ACUSAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
IRREGULARIDADE
SANAÇÃO
Sumário

(da responsabilidade do Relator)
I. A devolução dos autos ao Ministério Público para efeitos de sanação dos vícios processuais não viola o princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, como não viola a autonomia do Ministério Público (relativamente ao juiz) estabelecida igualmente na Constituição da República Portuguesa no artigo 219.º, n.º 2.
II. Com efeito, a autonomia do Ministério Público refere-se à ação penal, investigação e acusação, e não à sanação de uma irregularidade por falta de notificação do conteúdo da acusação ao arguido. A obrigação de notificar a acusação compete precisamente ao Ministério Público como titular na fase processual de inquérito.
III. Para além disso, ao ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público, o Tribunal mais não faz do que acolher essa autonomia, numa questão que se prende com a estrita observância das formalidades legais (a notificação da acusação), a que o Ministério Público está sujeito, e não relativa a ato de inquérito que contenda com as finalidades deste previstas no artigo 262º do Código de Processo Penal.

Texto Integral

Em conferência, acordam os Juízes na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
Nos autos acima identificados foi proferida despacho, datado de ...-...-2025, foi ordenada a devolução dos autos ao Ministério Público para efeitos de determinar a reparação da irregularidade processual relativa à falta de notificação da acusação.
Não se conformando com essa decisão, o MP recorreu para este Tribunal da Relação formulado as seguintes conclusões (transcrição):
1-No despacho recorrido, a Mmª. Juiz de Direito determinou a devolução dos autos a Ministério Público para reparação da irregularidade processual verificada, nos termos do art.º 123º, n
2 do C.P.P., por falta de notificação do despacho de acusação à I. Defensora da arguida, nomeada em substituição do anterior defensor.
II. Resulta dos autos que o despacho de acusação foi notificado ao I. Defensor nomeado à arguida no dia .../.../2025, tenho a notificação sido efetuada nessa mesma data.
III. No dia .../.../2025, foi nomeado outro I. Defensor à arguida, em substituição do anteriormente nomeado, o qual não foi notificado do despacho de acusação, tendo os autos sido remetidos para julgamento, por não ter sido requerida a abertura da instrução.
IV. A lei processual penal não impõe a realização de nova notificação do despacho de acusação ao defensor nomeado em substituição do anterior defensor, como decorre do disposto do art.º. 66º, nº 4 do C.P.P., não havendo por essa razão qualquer interrupção ou suspensão do prazo em curso nos casos de substituição de defensor. Neste sentido entendeu o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de .../.../2023, Proc. 113/20.2T9AND-B.P1 “I - Não se repetem atos quando há substituição de defensor.
- Nomeados ao arguido vários defensores pela Ordem dos Advogados, que foram sendo sucessivamente substituídos, notificado o primeiro da acusação e do prazo para requerer a abertura da instrução, não é exigível que seja feita nova notificação aos demais. III - Nos termos do disposto no art.º 66.º, n.º 4, do CPP, e no art.º 42.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, cada um dos defensores sucessivamente nomeados ao arguido mantem-se em funções, para todos os efeitos, concretamente para requerer a abertura da instrução, enquanto não ocorreu a substituição.
IV - Não tendo que ser feita nova notificação da acusação para além da primeira, tendo esta sido regularmente efetuada e tendo o arguido estado sempre assistido pelos defensores oficiosos sucessivamente nomeados, que nos termos do disposto no art.º 66.º, n.º 4, do CPP e do no art.º 42.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, se foram mantendo em funções para todos os efeitos processuais até serem substituídos, a não notificação da acusação aos demais defensores sucessivamente nomeados não constitui nenhum vício, nem a violação de qualquer direito de defesa ou preceito legal.”.
VI. Assim, não se verifica qualquer irregularidade processual por falta de notificação que importe reparar, pelo que se impunha à Mmª Juiz a quo receber a acusação.
VII. De todo o modo, a decisão de determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para reparação daquilo que entendeu ser uma irregularidade processual, não se mostra em consonância com a independência e autonomia do Ministério Público e a estrutura acusatória do processo penal, violando os artigos 32.º e 219.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 311.º do Código de Processo Penal.
VIII. O Ministério Público não recebe ordens, nem diretivas ou indicações de quaisquer outras entidades.
IX. O Ministério Público é a autoridade judiciária a quem cumpre promover o processo penal e a direção do inquérito, conforme artigos 48.º e 262.º do Código de Processo Penal.
