SUSPENSÃO DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS
RENOVAÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
CADUCIDADE
IRREGULARIDADE
Sumário

(da responsabilidade da Relatora)
I. Não padece de irregularidade por falta de fundamentação o despacho de mera renovação de SOB que, sem descurar a referência ao progresso da investigação e à verificação da subsistência dos fundamentos que determinaram a decisão de SOB, remete para o teor da promoção de prorrogação, para a decisão de suspensão temporária de operações e para a decisão que a confirmou.
II. Tal pressupõe que as peças processuais supra referidas tenham sido, como foram in casu, notificadas às partes e que tais peças se pronunciem, de forma concreta e fundamentada, sobre todos os pressupostos da aplicação da medida de suspensão de operações, seja a fundada suspeita de origem ilícita dos fundos, seja o risco de dispersão dos mesmos, seja a necessidade de preservar os fundos bloqueados como elemento de prova.
III. Tal não acarreta a violação dos princípios fundamentais da fundamentação, consagrados no artigo 206º da Lei Fundamental, desde que, como aconteceu in casu, as partes conheçam os fundamentos da decisão e possam opor-se à mesma, ou seja, que não se trate de uma decisão “opaca”.
IV. A caducidade das medidas de SOB mostra-se apenas prevista nos casos em que a medida não seja confirmada judicialmente no prazo de dois dias após a sua prolação – artigo 49º, nº1, da Lei nº 83/2017, sendo que e o nº 2 do preceito em análise prevê a possibilidade de a medida “ser renovada sucessivamente por novos períodos, dentro do prazo do inquérito”.
V. Do exposto decorre que a caducidade apenas poderá ter lugar por falta de confirmação judicial nos termos do nº 1 do supra referido preceito, sendo que, dentro dos requisitos exigidos, se verifica a possibilidade de renovação destas medida ao longo de todo o prazo do inquérito.
VI. E, mesmo que se verifique o não cumprimento do prazo de três meses, verificando-se assim, a omissão de prática atempada de acto que a lei expressamente prevê e, em conformidade, a verificação de uma irregularidade, tal irregularidade não determinaria a invalidade do acto (despacho de renovação proferido após o decurso de 3 meses mas dentro do prazo do inquérito) nem do processado posterior, dada a irrelevância material da mesma.
VII. Só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado, como dispõe o artigo 123º, nº 2, do CPP para as irregularidades oficiosamente conhecidas e aplicável em caso de arguição por interessado.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores desta 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I Relatório
1.
Em ........2024, ..., NIPC ..., ..., NIPC ..., ..., NIPC ..., todas com sede na ..., e AA, solteiro, natural de ..., titular do cartão de cidadão n.º 32105306 0ZY6, emitido pela República Portuguesa e válido até .../.../2027, contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio na ...,
vieram recorrer do despacho proferido pelo Senhor Juiz de Instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal em ........2024, no âmbito do inquérito nº 574/24.0TELSB, que correu termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
Da motivação extraíram as seguintes conclusões:
I. O objecto do presente recurso é o despacho de .../.../2024 do TCIC, que julga improcedente o requerimento dos Recorrentes de .../.../2024, no qual foi invocada a irregularidade do antecedente despacho do TCIC de .../.../2024 (comunicado aos Recorrentes por notificação de .../.../2024, ref.ª 41585), que por sua vez determinou a prorrogação das medidas de suspensão de contas bancárias dos mesmos (inicialmente decretadas por despacho do TCIC de .../.../2024), nos termos do artigo 49.º n.º 2 da Lei n.º 83/2017, de 18/8.
II. O despacho .../.../2024 mais não faz do que aderir em bloco ao conteúdo da anterior promoção do DCIAP de .../.../2024, limitando-se a proclamar concordância com os juízos quanto à matéria de facto e de Direito constantes dessa decisão.
III. Do teor, já de si exíguo, do despacho de .../.../2024 não é possível extrair senão uma série de alusões vagas, nomeadamente, à necessidade da prorrogação das medidas suspensivas com vista à realização de diligências de investigação futuras, e de preservar meios de prova (supostamente) já obtidos nos autos.
IV. E o alheamento do Tribunal a quo ao seu dever de apreciar criticamente o anterior pedido do DCIAP evidencia-se se considerarmos que a promoção do DCIAP não refere que a prorrogação requerida se destina a permitir a realização de quaisquer diligências futuras, nem tão pouco faz alusão à necessidade de conservar elementos de prova.
V. O Tribunal a quo tinha a obrigação de fundamentar o despacho de .../.../2024, nos termos do disposto artigo 97.º n.º 5 do CPP.
VI. O dever de fundamentação das decisões judiciais assume uma importância primacial na concretização de um Estado de Direito Democrático e na prevenção de actuações arbitrárias por parte dos Tribunais e do Ministério Público, encontrando, por isso mesmo, consagração constitucional no artigo 205.º n.º 1 da CRP.
VII. A indicação dos fundamentos que sustentam as conclusões alcançadas em cada decisão é, por um lado, uma condição necessária para o exercício do contraditório pelas partes cujos legítimos interesses hajam sido afectados pela decisão e, por outro lado, assegura a justificação e a transparência da decisão tomada perante a comunidade em geral.
VIII. A importância do dever de fundamentação tem sido reiteradamente afirmada pelos Tribunais Superiores, que têm entendido que o mesmo só se tem por cumprido se o conteúdo da decisão reflectir um juízo crítico e autónomo do Tribunal em relação à questão decidenda, ponderando os argumentos que sustentam o pedido que lhe é endereçado e contrabalançando-o com os interesses legítimos das partes que possam ser afectadas pela decisão.
IX. Por isso mesmo, em sede de processo penal, a jurisprudência tem dirigido críticas a decisões judiciais cuja fundamentação consista na pura e simples remissão, ou adesão, ao teor dos pedidos e promoções do Ministério Público.
X. Ao se traduzir numa mera remissão para o conteúdo de uma anterior decisão do DCIAP, o despacho do TCIC de .../.../2024 não revela, sequer minimamente, uma ponderação isenta, autónoma e com espírito crítico dos "motivos de facto e de Direito" que, eventualmente, pudessem sustentar as medidas suspensivas aplicadas aos Recorrentes.
XI. Muito menos revela o despacho de .../.../2024 ter tomado em consideração os direitos e interesses legítimos dos ora Recorrentes que, consabidamente, seriam gravemente restringidos e lesados com as medidas objecto de confirmação.
XII. O despacho recorrido, apreciado a invocada irregularidade do anterior despacho de .../.../2024, limita-se a afirmar que o Tribunal a quo procedeu, neste despacho, a uma ponderação autónoma sobre a subsistência dos pressupostos da medida teve em conta, ou sequer se apercebeu dela.
XIV. As considerações do Tribunal a quo no não justificam nem afastam a grave violação do dever de fundamentação do despacho de .../.../2024, tendo o despacho recorrido incorrido num manifesto erro de apreciação dos pressupostos da irregularidade do anterior despacho de .../.../2024 devendo ser, por isso, revogado.
XV. Em consonância com esse entendimento, reafirma-se, sem reservas, que o dever de fundamentação postula um raciocínio crítico e autónomo, que não apenas uma remissão para um acto processual alheio e anterior, quer se trate de sentenças condenatórias, quer de qualquer outra decisão, com especial ênfase em decisões que importem a restrição de direitos individuais de terceiros, como é aqui o caso.
XVI. O despacho recorrido deverá, por isso, ser substituído por outro que declare a irregularidade do despacho do TCIC de .../.../2024,
XVII. Bem como a consequente irregularidade dos despachos ulteriores que, eventualmente, confirmem a renovação da medida suspensiva inicialmente decretada, nos termos do artigo 49.º n.º 2 da Lei 83/2017, por se tratar de actos numa relação de estrita dependência com o despacho de .../.../2024, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º n.º 2 do CPP.
XVIII. Acresce que a medida suspensiva inicial, tendo sido decretada por despacho do TCIC de .../.../2024, terminou às 24h do dia .../.../2024 ao passo que o despacho que determinou a prorrogação dessa medida foi proferido, apenas, em .../.../2024.
XIX. Aquando do despacho de .../.../2024, já a medida suspensiva inicialmente decretada havia caducado, por decurso do prazo de 3 meses que lhe foi fixado.
XX. Por conseguinte, o despacho de .../.../2024 é intempestivo na parte em que determina a renovação das medidas suspensivas de contas bancárias anteriormente decretadas.
XXI. Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo no despacho recorrido, ao DCIAP e TCIC não são dados poderes arbitrários para deixar caducar a medida suspensiva inicialmente aplicada, renovando-a em data posterior a seu bel talante.
XXII. Em abstracto, a renovação da medida suspensiva (cfr. artigo 49.º n.º 2 da Lei 83/2017) deve fundar-se na subsistência (ininterrupta) dos motivos que justificaram o seu decretamento inicial, para além do prazo de 3 meses consequentemente, a ser decretada essa renovação, a mesma deve ficar decidida antes do termo do referido prazo inicial, para que possa vigorar ininterruptamente.
