FACTOS
REMISSÃO
DOCUMENTOS
CAUSA DE PEDIR
Sumário

Sumário:
5.1.- Os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados pelas pares nos respectivos articulados :
5.2. – Não obstante o referido em 5.1., nada obsta a que , desde que os factos essenciais que constituem a causa de pedir se mostre alegada pela parte, se socorra também o julgador de factos não alegados e indispensáveis à procedência dessa acção, desde que presentes em documentos juntos com o articulado e o qual para os mesmos remete.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1.- Relatório
Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A., com sede no Porto, intentou – em 22/6/2022 - procedimento de injunção contra B, peticionando o pagamento, por parte deste, da quantia de €7.231,66 a título de capital, €100,00 a título de outras quantias e €130,76 a título de juros de mora vencidos até 22/06/2022.
1.1.– Para tanto, alegou a requerente, em síntese, que :
- A Requerente desenvolve a sua atividade comercial a qual incluiu a concessão de crédito ao consumo de bens e serviços e mútuos ;
- No exercício da sua actividade a requerente celebrou com o requerido em 29/04/2021 um contrato de crédito de crédito pessoal, com o nº 389645, através do qual a requerente financiou ao requerido aquantia de €: 8.327,76.
- No contrato supra referido, o requerido confessou-se devedor da quantia em causa, obrigando-se a reembolsar o requerente das quantias mutuadas, acrescidas dos respectivos juros de mora e demais despesas contratualmente previstas, o que seria feito através do pagamento de 84 prestações mensais e sucessivas no valor de € 99,14, cada uma.
- Sucede que o requerido incumpriu o contrato celebrado, razão porque por diversas formas, a requerente interpelou o requerido, para o pagamento integral das quantias em divida, o que não se verificou.
- Consequentemente, procedeu a requerente a comunicação da resolução do contrato , comunicação que foi realizada por carta datada de 07/01/2022 enviada para a morada indicada pelo requerido, tendo a requerente informado o requerido da resolução do contrato e do montante em divida naquela data, o qual ascendia ao montante de €7.231,66 relativo às prestações em divida vencidas e vincendas, acrescido dos respectivos juros e demais despesas contratuais previstas ;
- Não obstante o Requerido manteve-se em incumprimento, sendo que ao valor indicado acrescem juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da resolução e que nesta data ascendem a €:130,76.
- São ainda devidos juros vincendos até efectivo e integral pagamento da quantia em divida, taxa de justiça e despesas de cobrança, num total na presente data de €: 7 615,42 ;
1.2.- Frustrando-se a Notificação do requerido, foi o expediente remetido à Distribuição [ como Ação Esp.Cump.Obrig.DL269/98 (superior Alçada 1ªInstª) ], mas , não tendo sido possível citar o réu – por desconhecimento do seu paradeiro -, procedeu-se então à sua citação EDITAL, à qual se seguiu a citação do Ministério Público [ cfr. artº 21º, do CPC ] , tendo sido deduzida oposição [ por excepção e por impugnação motivada ].
1.3. – De seguida – em 21/11/2024 – proferiu a Exmª Juiz titular dos autos o seguinte Despacho :
“(…)
Em sede de oposição, o Ministério Público, em representação da ré, veio invocar a excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, resultante do incumprimento da obrigação de integrar o réu no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
Face ao exposto, notifique a autora para, no prazo de 10 dias:
a) Vir informar aos autos se se houve lugar ao cumprimento da obrigação de integração do réu no PERSI, juntando a respectiva prova documental quer da integração no PERSI, quer da comunicação da sua extinção, ou justificando a não integração;
b) Caso tal não tenha ocorrido, pronunciar-se, querendo, sobre a excepção invocada ,resultante do incumprimento dessa obrigação.
II – Do convite ao aperfeiçoamento:
Não obstante o requerimento de injunção apresentado conter a indicação sucinta do pedido e da causa de pedir, certo é que o mesmo não concretiza as declarações negociais das partes no contrato invocado, nomeadamente, quais as condições de reembolso acordadas, designadamente, qual a data de vencimento de cada uma das prestações, quais as eventuais taxas de juros aplicáveis, que prestações pagou o réu, em que data deixou de as pagar e, ainda, se o réu de obrigou ao pagamento de outras despesas.
A ausência dos elementos supra referidos consubstancia uma insuficiência na densificação ou concretização adequada dos factos essenciais em que se estriba a pretensão trazida a juízo – cfr. artigo 5.º n.º 1 do CPC.
Nos termos do disposto no artigo 17.º n.º 3 do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, após a distribuição do processo por frustração de notificação ou oposição ao requerimento de injunção, recebidos os autos pelo juiz, este pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais, o que está em harmonia com o disposto no artigo 590.º n.º 4 do CPC.
Por conseguinte, deve a autora ser convidada, mediante despacho de aperfeiçoamento, a indicar, de forma completa, a causa de pedir, nomeadamente a identificação das declarações negociais relativas ao contrato celebrado (teor do acordo negocial), nos termos supra expostos.
Assim, nestes termos e com os fundamentos expostos, convida-se a autora a, no mesmo prazo de 10 dias, aperfeiçoar a sua Petição Inicial, suprindo as deficiências apontadas, com respeito pelo pedido e pela causa de pedir formulados no requerimento de injunção ”.
1.4. – Apresentando – no seguimento do despacho identificado em 1.3. - a autora petição inicial aperfeiçoada em 16/12/2024, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias, sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa [ alegadamente por carência de factos essenciais para a sua procedência ] e, não se opondo à imediata prolação de uma decisão de mérito, em 4/4/2025 foi proferida Sentença cujo excerto decisório é do seguinte TEOR :
“(…)
IV – Dispositivo:
Termos em que se julga a presente acção totalmente improcedente, por inconcludência do pedido e, em consequência disso, absolve-se o réu do pedido.
