TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
CORREIO DE DROGA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA EFECTIVA
Sumário

(da responsabilidade do Relator)
I. As necessidades de prevenção gerais ínsitas ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados, são muito acentuadas.
II. O que, aliás, vem reforçado na “Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2025”, face ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das actividades do crime organizado, convergindo, neste mesmo sentido, os relatórios de segurança interna que identificam o “tráfico ilícito de estupefacientes” como um fenómeno que continua a impor-se “como uma das principais áreas de atuação do crime organizado”, constituindo o tráfico através dos aeroportos uma “ameaça adicional”, bem como o relatório de 2023, confirmado no relatório de 2025, do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, que evidencia, uma vez mais, os elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores e a dimensão e dinâmica dos mercados internacionais e nacionais das drogas ilícitas.
III. Assim, só se legitima a atenuação especial prevista no regime penal especial para jovens se houver vantagens de reinserção; porém, importa não esquecer que apenas deve ser aplicado quando estejam salvaguardadas as exigências de prevenção geral ligadas à protecção de bens jurídicos, que, sendo elevadas, poderão obstar a essa atenuação especial da pena.
IV. O simples facto de o agente ter confessado os factos não assume uma relevância de destaque, sobretudo quando a prova recolhida é avassaladora, sendo, pois, aquela pouco ou quase nada essencial para o apuramento e descoberta da verdade.
V. Assim, tendo um jovem de idade transportado - vulgo, “correio de droga” -, por via aérea e em duas ocasiões distintas e muito próximas, mais de 17 quilogramas de cannabis resina, com a ânsia de ganhar “dinheiro fácil” e com uma postura de desafio e de contestação às normas instituídas, não pode beneficiar de tal regime, não podendo, igualmente, a pena de prisão deixar de ser efectiva.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
No processo comum colectivo n.º 726/24.3JAPDL.L1 do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo - Juiz 3, em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, consta da parte decisória do acórdão, datado de ........2025, o seguinte (na parte que interessa):
«a) Condenar o arguido AA, nascido a 04-07-2004, pela prática, como autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artº.21º, nº.1, do Decreto-Lei nº.15/93, de 22.1, com referência à tabela I-C anexa a este diploma legal, na pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 4º do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, mediante regime de prova, direcionado ao reforço das competências pessoais e sociais do condenado e capacitação quanto à inserção profissional, autonomia e valorização duma situação mais estável, bem como à educação para o direito., tudo sob a supervisão da DGRSP (artº.50º, nº.5 e 53º, ambos do CP)».
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Não se conformando com o acórdão, dela interpôs recurso o Ministério Público e pugnou pela não aplicação do regime penal especial para jovens, pelo aumento da pena de prisão aplicada e consequente afastamento da suspensão da sua execução, nos termos das conclusões que apresentou e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de ........2025, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O arguido respondeu ao recurso e pugnou pela sua improcedência, cfr. conclusões cujo teor aqui de dá por reproduzido.
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Nesta instância, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer e pugnou pela improcedência do recurso.
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Foi cumprido o estabelecido no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).
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Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar:
- se deve ser afastado o regime penal especial para jovens ao arguido;
- se a medida da pena da pena de prisão deve ser alterada e, consequentemente, aumentada num intervalo de 4 anos e 6 meses a 5 anos e 6 meses; e, em caso afirmativo,
- se a pena de prisão aplicada deve ser efectiva por não estarem reunidos os pressupostos legais da suspensão da sua execução.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos (transcrição):
«1. – No dia 4 de junho de 2024 o arguido AA viajou para a ilha ..., viagem a que se reporta o bilhete n.º ..., trazendo uma mala de porão com 25 Kg de peso (pela qual pagou €60.00, de excesso (2 Kg) de peso), no interior da qual transportou pelo menos três placas de haxixe, pertencente a terceiro indivíduo, recebendo deste, em troca do transporte, a quantia de 1.000,00€ (mil euros), tendo regressado a Lisboa no dia 6 de junho de 2024 (quinta feira);
2. – Chegado à ilha ... o arguido contactou o proprietário do haxixe informando-o da sua chegada ao hotel, o qual por sua vez sinalizou a sua chegada ao destinatário da droga, que a foi recolher ao hotel onde o arguido estava hospedado;
3. – Novamente, a pedido do mesmo indivíduo, e em troca de 1.000,00€, o arguido AA, no dia 16 de junho de 2024, pelas 10H50, viajou para a ..., no voo S4 131, operado pela companhia ..., procedente do ... em Lisboa;
4. – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 3) o arguido despachou como «bagagem de porão» uma mala de viagem, tipo troley, de cor preta, com a etiqueta aposta em nome de «A» com o «n.º ... S4, do voo S4131, datado de 16-06-2024», com o destino «...» associada aquele voo, onde transportava, três embalagens envoltas em tela de alumínio, contendo no seu interior: – 180 placas com forma retangular, com o peso total bruto de 16,240 quilos de uma substância vegetal prensada, que submetida a teste rápido reagiu positivo para o estupefaciente «HAXIXE», substância incluída na Tabela I – C, anexa ao DL 15/93 de 22-01
5. – O arguido foi intercetado ao chegar ao aeroporto das ..., sito nas ..., concelho da ..., sendo-lhe então apreendidos para além do estupefaciente:
- Quatro sacos de plástico que acondicionavam as embalagens atrás referidas;
- Um telemóvel da marca ..., dual SIM, com o IMEI 1 n.º: ... e o IMEI 2 n.º: ..., contendo no seu interior um cartão SIM, da operadora USO, PIN de desbloqueio 230418;
- Um «Boarding Pass» emitido pela ..., em nome de «BB» com o n.º ETKT ...;
- Um bilhete eletrónico n. º..., emitido pela ... denominada ...»