XXIII. Ademais, é juridicamente impossível proceder à prorrogação de um prazo que já terminou.
XXIV. O Tribunal a quo incorre, pois, num erro de apreciação da questão da intempestividade, oportunamente submetida, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que declare a irregularidade do despacho de .../.../2024 com fundamento em intempestividade,
XXV. Bem como a irregularidade de todos os subsequentes despachos de renovação / prorrogação do prazo das medidas suspensivas em questão, por se encontrarem com aquele numa relação de estrita dependência, ao abrigo do disposto no artigo 123.º do CPP o que se requer subsidiariamente.
Nestes termos, requer a V. Exas. admitam e julguem procedente o presente recurso e, consequentemente:
i) revoguem o despacho recorrido com fundamento na errada apreciação das questões que lhe foram submetidas por requerimento de .../.../2024; ii) declarem a irregularidade do despacho do TCIC de .../.../2024, bem como dos despachos de renovação da medida de suspensão de contas bancárias que se lhe sigam, com fundamento em violação do dever de fundamentação, nos termos conjugados dos artigos 97.º n.º 5 e 123.º do CPP; ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese e sem conceder, iii) declarem a irregularidade do despacho do TCIC de .../.../2024, bem como dos despachos de renovação da medida de suspensão de contas bancárias que se lhe sigam, com fundamento em intempestividade, nos termos conjugados do artigo 49.º n.º 2 da Lei 83/2017 e do artigo 123.º do CPP.
iv) mais requer que o presente recurso seja instruído com certidão dos seguintes elementos dos autos:
- promoção do DCIAP de .../.../2024;
- despacho do TCIC de .../.../2024;
- promoção do DCIAP de .../.../2024;
- despacho do TCIC de .../.../2024;
- requerimento dos Recorrentes de .../.../2024; - despacho do TCIC de .../.../2024.”
2.
O recurso foi admitido a subir imediatamente e em separado e sem efeito suspensivo - despacho proferido em ........2024, Ref Citius 9123772.
3.
Em ........2025, o Ministério Público apresentou resposta ao recurso.
Transcrevem-se as conclusões de tal resposta:
“1 a — As questões em causa no presente recurso, insuficiência de fundamentação e caducidade da medida de suspensão de operações, seriam suscetíveis de afetar a decisão de folhas 595, ponto II, e seguinte, que prorroga a medida de suspensão de operações, e a decisão que rejeitou a verificação de irregularidades por insuficiência de fundamentação e caducidade da medida, que consta de folhas 714, primeira parte, proferida a ...-...-2024, sendo esta última a decisão diretamente recorrida.
2a - A suspensão temporária de operações sobre um conjunto de contas tituladas pelas entidades agora Recorrentes foi determinada temporariamente por despacho do Ministério Público, dando origem à instauração do presente inquérito, onde foi promovida a confirmação judicial da medida, que veio a ocorrer, com o consequente bloqueio de algumas formas de movimentar as mesmas contas, por um período inicial de três meses.
3a - A decisão de suspensão suportou-se em indícios de que, pelo menos desde ..., haviam sido realizados aportes, a título de suprimentos, na sociedade ..., inicialmente dominada por BB, conhecido em ... como ..., tendo sido realizadas transferências provenientes de um banco na ... (estes no montante total de no montante total de € 4.330.000,00) e sido feitos contabilizar outros aportes registados como suprimentos num montante superior a 34 milhões de euros, com suspeita de corresponderem a mera passagem de fundos para interesses pessoais e familiares do mesmo sócio.
4a - No primeiro semestre de ..., BB procedeu à transmissão do direito ao reembolso dos referidos suprimentos para a pessoa do seu filho AA, iniciando as operações para exigir à sociedade e dar pagamento a tais alegados reembolsos no segundo semestre de ....
5a - A partir do final de ... ocorreu a transferência do produto dessa devolução da esfera do AA para a esfera de duas sociedades instrumentais, a ... e a ..., criadas propositadamente para receberem os fundos.
6a - Já em ... foram identificadas operações de conversão desses meios financeiros, retirados da ..., em novos activos de natureza distinta, traduzidos na aquisição de imóveis em nome da ....
T - Todas essas operações foram associadas a procedimentos instaurados contra BB quer em sede criminal em ..., quer em sede sanções financeiras pelos ..., com a inclusão do mesmo nas listas da ....
8a — Foi suscitada a suspeita de estarmos perante o empolamento fictício de suprimentos na ..., realizada a partir de fundos originados em negócios sob investigação em ..., sob suspeita de crimes de peculato e de corrupção, além do mais.
9a - Foi esta circulação de fundos, iniciada no final de ... e que culmina na integração dos montantes em distintos investimentos através de novas sociedades, associada à origem em Banco na ... e à contemporaneidade com ilícitos perseguidos em ..., que foi presente para apreciação judicial, suscitando a necessidade de bloqueio das quantias remanescentes, de forma a evitar a sua dispersão até se comprovar a real origem dos capitais e sua contabilização como suprimentos na ....
10a - A decisão que confirmou a suspensão de operações e que determinou o bloqueio de operações por um primeiro período de três meses (de folhas 404 e seguintes) atendeu a todos os indícios recolhidos nos autos, aliás exclusivamente suportados em prova documental, e afirmou a concordância com a leitura dos mesmos feita na promoção do Ministério Público de folhas 391 e seguintes.
11ª Decorrido esse primeiro período de três meses, promovemos, a folhas 582, parte final, e seguintes, a prorrogação das medidas de restrição de movimentos em contas das ora Recorrentes, o que veio a ser deferido pela decisão de folhas 595, ponto II, e seguinte decisão que já foi objeto de recurso autónomo quanto à sua substância.
12a - No entanto, por requerimento de folhas 696 e seguintes, vieram os ora Recorrentes invocar a insuficiência da fundamentação de tal decisão de prorrogação das medidas de suspensão de operações, o que veio a dar origem à decisão de folhas 714, segunda parte, e seguintes, que indeferiu a verificação da referida irregularidade sendo esta última a decisão visada pelo presente recurso.
13a - A decisão de prorrogação em causa tem por objeto verificar se subsistem os fundamentos que haviam sido inicialmente reconhecidos para a aplicação das medidas de suspensão de operações, representando, por isso, uma reapreciação da decisão inicial, constante de folhas 404 e seguintes — aliás também já objeto de recurso autónomo.
14a - A decisão de prorrogação de folhas 595, ponto II, e seguinte, limita-se assim a constatar a subsistência dos pressupostos já anteriormente reconhecidos pela decisão de folhas 404 e seguintes, tanto mais que, nesse período de três meses, não foram aportados pelos ora Recorrentes quaisquer elementos para a justificação das operações em causa e as diligências entretanto realizadas no inquérito, designadamente a diligência de busca com auto a folhas 538 e seguintes, apenas vieram confirmar as suspeitas sobre a origem dos fundos que foram contabilizados como suprimentos na ... e sobre a forma como esses suprimentos foram sendo devolvidos.
15a - A alegada invocação de falta de fundamentação não foi suportada na opacidade da decisão de prorrogação da medida de suspensão, mas tão só a circunstância de ter expressamente deferido a promoção feita pelo Ministério Público, tal como veio a ser reconhecido na decisão diretamente recorrida, que consta de folhas 714, parte final, e seguintes.
16a - Essa decisão de folhas 714, parte final, e seguintes, esclarece todo o raciocínio subjacente à decisão de prorrogação da medida de suspensão de operações, explicando porque razão foi afirmada a subsistência dos fundamentos iniciais, já previamente constatados, pela decisão de folhas 404 e seguintes.
IT - A decisão de folhas 595, segunda parte, e seguinte, que prorroga a medida de suspensão de operações, foi comunicada com a promoção que a antecede, de folhas 582 a 592, tendo os ora Recorrentes tomado conhecimento de todos os fundamentos para a subsistência da medida — como mais uma vez se realça na decisão ora recorrida.
18a - Acresce que a decisão ora recorrida, de folhas 714, parte final, e seguintes consigna o progresso da investigação, através da realização da diligência de busca entretanto realizada, que reforçou a indiciação da suspeita inicialmente reconhecida, na medida em que se constatou ter ocorrido devolução de suprimentos em espécie, realizada através da assunção pela sociedade ... do pagamento de despesas no interesse pessoal do sócio.
19a - Conforme é referido na decisão ora recorrida, a decisão de prorrogação de folhas 595, segunda parte, e seguinte pronuncia-se sobre todos os pressupostos da aplicação da medida de suspensão de operações, seja a fundada suspeita da origem ilícita dos fundos, seja o risco de dispersão dos mesmos na economia legítima, seja a necessidade de preservar os fundos bloqueados como elemento de prova que representam.
20a — Os ora Recorrentes alegam ainda a caducidade da medida de suspensão de operações, porquanto a mesma teria estado vigente até ... de ... de 2024, mas foi prorrogada na data de ..., esquecendo, no entanto, que, nos termos do art. 49.0-2 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, se encontra prevista a possibilidade de renovação da medida e que a mesma apenas caduca findo o prazo normal do inquérito, que no caso dos autos é de 14 meses.
21 a - O que resulta do disposto no art. 49.0-2 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, é que a medida de suspensão de operações é aplicada por períodos que podem ir até aos três meses, sendo certo que, se houver descontinuidade entre esses períodos, isto é, se o novo prazo não se seguir ao fim do anterior, o que acontece é que os bancos podem realizar as operações que vierem a ser solicitadas pelos clientes tal decorre do disposto no art. 47.0-5 da Lei 83/2017, de 18 de Agosto.