Condena-se a Autora no pagamento das custas judiciais – cfr. artigos 527.º n.º 1 e 2 do CPC e 6.º n.º 1 do RCP e tabela anexa àquele diploma.
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Fixa-se à causa o valor de € 7.462,42 (sete mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos) - cfr. artigos 296.º n.º 1 e 2, 299.º n.º 1, 306.º n.º 1 e 2 do CPC e artigo 18.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01/09.
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Registe e notifique.
Lourinhã, 04/04/2025”.
1.5.- Não se conformando com a decisão/sentença do tribunal a quo, da mesma apelou então a AUTORA Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A., alegando e deduzindo as seguintes, conclusões :
1.ª A Recorrente pretende a revogação da sentença do douto tribunal “a quo” em virtude de erro de direito na subsunção da análise do processo dos factos e documentos;
2.ª O DL n.º 269/98, de 01/09 no artigo 10.º, n.º 2, alínea d), estabelece que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”;
3.ª O artigo 17.º, n.º 3, do DL n.º 269/98, deve ser interpretado em conformidade com o artigo 590.º, nºs 2, al. b), 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil, sendo inadmissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento;
4.ª A Recorrente alegou a origem da relação jurídica no requerimento de Injunção;
5.ª A Recorrente alegou a data em que a relação jurídica foi constituída;
6.ª A Recorrente alegou os termos acordados pelas partes, nomeadamente reembolso do valor mutuado através do pagamento de 84 prestações mensais e sucessivas no valor de € 99,14;
7.ª A Recorrente alegou os factos inerentes ao termo do contrato e recurso à via judicial bem como valores e datas correspondentes;
8.ª Os factos constantes do requerimento de Injunção preenchem o estabelecido legalmente Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, i.e., a indicação, de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção;
9.ª A causa de pedir é expressa e o pedido é expresso e líquido;
10.ª Não poderá proceder o alegado pelo douto tribunal a quo quanto a inconcludência do pedido;
11.ª A Recorrente foi convidada para aperfeiçoar a sua Petição Inicial, suprindo as deficiências apontadas, com respeito pelo pedido e pela causa de pedir formulados no requerimento de injunção;
12.ª O despacho do tribunal a quo que determina o aperfeiçoamento indica: “Não obstante o requerimento de injunção apresentado conter a indicação sucinta do pedido e da causa de pedir,…”
13.ª O tribunal a quo no despacho de 05/12/2024 ( ref citius 163185668) apenas refere que existe uma insuficiência na densificação ou concretização adequada dos factos essenciais;
14.ª Apenas em sede de sentença, o douto tribunal a quo, subitamente conclui pela inteligibilidade da causa de pedir e do pedido;
16.ª A eventual suficiência de densificação do pedido, a qual não se admite, e a inexistência de dados permitam aferir causa de pedir e pedido são questões diametralmente diferentes e não determinam a mesma conclusão nem derivam do mesmo tipo de análise;
17.ª Dos documentos juntos aos autos, bem como da resposta junta pela Recorrente com os referidos documentos em 16/12/2024 (ref citius 16056211), constam todos os dados essenciais para aferir da obrigação contratada, datas, forma de pagamento, taxas de juros, data de pagamento das prestações, data do incumprimento, data da interpelação, data da resolução, valores em divida em cada momento e a resolução do contrato e posteriores termos;
18.ª A Recorrente expôs os factos que fundamentam a sua pretensão, que se funda na celebração de um contrato em data e entre pessoas identificadas, para mútuo de uma quantia especificada, e em cumprimento desse contrato foi acordado pelo Recorrido o pagamento de uma prestação, que foi especificada;
19.ª A prolação do despacho de 05/12/2024 (ref citius 163185668), pressupõe que o requerimento de injunção não é inepto por falta de indicação da causa de pedir, pois se a causa de pedir não tivesse sido, de todo, indicada, seria logicamente impossível a sua densificação;
20.ª A douta sentença recorrida poderá ser entendida como contraditória com o despacho mediante o qual o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir,
21.ª O tribunal a quo já reconhecera que, ainda que com insuficiências ou imprecisões, o requerimento de injunção não era inepto por falta de indicação da causa de pedir no despacho de 05/12/2024 (ref citius 163185668);
22.ª A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da instância e que é uma exceção é de conhecimento oficioso;
23.ª Não se verifica a inelegibilidade do pedido, contudo a admitir essa circunstância a consequência legal determinaria a absolvição do Reu da instância e não do pedido, conforme determinado na sentença proferida;
24.ª Foram invocados os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, e que permitem que se compreenda, o negócio que está na origem do litígio;
25.ª A petição apenas é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão, são expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir, o que não se verifica;
26.ª A ininteligibilidade, da causa de pedir, não é passível de suprimento pelo juiz, pelo que, também não poderia ter lugar a prolação de despacho de aperfeiçoamento;
27.ª A douta sentença recorrida deverá ser revogada e determinado o prosseguindo dos autos e seus ulteriores termos.
Termos em que, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão do tribunal “a quo”,e deverá a douta sentença ser revogada prosseguindo os autos os seu tramites legais.
1.6.- Com referência à apelação identificada em 1.5., veio o MINISTÉRIO PÚBLICO apresentar contra-alegações, impetrando que deve o recurso improceder mantendo-se a Douta Decisão do Tribunal de 1ª instância , para tanto formulando as seguintes CONCLUSÕES :
1. As questões essenciais a resolver traduzem-se em saber: se se verifica a inconcludência do pedido expresso na petição inicial e no subsequente requerimento de aperfeiçoamento; e , na afirmativa, se a consequência legal dessa inconcludência será a absolvição da instância ou a absolvição do pedido.