- A fatura n.º ..., emitida pela ...»
- Uma etiqueta correspondente ao voo S4131, com o registo n.º ... S4, correspondente ao passageiro «A», destino «...»;
- €685.00 (seiscentos e oitenta e cinco euros) em notas do BCE;
- Uma mala em fibra de cor preta, da marca «Talent»;
6. - As 180 placas com o peso líquido total de 15642.000, gramas, tinham um grau de pureza de 31,3%, de THC, e dariam para confecionar 97918 doses para consumo individual;
7. - A viagem iniciada pelo arguido a 16 de junho de 2024 a esta ilha ..., tinha a duração prevista de cerca de três dias;
8. - O arguido AA conhecia as características do produto estupefaciente que transportava – haxixe - sabendo ainda que não tinha autorização para o produzir, deter ou para o transportar ou entregar a terceiros mediante contrapartidas e ou gratuitamente;
9. - O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação;
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10. - AA, de 20 anos de idade, é nacional de ..., onde viveu até 2023, com a sua família de origem, sendo o pai proprietário de estabelecimento comercial e a mãe auxiliar num hospital (mas atualmente desempregada), tendo beneficiado dum processo de socialização adequado e com referências positivas ao nível do relacionamento intrafamiliar;
11. - Realizou um percurso escolar até ao 12.º ano de escolaridade, e após a saída da escola, apoiou o progenitor no estabelecimento comercial de que este é proprietário, até à deslocação para Portugal para frequentar um curso profissional de fotografia em 2023;
12. – Em Portugal contou com algum apoio dum irmão mais velho (CC), já residente neste país, contudo, por falta de condições habitacionais não pôde residir com o mesmo, não conseguindo uma situação estável ou autónoma, o que o colocou numa situação de alguma vulnerabilidade, mantendo, pela idade e alguma ingenuidade, convívios com indivíduos problemáticos.
13. - À data dos factos, o arguido, residia em casa arrendada, sita em ..., coabitando com um primo, com quem dividia as despesas da mesma, perfazendo o total das despesas mensais relativas à habitação montante não inferior a 400€;
14. - O arguido antes da sua detenção encontrava-se a frequentar um curso profissional de fotografia, com a duração de 3 anos (dos quais completou um ano), numa Escola Técnica de ... (...), beneficiando neste contexto duma bolsa duma instituição pública da sua localidade e contando ainda com o progenitor para o ajudar a pagar as propinas do curso, o qual lhe enviava cerca de mil euros mensais;
15. - Entretanto, face a algumas dificuldades económicas, o arguido iniciou trabalho como servente de ..., atividade que exerceu em tempo parcial, durante cerca de 4 meses, até à reclusão;
16. – O arguido aos 18/19 anos de idade estabeleceu uma relação de namoro, contexto em que tem um filho, com cerca de 21 meses de idade, o qual permanece em ..., aos cuidados da mãe, com quem o arguido mantém relação de namoro;
17. -O arguido não tem problemáticas aditivas, nomeadamente consumos de drogas, assumindo alguns consumos de bebidas alcoólicas em situações de convívio com amigos;
18. – Quando for restituído à liberdade o arguido pretende retomar o curso de fotografia e o trabalho como servente de ..., aos fins de semana, e viver com o seu irmão CC, que entretanto reuniu condições habitacionais para o receber e está disponível para o acolher em sua casa;
19. - O arguido é um indivíduo imaturo, imaturidade consentânea com a idade, quer em termos de gestão da sua situação, quer em termos de pensamento consequencial e de consciência crítica, características que condicionam a sua perceção do envolvimento no presente processo, que contextualiza num período de dificuldades económicas, embora em abstrato percecione a gravidade do tipo legal de crime em causa, contudo, com uma avaliação essencialmente marcada pela superficialidade;
20. - AA encontra-se preso preventivamente à ordem deste processo desde ........2024, tendo em contexto prisional apresentado inicialmente algumas dificuldades de adaptação, contudo, com progressivo ajuste comportamental e cumprimento das regras internas;
21. - Beneficiou duma visita do progenitor, que se deslocou de ... para o visitar, e mantém contactos telefónicos com o irmão;
22. - O arguido não tem antecedentes criminais;
23. - O arguido confessou os factos integralmente e sem reservas.
(…)
C - Motivação da matéria de facto.
O tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, com particular importância as declarações do arguido, que confessou os factos integralmente e sem reservas, conjugadas com a prova documental, designadamente os documentos insertos a fls. 18 e 19 (auto de revista e apreensão), 23 (etiqueta de bagagem), 21 (bilhete eletrónico), 20 (boarding pass), 357 (talão de pagamento de 2 Kg de excesso de bagagem), 239 a 282 (imagens recolhidas na agência de viagem onde foi adquirida a viagem aérea), 285 a 288 (imagens recolhidas a 16-06-2024 no ...), e de fls. 294 (fotografias que o arguido tirou a si próprio nos dias 5 e 7 de junho de 2024, exibindo uma grande quantidade de notas do BCE), e com o teor da prova pericial (cf. exames do LPC de fls. 307 a 309 e de fls. 364 e 365).
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do teor do seu certificado de registo criminal, resultando os factos apurados relativos às condições familiares e sócio económicas do arguido do teor do relatório social elaborado pela DGRSP, declarações do próprio arguido, e do seu irmão, a testemunha CC.»
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IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do CPP.
O recorrente não questiona a matéria de facto, razão por que se encontra definitivamente fixada.
Em decorrência de tal ocorrência, apreciemos as questões de direito suscitadas.
A. Do afastamento do regime penal especial para jovens aplicado ao arguido:
Sustenta o Ministério Público o afastamento de tal regime.
Dito isto, vejamos se o tribunal de 1.ª instância acertou na escolha que fez.
O arguido, aquando da data da prática dos factos - nascido a 07.04.2004 - não tinha completado os 21 anos de idade, razão por que o tribunal de 1.ª instância equacionou – e bem - a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, pois que o arguido era maior de dezasseis anos e menor de vinte e um anos de idade.
Impondo-se assim a ponderação, em concreto, do estatuído nos arts. 4.º ou 6.º, do referido diploma legal, o que as finalidades da punição, nas suas vertentes especial, quer positiva, quer negativa, exigem, por um lado, e por outro lado, atendendo à personalidade do jovem arguido, bem como as circunstâncias concretas dos factos resultantes como provados.
Como se escreveu no Ac. do Tribunal da relação de Guimarães de 09.04.2028, Rel. Jorge Bispo, referente ao processo n.º 1069/16.1JABRG.G1 (publicado em http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2018:1069.16.1JABRG.G1.D3 ):
«Trata-se de uma opção político-criminal que se fundamenta essencialmente no entendimento de que a delinquência juvenil (quanto a jovens imputáveis), merece um tratamento diferenciado e especial em relação ao regime penal para adultos, por envolver um ciclo de vida correspondendo a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.
Como é referido na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 45/VIII [12 - Diário da Assembleia da República, II série-A, de 21 de setembro de 2000], com intenção de recompor o referido regime, nas sociedades modernas, o acesso à idade adulta não se processa, como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento, que representavam um “virar de página” na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria. O acesso à idade adulta tende, desta forma, a realizar-se por patamares sucessivos. Este período de latência social – em que o jovem escapa ao controlo escolar e familiar sem se comprometer com novas relações sociais e profissionais – potencia a delinquência, do mesmo modo que, a partir do momento em que o jovem assume responsabilidades e começa a exercer os papéis sociais que caracterizam a idade adulta, regride a hipótese de condutas desviantes. Assim, o direito penal dos jovens surge como uma categoria própria, envolvendo um ciclo de vida, referente a um período de latência social, de descompromisso com a relação escolar, familiar e profissional, com um potencial de delinquência, em moldes efémeros, sob o signo de capacidade de mutação e regressão na fase de mais avançada idade.
Ao consagrar tal regime, o legislador acolheu o ensinamento de outros ramos do saber, que explicam que na adolescência e no início da idade adulta os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. E não sendo raro que nesse ciclo da vida os jovens enveredem por condutas ilícitas, o certo é que, em regra, essa criminalidade é um fenómeno efémero e transitório. Com efeito, embora uma elevada percentagem dos adolescentes participem, uma vez por outra, em atos levemente antissociais (cerca de 80%), só uma percentagem muito diminuta é que toma parte repetidamente em graves atos antissociais (aproximadamente 15%), e destes só uma pequena parte (cerca de 1/3) é que entra na criminalidade séria, semelhante a que se pode encontrar em certos adultos [13]. Importa, por isso, conforme refere o próprio legislador, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, na medida do possível, da aplicação da pena de prisão.
O regime especial para jovens tem, por outro lado, a vantagem de permitir uma transição gradual e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares perentórios de imputabilidade constitui algo de controverso.
Assim, de acordo com o art. 4º do citado Decreto-Lei, no caso de ser aplicável pena de prisão, esta deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Como é sabido, essa reinserção pode ser injustificadamente dificultada ou mesmo comprometida por uma pena de reclusão em ambiente prisional que importe um período de afastamento da vida individual e social em liberdade desproporcionado relativamente às exigências de reintegração do jovem. Isso mesmo deve ser avaliado em cada caso, aquando da ponderação das finalidades da pena, por forma a que, quando for de concluir que aquele excesso resulta da determinação da pena concreta no quadro da moldura penal abstrata, se opte pela sua atenuação especial, em obediência ao espírito do citado artigo 4º. Isto porque a atenuação da pena implicará uma moldura penal abstrata que permitirá uma pena concreta provavelmente mais adequada a alcançar a reinserção social do condenado.
