VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AGRAVAÇÃO
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
Sumário

(da responsabilidade da Relatora)
I. No crime de violência doméstica, os elementos agravantes previstos na al. a) do n.º 2 do art. 152º do CP são autónomos e independentes, valendo cada um de per si, como forma de agravação e de preenchimento deste preceito legal.
II. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima, com o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tem uma função adjuvante da pena principal.
III. A aplicação dessa pena acessória deve ter a dimensão adequada para prevenir a prática de novos crimes da mesma natureza e afastar o agente do desvio normativo em que incorreu.
IV. Num crime de violência doméstica agravado, que envolveu, nomeadamente, violência física, sexual, verbal e psicológica, não se pode considerar desajustada a condenação numa pena de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por cinco anos, sujeita a regime de prova que preveja a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica e, a aplicação, também, de uma pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de cinco anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
I.1. Por acórdão proferido em .../.../2025, em relação ao arguido AA, foi decidido:
a) Absolver o arguido AA da prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. d) e e), e nº 2, al. a), do Código Penal;
b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 al. b) e c), nº nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
c) Suspender a execução da pena de prisão por 5 (cinco) anos, nos termos dos artigos 50º, n.ºs 1, 2 e 5, e 53º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, sujeita a regime de prova, que preveja a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos a definir pela DGRSP;
d) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, pelo período de 5 (cinco) anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância;
e) condenar o arguido no pagamento de uma indemnização civil à vítima BB, nos termos do disposto no artigo 72º e 82ºA, nº 1, do Código de Processo Penal, pelo montante global de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, mediante depósito autónomo à ordem dos presentes autos.
*
I.2. Recurso da decisão
O arguido interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição total):
“1º
O douto acórdão, aquando do enquadramento da matéria de facto no tipo legal de violência doméstica agravado (presença do menor), salvo o devido respeito, que é muito, não valorou de forma devida a matéria de facto dada como provada;

Assim como não levou em conta que em nenhum momento, a menor, filha da vítima e do Arguido, presenciou os factos imputados ao mesmo.

Da análise da factualidade dada como provada, não descortinamos em momento algum qualquer facto/indício que os factos imputados tenham sido praticados na presença da menor, filha do casal.

Acresce que, o Arguido foi absolvido de todos os factos imputados que consubstanciavam a prática do crime de violência doméstica na pessoa da sua filha.

O tribunal recorrido, condenou o Arguido no tipo agravado com base, em alegadamente o crime ter sido cometido na presença da filha;

Contudo, reitera-se, da matéria de facto dada como provada, a única referência à presença da filha, surge no ponto 33: O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua companheira e mãe da sua filha, e que, ao praticar os actos acima descritos no interior da residência e na presença da menor, os tornava particularmente gravosos.

Ora, tal facto, apresenta-se meramente conclusivo, porquanto nos factos elencados anteriormente, ou seja, do facto 1 ao 32, nunca e em momento algum a menor é colocada na cena ou local dos incidentes considerados como como provados.

Chegados aqui, salvo o devido respeito por opinião contrária, a agravação do tipo legal de crime resulta de uma mera conclusão ou presunção e não, de qualquer facto dado como provado.