2. - Com efeito, com o recurso interposto, vem a recorrente, em suma, impugnar a verificada inconcludência do pedido expresso na petição inicial e no subsequente requerimento de aperfeiçoamento. Suscita ainda a questão da consequência legal dessa inconcludência, alegando erro de direito na decisão de absolvição do pedido, pugnando (subsidiariamente) pela absolvição da instância.
3. - Alega a recorrente que o requerimento inicial não foi considerado inepto pelo Tribunal a quo, e que nele constam todos os factos essenciais.
4. - Todavia, verifica-se clara a ausência de indicação expressa de cláusulas contratuais essenciais à procedência da ação, tais como: a data de disponibilização da quantia, as condições específicas de reembolso, as datas de vencimento das prestações, as taxas de juros aplicáveis em caso de mora, e o histórico de pagamentos realizados. Assim, a recorrente limitou-se a afirmar o incumprimento contratual e a quantia em dívida, sem apresentar factos concretos que fundamentem tais alegações.
5. - O Tribunal a quo cumpriu o dever de providenciar pelo suprimento das deficiências que oportunamente apontou, e convidou a ora recorrente ao aperfeiçoamento do requerimento inicial. No entanto, manteve-se a omissão de factos determinantes para a procedência da ação.
6. - É certo que a falta de alegação de factos essenciais dá lugar à ineptidão da petição inicial por falta de identificação de uma causa de pedir, que tal conduz à absolvição da instância, e à formação de caso julgado formal. Contudo, como in casu sucedeu, quando a causa de pedir ficar incompleta, por não terem sido alegados todos os factos que constituem a causa de pedir (nem sequer depois de um convite ao aperfeiçoamento), o que acontece é a inconcludência do pedido, com a consequente absolvição deste, decisão que produz caso julgado material.
7. - Não foram violados quaisquer preceitos legais ou princípios de direito.
8.- Pelo que deverá o recurso improceder, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. Assim, se fará JUSTIÇA!
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes:
A - Aferir se, em face da factualidade alegada no requerimento de injunção, maxime após “novo” articulado pela autora apresentado em consonância com despacho de aperfeiçoamento proferido pelo tribunal a quo, importa revogar a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos ;
***
2. - Motivação de Facto.
Do processado nos autos, resulta provada – para além do já exposto em sede de relatório do presente acórdão - a seguinte “factualidade” :
2.1. - Na sequência de notificação pelo tribunal desencadeada – no seguimento do despacho supra identificado em 1.3. - , veio a autora juntar petição inicial aperfeiçoada, na qual alegou que:
“1º - A Autora e o Reu celebraram contrato de crédito, no qual foi intermediário GLFN ,Unipessoal Lda., com o nº CCRP 389645, em 29/04/2021, conforme documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido (doc. 1).
2º Mediante o referido contrato foi mutuado ao Réu a quantia de €:5.898,15, sendo valor a reembolsar de €:8.327,76, em 84 prestações de €: 99,14.
3º O contrato celebrado prevê a aplicação de uma taxa nominal de 10,00%, sem indexante e com aplicação de TAEG 12,80%.
4º O Réu incumpriu o contrato celebrado, pelo que, foi interpelado em 23/11/2021, para regularização, conforme documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido (doc. 2).
5º Dado que o valor em divida não foi regularizado o contrato foi resolvido em 07/01/2022, por carta remetida para a morada convencionada, a qual foi devolvida, conforme documento que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido (doc. 3 e doc. 4).
6º Em virtude da resolução do contrato são devidas as prestações vencidas e respectivos juros e despesas bancarias, acrescido das prestações vincendas.
7º Em virtude do incumprimento que persistiu a Autora foi forçada a recorrer a procedimento de injunção para recupera o seu crédito.
8º Na carta de resolução foi comunicado e discriminado o valor em divida que ascendia a € 7.231,66, ao qual acrescem juros de mora vencidos até à data da interposição da acção e juros de mora vincendos até integral pagamento à taxa de 4%.” ;
2.2. – Do documento nº 1 identificado no artº 1º do articulado de aperfeiçoamento, consta, designadamente, o seguinte :
“(…)
5. Condições de Reembolso e forma de Pagamento
5.1 O reembolso das prestações será efetuado com uma periodicidade MENSAL;
5.2 Tipo de prestações: Constantes;
5.3 O CLT obriga-se a reembolsar o MC em 84 x 99,14€ ( 99,14€ + 0,00€ de Comissão Processamento Prestação)
 A primeira prestação poderá apresentar um montante diferente das restantes prestações, caso o número de dias decorridos entre a data de disponibilização de fundos e a data de vencimento daquela prestação, seja diferente de 30 dias.
(…)
6. Condições de reembolso
6.1 O reembolso do crédito é efetuado em prestações, cujo tipo, montante, número, periodicidade e meio de pagamento são fixados nas CP.
6.2 O valor das prestações inclui, designadamente o capital, juros do financiamento, imposto do selo e outros tributos ou taxas devidos pelo CLT, bem como o valor correspondente a prémios de seguro, se aplicável.
6.3 Durante a vigência do contrato de crédito, o CLT pode solicitar ao MC o envio de uma cópia do Plano Financeiro do Empréstimo, indicando os pagamentos devidos, as datas de vencimento e as condições de pagamento dos montantes, a composição de cada reembolso periódico em capital amortizado, os juros calculados com base na taxa nominal e, se for o caso, os custos adicionais. Quando a taxa de juro não for fixa, ou se os custos adicionais puderem ser alterados nos termos do contrato de crédito, o Plano incluirá a indicação de que os dados constantes do quadro apenas são válidos até à alteração seguinte da taxa nominal ou dos custos adicionais nos termos do contrato de crédito.