22a - No caso dos autos, a medida de bloqueio de contas foi definida e aplicada pela decisão de folhas 404 e seguintes, proferida na data de ...-...-2024, decisão que foi comunicada aos bancos na data de ...-...62024, conforme folhas 409 e seguintes, pelo que, tendo a medida sido mantida pela decisão de folhas 595, segunda parte, e seguinte, proferida a ...-...-2024, que passou a vigorar, não se verificou um interregno na vigência da mesma medida de bloqueio de contas.
23a - Concluímos assim, ao contrário do pretendido pelos ora Recorrentes, que não só não se verificou uma descontinuidade nos períodos de vigência da medida de suspensão de operações, como não caducou a possibilidade da sua renovação, o que acontecerá apenas findo o prazo normal do inquérito, o qual se iniciou e corre contra pessoa determinada desde ...-...-2024, conforme foi também reconhecido pela decisão diretamente recorrida, de folhas 714 e seguintes.
Entendemos assim, que a decisão recorrida faz correta interpretação do Direito quanto às exigências de fundamentação e quanto á sucessão de vigência da medida de suspensão de operações, pelo que não merece censura.
Porém, Vossas Exas., com mais elevada prudência, decidirão, fazendo
Justiça
Lisboa, ... de ... de 2025”
4.
Neste Tribunal, em ........2005, a Sra.º Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência – Ref 22701229.
Transcreve-se o Parecer que emitiu:

Parecer do Ministério Público
Vista – art.416º nº 1 do Código de Processo Penal
I. Recurso próprio e tempestivo, sendo correcto o efeito e o regime de subida atribuídos.
II. Constitui objecto do presente recurso o despacho judicial proferido em ........2024 que decidiu não se verificarem irregularidades por falta de fundamentação e caducidade da medida de suspensão de operações, invocadas pelos Recorrente como a afectar o segmento do despacho judicial de ........2024 nos termos do qual se determinou a prorrogação por novo período de três meses da medida de suspensão de operações bancárias reportadas a especificadas contas bancárias, indeferindo o requerido.
O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto, em tal sede detalhando, debatendo e argumentando com proficiência e clareza de fundamentação as razões que alicerçam o entendimento no sentido de que “(…) a decisão recorrida faz correta interpretação do Direito quanto às exigências de fundamentação e quanto á sucessão de vigência da medida de suspensão de operações, pelo que não merece censura. “.
Nesta instância, o Ministério Público acompanha a resposta apresentada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, nos precisos termos em que vem formulada, e para a qual por questão de economia processual aqui se remete.
Atentas as considerações expostas na citada resposta, e dispensando-nos de considerações adicionais, por desnecessárias e redundantes, emite-se parecer no sentido de que seja o presente recurso julgado improcedente e, em consequência, confirmada a decisão recorrida.”
*
5.
Notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º, nº2, do CPP, os recorrentes responderam, em ........2025, nos seguintes termos – Ref 51549779:

..., ..., ...
CAPITAL, S.A. e AA, Recorrentes melhor identificados nos autos supra referenciados, tendo recebido a notificação de .../.../2025 (ref.ª 22747542), vem expor e requerer a V. Exas. o seguinte:
1. O parecer do Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta limita-se a afirmar que “acompanha a resposta à motivação do recurso apresentada pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, nos precisos termos em que vem formulada, e para a qual por questão de economia processual aqui se remete”.
2. O Parecer não revela uma ponderação autónoma e crítica, quer do recurso, quer da aludida resposta do DCIAP: trata-se de uma pura e simples remissão para o conteúdo de um acto processual anterior.
3. Já a resposta do DCIAP, para qual o referido parecer remete, não é de molde a afastar ou desvirtuar os fundamentos do recurso: verifica-se que o DCIAP pouco mais faz do que reiterar o conteúdo do despacho recorrido.
4. Contudo, cumpre fazer as seguintes observações:
5. Em primeiro lugar, o DCIAP afirma que a “decisão de folhas 714, parte final, e seguintes esclarece todo o raciocínio subjacente à decisão de prorrogação da medida de suspensão de operações…” (conclusão 16) e ainda que a mesma decisão “consigna o progresso da investigação…” (conclusão 18).
6. Ora, a “decisão de folhas 714” corresponde ao despacho recorrido proferido pelo TCIC em .../.../2024.
7. Sendo certo que o presente recurso versa a irregularidade da decisão do TCIC de .../.../2024, por falta de fundamentação.
8. Assim sendo, o teor da decisão do TCIC de .../.../2024, qualquer que seja, não permite suprir as manifestas insuficiências da fundamentação do anterior despacho do TCIC de .../.../2024.
9. As referências do DCIAP à “decisão de folhas 714” não passam, pois, de manobras de diversão… numa tentativa infrutífera de suprir a evidente falta de fundamentação que inquina o despacho do TCIC de .../.../2024.
10. Em segundo lugar, o DCIAP pretende que as Recorridas terão tomado “conhecimento de todos os fundamentos para a subsistência da medida”, por lhes ter sido notificada a promoção do DCIAP de .../.../2024.
11. Mas a falsidade dessa afirmação resulta da própria resposta do DCIAP: os supostos factos alegados nas conclusões 7, 8 e 9 da resposta não encontram correspondência na promoção do DCIAP de .../.../2024 (na parte que foi notificada às Recorrentes), nem no despacho do TCIC de .../.../2024, nem em qualquer outro acto processual que tenha sido notificado às Recorrentes.
12. Torna-se assim evidente que não foi dado conhecimento às Recorrentes da totalidade das pretensas suspeitas que terão motivado o pedido de confirmação das medidas suspensivas, formulado pelo DCIAP por despacho de .../.../2024.
13. Os Recorrentes não tiveram, nem poderiam ter, conhecimento das alegadas suspeitas constantes das conclusões acima referidas, e por isso não tiveram a possibilidade de exercer o contraditório quanto às mesmas.
14. O DCIAP vem, deste modo, manipular as regras processuais em prol de uma estratégia desleal e gravemente atentatória de direitos processuais fundamentais dos Recorrentes, maxime, do direito de defesa (v. artigo 32.º n.º 1 da CRP).
15. Essa estratégia consiste em limitar o conhecimento que é dado aos Recorrentes quanto aos (supostos) fundamentos das decisões que contra eles são proferidas, por forma a impedir que estes exerçam o contraditório, tempestivamente, quanto à totalidade das imputações e suspeitas que tenham estado na base dessas decisões…
16. Para depois vir, ainda o DCIAP, revelar os fundamentos inicialmente ocultados, mas num momento estrategicamente conveniente, qual seja a resposta ao recurso, que por imperativo legal, não admite contraditório por parte dos Recorridos.
17. Tão pouco se tente justificar a anterior omissão desses fundamentos com a necessidade de preservar o segredo de justiça, pois se o DCIAP entendeu que os podia revelar na resposta ao recurso, então nada o impediria de dar conhecimento desses supostos fundamentos decisórios aos Recorrentes aquando da notificação do despacho recorrido.
18. Tudo indica que o DCIAP, com a aparente conivência do Mmo. JIC, vê no direito de defesa das Recorrentes um inconveniente, algo a evitar e a limitar a todo o custo.
19. É lamentável que uma autoridade com a relevância que é própria do Ministério Público, num Estado de Direito Democrático, se destitua de escrúpulos e se preste a tais exercícios de deslealdade, arbitrariedade e abuso de prerrogativas processuais.
20. Explicite-se ainda que os Recorrentes terão oportunidade de se defenderem quanto às imputações inovatórias constantes da resposta ao recurso, bem como de outras que o DCIAP venha futuramente a engendrar.
21. O que não poderá ser admitida é a tentativa do DCIAP de colmatar a manifesta falta de fundamentação de um despacho do TCIC imiscuindo essas imputações em acto e momento processualmente impróprio (resposta ao recurso) e sem sequer fazer referência a qualquer substrato probatório.
22. Esta tentativa sub-reptícia do DCIAP de aduzir conteúdos inovatórios ao objecto do recurso deverá ser tomada pelo que efectivamente é: uma confirmação implícita de que o despacho recorrido é destituído de fundamentos suficientes para justificar a medida de suspensão aplicada.
Nestes termos, deverá o recurso ser julgado procedente, e revogada a decisão recorrida.~”
6.
Colhidos os vistos, realizou-se conferência.
II Fundamentação
1.
Conforme jurisprudência pacífica o Supremo Tribunal de Justiça – vide, por todos e dada a demais jurisprudência nele referida, Ac. de 28.4.99, CJ/STJ, 1999, tomo 2, página 196 -, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, isto sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões elencadas no art. 410º, nº2, do C.P.P. e das nulidades referidas no nº3 do mesmo preceito.
Assim, face à conclusões apresentadas, é (são) a(s) seguinte(s) a(s) questão (ões) que constitui( em) o objecto do recurso:
A - Se o despacho proferido em ........2024 padece de irregularidade por deficiente fundamentação.
B - Se aquando da prolação do supra referido despacho ( que prorrogou a medida de suspensão de operação a débito ) caducara já tal medida.