Para realizar tal juízo de prognose sobre o desempenho futuro da personalidade do jovem, impõe-se então ponderar, numa avaliação global dos factos apurados em cada caso concreto, a natureza e modo de execução do crime, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao facto, bem como as suas condições de vida, tudo de forma a averiguar se a moldura penal do crime em questão (concretamente a moldura da pena de prisão) é ou não excessiva tendo em vista os fins de socialização do jovem condenado.
É através da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, que se pode chegar ou não à conclusão de que se está perante um desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, caso em que se poderá mostrar justificada a formulação de um juízo de prognose favorável à atenuação especial.
Esse juízo deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não empeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade [14- Cf. o acórdão do STJ de 07-11-2007 (processo n.º 07P3214), disponível em http//www.dgsi.pt.].
Assim, só se justifica a referida atenuação especial se houver vantagens de reinserção, mas, importa não o esquecer, sem prejuízo da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, salvaguardadas que sejam, naturalmente, as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, que, sendo acentuadas, poderão obstar a essa atenuação especial da pena (sublinhados nossos).
Aqui chegados, não podemos deixar de discordar com a solução encontrada pelo tribunal de 1.ª instancia.
Na verdade, ponderando todas as circunstância apontadas, afigura-se-nos, ao invés, que, se impõe afastar a aplicação ao caso concreto do regime penal especial para jovens, não se bastando as finalidades visadas com a punição com a aplicação de medidas de correcção, especialmente, tendo em conta enorme gravidade dos comportamentos preconizados pelo arguido, que contactou com um indivíduo, cuja identidade se desconhece (indivíduo que faz parte, como não pode deixar de ser, até pelas regras da normalidade do suceder e das regras da experiência comum, de uma organização criminosa) e, nessa sequência, introduziu na 1.ª vez e tentou introduzir já na 2.ª, quantidades significativas de substâncias estupefacientes (no caso cannabis resina, vulgo haxixe), o que revela energia criminógena intensa, ousada e, mesmo, destemida, sobretudo se atentarmos ao meio usado para introduzir tais substâncias (os dois voos realizados), tudo em nome de obtenção de dinheiro fácil e sem trabalho – basta, aliás, atentar às fotografias de fls. 294 tiradas nos dias 5 e 7 de Junho de 2024 (na sequência do 1.º transporte), nas quais aparece exibindo uma grande quantidade de notas do BCE.
Dito de outro modo, as suas condutas são particularmente gravosas, o transporte - em duas ocasiões distintas e num espaço curto de tempo - de produto estupefacientes é manifestamente censurável, pois, requer, pela própria natureza da actividade deste tipo de crime, maior energia criminosa, pelo tempo que acarreta, pelo empenho que exige, denotativo de indiferença social relativamente às repercussões que este tipo de crime comporta para a comunidade envolvente.
E, como é consabido, os denominados “correios de droga” desempenham papéis fundamentais no transporte, disseminação e comercialização ao serviço das redes e associações criminosas que se dedicam ao tráfico internacional, visando a obtenção de elevadas vantagens económicas provenientes dos mercados ilícitos onde actuam.
Deste modo, agindo como “correio de droga”, vindo do Continente, acabou por ser interceptado na posse de mais de 16kg de cannabis resina (na 2.ª vez no espaço de poucos dias sobre a 1.ª, acrescendo também as quantidades de, pelo menos 3 placas de cannabis), que transportava na bagagem à chegada do aeroporto ......, na Ilha ....
Sendo que esta actividade por si desenvolvida, a mesma evidencia elevadas necessidades de prevenção geral, aliás, bem reconhecidas na “Estratégia da UE em Matéria de Drogas 2021-2025”, face ao aumento e elevada gravidade, dimensão e sofisticação das atividades do crime organizado, convergindo neste sentido os relatórios de segurança interna, que identificam o “tráfico ilícito de estupefacientes” como um fenómeno que continua a impor-se “como uma das principais áreas de atuação do crime organizado”, constituindo o tráfico através dos aeroportos uma “ameaça adicional”, bem como o relatório de 2023, confirmado no relatório de 2025, do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, que salienta, uma vez mais, os elevados riscos para a saúde e para a vida dos consumidores e a dimensão e dinâmica dos mercados internacionais e nacionais das drogas ilícitas, incluindo a cannabis.
Ora, há que dizer que o simples facto de ter confessado os factos, é, quanto a nós, pouco relevante, pois que, no caso, a prova recolhida é avassaladora, razão por que pouca importância teve no apuramento da factualidade provada.