6.4 Se houver lugar ao pagamento de comissões e de juros sem amortização do capital, o CLT pode solicitar ao MC um extrato dos períodos e das condições de pagamento dos juros devedores e das comissões recorrentes e não recorrentes associadas.
6.5 Os pagamentos são imputados ao valor em dívida pela ordem seguinte: valor correspondente a prémios de seguro(se aplicável), impostos, encargos ou comissões, de acordo com a lei aplicável em vigor, e penalidades vencidas, juros e capital.
(…)
12. Mora
12.1 O CLT fica constituído em mora caso não efetue o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respetivo vencimento.
12.2 Sobre as importâncias em mora e durante o tempo em que esta se verifique, incidirá a taxa de juro da operação, acrescida de uma sobretaxa de mora até 3% ou outra mais elevada consentida por lei, podendo os juros ser capitalizados nos termos da lei.
12.3 O CLT suporta ainda uma comissão pela recuperação dos valores em dívida, nos exatos termos da lei e do preçário do MC.
12.4 Verificada a mora em duas prestações sucessivas, o MC informará o CLT, por forma escrita mediante o recurso a qualquer meio de comunicação à distância previsto no âmbito do presente contrato, de que possui um prazo suplementar de 15 dias de calendário, contados da data de vencimento da segunda prestação, para proceder ao pagamento de todas as quantias em mora, acrescidas da taxa moratória e eventuais encargos ou indemnizações devidas.
12.5 O MC está obrigado a comunicar à Central de Responsabilidades de Crédito do BdP as responsabilidades efetivas ou potenciais dos intervenientes do contrato, decorrentes do mesmo, bem como os respetivos saldos mensais e sua situação, incluindo a eventual mora ou incumprimento.
13. Incumprimento definitivo
13.1 Verifica-se incumprimento definitivo por parte do CLT quando, cumulativamente: i) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas, desde que o valor em conjunto das prestações em falta exceda 10% do montante total do crédito em dívida; e ii) o CLT não proceda ao pagamento das prestações em atraso no prazo concedido para o efeito pelo MC nos termos do ponto 12.4 das CP.
13.2 Com o incumprimento definitivo do contrato são imediatamente devidas todas as prestações em falta, acrescidas, sempre que aplicável, dos encargos e/ou indemnizações devidas.
14. Resolução
14.1 Caso o CLT não aceite as alterações à TAN e TAEG previstas no ponto 6 das CG pode, no prazo de 15 dias de calendário a contar da comunicação do MC, resolver o contrato, antecipando o pagamento da totalidade do saldo devedor nas condições anteriores à alteração, presumindo-se a aceitação das alterações pelo CLT em caso contrário.
14.2 O MC pode resolver o contrato de crédito no caso de incumprimento definitivo ou outras razões objetivamente justificadas, sendo estas comunicadas pelo MC ao CLT por forma escrita mediante o recurso a qualquer meio de comunicação à distância previsto no âmbito do presente contrato.
(…)”
2.3. – Do documento nº 2 identificado no artº 3º do articulado de aperfeiçoamento, consta, designadamente, o seguinte :
- A comunicação efectuada por carta de 23/11/2021 do montante por liquidar pelo réu no valor de 703,93 €, à qual é anexa um extrato com indicação das prestações mensais não pagas e respectivos juros de mora contabilizados ;
2.4. – Dos documentos nºs 3/4 identificado no artº 5º do articulado de aperfeiçoamento, consta, designadamente, o seguinte :
- A comunicação efectuada por carta de 7/1/2022 da resolução pela autora do contrato de crédito com o réu outorgado, com indicação do montante total à data em dívida [ pelo montante de 7.231,66 € ], à qual é anexo um extracto de conta com indicação de todas as prestações mensais não pagas e respectivos juros de mora contabilizados , e , bem assim, dos montantes devidos a titulo de COMISSÕES E DESPESAS;
***
3.- Se, em face da factualidade alegada no requerimento de injunção, maxime após o “novo” articulado pela autora apresentado em consonância com despacho de aperfeiçoamento proferido pelo tribunal a quo, importa revogar a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos .
A suportar a decisão recorrida, são pela Exmª Juiz a quo alinhados – em parte - os seguintes fundamentos :
“ (…)
…. não obstante o convite específico para o efeito, a autora não alegou quais foram as condições de reembolso acordadas, designadamente quanto à data de vencimento de cada uma das prestações, que prestações pagou o réu, em que data deixou de as pagar, que penalizações foram acordadas para o caso de mora (limitando-se a alegar, de forma conclusiva que o réu incumpriu o contrato).
(…)
Na sua petição inicial, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem, de fundamento à acção – cfr. artigo 552.º n.º 1alínea d) e 5.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
(…)
O autor tem, assim, necessariamente, de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas quanto aos factos integradores da causa de pedir invocada.
A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor pretende fazer valer, isto é, os factos que integram a previsão das normas materiais que estatuem o efeito pretendido pelo autor – cfr. artigos 552.º n.º 1 alínea d), 5.ºn.º 1, 574.º n.º 1 e 581.º n.º 4, todos do CPC.
(…)
Nas acções que têm como causa de pedir contratos, o núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela celebração do contrato de onde emergem direitos e obrigações para as partes. Assim, nestes casos, o autor deve alegar, pelo menos, as cláusulas essenciais que definem o negócio celebrado, isto é, as declarações recíprocas das partes naquele contrato, bem como outros factos ajustados à pretensão deduzida, que permitam concluir pela procedência desta, nomeadamente, aquilo que foi prestado e em que momento, qual o preço que foi acordado, o prazo e condições de pagamento, entre outras.