2. Transcreve-se a decisão recorrida ( datada de ........2024 - Ref 9064227):
“(…)
Fls. 696 a 702
Os requerentes alegam a falta de fundamentação da decisão de prorrogação da medida de suspensão de operações a débito e que a mesma foi proferida fora de prazo, invocando uma pretensa caducidade da medida.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento do alegado.
Quanto à falta de fundamentação da decisão de prorrogação da suspensão de operações, a prorrogação da medida de suspensão de operações foi comunicada com a promoção que a antecede, de folhas 582 a 592, tendo os requerentes tomado conhecimento de todos os fundamentos para a subsistência da medida.
A promoção e despacho suportam-se na decisão anteriormente proferida, limitando-se a apreciar a subsistência dos fundamentos da aplicação da suspensão de operações a débito.
No entanto, foi consignado o progresso da investigação, no sentido de colocar em causa o montante de suprimentos que foi deliberado ser devolvido por parte da ..., na medida em que se constatou a constante devolução de
suprimentos em espécie, realizada através da assunção pela referida sociedade do pagamento de despesas no interesse pessoal do sócio - indícios recolhidos por via do auto de busca de folhas 538 e seguintes.
A fls. 595 segunda parte, procede-se à verificação da subsistência dos
fundamentos que haviam determinado a suspensão inicial das operações bancárias, concluindo que os mesmos se continuavam a verificar, até porque foram confirmados pela diligência de busca realizada e não foram contrariados pela adição de qualquer novo elemento de prova por parte dos requerentes.
A decisão em causa pronuncia-se sobre todos os pressupostos da aplicação da medida de suspensão de operações, seja a fundada suspeita da origem ilícita dos fundos, seja o risco de dispersão dos mesmos na economia legítima, seja a necessidade de preservar os fundos bloqueados como elemento de prova que representam.
Os requerentes podem não concordar com a fundamentação da decisão, mas não é por isso que a mesma se pode considerar insuficiente apenas porque adere à argumentação do Ministério Público, quando foi realizada uma ponderação autónoma sobre a subsistência dos pressupostos da medida.
Em relação à alegada caducidade da medida de suspensão de operações, esta figura não tem aplicação e nem se verificou a cessação de efeitos da medida.
De facto, a medida de bloqueio de contas foi definida e aplicada por despacho de fls. 404 e seguintes, proferido a ...-...-2024, tendo essa decisão vigorado até ...-...-2024, tendo sido mantida por despacho de fls. 595, segunda parte, de ...-...-2024, que passou a vigorar, pelo que nem sequer se verificou um interregno na vigência de decisões de bloqueio de contas.
A possibilidade de renovação da medida apenas caduca findo o prazo normal do inquérito, conforme decorre do artigo 49º, nº 2 da Lei nº 83/2017, de 18 de Agosto, pelo que, dentro desse prazo, que no caso dos autos é de 14 (catorze) meses desde instauração do inquérito cfr. artigos 276º, nº l e nº3, al. a) e 215º, nº2, ambos do Código de Processo Penal - a medida pode sempre ser renovada.
O que resulta do dispositivo legal é que a medida é aplicada por períodos que podem ir até aos três meses, sendo certo que, se houver descontinuidade entre esses períodos, isto é, se o novo prazo não se seguir ao fim do anterior, os bancos podem realizar as operações que vierem a ser solicitadas pelos clientes, artigo 47º, nº 5 da Lei nº83/2017, de 18 de Agosto.
Assim, ao contrário do alegado pelos requerentes, não só não se verificou uma descontinuidade nos períodos de vigência da medida de suspensão de operações, como não caducou a possibilidade da sua renovação, o que acontecerá apenas findo o prazo normal do inquérito.
Pelo exposto, não se verificam as alegadas irregularidade por falta de
fundamentação e caducidade da medida de suspensão de operações indeferindo-se o apresentado em requerido.
Notifique.
*”
Para melhor compreensão, transcrevem-se as seguintes peças processuais:
- Promoção datada de ........2024:
“(…)
Prorrogacão da medida de bloqueio de contas
Nos presentes autos foram aplicadas medidas restritivas de movimentos em contas tituladas pelas sociedades ... e ... e pelo seu sócio AA, bem como pela sociedade ..., por se indiciar a suspeita de estarem em causa fundos com origem em alegados reembolsos de suprimentos realizados com fundos de origem ilícita e em montantes incongruentes com os agora pretendidos devolver — decisão de folhas 404, segunda parte, e seguintes, sendo a medida válida até ... próximo.
Com efeito, indicia-se que a sociedade ..., com 0 NIF ..., foi registada em ..., sendo destinada a servir de entidade gestora de participações sociais noutras o sociedades e tendo como principal sócio, com mais de 90% do capital social, 0 cidadão angolano BB, também conhecido como ....
A referida ... chegou a ter, em ..., um capital social de € 7.000.000,00, sendo detentora de participações em diferentes entidades, incluindo no ..., mas também em sociedades como a ..., a ... e a ....
A mesma ... figura como titular de uma conta junto do o referido ... com o no ..., correspondente ao ..., aberta ainda em ..., tendo como beneficiário indicado 0 referido BB e como autorizados principais, desde ..., os representantes e administradores CC, ..., e DD, sobrinho do referido beneficiário da sociedade.
No ano de ..., mais propriamente com data de ..., a referida conta da ... junto do ... foi creditada por três transferências, no montante total de € 4.330.000,00, ordenadas por BB, relativamente às quais se verificou terem origem no ... (PJSC), da ..., as quais foram contabilizadas na referida sociedade como sendo suprimentos.
No final de ..., a referida conta da ... junto do ... tinha ainda disponibilidades que atingiam um total de € 18.162.600,84, incluindo um montante de cerca de € 9.200.000,00 em depósitos à ordem e a prazo.
No final do ano de ..., 0 cidadão BB veio a ser incluído entre as pessoas sancionadas pelos ..., através da entidade ... (...), ao abrigo da designada Lei Magnitsky, que visava sancionar os designados cleptocratas com activos ou com utilização do sistema financeiro dos ..., o que implicava a restrição de operações em USD em nome do mesmo.
com efeito, BB exerceu funções em ... como Ministro de Estado, no tempo da Presidência de EE, tendo estado envolvido como suspeito em vários negócios que lesaram o ..., incluindo a ..., designadamente com a atribuição de licenças de exploração de petróleo a uma entidade de nome ... — entidade O onde tinha como parceiros FF e GG.
Mostra-se ainda que, já por factos posteriores, BB foi investigado e acusado, já em ..., em ..., por factos relacionados com negócios imobiliários e envolvendo a suspeita de crimes de peculato, tráfico de influência e branqueamento, aguardando a realização de julgamento.
Indicia-se que, já no decurso dos referidos procedimentos de sanções internacionais e de investigação em ..., BB iniciou um procedimento de desvinculação dos activos que lhe estavam diretamente associados.
Indicia-se assim, que, em ..., BB transferiu a sua posição societária na ... a favor dos seus filhos AA e HH, ficando cada um a deter 49,50% do capital da sociedade e reservando o primeiro para si, formalmente, apenas o remanescente I %.
De forma a salvaguardar a retirada de fundos da ..., em face o das disponibilidades financeiras já acima referidas, verificou-se ainda que BB, em conluio com os administradores e titulares de outros órgãos sociais da sociedade, fez reconhecer a existência de suprimentos a cuja devolução teria direito e que atingiriam um montante total de € 34.281.236,35, transferindo depois esse direito ao seu filho e novo sócio da ..., o identificado AA.
A partir dessa data e com o justificativo montado da devolução de suprimentos, passaram a ser realizadas operações de transferência a débito da conta da ... no ..., acima identificada, e em beneficio de contas pessoais e de outras sociedades controladas pelo AA.
Assim, logo na data de ...-...-2023, foi transferido um montante de € 200.000,00 da conta da ... junto do ... a favor da conta pessoal de AA junto do ..., identificada como sendo a conta no ....
A conta da ... junto do ... voltou ainda a ser debitada a favor da mesma conta ... de AA nos seguintes montantes e nas seguintes datas:
- a ...-...-2023, no montante de € 150.000,00;
- a ...-...-2024, no montante de € 150.000,00.
Tais transferências vieram a ser utilizadas para constituir capital de uma nova sociedade, a ..., constituída em ..., na qual figuram como sócios os mesmos AA e irmã, II, sendo uma sociedade com objeto social declarado de consultoria internacional de negócios.
Em nome da ... vieram a ser abertas contas junto dos seguintes bancos:
- junto do ... foi aberta, na data de ...-...-2023, a conta no ..., a que corresponde O ...;
- junto do ... foi aberta a conta a que corresponde o ...;
- junto da ... com 0 ..., aberta a ...-...-2024.
De forma a continuar a retirada de activos da ... foi feita aprovar uma deliberação social da mesma sociedade, com data de ...-...22024, por via da qual se reconhece que a sociedade é devedora a AA da quantia de € 31.157.905,16 o e aceita satisfazer um pedido do mesmo para lhe devolver a quantia de € 2.000.000,00.