Além disso, há que relembrar as suas condições pessoais:
«13. - À data dos factos, o arguido, residia em casa arrendada, sita em ..., coabitando com um primo, com quem dividia as despesas da mesma, perfazendo o total das despesas mensais relativas à habitação montante não inferior a 400€;
14. - O arguido antes da sua detenção encontrava-se a frequentar um curso profissional de fotografia, com a duração de 3 anos (dos quais completou um ano), numa Escola Técnica de ...(...), beneficiando neste contexto duma bolsa duma instituição pública da sua localidade e contando ainda com o progenitor para o ajudar a pagar as propinas do curso, o qual lhe enviava cerca de mil euros mensais;
15. - Entretanto, face a algumas dificuldades económicas, o arguido iniciou trabalho como servente de ..., atividade que exerceu em tempo parcial, durante cerca de 4 meses, até à reclusão;
16. – O arguido aos 18/19 anos de idade estabeleceu uma relação de namoro, contexto em que tem um filho, com cerca de 21 meses de idade, o qual permanece em ..., aos cuidados da mãe, com quem o arguido mantém relação de namoro; (…).
19. - O arguido é um indivíduo imaturo, imaturidade consentânea com a idade, quer em termos de gestão da sua situação, quer em termos de pensamento consequencial e de consciência crítica, características que condicionam a sua perceção do envolvimento no presente processo, que contextualiza num período de dificuldades económicas, embora em abstrato percecione a gravidade do tipo legal de crime em causa, contudo, com uma avaliação essencialmente marcada pela superficialidade;» (sublinhados nossos).
Ora, desta factualidade, parece-nos evidente a ausência de qualquer comportamento exterior concludente compatível com sentido crítico e de interiorização do desvalor da conduta, que aborda com “superficialidade”, o que é denotativo de uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito e propensa ao cometimento de crimes, circunstâncias que revelam que, a manterem-se, são potenciadoras de uma recidiva, e assim, há necessidades prementes de prevenção especial positiva e negativa que urge acautelar de forma eficaz e dissuasora.
Ademais, verifica-se que se contra em Portugal a frequentar um curso profissional com ajuda de uma bolsa e do envio mensal de cerca de 1000,00€ pelo progenitor que reside em ..., local este onde se encontra igualmente a namorada e filho de ambos, os quais são sustentado pela mãe.
Ou seja, o facto de o arguido apresentar condições pessoais muito desfavoráveis, como ausência de hábitos de trabalho – é certo que em Portugal se encontra, agora, a frequentar um curso profissional depois de várias tentativas de trabalho, mas que rapidamente abandonou -, negligência parental e comportamentos desajustados. Imagem disso? é o facto de o arguido viver às custas de uma bolsa e do seu progenitor, sendo este quem paga as suas despesas e, apesar de todo este apoio (bolsa e ajuda monetária substancial do pai), procurou um outra forma fácil e ilícita de obtenção de mais proventos.
Desta feita, afigura-se que da aplicação do instituto da especial atenuação da pena (cfr. art. 4 do Regime penal especial para jovens) não existem reais e sérias vantagens que contribuam de forma significativa para a sua reinserção social, sem olvidar que, se denota a necessidade de aplicação de pena adequada, tendo em vista o forçar este arguido a adoptar comportamentos consentâneos com os valores penais e ético-legais vigentes e evitar, de forma eficaz, por um lado, que volte a delinquir e, por outro lado, promover de forma eficaz a sua reintegração na comunidade jurídica e no tecido social envolventes.
Efectivamente atentando ao crime e a sua natureza, as suas vicissitudes e implicações, bem como alguma destruturação social e pessoal, que se mantém, e tais circunstâncias denotam uma postura de desafio e de contestação às normas instituídas, cuja salvaguarda se impõe assegurar e dissuadir de forma eficaz.
Assim, considerando a personalidade do arguido e as circunstâncias dos factos, afigura-se-nos não ser consentâneo com os fins das penas a aplicação das medidas de correcção estatuídas no art.º 6.º, do diploma referido, nem qualquer outro instituto previsto neste, visto que, os contornos subjacentes ao caso concreto e a gravidade inerente aos comportamentos do arguido não se compaginam com o aplicar de medidas tutelares educativas, nem análogas, sendo também, assim, de afastar o regime especial para jovens.
Aderimos, pois, ao entendimento sufragado pelo recorrente, tanto mais que não se trata de facto meramente isolado do arguido, já que, num espaço curto de tempo, nada fez para alterar a sua conduta “destemida e ousada” e reiterou a sua conduta, com a ânsia de obter “dinheiro rápido e fácil”.
Isto quer dizer que não fosse a sua detenção, estamos em crer que prosseguiria a sua conta, não a tendo cessado por vontade própria mas, ao invés, por razões alheias à sua vontade.
Pelo exposto e porque nenhuma outra consideração se mostra necessária, procede o recurso do recorrente, afastando-se, pois, a aplicação do regime penal especial para jovens.
B. Do medida concreta da pena da pena de prisão aplicada:
Face à alteração anteriormente efectuada, os limites mínimo e máximo da pena alteraram-se naturalmente.
Assim, concordando com a explanação feita na decisão do tribunal de 1.ª instância quanto ao enquadramento jurídico penal ao caso aplicável [inexiste qualquer dúvida que a conduta do arguido preenche, em autoria material e na modalidade de dolo directo, o tipo-de-ilícito penal consagrado no art. 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma], a que corresponde – depois de afastado o RPEJ - pena de prisão de 4 (quatro) anos a 12 (anos) anos.
Cumpre, agora, fixar a respectiva pena.