X. Com o devido respeito por opinião contrária, não cabe no leque de competências da Mmª Juiz de Direito, caso pretenda reparar uma possível irregularidade (que não se verifica na situação dos autos), ordenar ao Ministério Público a prática de quaisquer atos processuais.
XI. O artigo 123.º n.º 2 do Código de Processo Penal é claro quando refere que “pode ordenar-se oficiosamente a reparação da irregularidade”.
XII. A irregularidade mantém-se com a remessa dos autos ao Ministério Público, pelo que o ato ordenado pela Mmª. Juiz em nada contribuiu para a sanação de tal vício processual.
XIII. Apenas impôs ao Ministério Público a prática de um ato processual que visa a reparação da irregularidade.
Compulsados os autos, constata-se que a defensora da arguida – nomeada a ... de ... de 2025 em substituição do anteriormente nomeado – não foi notificada da acusação, como impõe o artigo 277º, n.º 3, ex vi artigo 283º, n.º 5, ambos do CPP.
A falta de notificação da acusação ao defensor constitui irregularidade processual, à luz do disposto no artigo 118º, nªs 1 e 2, do CCP, e afeta o direito de defesa da arguida (cujo exercício pode passar precisamente pela apresentação de requerimento de abertura de instrução), assim obstando à apreciação do mérito da causa e concretamente ao recebimento da acusação deduzida.
Como tal, importa desde já, e ao abrigo do disposto nos artigos 311º, n.º 1, e 123º, n.º 2, do CPP, determinar a sua reparação, efeito para o qual se determina que os autos sejam devolvidos ao Ministério Público (atendendo à jurisprudência recente do Tribunal da Relação de Lisboa nos acórdãos proferidos nos processos n.º 169/20.8IDSTB.L1-9 e 1155/21.6PFSXL.L1-9, proferidos, respetivamente, a 23 de Fevereiro e a 27 de Abril de 2023), dando-se baixa dos mesmos.
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Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal nem o arguido e nem o assistente responderam ao recurso.
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Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
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Neste Tribunal, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Mº. Pº aderiu aos fundamentos do recurso da 1ª instância.
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Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência, onde se deliberou nos termos vertidos neste Acórdão.
Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995].
Desta forma, tendo presentes tais conclusões é a seguintes a questão a apreciar:
Se cabe ao MP suprir a irregularidade por falta de notificação da acusação quando essa irregularidade é decretada pelo Tribunal no âmbito do artigo 311º do CPP.
III- Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“Compulsados os autos, constata-se que a defensora da arguida – nomeada a ... de ... de 2025 em substituição do anteriormente nomeado – não foi notificada da acusação, como impõe o artigo 277º, n.º 3, ex vi artigo 283º, n.º 5, ambos do CPP.
A falta de notificação da acusação ao defensor constitui irregularidade processual, à luz do disposto no artigo 118º, nºs 1 e 2, do CCP, e afeta o direito de defesa da arguida (cujo exercício pode passar precisamente pela apresentação de requerimento de abertura de instrução), assim obstando à apreciação do mérito da causa e concretamente ao recebimento da acusação deduzida.
Como tal, importa desde já, e ao abrigo do disposto nos artigos 311º, n.º 1, e 123º, n.º 2, do CPP, determinar a sua reparação, efeito para o qual se determina que os autos sejam devolvidos ao Ministério Público (atendendo à jurisprudência recente do Tribunal da Relação de Lisboa nos acórdãos proferidos nos processos n.º 169/20.8IDSTB.L1-9 e 1155/21.6PFSXL.L1-9, proferidos, respetivamente, a 23 de Fevereiro e a 27 de Abril de 2023), dando-se baixa dos mesmos”
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Está assente nos autos que a defensora da arguida não foi notificada da acusação, como impõe o artigo 277º, n.º 3, ex vi artigo 283º, n.º 5, ambos do CPP.
Também não se suscitam dúvidas que esse vício processual, por afetar o direito a uma defesa técnica efetiva, constitui uma irregularidade processual e por contender com direitos fundamentais pode e deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, como se verificou no caso concreto.
A obrigatoriedade de notificação da acusação ao defensor do arguido visa precisamente dar efetividade ao direito de defesa, consagrado na Constituição e nos instrumentos internacionais de direitos humanos, em particular o direito a uma defesa técnica exercida por um defensor.
Com efeito, as garantias constitucionais e os direitos conferidos ao arguido no âmbito do processo penal visam precisamente garantir direitos que não são teóricos ou ilusórios, mas concretos e efetivos, nomeadamente no que se refere aos direitos de defesa que ocupam uma posição proeminente em uma sociedade democrática em função do direito a um processo equitativo do qual derivam.