De forma a preparar esses pagamentos foram sendo realizadas novas transferências a débito da conta da ... junto do ..., a saber:
- a ...-...-2023, foi transferido um montante de € 500.000,00 a favor de outra conta da ..., desta feita na ..., conta a que corresponde 0 ...; a ...-...-2024, foi transferido mais um montante de €
2.000.000,00 para a mesma conta da ... junto da ...;
- a ...-...-2024, foi transferido um montante de € 1.000.000,00 para uma conta ..., também titulada pela ...;
- a ...-...-2024, foi transferido novo montante de € 2.000.000,00 de novo para a conta da ... junto da ... já acima referida.
A partir desses fundos colocados na conta da ... junto da ... foram então iniciadas as deslocações de fundos para a esfera pessoal de AA através das seguintes operações:
- a ...-...-2024, foi transferido o montante de € 50.000,00 para a conta ... no ..., do referido AA;
- a ...-...-2024, foi transferido o montante de € 2.000.000,00 para a conta ... no ..., do AA.
Após esta última transferência, AA fez debitar a sua conta na ... pelo mesmo montante recebido de € 2.000.000,00, a favor da conta da ... na mesma ..., a referida conta no 0137.081408.930 .
Por último, tal capitalização da ... permitiu a 0 mobilização de fundos para uma outra sociedade instrumental, detida pela primeira, a designada ..., a que corresponde o NIF ..., constituída na data recente de ...-...-2024.
com efeito, em nome da ... veio a ser aberta, na data de ...-...-2024, junto da ..., a conta com o ..., na qual vieram a ser recebida quatro transferências no montante total de € 1.700.000,00, com origem na conta ... da ....
A conta da ... na ... foi ainda debitada por um montante de € 100.000,00 com destino à conta da mesma entidade junto do ..., conta com 0 ....
Por fim, a conta da ..., na ..., veio a ser movimentada a débito, após o recebimento do aporte feito pela ..., da seguinte forma:
- a ...-...-2024 foi debitada por pagamento de cheque, no montante de € 635.000,00, a favor de ...
- a ...-...-2024 foi debitada por transferência de € 110.250,00 a favor de conta de ..., com um descritivo relativo a um contrato promessa de compra e venda relativo à fração 40-F do edificio da ..., edificio onde consta também ter sede a ..., na fração 5 0-A•,
- a ...-...-2024 foi debitada por uma devolução de € 70.000,00 para a conta da ... junto da ..., acima referida, também com um descritivo referente a um sinal na compra e venda de um imóvel;
- a ...-...-2024 foi debitada por uma passagem de € 50.000,00 para uma outra conta da ..., conta no ... com 0 ...;
- a ...-...-2024 foi debitada por pagamento de € 18.450,00 a favor de uma conta no ..., com um descritivo relativo a angariação aparentemente relacionado a um imóvel.
Verifica-se assim, estarmos perante duas sociedades, a ... e da ..., de criação recente e apenas destinadas a converter os fundos recebidos, com origem última na ..., em investimentos imobiliários.
Acresce que, em resultado da diligência de busca já realizada, conforme auto de folhas 538 e seguintes, se indicia que foram sendo realizadas devoluções em espécie dos suprimentos colocados na ..., tendo a conta da mesma entidade junto do ... servido para realizar pagamentos no interesse pessoal do seu sócio inicial, BB, o que reforça a suspeita sobre o real montante dos suprimentos que ainda estão por devolver.
Ora, atendendo à suspeita que suscita a origem e o valor dos suprimentos que foram reconhecidos na ..., afigura-se estarmos perante um conjunto de manobras de branqueamento que passa pelos seguintes momentos:
- constituição com fundos provenientes de banco na ... e empolamento forjado, até um montante superior a 34 milhões de euros, de suprimentos na sociedade ..., inicialmente dominada por BB, conhecido em ... como ...;
- transmissão do direito ao reembolso dos referidos suprimentos para a pessoa de AA;
- exigência e satisfação do início da devolução de suprimentos para a esfera de AA;
- transferência do produto dessa devolução para a esfera de duas sociedades instrumentais, a ... e a ..., criadas propositadamente para receberem os fundos;
- conversão desses meios financeiros em novos activos de natureza distinta, com a promessa de aquisição de imóveis em nome da ....
Mostra-se assim reforçado o entendimento de que todas as operações supra referidas revelam a prática de um crime de branqueamento de capitais, suscitando-se a suspeita de que o ilícito prévio esteja na origem dos fundos que circularam pelo sistema financeiro Russo antes de entrarem na ....
Em face do acima exposto, uma vez que se justifica e se mostra ser proporcional procurar impedir a dispersão dos fundos remanescentes, entendemos que devem subsistir as medidas de suspensão das operações nas contas que receberam fundos com origem na ... e ainda de suspensão parcial das operações com os demais fundos que ainda se encontram em contas da mesma ....
Assim, nos termos do art. 49º da Lei 83/2017 de 18 de Agosto, promovemos:
A. se prorrogue por um novo período de três meses o bloqueio das seguintes operações:
De todas as operações a débito e da possibilidade de acesso por canais à distância, incluindo via cartões bancários, relativamente às seguintes contas:
conta junto do ..., com o no ..., a que corresponde 0 ..., titulada pela ..., com o NIF ...;
o conta junto do ... com o ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta junto da ... com o ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta junto da ... com O ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta no ... com O ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta ... no ..., titulada por AA, com 0 NIF ...;
conta ... no ..., titulada por AA, com 0 NIF ...;
conta ... com O ..., titulada por AA, com 0 NIF ....
B) Dos canais de acesso à distância, incluindo via cartões bancários, e de quaisquer operações de transferência de fundos para o exterior relativamente às seguintes contas:
conta na ..., a que corresponde o ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta ..., também titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta no ... com o no ..., titulada pela ..., com 0 NIF ...;
conta no ... com o no ..., correspondente ao ..., bem como todas as contas de aplicações e valores mobiliários associadas, conexa com o cliente 526186 do mesmo Banco, que são tituladas pela ..., com 0 NIF ....
Mais promovemos se comunique a decisão que vier a ser proferida aos bancos onde se encontram as contas supra, sujeito ao dever de não divulgação.
Promovemos ainda que, uma vez confirmada a prorrogação, se dê conhecimento da decisão a proferir e da presente promoção aos titulares das contas visadas.
Remeta ao TCIC, com urgência, para apreciação e decisão sobre o requerimento apresentado pelos titulares das contas e sobre a promoção de prorrogação da medida de bloqueio.
Após, junte o expediente entretanto recebido e conclua, de novo.
Lisboa, ...”
- Despacho de prorrogação da medida, datado de ........2024:
“(…)
II - Promoção do Ministério Público de fls. 582 a 592:
Por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a suspensão inicial das operações bancárias e uma vez que se revela necessário proceder à realização de posteriores e essenciais diligências de investigação, inexistindo, até ao momento, quaisquer elementos nos autos que permitam infirmar, com segurança, as suspeitas iniciais, e por forma a salvaguardar os elementos de prova já existentes nos autos e impedir a dispersão dos fundos resultantes de manobras de branqueamento de capitais na economia legítima, em conformidade com o promovido pelo Ministério Público na promoção que antecede, determino a prorrogação, por novo período de três meses, de todas as operações a débito e da possibilidade de acesso por canais à distância, incluindo via cartões bancários, relativamente às contas bancárias indicadas em A) e B) da promoção que antecede art. 49.º, n.º 2 da Lei n.º 83/2017, de 18/08.
Comunique, pela forma mais expedita, às entidades bancárias em referência, o
presente despacho, sujeito ao dever de não divulgação.
Uma vez confirmada a prorrogação, dê-se conhecimento do presente despacho e
da promoção do Ministério Público que antecede aos titulares das contas bancárias abrangidas pela suspensão art. 49.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
*
Lisboa, .../.../2024.”
- Requerimento sobre o qual recaiu a decisão recorrida ( apresentado em ........2024):
..., NIPC ..., ..., NIPC ..., e ..., NIPC ..., todas com sede na ..., e AA
VIEIRA DIAS, solteiro, natural de ..., titular do cartão de cidadão n.º 32105306 0ZY6, emitido pela República Portuguesa e válido até .../.../2027, contribuinte fiscal n.º ..., com domicílio na ..., tendo recebido a notificação de .../.../2024 (ref.ª 41585), vêm expor e requerer a V.ª Exa. o seguinte:
A) QUESTÕES PRÉVIAS: COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
1. A notificação contém o despacho do TCIC de 5/9/2024, vindo este acompanhado do despacho do DCIAP de 3/9/2024 (fls. 394 a 401), que o antecedeu.
2. O presente requerimento destina-se a arguir a invalidade processual do aludido despacho do TCIC.
3. Tem sido entendido que a competência para apreciar a referida invalidade pertence ao Tribunal que proferiu o despacho visado in casu: este douto Tribunal e não ao
Tribunal superior em sede de recurso (nesse sentido, cfr. p.ex. Acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra de 08/11/2023, proferido no processo n.º 1142/22.7JACBR-C.C1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2020, proferido no processo n.º 230/14.8TAVLG-G.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/02/2013, proferido no processo: 475/08.0SZLSB.L1-5, disponíveis em www.dgsi.pt).
4. Entendimento que, naturalmente, não prejudica a faculdade de interposição de recurso do despacho que venha a pronunciar-se, em 1.ª instância, sobre a aludida arguição de invalidade.