Nos termos do art. 40.º do Código Penal (doravante CP), a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71.º do CP, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.
Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, pág. 234).
Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de medida concreta (art. 71º, nº 2 do Cód. Penal):
Em desfavor do arguido:
- o dolo intenso (directo, dada a definição do art. 14.º, n.º 1 do C. Penal e a matéria fáctica provada);
- as significativas quantidades das substâncias estupefacientes por si transportadas que permite classificar o grau de ilicitude como elevado;
- também reveladora de uma elevada ilicitude são as quantidades destas substâncias estupefacientes que permitiram (na 1.ª vez) e permitiriam (na 2.ª) efectuar um número muito elevado de doses individuais;
- as motivações que determinaram o arguido às suas condutas, naturalmente relacionadas com um aumento do seu rendimento e a angariação de dinheiro (lucro) e prosseguir essa sua conduta, salientando-se que o mesmo não era consumidor de substâncias estupefacientes (mas apenas de álcool);
- as elevadas necessidades de prevenção gerais e especiais ínsitas ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados e que já referimos supra no tocante ao relatório alarmante do período de 2023-2025: e, neste ponto, permitimo-nos, também, transcrever o que se diz no Ac. do TRG, proferido a 23.04.2018, referente ao processo n.º 520/12.2PABCL.G1 do Juízo Central Criminal, Juiz 1, onde a relatora foi titular, que não está publicado): «Neste âmbito, é de realçar que o tráfico de estupefacientes é seguramente um dos campos em que mais se fazem sentir as necessidades de prevenção geral dados os foros de calamidade que a questão da droga vem assumindo a nível nacional – e não só – com consequências bastante nefastas tanto para os consumidores como para a comunidade em geral, especialmente no caso das drogas de maior danosidade para a saúde pública. Não admira que se tenha escrito que o tráfico de droga é mesmo objecto de forte reprovação ético-social, altamente criminógeno, apenas comparável aos crimes mais graves contra as pessoas; as drogas são uma grave ameaça para a saúde e bem-estar de toda a humanidade, para a independência dos Estados, para a democracia, estabilidade de países, estrutura de todas as sociedades e para a esperança de milhões de pessoas e suas famílias [Assim se lhes referiu a 20.ª Sessão Especial da Assembleia das Nações Unidas – cfr. Rui Pereira e Luís Bonina, in “Problemas Jurídicos da Droga e da Toxicodependência, RFDUL, págs. 154 e 191]. Acresce que, na maioria das vezes, a proliferação descontrolada do consumo de drogas aparece associado a outro tipo de criminalidade como os delitos contra o património e contra a integridade física das pessoas tendo como escopo a satisfação do vício do consumo».
- considerando o tipo de condutas abrangido, há que atender também que a cessação da actividade e o seu não prosseguimento para além daquele dia se tenha devido à circunstância de o arguido ter sido detido e não de ter voluntariamente abandonado as suas condutas;
- as condições pessoais do arguido a que já aludimos supra das quais resulta que são muito elevadas as exigências de prevenção especial quanto ao mesmo;
Sopesando todos os factores enunciados, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa do arguido, aplicar-lhe a pena de 5 anos de prisão.
A medida da pena leva em conta a jurisprudência do STJ quanto ao papel dos denominados “correios de droga” no funcionamento deste mercado ilícito e na disseminação de produtos estupefacientes e à sua utilização pelas redes de tráfico aproveitando-se de situações de carência e fragilidade de que visam tirar vantagem, bem como, ao fim ao cabo a sua juventude (como critério geral).
C. Da eventual suspensão da sua execução da pena de prisão agora aplicada:
A próxima questão a debater é a da suspensão ou não, da execução da pena.
A pena de prisão aplicada a este arguido, porque superior a 2 anos e não superior a 5 anos, pode ser suspensa na sua execução.
Desta forma, importa, então, saber se se mostra aconselhável a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.
Pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é, como já se disse, que a pena seja de prisão em medida não superior cinco anos, o que, in casu, se verifica.
Pressuposto material de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que o tribunal conclua que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – cfr. art. 50.º, n.º 1.
A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex., inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão.
Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de ponderação geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado, como imposto pela parte final do n.º 1 do art. 50.º do Código Penal.
Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena e a proximidade do limite de admissibilidade da pena de substituição.
Neste ponto, as questões que se colocam passam por aquilatar se existem condições para confiar que o arguido será capaz de se ressocializar em liberdade, sem voltar a práticas similares à aqui censurada, e, mesmo que esse risco fundado possa ser afirmado, se a pena de substituição não coloca em causa o limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico.
Deve, em primeiro lugar, referir-se que em termos de prevenção geral, a situação do arguido é de limite. Por um lado, temos a gravidade do crime de tráfico de estupefacientes e, por outro, a juventude do arguido. Dir-se-á que neste quadro, a possibilidade de suspensão ainda se punha, sem que a condenação fosse considerada “laxista”. A situação é porém de limite, sobretudo dada a gravidade do crime de tráfico de estupefacientes praticado como “correio de droga”, como já vimo supra.