Pelo que estamos em crer que o enquadramento da factualidade dada como provada, no tipo legal agravado (al. a) nº 2 do artigo 152º do Código Penal), tratou-se de um manifesto lapso.
10º
Dado que, nenhum facto dado como provado, descreve ou identifica a menor, filha do casal, como estando presente, pelo que apenas podemos assumir que o tribunal recorrido presumiu ou concluiu pela sua presença;
11º
Sem que tal decorra minimamente da matéria de facto dada como provada, razão pela qual, deve a decisão recorrida ser alterada em conformidade, sob pena do Recorrente se encontrar a ser condenado num tipo legal agravado com base em conclusões e presunções.
12º
Desta forma deverá a decisão ser revogada e alterada de forma a alterar a condenação do Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. artigo 152º nº 1 al. b) e c) do Código Penal, na sua forma simples.
13º
E consequentemente ajustar a pena à nova moldura penal do tipo legal em causa, um a cinco anos de prisão.
14º
Assim, como deverá ser revogada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de cinco anos.
15º
Dado que, mais uma vez, não resulta dos autos qualquer elemento de prova que fundamente minimamente a existência de qualquer incidente, contacto ou tentativa de contrato do Recorrente à vítima, entre a data do último facto descrito na acusação e a data da audiência de julgamento.
16º
Apresentando-se assim, esta sanção acessória, como desnecessária e desajustada ao caso concreto.
17º
Devendo por isso ser alterado o tipo legal imputado ao Recorrente e consequentemente a medida da pena aplicada, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”.
*
I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela sua improcedência, concluindo (transcrição parcial):
“I – A presente resposta respeita ao recurso interposto pelo arguido AA do Acórdão condenatório proferido nos autos, em que o mesmo alega e pretende, em síntese, o seguinte: Tendo em conta as conclusões que delimitam o objecto do recurso, o recorrente arguido pretende, em síntese, ao que entendo, pugnar: - por uma pena menor; - pela não verificação da agravação da pena abstracta do tipo de crime em que foi condenado; - pela não condenação em pena acessória.
II – Entendo que o recorrente arguido, não tem razão, pelos motivos que passo a expor: Adianto que considero que o Acórdão recorrido se encontra devidamente fundado e fundamentado, nele sendo enumerados os factos provados e não provados, feita uma exposição suficiente e concisa dos motivos de facto e de Direito que fundamentaram a decisão, indicadas e examinadas criticamente as provas com base nas quais o Tribunal formou a sua convicção – art. 410º nº 1 e 2 al. a) do CPP – e aplicada a adequada pena ao caso concreto. Mais considero que a prova produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, foi apreciada em obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica e não de modo arbitrário nem de acordo com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, não tendo, portanto, sido violado o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP. Por outro lado, considero que inexiste insuficiência da matéria provada para a decisão, pois os factos dados como provados permitem a conclusão de que o arguido recorrente praticou o crime por que foi condenado, sem margem para dúvidas, sendo tal matéria suficiente para permitir uma decisão de Direito, sem necessidade de se completar a mesma, bem como suficiente para aplicar a pena na concreta medida em que foi determinada – art. 410º nº 1 e 2 al. b) do CPP. Remeto para o douto Acórdão proferido, sua fundamentação de facto e de Direito, que aqui dou por reproduzido para todos os efeitos legais. Apenas sublinho e acrescento o que se segue: O douto acórdão deu como expressamente provados factos que aconteceram na casa do casal, vítima e recorrente, nomeadamente, que: “6. Durante algumas discussões o arguido atingiu o corpo da ofendida no interior do domicílio comum, empurrando-a, o que provocava a sua queda, e desferindo-lhe bofetadas na cabeça e na face”. “8. Em datas não concretamente apuradas, mas durante a relação, por duas vezes, uma na cozinha e outra no quarto, na sequência de discussões, para além de a empurrar e de lhe desferir bofetadas, o arguido agarrou a ofendida pelo pescoço, com as suas duas mãos e apertou-o com força.” “13. Sempre que chegava a casa, o arguido confrontava a ofendida com os seus passos, questionando o porquê de ter estado em determinado local, o que originava uma discussão, por achar que tinha estado com outros homens”. “33. O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua companheira e mãe da sua filha, e que, ao praticar os actos acima descritos no interior da residência da família, e na presença da menor, os tornava particularmente gravosos”. Mais refere que: “A pena em causa é agravada, nos termos do nº 2, al. a), da citada norma se o facto for praticado pelo agente na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”. O Acórdão decidiu, por existir factualidade bastante e por estar preenchida a al. a) do nº 2 do art. 152º CP, considerar a agravação do limite mínimo (de 1 ano para 2 anos) da pena abstracta aplicável. Mesmo imaginando como pretende o recorrente que se considere que nenhum facto aconteceu na presença de menor, tal agravação não deixa de se verificar, pois que grande parte dos factos