5. Conclui-se que este douto Tribunal detém competência intraprocessual para apreciar o presente requerimento.
B) DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
6. O despacho em referência vem confirmar a promoção do DCIAP de 3/9/2024, no sentido da prorrogação das medidas de suspensão de movimentações bancárias aplicadas a contas dos ora Requerentes por despacho do TCIC de 4/6/2024.
7. A promoção do DCIAP de 3/9/2024 é, essencialmente, uma reprodução ipsis verbis da anterior promoção de 3/6/2024,
8. diligência de buscas já
foram sendo realizadas
devoluções em espécie dos suprimentos colocados na ..., tendo a conta da mesma entidade junto ao ... servido para realizar pagamentos no interesse pessoal do seu sócio inicial, BB
9. Sem que, desse arrazoado, se consiga retirar algo de concreto quanto àquelas supostas devoluções, à data da sua realização, e à ligação entre as mesmas e as suspeitas que deram azo à medida suspensiva aqui em causa.
10. O despacho do TCIC de 5/9/2024 vem confirmar a referida promoção, dizendo o seguinte:
Por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a suspensão inicial das operações bancárias e uma vez que se revela necessário proceder à realização de posteriores e essenciais diligências de investigação, inexistindo, até ao momento, quaisquer elementos nos autos que permitam informar, com segurança, as suspeitas iniciais, e por forma a salvaguardar os elementos de prova já existentes nos autos e impedir a dispersão de fundos resultantes de manobras de branqueamento de capitais na economia legítima determino a prorrogação, por novo período de três meses,, de todas as operações de débito e da possibilidade de acesso por canais à distância, incluindo via cartões bancários, relativamente às contas bancárias indicadas em A) e B) da promoção que antecede
11. As considerações feitas a propósito do anterior despacho do TCIC de 4/6/2024, no que concerne à falta de fundamentação do mesmo, têm total pertinência a respeito do despacho de 5/9/2024 (cfr. requerimento dos ora Requerentes de 27/7/2024).
12. Assim, importa considerar novamente, o dever de fundamentação dos "actos decisórios dos juízes" previsto no artigo 97.º do CPP: "Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão."
13. A norma citada promana directamente do dever de fundamentação das decisões judiciais, que tem assento constitucional no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
14. Esse dever de fundamentação, mais do que um mero formalismo processual, é um atributo essencial das decisões dos Tribunais (e de quaisquer outras autoridades públicas) num Estado de Direito Democrático.
15. Destinando-se, simultaneamente, a permitir às partes interessadas exercer o contraditório em relação à decisão visada, com base no conhecimento das premissas factuais e de Direito que o sustentam,
16. E a prevenir decisões arbitrárias e actos de mero autoritarismo por parte das entidades públicas.
17. Acrescente-se que o exercício de ponderação que é postulado pelo dever de fundamentação se impõe com especial acuidade ao Juiz de Instrução Criminal, cuja missão primária é a de garantir que os direitos individuais dos intervenientes no procedimento são respeitados no seu núcleo essencial e, eventualmente restringidos apenas na estrita medida do que seja necessário e proporcional face aos fins da investigação.
18. A importância do dever de fundamentação tem sido reiteradamente afirmado pelos Tribunais Superiores, sendo disso exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/2024, proferido no processo n.º 405/18.0TELSB-H.L1-9 (disponível em www.dgsi.pt), no qual se pode ler o seguinte:
"O dever de fundamentação das decisões judiciais, nos casos e nos termos previstos na lei, é uma exigência e, ao mesmo tempo, uma garantia constitucional integrante do conceito de Estado de direito democrático (artigo 205.º/1 da CRP), com concretização ordinária no direito processual penal, quanto à sentença ou acórdão nos artigos 97.º/1 alíneas a) e c), 2 e 3 e 374.º/2 e, quanto ao despacho, fora dos casos de mero expediente no artigo 97.º/5, todos do CPP.
Num Estado de direito é pela fundamentação que a decisão judicial se legitima e ao mesmo tempo possibilita um efetivo direito ao recurso."
19. Posto isto, o despacho em referência limita-se a um conjunto de alusões vagas à suposta
20. Sucede que a promoção do DCIAP não diz que a prorrogação requerida se destina a permitir a realização de quaisquer diligências futuras, nem tão pouco faz alusão à necessidade de conservar elementos de prova.
21. O despacho do TCIC de 5/9/2024 aduz ainda que com segurança, as suspeitas iniciais
22. O que desde logo evidencia que o despacho do TCIC, na parte que ora se impugna, assenta em meras generalidades; e não numa ponderação concreta das eventuais razões invocadas na promoção do DCIAP.
23. A mera constatação de que os autos não contêm ainda elementos de prova dos factos contrários às alegadas suspeitas acalentadas pelo DCIAP não pode integrar um fundamento (sério) das medidas suspensivas sub judice.
24. Além de que exprime o entendimento, totalmente contrário ao princípio fundamental da presunção de inocência, de que as meras suspeitas do DCIAP das quais, de resto, pouco se sabe e pouco é revelado nas promoções deste beneficiam de algum tipo de presunção de ve
25. Em suma, o despacho do TCIC não traduz uma ponderação autónoma dos "motivos de facto e de Direito" invocados pelo DCIAP que, eventualmente, pudessem sustentar as medidas suspensivas que foram objecto de confirmação.
26. E não demonstra, minimamente, qual o raciocínio do TCIC para concluir pelo acerto do pedido do DCIAP de prorrogação das suspensões de contas bancárias dos Requerentes.
27. Esse despacho traduz, somente, um acto de adesão acrítica ao pretendido pelo DCIAP.
28. E, se alguma coisa revela, é que a pretensão deduzida pelo MP não foi alvo de uma ponderação própria e de uma sindicância autónoma, em especial no seu confronto com os direitos e interesses legítimos dos ora Requerentes, enquanto partes visadas pelas medidas de suspensão de contas bancárias.
29. Este método de elaboração de decisões judiciais tem sido alvo de justificadas críticas pelos Tribunais Superiores, que têm questionado a conformidade do mesmo com o dever de fundamentação previsto no artigo 97.º n.º 5 do CPP muitas vezes a propósito de despacho de confirmação de medidas de suspensão de contas bancárias, como é aqui o caso.
30. Vale a pena citar, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2023, proferido no processo n.º 533/20.2TELSB-C.L1-3 (disponível em www.dgsi.pt), o seguinte:
"As decisões judiciais não devem ser tomadas por mera adesão, seja aos argumentos do Mº. Pº., seja aos da defesa, sob pena de as divergências ou conflitos entre a acusação e a defesa passarem a ser resolvidos por simples actos de fé, ou por simples escolha voluntarista, logo, arbitrária, dos argumentos aduzidos por um ou por outro sujeito processual, sem qualquer outra explicação, que foi o que sucedeu, no caso vertente, com a prolação dos despachos de fls. 583 e de fls. 607 e 608, alvos do presente recurso.
Uns e outros devem ser ponderados, analisados criticamente, conduzindo a uma decisão que resulte da comparação dialéctica dos vários argumentos em conflito e de cujo texto transpareça, de forma inequívoca, que o julgador, depois de ter ajuizado da pertinência, da relevância factual e jurídica de uns de outros, tomou uma decisão autónoma, da sua própria autoria e não por simples escolha acrítica, ou, pelo menos, não objectivada numa explicação inteligível para os seus destinatários e para as autoridades judiciárias de recurso, sobre as razões por que entendeu que a argumentação de um ou de outro sujeito processual é a mais adequada ou acertada para a solução da questão colocada à apreciação jurisdicional.
É claro que, repete-se, cada caso é um caso e quiçá no caso vertente a fundamentação nem tem de ser muito desenvolvida, mas tem de haver fundamentação. Tem de se compreender porque se
A promoção do Mº. Pº. para a qual a decisão recorrida remete não é vinculativa, não produz quaisquer efeitos decisórios e, por isso mesmo, não está sob o crivo da sindicância pelo Tribunal de recurso, cujo objecto são apenas os actos decisórios proferidos pelo Juiz."
31. Os juízos de censura à técnica de motivação por mera remissão para as promoções do MP, provenientes dos Tribunais Superiores e alicerçados na dimensão mais básica do dever de fundamentação, têm incidido em especial naqueles despachos judiciais que se limitam a aderir à posição anteriormente expressa pelo MP, sem tecerem qualquer consideração própria acerca dos motivos de facto e de Direito invocados por este.
32. Fica assim demonstrado o manifesto incumprimento do dever de fundamentação em relação ao despacho de 5/9/2024.
33. Tem sido entendimento generalizado que a falta de fundamentação de despachos judiciais traduz uma irregularidade nos termos do no artigo 123.º n.º 1 do CPP, a qual desde já se se invoca quanto ao despacho de 4/6/2024, nos termos do disposto nos artigos 122.º e 123.º n.º 1 do CPP.
34. Ainda que o supra exposto não houvesse de proceder, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre haveria que relevar o seguinte:
C) DA INTEMPESTIVIDADE DA PRORROGAÇÃO
35. A decisão inicial de suspensão das contas bancárias dos Requerentes, por três meses, proveio de despacho do TCIC de 4/6/2024.
36. A data do proferimento do despacho em questão determinou, necessariamente, o início do prazo de três meses ali estabelecido.
37. Esse prazo terminou em 4/9/2024.
38. A eventual prorrogação desse prazo, a ter lugar, deveria ter ocorrido até ao termo do referido prazo inicial.
39. Sucede que o despacho em referência foi proferido em 5/9/2024, isto é, já após o término do prazo inicial das medidas suspensivas em causa, que por sua vez determinou a extinção dessas medidas, por caducidade.
40. É evidente que não é juridicamente possível, nem admissível, prorrogar a duração de uma medida que já se encontra extinta, como foi aqui o caso.
41. A ilegalidade assim cometida tem natureza processual,
42. E, na ausência de cominação específica com o vício de nulidade, configura uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP, a qual desde já se invoca, para todos os efeitos.
Nestes termos, requer a V. Exa., ao abrigo do disposto no artigo 122.º e 123.º n.º 1 do CPP (ex vi do artigo 49.º n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto), declare a irregularidade (insanável) do despacho de 5/9/2024, na parte em que determina a prorrogação da medida de suspensão de contas bancárias dos Requerentes, por incumprimento do dever de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 97.º n.º 5, ou, caso assim não se entenda, por intempestividade.
3.
Apreciando e decidindo:
A Lei 83/2017, veio estabelecer medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, transpondo parcialmente as Directivas 2015/849/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, e 2016/2258/EU, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016.
Uma dessas medidas é a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, prevista nos artigos 47º e 48 da supra mencionada lei.
Não está neste recurso em causa o bem fundado da decisão de suspensão temporária, proferida pelo Ministério Público e validada judicialmente, mas antes o invocado incumprimento de fundamentação no que toca à decisão de renovação bem como a tempestividade desta decisão.
Como consta do artigo 49º da Lei nº 83/2017, de 18 de Agosto, estas medidas têm que ser objecto de confirmação e eventual renovação judicial, em sede de inquérito criminal, confirmação e renovação estas que tem que cumprir determinados requisitos.
Na análise das questões que se seguem há que ter em atenção o regime consagrado pela referida Lei, transcrevendo-se o disposto nos artigos 1º e 49º da mesma:
“1º
Objecto
1-A presente lei estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designada efeitos de branqueamento de capitais e de terrorismo, bem coo, a Directiva 2016/2258/EU, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016, que altera a Directiva 2011/16/EU, no que respeita ao acesso às informações anti branqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais.
2-A presente lei estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efectiva aplicação do Regulamento (EU) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006 [adiante designado ”Regulamento (EU) 2015/847”].(…)”

49º
Confirmação da suspensão
“ 1- A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias após a sua prolação.
2- A confirmação da suspensão temporária é efectuada através de decisão do juiz de instrução criminal competente, que especifica os elementos previstos na alínea duração da medida, que não deve ser suspensa b) do nº3 do artigo anterior, bem como a duração da medida que não deve ser superior a três meses, podendo ser renovada sucessivamente por novos períodos, dentro do prazo do inquérito.
3- A notificação às pessoas abrangidas, da decisão do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso, por despacho fundamentado, o juiz de instrução entenda que tal notificação é susceptível de comprometer o resultado de diligências de investigação a desenvolver no imediato.
4- O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efectuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se não houver outra.
5- Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar a autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito de medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa.
6- A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, ou valores ou bens objecto da medida de suspensão aplicada, com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
7 – Em tudo o que não se mostra especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.”
A. Se o despacho proferido em 05.09.2024 padece, como invocado no requerimento apresentado em 10.10.2024, de irregularidade por deficiente fundamentação.
Estabelece o artigo 205º da CRP a obrigatoriedade de fundamentação de todos os actos decisórios.
Pelo que, a lei ordiná8ia consagra igualmente a obrigatoriedade de fundamentação de tais actos.
Assim, após elencar a forma que tomam os diversos actos decisórios, dispõe o artigo 97.º, n.º 5, do C.P.P que.:
«Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
O que se impõe é que deles conste: “ um raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão”.1
Também neste sentido:
“(…)
“O que importa é que a motivação seja necessariamente objetiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. Motivação da fundamentação e prolixidade não são sinónimos, sendo que esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.”2
Mas, o desrespeito por tal comando é cominado de diferente forma consoante a natureza do acto decisório em causa.
Na verdade, no que tange às sentenças a lei impõe, sob pena de nulidade, que a fundamentação obedeça a determinados requisitos – artigos 374º, nº2 e 379, nº1, al a), ambos do CPP.
Já em sede de despachos, o não cumprimento do preceituado no artigo 97º, nº 5, do CPP traduz-se numa irregularidade, como resulta do disposto no artigo 118º, nºs 1 e 2, do CPP, sujeita ao regime de arguição consagrado no artigo 123º, nº1, do mesmo compêndio adjectivo, sob pena de se considerar sanada.
E, a invocada irregularidade foi tempestivamente arguida perante o Tribunal que proferiu o despacho em crise, que dela conheceu entendendo não se verificar qualquer invalidade ( despacho recorrido).
Cumpre, pois, analisar se, como invocado, o despacho em causa padece de tal invalidade.
Analisando o despacho, verifica-se que o mesmo:
A- Refere que se impõe:
- realizar outras diligências de investigação, dado que não foram trazidos aos autos elementos susceptíveis de abalar as razões subjacentes à aplicação da medida e a investigação ainda se encontrava em curso;
- salvaguardar os elementos de prova existentes nos autos e
- impedir a dispersão e fundos que resultarão de manobras de branqueamento de capitais.
B- E, em conformidade e nos termos promovidos pelo Ministério Público, determinou a prorrogação, por três meses, das medidas aplicadas e confirmadas em 3.6.2024 e em 4.6.2024.
Ou seja, em sede de fundamentação, remeteu o despacho cuja invalidade se invoca, proferido em 5.09.2024, para o teor da promoção de prorrogação, datada de 03.09.2024, e, também, para a decisão de suspensão temporária de operações e decisão que a confirmou, datadas de 03.06.2024 e de 04.06.2024, respectivamente, sem descurar a referência ao progresso da investigação e à verificação da subsistência dos fundamentos que determinaram as sobreditas decisões de SOB.
Quer a promoção de 03.09.2024 quer as decisões datadas de 03.06.2024 e de 04.06.2024 foram notificadas aos recorrentes. E, da análise das peças processuais para as quais remeteu o despacho em crise decorre que as mesmas se pronunciam, de forma concreta e fundamentada, sobre todos os pressupostos da aplicação da medida de suspensão de operações, seja a fundada suspeita de origem ilícita dos fundos, seja o risco de dispersão dos mesmos, seja a necessidade de preservar os fundos bloqueados como elemento de prova.
E, admitindo-se não ser a melhor técnica, entende-se que nada obsta, em decisões de mera renovação de SOB, a que a decisão remeta para os fundamentos da promoção e ou de decisão anterior. Tal não acarreta a violação dos princípios fundamentais da fundamentação, consagrados no artigo 206º da Lei Fundamental, desde que, como aconteceu in casu, as partes conheçam os fundamentos da decisão e possam opor-se à mesma.
Subscreve-se o seguinte entendimento:
“(..)
O Tribunal Constitucional tem admitido a conformidade da fundamentação de determinadas decisões proferidas no âmbito do processo penal por simples remissão, nomeadamente para o conteúdo de promoções do Ministério Público, à luz dos princípios constitucionais da fundamentação e da reserva de juiz, consagrados, respetivamente, nos artigos 205.º, n.º 1, e 32.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tal forma de fundamentação pode ser adotada (acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, acessíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, como se refere no Ac. Rel. Lisboa de 22/02/2023 (P. 449/22.8TELSB-A.L1-3 em www.dgsi.pt), «o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, implica que se conciliem o princípio da fundamentação das decisões judiciais com o princípio da economia e celeridade processuais, que pressupõe decisões em tempo útil, sobretudo num quadro de maior complexidade processual, seja esta aferida em função do espectro factual e do universo probatório, seja em função da panóplia de interpretações doutrinais e jurisprudenciais que se perfilam no âmbito do enquadramento jurídico penal, como sucede, nomeadamente, no caso da criminalidade económico financeira.
«Assim, ainda que não corresponda à técnica de fundamentação ideal, a remissão para peças processuais e/ou atos decisórios que constem dos autos permite conciliar os referidos interesses em equação».
Salienta ainda o mesmo aresto que «conquanto não constitua uma medida de coação nem de garantia patrimonial, a manutenção da suspensão provisória (de operações bancárias) está sujeita ao princípio “rebus sic standibus”, ou seja, pode ser mantida e prorrogada enquanto persistirem os fundamentos de facto e de direito que determinaram a sua aplicação – o risco de branqueamento e a aptidão para fornecer meios de prova da prática dos respetivos factos integradores, tendo como limite de vigência o prazo correspondente ao da duração prevista para o inquérito, sob pena de extinção por caducidade, nos termos do artigo 49º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 83/2017».