Na verdade, a falta de notificação da acusação influi na marcha do processo, sobretudo porque o arguido tem o direito de ser notificado e requerer a abertura da instrução e/ou, em qualquer caso, preparar a sua defesa.
Aqui chegados e identificado o vício processual a questão que se coloca é a quem incumbe sanar a irregularidade declarada.
Quanto a esta questão, registam-se divergências ao nível da jurisprudência, perfilando-se duas correntes distintas: uma, no sentido favorável à admissibilidade da devolução dos autos ao Ministério Público; outra, no sentido desfavorável à admissibilidade da devolução dos autos ao Ministério Público.
Desde já assumimos, contrariamente ao alegado pelo recorrente, que a devolução dos autos ao Ministério Público para efeitos de sanação dos vícios processuais não viola o princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, como não viola a autonomia do Ministério Público (relativamente ao juiz) estabelecida igualmente na Constituição da República Portuguesa no artigo 219.º, n.º 2.
Com efeito, a autonomia do Ministério Público refere-se à ação penal, investigação e acusação, e não à sanação de uma irregularidade por falta de notificação do conteúdo da acusação ao arguido. A obrigação de notificar a acusação compete precisamente ao Ministério Público como titular na fase processual de inquérito.
Para além disso, ao ordenar a remessa dos autos ao Ministério Público, o Tribunal mais não faz do que acolher essa autonomia, numa questão que se prende com a estrita observância das formalidades legais (a notificação da acusação), a que o Ministério Público está sujeito, e não relativa a ato de inquérito que contenda com as finalidades deste previstas no artigo 262º do Código de Processo Penal.
Neste sentido vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.05.2015 [processo 1140/12.9TDEVR-A.E1.], com o seguinte sumário:
«I.- A autoridade judiciária competente para notificar a acusação é o MºPº.
II.- Se detetada, pelo juiz, no momento do art.º 311º do CPP, uma ilegalidade consistente na notificação irregular da acusação ao arguido, deve o juiz providenciar pela sua reparação, podendo ordenar a devolução dos autos ao MºPº para que proceda à sua notificação.
III.- Esta prática não viola o acusatório e não interfere com a autonomia do MºPº, pois do que se trata é de viabilizar que o MºPº supra a irregularidade que cometeu e diligencie pela notificação da sua acusação, autonomamente elaborada.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.04.2014 [processo 650/12.2PBFAR-A.E1] e de 13.09.2022 [processo 64/20.0PBEVR.E1], extraindo-se do último o seguinte sumário:
« I. O Código de Processo Penal prevê que no final do inquérito o Ministério Público notifique a sua decisão, de acusação ou de arquivamento, aos envolvidos (artigo 277.º, n.º 3, 283.º, n.º 5, 284.º e 285.º).
II. O processo só prosseguirá para a fase seguinte – de julgamento – se “os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes” (283.º, n.º 5).
II. Inexistindo notificação da acusação e sendo vício de conhecimento oficioso deve o Tribunal devolver os autos ao Ministério Público para cumprir a função que legalmente lhe compete, não os recebendo enquanto a notificação da acusação se não mostre devidamente efetuada e decorrido o prazo para requerer a instrução, sem prejuízo da efetiva ocorrência de situação enquadrável na segunda parte do n.º 5 do artigo 283.º do Código de Processo Penal.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.11.2018 [processo 20/15.0IDFAR-A.E1], , com o seguinte sumário:
«I – No âmbito do despacho de saneamento pode conhecer-se de qualquer irregularidade do processo, quando ela puder afetar o valor do ato praticado.
II – A remessa dos autos ao Ministério Público “para os fins tidos por convenientes” implicitamente fundado na competência deste para reparação da irregularidade (falta de notificação da acusação), não contende com a estrutura acusatória do processo e a autonomia do Ministério Público.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.10.2023 [processo 3126/22.6T9FAR.E1], com o seguinte sumário:
«I. Cabe ao Ministério Público proceder à notificação da acusação ao arguido (artigo 283.º, n.º 5 CPP).
II. Determina a lei que o processo só prosseguirá para a fase seguinte – para a fase de julgamento – se os procedimentos de notificação que ao Ministério Público cabe realizar tiverem resultado ineficazes (segunda parte do n.º 5 do artigo 283.º CPP).
III. Não é de somenos que essa notificação seja efetivamente realizada nos termos preconizados pela lei, como não é indiferente a fase processual em que o arguido é notificado da acusação, nem também a entidade que procede a essa notificação.
IV. O que está em causa é a salvaguarda do direito de defesa do arguido - que pode querer requerer a abertura da instrução.