E tal terá de ser alegado através de factos concretos e não de meros conceitos legais, conclusões, ou de remissão para documentos, nomeadamente, facturas, como por vezes sucede.
Todos estes factos que integram a causa de pedir são factos principais, servindo uma função fundamentadora do pedido.
(…)
Se esses factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada, não podendo a petição considerar-se inepta por falta desta, embora possa estar incompleta por falta de alguns dos outros factos principais e, nesse caso, dá lugar à absolvição do pedido, por insuficiência da fundamentação de facto, isto é, por insuficiência da causa de pedir que foi alegada de forma incompleta.
Assim, só se faltarem factos essenciais é que a petição inicial será inepta, conduzindo à absolvição do réu da instância, seja no despacho liminar, seja no despacho saneador - cfr. artigos 186.º n.º 2 alínea a), 278.º n.º 1 alínea b), 576.º n.º 2, 577.º alínea b), 578.º, 590.º n.º 1 e595.º n.º 1 alínea a) do CPC.
No caso concreto, a autora indicou como causa de pedir, para fundamentar os pedidos que formulou contra o réu, a existência de um contrato de “financiamento para aquisição a crédito invocando apenas (mesmo após convite para o efeito) que mediante tal contrato foi disponibilizada ao réu a quantia de € 5.898,15,00, que teria de reembolsar em 84 prestações mensais, que deixou de cumprir.
Estes factos alegados pela autora são suficientemente identificadores da causa de pedir- um contrato de mútuo - pelo que não está em causa a falta de factos essenciais, na definição dada supra, motivo pelo qual não estamos perante uma ineptidão da petição inicial, que seria insusceptível de suprimento.
Porém, a autora não alegou factos relativos às cláusulas contratuais essenciais daquele contrato (nomeadamente, em que data foi disponibilizada a quantia de € 5.898,15, quais as condições de reembolso acordadas, designadamente quanto a datas de vencimento e eventuais taxas de juros aplicáveis em caso de mora, que prestações pagou o réu, em que data deixou de as pagar), limitando-se a invocar que o réu incumpriu o contrato e que por isso lhe deve € 7.231,66 a título de capital, € 100,00 a título de “outras quantias” e € 130,76 a título de juros de mora, sem concretizar quaisquer factos de onde pudesse extrair-se tal conclusão.
Todos estes factos, apesar de não serem essenciais à identificação da causa de pedir, como se disse, (caso em que dariam origem a uma petição inepta) correspondem a factos constitutivos do direito da autora, pelo que a sua falta dá origem a uma petição deficiente (i.e.,incompleta), passível de aperfeiçoamento a convite do tribunal, que foi formulado.
Sucede, porém, que a autora, mesmo convidada para esse efeito, não veio alegar tais factos.
(…)
Conclui-se, assim, que não tendo a autora procedido ao aperfeiçoamento do seu articulado, nos termos constantes do convite formulado, mantendo-se as imprecisões apontadas, não há mais actos de instrução a realizar, estando o Tribunal em condições de proferir uma decisão de mérito.
Com efeito, como se referiu supra, são características da causa de pedir a inteligibilidade, a facticidade e a concretização. Na situação em apreço, da descrição dos factos efectuada pela Autora, o Tribunal não consegue extrair que obrigações resultaram para as partes do contrato celebrado entre ambas, nem o que foi efectivamente prestado pelo réu.
Assim, ainda que se provassem todos os factos alegados pela autora estes não seriam suficientes para se concluir pela existência da obrigação, decorrente do contrato alegado, de o réu pagar o valor que é peticionado.
Por outras palavras, ainda que se provassem todos os factos alegados pela autora, tal jamais poderia conduzir à procedência do pedido, pelo que a acção é inviável, por inconcludência do pedido.
O prosseguimento destes autos redundaria, assim, na prática de actos inúteis, em violação do disposto no artigo 130.º do CPC.
Face ao exposto, por insuficiente articulação de factos, conclui-se ser a petição inicial inviável, por inconcludência do pedido, o que conduz à improcedência da acção, e à absolvição do réu do pedido.”
Conhecidos os contornos da decisão recorrida e, bem assim, as razões pela recorrente invocadas a justificar a respectiva revogação, vejamos de seguida se merecem estas últimas ser atendidas.
ORA BEM.
Para começar, importa de imediato adiantar que as considerações explanadas pelo Primeiro Grau a propósito do adequado cumprimento pela apelante do disposto no artº 10º, nº 2, alíneas d) e e) [ d) Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; e) Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas ] , do Anexo [ alusivo ao REGIME DOS PROCEDIMENTOS DESTINADOS A EXIGIR O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATOS DE VALOR NÃO SUPERIOR Á ALÇADA DO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA. ] do Decreto-Lei nº 269/98 de 1 de Setembro, não são de todo merecedoras de qualquer reparo, esclarecendo v.g. SALVADOR DA COSTA (1) que o requerente não está dispensado de “ invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves ”.
Mais explica/desenvolve SALVADOR DA COSTA (2), designadamente, que :
“ O requerente deverá, pois, concretizar minimamente os factos que integram a causa de pedir, sem esperar que, transmutado o requerimento de injunção em acção declarativa de condenação conexa, o juiz profira despacho de aperfeiçoamento tendente à necessária concretização, cuja omissão, proferida que seja a sentença, queda sem consequências jurídicas.
Não basta indicar que o crédito respeita a transacção comercial ou a venda de indicada mercadoria, o que se traduzirá, pelo menos, em insuficiência de causa de pedir, No mínimo, deve indicar a causa do direito de crédito, designadamente a estrutura do contrato e as prestações que envolveram a sua execução, não bastando a mera junção de facturas.
De contrário, no caso de transmutação do procedimento de injunção em ação declarativa de condenação, pode o requerente confrontar-se com o indeferimento liminar por virtude de indefinição da obrigação contratual incumprida e, consequentemente, da envolvência do caso julgado.
Como a pretensão do requerente só é suscetível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos reveladores do seu incumprimento por parte do requerido ”.
O referido entendimento, convenhamos, é aquele que melhor se adequa e resulta da conjugação dos artºs 5º, nº1, 549º, nº1 e 552º, nº1, alínea d), todos do CPC, e não olvidando outrossim que em sede de interpretação da lei há-de o intérprete levar em conta a unidade do sistema jurídico – artº 9º, do CC - , a que acresce que as referidas exigências de alegação factual mais se acentuam quando na presença de articulado [ “ Os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes”- cfr. artº 147º,nº1, do CPC. ] atravessado nos autos em sede de cumprimento de despacho de aperfeiçoamento.
Em suma, e de resto como é jurisprudência consensual, importa concluir que «o procedimento de injunção, apesar da sua natureza simplificada, não dispensa o ónus de alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir, ainda que de forma sucinta (cfr. artº 10, d), do D.L. 269/98 de 01/09), sob pena de ineptidão do requerimento injuntivo» . (3)
No seguimento do acabado de expor e, não obstante a factualidade vertida no ponto de facto nº 2.1. do presente Acórdão, certo é que – como bem afirma o tribunal a quo na sentença recorrida – persiste a autora, no articulado aperfeiçoado, em omitir a alegação de factos relativos às cláusulas contratuais essenciais do contrato com o réu outorgado [ “ nomeadamente, em que data foi disponibilizada a quantia de € 5.898,15, quais as condições de reembolso acordadas, designadamente quanto a datas de vencimento e eventuais taxas de juros aplicáveis em caso de mora, que prestações pagou o réu, em que data deixou de as pagar” ], “ limitando-se a invocar que o réu incumpriu o contrato e que por isso lhe deve € 7.231,66 a título de capital, € 100,00 a título de “outras quantias” e € 130,76 a título de juros de mora, sem concretizar quaisquer factos de onde pudesse extrair-se tal conclusão ”.
A questão que a seguir se coloca é a de saber se, não obstante os pertinentes “reparos” dirigidos à alegação de facto vertida no articulado “aperfeiçoado”, deve ainda assim a sentença recorrida manter-se, e isto apesar de, juntamente como referido articulado, ter a recorrente junto os autos pertinente prova documental [ para a qual remete aquando da alegação factual ] e da qual decorre/resulta a factualidade [ factualidade que prima facie , acaba por suprir o déficit de alegação que afecta o articulado ] inserta v.g. nos itens de facto com os nºs 2.2.,2.3. e 2.4. do presente Acórdão.
Ou seja, será que se impõe considerar/valorar o articulado aperfeiçoado, considerando não apenas a factualidade no mesmo alegada , mas também a que decorre da prova documental junta com o mesmo.
Vejamos.
É pacífico que os documentos não são factos, mas meros meios de prova [ artº 423º,nº1, do CPC e 362º, do CC] de factos alegados e controvertidos, razão porque considera – e bem – a jurisprudência (4) que por regra integra prática [ ainda que obviamente cómoda ] incorrecta a remessa [ em sede de exposição factual ] pela parte para o teor de concreto documento junto aos autos.
Ou seja, é praticamente consensual a jurisprudência no sentido de que , em sede de cumprimento pela parte do disposto no artº 5º,nº1, do CPC [ o da alegação dos factos essenciais em que se baseia a causa de pedir ] impõe-se-lhe alegar no articulado o acto ou facto jurídico de que deriva o direito que invoca, ou seja, os factos concretos da vida real constitutivos do direito ou da pretensão que quer ver tutelada e reconhecida, sendo que, v.g. em acção como a dos autos, obrigado está em alegar os elementos essenciais e individualizadores de um determinado contrato ( rectius, o facto jurídico, maxime os sujeitos, o objecto, e os valores que das respectivas prestações resultam), o seu incumprimento e os danos, tudo em regra materializado em quantia a que se reporta o contrato e respectivos juros moratórios.
Ainda assim, contemporiza/aceita também a jurisprudência que, alegados - no articulado - pela parte os factos essenciais e individualizadores da causa de pedir, já será de admitir que outros factos que visem tão só completar ou concretizar a causa de pedir individualizada podem ter-se por alegados por mera remissão para documentos que acompanhem o articulado inicial.
A comprová-lo, é assim que, v.g. nos Acórdãos a seguir identificados, se veio a concluir da seguinte forma :
- Em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-06-2009 (5):
“ I - Face à literalidade do art.º 467.º, n.º 1, do CPC e ao formalismo que caracteriza toda a actividade processual, afigura-se-nos que a petição inicial deve ser constituída por uma só peça, não só por ser de presumir que o legislador soube exprimir cabalmente o seu pensamento (art.º 9.º do C.C.), mas também por essa ser a interpretação que se mostra mais razoável em termos de inteligibilidade da petição e de salvaguarda do direito de defesa do réu.
II - Admite-se, porém, que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, desde que essa remissão se destine a completar a exposição já feita na petição ”.
- Em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (6), de 10/9/2024 :
1 - Tal como na petição inicial de uma acção declarativa comum também o requerente de uma injunção tem de invocar no respectivo requerimento o facto jurídico de que decorre a pretensão que deduz, com a diferença de que tem, obrigatoriamente, de o fazer sucintamente, o que implica incluir nesse requerimento apenas os factos essenciais - os factos que integram o núcleo primordial da causa de pedir e desempenham função individualizadora dessa causa de pedir.
II - Está suficientemente concretizada e individualizada a pretensão injuntiva, quando o Requerente da injunção indica as partes envolvidas, o objecto estatutário de uma e outra, a fonte do direito de crédito - no caso, um contrato de fornecimento de bens ou serviços - a data da sua celebração, os valores devidos a título de capital e juros, com identificação da factura que titula a divida - seu número de identificação, valor, data de emissão e de vencimento - o local em que os serviços foram prestados, e o incumprimento pelo requerido da obrigação de pagamento da quantia constante da citada factura.
(…)
IV – Concluindo-se pela regularidade do requerimento injuntivo em termos de indicação da causa de pedir e da sua inteligibilidade, os factos constantes da oposição e os dizeres constantes da factura que haja sido junta aos autos pela A. aquando daquele exercício do contraditório, devem ter-se em consideração em matéria de facto para se decidir pela necessidade ou não de ordenar o aperfeiçoamento do requerimento injuntivo, o que no caso dos autos se não justifica”.
- Em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (7), de 9/4/2024 :
I - Deve admitir-se a alegação de factos apenas em função dos documentos que acompanham a petição inicial ainda que tais factos, nela não alegados, se mostrem essenciais, desde que no contexto dos alegados e do pedido formulado na acção se devam ter os mesmos como complementares.”.
- Em acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (8), de 14/12/2023 :
A alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir só poderá fazer-se por remissão para documentos para complementar o alegado na petição inicial, não como forma de alegação principal dos mesmos considerando a sua extensão ou complexidade (art.º do Código de Processo Civil) ”.
- Em acórdão deste mesmo Tribunal da Relação do Porto (9), de 20/2/2025 :
O preenchimento factual da causa de pedir por via da remissão para os documentos que acompanham a petição inicial, apenas poderá ser feita desde que essa remissão se destine a completar a exposição e nunca como técnica que transforme o documento como local primeiro de exposição da factualidade ”.
- Em acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (10), de 15/5/2014 :
“ A alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir apenas se poderá fazer por remissão para documentos, na perspetiva da estrita “complementação” do alegado na petição inicial, e assim desde que não redunde tal remissão, atenta a extensão e, ou, complexidade dos ditos documentos, na subalternização da petição inicial, enquanto lugar primeiro de exposição da factualidade que fundamenta a ação” .
Ou seja, como decorre da jurisprudência acabada de citar [ e muita outra existe, apontando igualmente para o mesmo sentido ], pacífico é que em concretas situações como que o documento junto com um articulado não se limita a desempenhar o papel de mero meio de prova, antes “deve considerar-se parte integrante daquele ”– articulado - , suprindo até as lacunas de que possa ele padecer, em suma, desempenhando o “ Suporte documental” o papel de “ verdadeira alegação, porquanto os documentos juntos com os articulados devem considerar-se parte integrante deles, suprindo lacunas de que enfermem quanto a uma completa exposição dos factos". (11)
Acompanhando nós a jurisprudência acabada de evidenciar, estamos em crer que o seguimento da mesma é a orientação que se mostra ser a adequada, e isto se tivermos devidamente em conta que pelo menos desde 1939 e 1961 que vimos constatando que é preocupação [ que se acentuou a partir da reforma processual de 1995/1996 , e ainda que, como bem assinala PAULO PIMENTA (12), a posterior prática do foro foi mostrando que, nos seus aspectos mais marcantes, o processo civil português continuou “amarrado a uma concepção anquilosada do dispositivo, enredando-se demasiadas vezes em preciosismos técnicos e formais cujo efeito sempre foi o de manter a indesejada dicotomia «verdade do processo/verdade material” ] do nossa legislador em atenuar o princípio do dispositivo e em privilegiar a verdade material em detrimento de uma tramitação do processo exacerbadamente formalista.
Neste conspecto, não é de menosprezar o disposto no actual artº 5º do CPC, o qual vai mais longe do que o pretérito artº 264º do CPC anterior a 2013, ao impor ao julgador [ ex officio ] que tenha também em atenção – na decisão da causa - a factos não alegados e não individualizadores da causa de pedir [ os factos não essenciais ], maxime aos factos complementares ou concretizadores daqueles que as partes hajam alegado e resultem da discussão da causa, e desde que sobre eles tenham tido a oportunidade de se pronunciar.
Sobre a questão, elucidativa é de resto a EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS que conduziram o XIX Governo Constitucional à aprovação do CPC de 2013, daquela constando designadamente que :
“ …….., a instituição de um novo modelo de preparação da audiência final irá repercutir-se também nas fases processuais situadas a montante, influenciando, desde logo, o modo de elaboração dos articulados, devendo as partes a concentrar-se na factualidade essencial e com relevo substantivo, assim se desincentivando a inútil prolixidade que, até agora - face a um processo civil desmesuradamente rígido e preclusivo -, derivava da necessidade de neles se incluírem todos os factos e circunstâncias - essenciais ou instrumentais - mais tarde levados ao questionário. Como é sabido, fruto de uma visão assaz formalista e fundamentalista do ónus de alegação, o entendimento prevalecente na prática forense vem sendo o de que qualquer omissão ou imprecisão na alegação implica o risco de privação do direito à prova sobre matéria que o fluir do pleito viesse a revelar. Agora, homenagear o mérito e a substância em detrimento da mera formalidade processual, confere-se às partes a prerrogativa de articularem os factos essenciais que sustentam as respectivas pretensões, ficando reservada a possibilidade de, ao longo de toda a tramitação, naturalmente amputada de momentos inúteis, vir a entrar nos autos todo um acervo factual ”.
Isto dito, e lançando mão dos ensinamentos de TEIXEIRA DE SOUSA (13) , dir-se-á que os factos principais – “os que são necessários à procedência da acção ou da excepção ” - englobam, na terminologia do pretérito art 264º, os factos essenciais e os factos complementares , sendo que, os primeiros - os factos essenciais - são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção e, já os segundos - os factos complementares – “são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte» .
Aqui chegados, e munidos de pertinentes contributos da jurisprudência e doutrina, o que os autos nos revelam é que a apelante, no âmbito do articulado aperfeiçoado, carreou para os autos [ cfr. factualidade inserta em 2.1. da Motivação de Facto ], em rigor, os factos essenciais da causa de pedir, a saber aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção , mormente o facto jurídico no qual alicerça a pretensão deduzida.
É assim que, v.g., no referido articulado, alega que celebrou em 29/04/2021 com o Réu um contrato de crédito, no qual foi intermediário GLFN ,Unipessoal Lda., com o nº CCRP 389645, mediante o qual mutuou ao Réu a quantia de €:5.898,15, obrigando-se o mutuário a reembolsar a mutuante do montante de €:8.327,76, em 84 prestações de €: 99,14 cada uma.
É assim também que, e com referência ao referido contrato, alegou que o mutuário incumpriu o mesmo , razão porque em 07/01/2022 - por carta remetida para a morada convencionada – procedeu à sua resolução, comunicando-lhe então qual o valor em divida à data - que ascendia a € 7.231,66 – e à qual acrescem juros de mora vencidos até à data da interposição da acção e juros de mora vincendos até integral pagamento à taxa de 4%.” .
Em rigor, portanto, alegou a apelante no articulado aperfeiçoado o facto jurídico ou facto essencial que consubstancia a causa de pedir da acção intentada.
É vero que, por si só, a aludida factualidade não se mostra suficiente para, uma vez provada, desencadear sem mais a procedência da acção, para tanto exigindo-se também a prova de outros factos - quais factos complementares –, mormente daqueles a que alude a Exmª Juiz a quo na decisão recorrida e os quais para todos os efeitos não alegou a apelante no seu articulado.
Não obstante, porque ao factos complementares podem/devem ser considerados pelo Juiz, ainda que não alegados [ artº 5º, nº 2, alínea b), do CPC ] e para todos os efeitos, mostram-se os mesmos “presentes” [ como resulta dos itens nºs 2.2. ,2.3. e 2.4., da Motivação de Facto do presente Acórdão ] nos documentos juntos com a petição aperfeiçoada [ a qual , de resto, para os mesmos remete ] e, no seguimento da jurisprudência consensuais supra identificada, é nosso entendimento que a aludida factualidade indispensável à procedência da acção deve considerar-se para todos os efeitos como alegada ainda que por mera remissão para documentos que acompanham o articulado inicial aperfeiçoado.
Ou seja, em razão de tudo o supra exposto, nada obsta que in casu se atribua ao “Suporte documental” junto com o articulado aperfeiçoado o papel de “ verdadeira alegação, suprindo o mesmo as lacunas – as quais identifica o tribunal a quo na decisão recorrida - de que padece a peça atravessada nos autos pela autora, tudo de resto em perfeita sintonia do espírito que actualmente enforma o CPC e no sentido de fazer prevalecer o mérito e a substância em detrimento da mera formalidade processual.
Tudo visto e bem sopesado, importa assim julgar a apelação como procedente, sendo a decisão recorrida revogada e devendo os autos prosseguir os seus termos .
***
5.- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC).
5.1.- Os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados pelas pares nos respectivos articulados :
5.2. – Não obstante o referido em 5.1., nada obsta a que , desde que os factos essenciais que constituem a causa de pedir se mostre alegada pela parte, se socorra também o julgador de factos não alegados e indispensáveis à procedência dessa acção, desde que presentes em documentos juntos com o articulado e o qual para os mesmos remete.
***
6.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela autora Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A.;
6.1.- Revogar a sentença do tribunal a quo
6.2. – Determinar o prosseguimento dos autos.
***
Custas da apelação a cargo da parte vencida a final [ cfr. ac. do STJ, de 12/1/2021, proferido no Processo nº 6590/17.1T8FNC.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
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LISBOA , 25/9/2025
António Manuel Fernandes dos Santos
Gabriela de Fátima Marques
Nuno Luís Lopes Ribeiro
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(1) Em “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, Almedina, 6ª Edição, págs. 208 e segs. .
(2) Ibidem, págs. 209/211.
(3) Cfr. Acs. do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/10/2023, proferido no Processo nº 886/23.0YIPRT.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de Coimbra, de 13/7/2021, proferido no Processo nº 23205/20.3YIPRT.L1-7, ambos em www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Ac. do STJ de 24/1/2024, proferido no Processo nº 22913/20.3T8LSB.L1.S1, e em www.dgsi.pt
(5) Proferido no Recurso n.º 3967/08 ,4.ª Secção e em www.dgsi.pt.
(6) Proferido no Processo nº 9757/23.7YIPRT.C1, e em www.dgsi.pt.
(7) Proferido no Processo nº 29/12.6IDLRA-F.C1, e em www.dgsi.pt.
(8) Proferido no Processo nº 10908/22.7T8LSB.L1-4, e em www.dgsi.pt.
(9) Proferido no Processo nº 21208/20.7T8PRT.P1 e em www.dgsi.pt.
(10) Proferido no Processo nº 26903/13.4T2SNT.L1-2, e em www.dgsi.pt.
(11) Cfr. vg jurisprudência do STJ citada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/4/2024, em www.dgsi.pt, e para o qual se remete.
(12) Em Processo Civil Declarativo, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 18.
(13) Em "Estudos sobre o novo Processo Civil", Lex-Edições Jurídicas, Abril de 1997.