Ora, no caso dos autos, o Tribunal procedeu a uma mera renovação das medidas de controlo das contas bancárias, pelo que não se impunha uma nova descrição de toda a matéria factual e subsunção jurídica, sendo bastante a remissão para o anterior despacho e promoção para justificar o juízo de renovação das medidas, tanto mais que não se evidenciava qualquer alteração dos seus pressupostos.(…)”.3
Também neste sentido, vide:
“(…)
Para além disso, quer no regime especial contido na Lei nº 83/2017, quer na lei processual penal, quer na lei processual civil (com excepção nesta do art.º 154º, nº 2, 1ª parte) inexiste proscrição legal da fundamentação por remissão. Sendo que, até, é admitida a fundamentação por remissão, nomeadamente, no art.º 425º, nº 5, do CPP e no art.º 663º, nºs 5 e 6, do CPC.
E o Tribunal Constitucional, a propósito das exigências constitucionais de tal tipo de fundamentação, no caso de maior exigência dela como é a aplicação de prisão preventiva, já se pronunciou, nomeadamente, através do acórdão 147/2000 de 21-3-2000 (Artur Maurício) onde se lê:
«O que a fundamentação visa – disse-se já também – é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos.
(…)
Mas se isto é assim, não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição constitucional. Sucede, apenas, que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido… .»
E nem sequer esse Tribunal considerou, nem este Tribunal considera, que a fundamentação remissiva configure uma opacidade do “iter decisório” e/ou comprometa o juízo crítico e pessoal, a ponderação individual, a independência, a isenção, a imparcialidade e a bjectividade exigidos ao Juiz de instrução num Estado de Direito (nos termos previstos pelos art.ºs 2º, 20º e 32º da CRP).
Tal adesão (do acto decisório judicial) aos fundamentos (de facto e de direito da promoção) pressupõe, sempre e necessariamente, que houve uma prévia ponderação e apreciação (crítica e pessoal) por parte do Sr. Juiz e que este (de forma isenta, independente, imparcial e objectiva) concordou que se justificava a renovação/prorrogação de tal medida.
Pois se, após essa ponderação e apreciação, não tivesse considerado que tal se justificava, com certeza que, não teria proferido decisão judicial nesse sentido.
A concordância ou a discordância de um acto decisório de um Juiz de instrução, relativamente a uma promoção do Ministério Público, não significa (nem pode significar), respectivamente, menor distanciamento ou maior distanciamento daquele relativamente à investigação e, muito menos, significa que tal prévia apreciação judicial seja acrítica ou crítica só porque, respectivamente, concordou ou discordou da promoção com a qual os recorrentes discordam.
Para além disso, a discordância dos recorrentes relativamente à promovida e decretada renovação da medida de suspensão provisória não significa, por si só, que o Ministério Público e o Juiz de Instrução sejam partes, neste processo criminal, contrapostas aos recorrentes.
Aliás, a Lei nº 83/17 faz questão de salientar (no seu art.º 81º) que o Juiz de instrução criminal e o Ministério Público são autoridades judiciárias que exercem as competências e beneficiam das demais prerrogativas conferidas pelas disposições específicas da presente lei.
Por último e não menos importante, o juízo inerente à decretada renovação da medida de suspensão temporária, por mais 3 meses (objecto do despacho recorrido) assentou na manutenção dos pressupostos, de facto e de direito, que haviam determinado o decretamento e a comprovação judicial (pela primeira vez) dessa medida e os quais já eram do conhecimento dos recorrentes (notificados dessa primitiva determinação e dessa primitiva comprovação judicial já transitadas em julgado) – conforme admite o art.º 49º, nº 2, da Lei com a seguinte redacção: «Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo de inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do nº 3 do artigo anterior».
O legislador apenas impõe um limite temporal à sua renovabilidade, por forma a que tal medida de suspensão (por natureza e definição) temporária não ultrapasse o prazo máximo da duração do inquérito criminal (previsto no art.º 276º, nomeadamente no seu art.º 3, al. a), do CPP).
Pelo que, decorridos os 3 meses iniciais, mantendo-se esses pressupostos inalterados e não sendo aduzidos novos argumentos, não é exigível uma diferente e autónoma apreciação.
Em suma, tendo sido dadas a conhecer (aos recorrentes) as razões de facto e de direito da decisão judicial em apreço, proferida pela forma adequada e por quem detém competência para o efeito e no uso do inerente poder-dever decisório, estão observadas as sobreditas estatuições constitucionais e legais.”4
Em conformidade, entende-se que o despacho em crise, ao remeter a fundamentação para outras peças processuais, não omite a fundamentação nem torna a decisão opaca, não se mostrando a mesma afectada e não carecendo de qualquer reparação.
Pelo que, improcede a arguição de irregularidade do despacho por falta de fundamentação.
B - Se aquando da prolação do supra referido despacho que prorrogou a medida de suspensão de operação a débito se mostrava já tal medida extinta, por caducidade.
Da análise dos autos decorre que:
- por decisão proferida em 04.06.2024, foi confirmada judicialmente a medida de suspensão temporária da execução de operações bancárias ( devidamente discriminadas), pelo período de 3 meses,
- mediante promoção datada de 3.9.2024, foi, em 5.9.2024, determinada a prorrogação de tal medida.
Pedem os recorrentes se revogue o despacho datado de 5.9.2024, invocando a irregularidade do mesmo, nos termos do preceituado no artigo 123º, nº1, do CPP, alegando que “ a medida suspensiva inicialmente decretada havia caducado, por decurso do prazo de 3 meses que lhe foi fixado.”.
Vejamos:
Ora, salvo melhor entendimento, mesmo que se admitisse a descontinuidade da medida em análise durante algumas horas do dia 5.9.2024, nunca a consequência seria a extraída pelos recorrentes.
Dispõe o nº 2 do artigo 298º do C.C. que:
“(…)
2- Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro e certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei que se refira expressamente à prescrição.(…)”.
Ora, o regime de execução das operações relativamente às quais se verifique dever de abstenção está consagrado no artigo 49º da Lei nº 83/2017, constando do seu número 7 que em tudo o que não se encontrar previso é subsidiariamente aplicável o disposto a legislação penal.
E, a caducidade destas medidas mostra-se apenas prevista nos casos em que a medida não seja confirmada judicialmente no prazo de dois dias após a sua prolação – artigo 49º, nº1, da Lei nº 83/2017.
Sendo que o nº 2 do preceito em análise prevê a possibilidade de a medida “ser renovada sucessivamente por novos períodos, dentro do prazo do inquérito”.
No caso, mediante promoção datada de 3.9.2024, no dia 5.9.2024, de forma fundamentada, como supra se decidiu, foi determinada a prorrogação de da medida
Do exposto decorre que, salvo melhor entendimento, a caducidade apenas poderá ter lugar por falta de confirmação judicial nos termos do nº 1 do referido preceito, sendo que, dentro dos requisitos exigidos, se verifica a possibilidade de renovação destas medida ao longo de todo o prazo do inquérito.5
E, mesmo que se entendesse não ter sido foi cumprido o prazo de três meses, entendendo-se verificada a omissão de prática atempada de acto que a lei expressamente prevê e, em conformidade, a verificação de uma irregularidade, tal irregularidade não determinaria a invalidade do acto e do processado.
“O ato irregular só é inválido quando o desvio à legalidade processual afetar o seu valor ( Germano Marques da Silva, 2008. P. 3).
Concorda-se com a seguinte análise:
“ Mas, nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado ( princípio da relevância material da irregularidade). Este de relevância material, que está fixado no final do nº 2 do artigo 123º para irregularidades oficiosamente conhecidas, vale também para a arguição de irregularidade por interessado, pois não se compreenderia que o poder de sindicância material do juiz fosse neste caso menor do que naquele outro ( concordante, acórdão do TRE, de 14.4.2009, in CJ, XXXIV, 2, 294). Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica o vício previsto no artigo 123º, isto é a ilegalidade do acto é inócua e juridicamente irrelevante ( certíssimo acórdão do STJ, de 21.4.1994, in BMJ, 436, 266, e, já antes, acórdão do TEHH Wassink v. Países Baixos, de 27.9.1990, e, na doutrina, Gil Moreira dos Santos, 2003: 221, mas contra Conde Correia , 1999 a:147).”.6
No caso, entende-se que, a ocorrer, a arguida irregularidade não afectaria o valor do acto.
Em conformidade, há que julgar não provido o recurso.

III Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso.
Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s para cada um (cfr. artigo 513.º do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, por referência à tabela III anexa).
Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora e primeira signatária, nos termos do disposto no artigo 94º, nº2, do C.P.P..

Lisboa, 25 de Setembro de 2025
Cristina Santana
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Nuno Matos
_______________________________________________________
1. Nota 6 ao artigo 97º do CPP, in Comentário do CPP à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos direitos do Homem, Paulo Pinto de Albuquerque, UCE, 4ª Ed actualizada, pag.282.
2. Ac TRP de 15.2.2019, Proc.108/10.4PEPRT-H.P1
3. Ac TRL de 11.3.2025, Proc. 559/24.7TELSB-A.L1.
4. Ac TRL de 22.11.2022, Proc. 140/22.5TELSB-A.L1.
5. Neste sentido, vide:
Ac TRL de 14.10.2020, Processo nº 1212/19.9TELSB.L1-3
Ac TRP de 16.03.2022, Proc. 109/19.7TELSB-G.P1
6. Nota 2 ao artigo 123º do CPP, in Comentário do CPP à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos direitos do Homem, Paulo Pinto de Albuquerque, UCE, 4ª Ed actualizada, p. 327