V. Nessas circunstâncias o procedimento remetido a Juízo para distribuição não reúne os requisitos legais. Daí que quando o Tribunal profere despacho a conhecer e declarar oficiosamente a irregularidade não esteja ainda a aferir o recebimento ou a rejeição da acusação.
VI. Não estando realizada a notificação ao arguido, nos termos previstos na lei, a pretensão recursiva do despacho judicial que assinalou essa irregularidade procedimental é manifestamente improcedente.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.07.2018 [processo 123/16.4PGOER.L1-3] com o seguinte sumário:
«I. A omissão de notificação da acusação constitui irregularidade cuja reparação pode ser conhecida oficiosamente, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, afetando tal omissão o ato em si, de conhecimento da acusação, nos termos previstos no art.º 123º, nº 2 do CPP.
II.- Dispõe o nº 5 do art.º 283º do CPP, por remissão para o nº 3 do art.º 277º do mesmo diploma, a obrigatoriedade de o Ministério Público notificar a acusação ao arguido e ao seu defensor, tendo a obrigação legal de tudo fazer para notificar o arguido.
III.- O legislador só admitiu a possibilidade de o processo transitar para a fase de julgamento sem o arguido ser notificado da acusação na situação prevista no nº 5 do art.º 283º do CPP, ou seja, “quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes”.
IV.- A devolução dos autos ao Ministério Público para reparação da irregularidade por omissão de notificação da acusação, na situação em que se não mostram preenchidos os pressupostos do nº 5 do art.º 283º do CPP, em nada contende com a estrutura acusatória do processo.”
Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2023 [processo 169/20.8IDSTB.L1-9] e de 27.04.2023 [processo 1155/21.6PFSXL.L1-9] extraindo-se do último o seguinte sumário:
«I. O envio, por parte do Ministério Público, para notificação de uma acusação a um arguido acusado, de uma carta simples (com prova de depósito) para uma morada incompleta face à constante do TIR prestado, e que teve como consequência a sua devolução com a indicação de “endereço insuficiente”, não tem a virtualidade de cumprir com os efeitos processuais e substantivos a que a carta se destinava.
II. Tal notificação terá de ser julgada irregular, invalidade que é de conhecimento oficioso, por afetar o valor do ato e conter um enorme potencial de violação dos mais básicos direitos de defesa do arguido (art.º 123º, n.º 2, do CPP), sendo equiparada nos seus efeitos a uma nulidade insanável.
III. Essa irregularidade da notificação da acusação pode e deve ser conhecida pelo juiz do julgamento aquando do cumprimento do disposto no art.º 311º, do CPP, na vertente do saneamento do processo, por obstar à apreciação do mérito da causa.
IV. Em tal situação o juiz pode ordenar a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público para, querendo, proceder à correção do vício, dado que a competência legal para essa notificação é atribuída ao Ministério Público, o processo só deve ser remetido para julgamento quando a fase das notificações da acusação estiver completa (sem prejuízo do caso excecional previsto no art.º 283º, n.º 5, 2ª parte do CPP), o processo continua num limbo entre a fase de inquérito e a de julgamento e não é indiferente para um arguido ser notificado da acusação num momento em que o processo está em fase de inquérito ou em fase de julgamento.
V. Essa devolução do processo não viola os poderes de autonomia e de independência do Ministério Público.
VI. A defesa da estrutura acusatória do processo penal e da autonomia do Ministério Público não se pode confundir com a aceitação da desoneração de competências processuais que a este competem, em desrespeito do estrito ritual processual penal, não podendo aceitar-se como normal, no sentido de “normalizar ou banalizar”, a remessa de inquéritos para a fase de julgamento sem o regular cumprimento da fase das notificações da acusação, apesar da ilegalidade dessa prática, com os prejuízos que acarreta para os sujeitos processuais, em particular para os arguidos.».
No âmbito do Acórdão de 6 de março de 2025- processo nº 39/24.0XHLSB – relatado pelo agora relator, foi decidido no mesmo sentido.
Em conclusão, no caso, não tendo o defensor da arguida sido notificado da acusação, cumpre ao MP, por ser o titular do inquérito, proceder à reparação da irregularidade em causa e não ao tribunal que declarou esse vício processual.
Deste modo, improcede o recurso interposto pelo Ministério Público mantendo-se o despacho recorrido.

IV - DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público cabendo aos serviços do Ministério Público, como determinado no despacho recorrido, proceder à notificação da acusação ao defensor do arguido.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 25-09-2025
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Nuno Matos
Ana Marisa Arnedo
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator)