera ser devido.
Apenas com este conteúdo é razoável falar-se em título executivo com dispensa da interposição da acção declarativa prévia, como é afinal a finalidade do legislador.
Aqui chegados e considerando a este propósito revestir a Lei 8/2022 de carácter interpretativo, olhando ao teor da acta dada à execução conclui-se ser de manter a sentença proferida.
Senão vejamos.
Pretende a exequente cumular a execução relativa a prestações de condomínio, não pagas e já vencidas, correspondentes ao período de Maio de 2019 a 31 de Dezembro de 2023, no valor de € 7 448,10 (sete mil quatrocentos e quarenta e oito euros e dez cêntimos), que discrimina pela forma seguinte: Fracção A: € 1 062,08; Fracção B: € 2 655,76; Fracção BO: € 1 340,30; Fracção X: € 2 389,96.
Ora, não consta da Acta n.º 13 qualquer deliberação relativa aos anos em causa; nesta Acta é feita apenas a descrição dos montantes que a exequente considera em dívida relativos a, entre outros, esses anos, fazendo menção a outras Actas anteriores onde teria sido deliberado e aprovados orçamentos de onde resultaria a responsabilidade que agora pretende imputar.
Serão essas Actas que poderão constituir títulos executivos - Actas em que foram aprovados, em cada ano o orçamento correspondente às despesas e encargos comuns, a imputação conforme permilagem a cada fracção e o prazo de pagamento dos respectivos montantes – e não a Acta agora junta; a Acta n.º 13 limita-se a traduzir a declaração do credor de que lhe serão devidos determinados montantes mas sem que demonstre relativamente a cada um deles a deliberação que aprovou para cada ano em causa (apenas resulta da mesma a deliberação nesses termos para o ano de 2024) a obrigação que daí decorria para cada fracção. É com essa(s) deliberação(ões) que se pode chegar, através das respectivas operações aritméticas, à eventual conclusão aposta na Acta n.º 13.
Quanto às quantias referentes a taxa de justiça autoliquidada e “demais despesas jurídicas”, não servem as actas de condomínio de título executivo para tanto, não tendo assim cabimento legal; eventualmente tais quantias terão de ser tidas em consideração em sede de custas de parte na(s) acção(ões) respectiva(s).
Desta forma, mantém-se a Decisão recorrida, de indeferimento do r.e. para cumulação de execuções.
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V. Das Custas.
Vencido na causa, é o Recorrente o responsável pelas custas devidas pelo Recurso, conf. art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se manter a decisão proferida de indeferimento do r.e. de cumulação de execuções.
Custas pelo Recorrente.
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Lisboa,
Vera Antunes
Elsa Melo
Carlos Santos Marques