Por outro lado, é em termos de prognose social e de prevenção especial, que o juízo é
deveras desfavorável.
Com efeito, o arguido praticou um crime grave, o que revela, pelo menos, um comportamento com completo desprezo pelas normas sociais e neste caso, até pelas normas penais. O arguido não tem hábitos de trabalho e “desprezou” o curso profissional que estava a tirar com o apoio de uma bolsa de estudos e ajuda financeira do progenitor. Tem namorada e filho, sendo a mãe quem os sustenta em ....
E não é pelo facto de ainda ser jovem, que por si só se possa fazer do mesmo um juízo de prognose social favorável. É que, ante o tipo de crime praticado e condições pessoais desfavoráveis, não se pode fazer do arguido um juízo de prognose social favorável.
E, em termos de prevenção especial, não se pode dizer que uma pena não privativa da liberdade cumpra a finalidade de afastar o arguido, da prática de novos ilícitos.
Não é só o facto de se ser jovem, que justifica a concessão de oportunidades. É preciso que o agente demonstre que quer ou pode mudar. Ora, a confissão do arguido não teve o relevo que o tribunal de 1.ª instância lhe quis conferir. E o próprio facto de o arguido se ter achado com idade para arranjar família, mas mesmo assim continua sem hábitos de trabalho, sendo o seu progenitor a sustentá-lo e a mãe da namorada a prover o sustento desta e do filho de ambos, revela a par do crime cometido, que só uma pena de prisão efectiva o poderá consciencializar, de forma a que o mesmo faça uma inflexão profunda, na sua forma de vida.
Em conclusão, entende-se de aplicar ao arguido AA a pena de prisão efectiva - art. 50.º, n.º 1 do CP “a contrario". Será, assim, condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva.
Procede pois, se bem que parcialmente - o recorrente tinha pedido pena de prisão entre os 4 anos e 6 meses e 5 anos e 6 meses e a não aplicação da atenuação especial prevista no regime penal especial para jovens - o recurso do Ministério Público.
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V. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, em consequência, condena-se o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C anexa a tal diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efectiva.
Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2025
Marlene Fortuna)
Ivo Nelson Caires B. Rosa ( com declaração de voto que segue)
Paula Cristina B. Gonçalves
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Voto vencido
A decisão que fez vencimento não considerou aplicável o regime penal do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com o fundamento na enorme gravidade dos comportamentos preconizados pelo arguido, ou seja, na ilicitude do facto, bem como nas elevadas necessidades de prevenção geral que o crime de tráfico de estupefacientes demanda. Perante a conjugação de todos estes elementos, a decisão considerou que não existiam sérias razões para um juízo favorável sobre a reinserção social do arguido.
Dos elementos considerados, entendo que a gravidade do ilícito não pode constituir, por si só, fundamento para um juízo negativo, nem resulta da lei que o legislador tenha pretendido afastar do âmbito do regime em causa os crimes de tráfico de estupefacientes. Na verdade, o que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para o juízo de prognose na medida em que revelam ou neles se manifeste uma projeção de uma personalidade especialmente desvaliosa.
Tendo em conta a natureza do crime e o seu modo de execução, constata-se, como resulta dos factos provados, que as diversas variáveis a considerar (idade do arguido, situação familiar, educacional, vivências anteriores, antecedentes de formação pessoal, comportamento processual do arguido, traços essenciais de personalidade em formação) permitam, sem dúvida, tal como fez o tribunal recorrido, uma prognose favorável ou, se quisermos, com maior rigor, não impedem uma prognose favorável sobre o futuro desempenho da personalidade do arguido.
Na verdade, estamos perante alguém que tinha 19 anos de idade à data da prática dos factos, não tem antecedentes criminais, confessou os factos, circunstância que não poderá ser desqualificada apenas pelo facto de existir abundante prova, é nacional de ..., onde viveu até 2023 com a sua família de origem, tendo beneficiado dum processo de socialização adequado e com referências positivas ao nível do relacionamento intrafamiliar, realizou um percurso escolar até ao 12.º ano de escolaridade, e após a saída da escola, apoiou o progenitor no estabelecimento comercial de que este é proprietário, até à deslocação para Portugal para frequentar um curso profissional de fotografia em 2023, em Portugal contou com algum apoio dum irmão mais velho já residente neste país, contudo, por falta de condições habitacionais não pôde residir com o mesmo, não conseguindo uma situação estável ou autónoma, que o colocou numa situação de alguma vulnerabilidade, mantendo, pela idade e alguma ingenuidade, convívios com indivíduos problemáticos.
À data dos factos residia em casa arrendada, sita em ..., coabitando com um primo, com quem dividia as despesas da mesmas, antes da sua detenção encontrava-se a frequentar um curso profissional de fotografia, com a duração de 3 anos (dos quais completou um ano), beneficiando duma bolsa duma instituição pública e contando ainda com o progenitor para o ajudar a pagar as propinas do curso, o qual lhe enviava cerca de mil euros mensais, exerceu a atividade de servente de ... em tempo parcial, durante cerca de 4 meses, até à reclusão.
Mais resulta que o arguido não tem problemáticas aditivas, nomeadamente consumos de drogas e que pretende retomar o curso de fotografia e o trabalho como servente de ... aos fins de semana, e viver com o seu irmão CC, que entretanto reuniu condições habitacionais para o receber e está disponível para o acolher em sua casa.
Relevante é, também, o que consta do no seu relatório social (o relatório social deve ser considerado, nesta perspetiva, um elemento da maior relevância): o arguido é um indivíduo imaturo, imaturidade consentânea com a idade, quer em termos de gestão da sua situação, quer em termos de pensamento consequencial e de consciência crítica, características que condicionam a sua perceção do envolvimento no presente processo, que contextualiza num período de dificuldades económicas, embora em abstrato percecione a gravidade do tipo legal de crime em causa, contudo, com uma avaliação essencialmente marcada pela superficialidade.
Estas circunstâncias, ao contrário da posição que fez vencimento, não demonstram uma personalidade desvaliosa, mas revelam, antes, um comportamento próprio das pequenas franjas urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil, muitas vezes de primeiro grau, e que demandam um combate por meio da utilização de instrumentos de recomposição, evitando, na maior medida do possível, as reações institucionais e o contacto com o sistema prisional.
Para além disso, os factos praticados pelo arguido não revelam por si, nem neles se manifesta, ostensiva e claramente, uma personalidade, ou tendências de personalidade desvaliosas.
Com efeito, todos os factos provados apontam no sentido contrário à posição que fez vencimento, sendo que a conclusão de que não existem sérias razões para crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente não encontra apoio na factualidade dada como provada.
Na verdade, quanto ao modo de atuação do arguido há a considerar que estamos perante uma atuação circunscrita ao transporte, por via aérea, entre o território nacional, de cannabis resina.
A intervenção do arguido limitou-se ao mero transporte da canábis resina entre Lisboa e a ilha ..., onde acabou por ser intercetado no aeroporto e detido.
Há que considerar que não chegou a haver disseminação do produto, atenta a sua apreensão no aeroporto.
O arguido, ao contrário do que é sustentado na posição que fez vencimento, espelha bem a figura do denominada “correio de droga”, com origem nas cinturas humanas mais degradadas, frágeis e vulneráveis da sociedade com origem num pais estrangeiro, neste caso ..., sujeitando-se aos riscos do tráfico, a troco de uma compensação pecuniária pelo transporte, muitas por razões de sobrevivência ou por necessidades económicas.
A atividade praticado pelo arguido é, deste modo, relativamente marginal, dado que não era o dono do estupefaciente que transportava, estando, por isso, desligado do meio e do circuito comercial dos estupefacientes. Na verdade, o arguido não passa de um mero contratado, pago “à peça”, ou seja, pelo concreto serviço prestado, seguramente envolvido na situação pela sua inexperiência em razão da idade, pelo facto de ser estrangeiro, não conhecer a realidade portuguesa e, seguramente, pela promessa de que tudo iria correr bem e atraído pela compensação económica.
Portanto, a atividade desenvolvida pela arguido, tendo em conta os três setores ligados ao tráfico de estupefaciente, ou seja, produção, importação e distribuição situa-se no fim da linha e revela um nível baixo de interesse comercial no narcotráfico.
Tratando-se de um correio de droga, a probabilidade do arguido, conforme demonstram os dados empíricos, em conhecer outras pessoas integradas na rede ou a dimensão da rede é bastante baixa, dado que se limita a receber ordens, com muito muito pouco acesso a informação, não tem quase nenhum envolvimento com os estupefacientes, nem quanto ao controlo sobre a quantidade e qualidade de produto transportado.
Não podemos esquecer que os correios de droga, são normalmente de baixo status social, originários de famílias pobres e desfavorecidas, com baixo nível de renda anual e provenientes de espaços sociais desfavorecidos.
Em suma, será de concluir que a atenuação especial do art. 4.º do D.L. n.º 401/82 só não deve ser aplicada quando houver sérias razões para crer que tal medida não vai facilitar a ressocialização do jovem delinquente. Não se mostrando provado, como se verifica no caso concreto, o suporte desta conclusão, deve a pena de prisão ser especialmente atenuada, em homenagem àquele pressuposto da natural capacidade de ressocialização do jovem.
Na verdade, os fatores de risco para a delinquência em ralação ao arguido, atentos os factos provados, são muito baixos, sendo que estamos longe estarmos em presença de uma carreira criminal dada a ausência de uma sequência longitudinal de crimes cometidos por um infrator individual.
Deste modo, o recurso interposto pelo MP deveria ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida dado o correto enquadramento efetuada pela mesma.
Quanto à suspensão da pena entendo, também, que a mesma deveria ser mantida nos precisos termos da decisão recorrida atenta a verificação dos pressupostos formais e materiais exigidos para a aplicação deste instituto. Na verdade, não resulta da lei que os crimes de tráfico de estupefacientes, apenas por este facto, estão excluídos da possibilidade de aplicação do regime de suspensão de execução da pena.
Em face de todo o exposto, a decisão recorrida, atenta a correta aplicação do regime especial para jovens e da suspensão de execução da pena, deveria ser mantida.
Ivo Rosa