ocorreram no domicílio da vítima. Assim como, ao contrário do que defende o recorrente, não pode deixar de manter-se a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de cinco anos, com a sua inerente função de coadjuvante da pena principal. Aliás esta pena é de afastamento da vítima BB e não é relativa a qualquer menor. Esta pena acessória existe e é necessária, independentemente da “existência de qualquer incidente, contacto ou tentativa de contrato do Recorrente à vítima, entre a data do último facto descrito na acusação e a data da audiência de julgamento” (conclusão 15 e 16). Tanto mais é ajustada que é concomitante a uma pena suspensa, sujeita a regime de prova, ou seja, a um período probatório sujeito a avaliação final, com imposição de aprendizagens julgadas necessárias para acompanhar de forma eficaz a ameaça de prisão (que a suspensão da efectividade da pena representa). Deverá assim manter-se intacta a decisão de: “b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 al. b) e c), nº nº 2 al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; c) Suspender a execução da pena de prisão por 5 (cinco) anos, nos termos dos artigos 50º, n.ºs 1, 2 e 5, e 53º, nº 1 e 2, todos do Código Penal, sujeita a regime de prova, que preveja a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos a definir pela DGRSP; d) Condenar o arguido AA e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, pelo período de 5 (cinco) anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância; e) condenar o arguido no pagamento de uma indemnização civil à vítima BB, nos termos do disposto no artigo 72º e 82ºA, nº 1, do Código de Processo Penal, pelo montante global de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, mediante depósito autónomo à ordem dos presentes autos…” O Acórdão não violou quaisquer das normas ou princípios referidos pelo recorrente. Termos em que, negando provimento ao recurso e confirmando o Acórdão recorrido, farão V. Exas., como sempre, a habitual JUSTIÇA!”.
*
I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso interposto pelo arguido.
*
I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
*
I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
**
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
É consabido e decorre de Jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, que é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões oficiosas (cfr. o art. 410º do CPP).
Assim, da análise das conclusões do recorrente extraímos as seguintes questões que importam apreciar e decidir:
1ª Erro de julgamento, quanto à subsunção dos factos ao direito;
2ª Da subsequente alteração da medida da pena;
3ª Da medida da pena acessória.
**
II.2. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes)
“II. Factos:
A. Factos Provados:
Apreciada a prova produzida e discutida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão de mérito:
1. BB e o arguido AA começaram a namorar em ..., passando a viver como se de marido e mulher se tratassem em ..., até ........2022, data em que se separaram de forma definitiva.
2. Fixaram residência na ....
3. Dessa união, nasceu uma filha, CC, no dia ........2020.
4. Desde o início da relação conjugal, por causa de ciúmes que o arguido sentia ou sempre que era contrariado ou, ainda, quando BB não fazia o que lhe exigia, surgiam discussões. 5. Na sequência de tais discussões, em datas e frequência não concretamente apuradas, mas durante a relação, o arguido dirigia a BB expressões como “puta, vaca”, acusando-a de querer estar com outros homens.
6. Durante algumas discussões o arguido atingiu o corpo da ofendida no interior do domicílio comum, empurrando-a, o que provocava a sua queda, e desferindo-lhe bofetadas na cabeça e na face.
7. Em consequência de tais agressões, a ofendida ficou com marcas nas diversas partes do corpo, sofrendo dores.
8. Em datas não concretamente apuradas, mas durante a relação, por duas vezes, uma na cozinha e outra no quarto, na sequência de discussões, para além de a empurrar e de lhe desferir bofetadas, o arguido agarrou a ofendida pelo pescoço, com as suas duas mãos e apertou-o com força.
9. Devido às agressões físicas e verbais de que era alvo, a ofendida viu-se obrigada a sair da casa conjugal mais de vinte e seis vezes, refugiando-se na casa da sua mãe, sita em ....
10. Aproveitando-se da fragilidade e dependência emocional da ofendida, o arguido pedia-lhe que lhe desse uma outra oportunidade e que ia mudar, fazendo com que a ofendida cedesse.
11. Face a ciúme que sentia, o arguido controlava a vida da ofendida, controlando todos os passos que a mesma dava durante os seus dias.
12. Para tal, o arguido instalou uma aplicação de GPS no telemóvel da ofendida de forma a conhecer a sua localização e todos os locais que frequentava.
13. Sempre que chegava a casa, o arguido confrontava a ofendida com os seus passos, questionando o porquê de ter estado em determinado local, o que originava uma discussão, por achar que tinha estado com outros homens.
14. O arguido proibiu a ofendida de falar com outros homens ou de para eles olhar.
15. Se olhasse e se apercebesse de tal olhar, o arguido iniciava uma discussão, dizendo à ofendida que se estava a olhar, era porque queria ir para a cama com eles.
16. O arguido proibiu a ofendida de se maquilhar, e quando esta o fazia, dizia-lhe que só o fazia para chamar a atenção dos outros homens, o que originava discussões.
17. Com medo do arguido, a ofendida deixou de falar com homens e de se maquilhar.
18. O arguido controlava as chamadas que a ofendida recebia, impedindo-a de comunicar com quem quer que fosse, sem o seu conhecimento.
19. O arguido não queria que a ofendida trabalhasse, o que fez com que, em ..., aquela se despedisse da loja onde trabalhava e que se situava em ....
20. Ao longo da relação, o arguido impediu a ofendida de voltar a trabalhar, fazendo com que a ofendida ficasse na sua dependência financeira.
21. No dia ........2020, na sequência de uma agressão, a ofendida foi para casa da sua mãe, tendo, nesse mesmo dia apresentado queixa contra o arguido.
22. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do mês de ..., o arguido agrediu a ofendida durante o sono daquela, desferindo-lhe uma bofetada na face com violência.
23. Desde esse episódio, a ofendida deixou de conseguir dormir, com medo do arguido.
24. Em ........2022, a ofendida deu entrada no ..., tendo desmaiado, devido ao cansaço físico e mental que sentia, por não conseguir dormir desde aquela agressão. 25. O arguido obrigava a ofendida a manter sexo oral e sexo anal, o que aquela não queria.
26. Perante a recusa, o arguido dizia-lhe que tinha de o satisfazer sexualmente uma vez que era mulher dele e que era o seu dever sujeitar-se.
27. Em data não concretamente apurada, com o seu telemóvel, o arguido filmou aquela a praticar nele sexo oral, sem o seu consentimento, alegando este que era para mais tarde recordar, ao que, por medo, a ofendida acabou por ceder.
28. No final da gravidez, sempre com o seu telemóvel, o arguido fotografou a ofendida, totalmente despida, em posições íntimas e sexuais, contra a vontade daquela, acabando novamente por ceder por medo.
29. Fruto de todos actos praticados pelo arguido, a ofendida encontra-se desgastada e com medo do arguido.
30. Em todas as situações acima mencionadas que a ofendida teve de suportar, o arguido sabia que estava a molestar psicológica, física e sexualmente a ofendida com quem mantinha uma relação análoga às dos cônjuges e que era mãe da sua filha, mais sabia que a humilhava e a ofendia na sua honra e consideração pessoal, bem como na sua dignidade de pessoa humana, que a atemorizava, a diminuía na sua honra e consideração, e que mantinha relações sexuais orais e anais, contra a sua vontade.
31. Mais sabia que as expressões por si proferidas e atitudes adoptadas são adequadas a causar medo, receio e inquietação e de lhe limitar a sua liberdade de movimentação e de lhe causar sentimentos de vergonha e humilhação.
32. O arguido sabia que, ao fotografar e ao filmar a ofendida, totalmente nua e em posições de cariz sexual ou a praticar actos sexuais, o fazia sem o consentimento daquela.
33. O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua companheira e mãe da sua filha, e que, ao praticar os actos acima descritos no interior da residência da família, e na presença da menor, os tornava particularmente gravosos.
34. O arguido quis humilhar, intimidar, ofender física, psicológica e sexualmente a ofendida bem como a honra e o bom nome daquela, criando um clima de temor, conseguindo fazer a ofendida temer pela sua vida e pela sua integridade física, causando-lhe medo e inquietação, anulando a vontade da ofendida e impondo a sua através do recurso a violentas agressões e restringindo a sua liberdade de movimentação e a sua liberdade sexual, fotografando-a e filmando-a contra a sua vontade, o que conseguiu.
35. Como consequência do comportamento do arguido, e da violência utilizada, a ofendida viveu num estado de ansiedade, angústia e de temor permanente.
36. O arguido quis com o seu comportamento inferiorizar e aterrorizar a ofendida perante ele, causando-lhe um sentimento permanente de temor e ansiedade, garantindo, deste modo, a sua superioridade e domínio sobre ela, sujeitando-a à sua vontade, nomeadamente a nível sexual, mantendo relações sexuais contra a sua vontade, o que conseguiu.
37. Em todos os actos aqui descritos, o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
38. O arguido não tem antecedentes criminais.
39. À data dos factos, o arguido residia com o pai, AA, com ofendida, BB, e a filha de ambos, CC, em apartamento arrendado com boas condições acomodação. Actualmente o arguido mantem residência com o seu pai.
40. Quanto ao percurso de vida, o arguido cresceu num ambiente familiar estruturado, sendo que ao longo do tempo, viria a manter, sempre a coabitação com o seu pai.
41. Em termos laborais, à data dos factos, o arguido encontrava-se a exercer funções de operário fabril, na fábrica ... com contrato de trabalho por tempo indeterminado e com uma remuneração mensal de €870,00 (oitocentos e setenta euros). Ao nível das despesas, o arguido contribuía com €470,00 (quatrocentos e setenta euros) como ajuda para o orçamento familiar, assumindo o pagamento dos consumos da água, eletricidade, gás e telecomunicações e uma parte da alimentação. No presente a situação é idêntica.
42. O arguido concluiu o 4º ano de escolaridade.
لا
B. Factos não provados:
Da audiência de discussão e julgamento, não resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
a. Além das expressões mencionadas em 5. dos factos provados, o arguido apelidava a ofendida de “desequilibrada, não sabes fazer nada, és uma oferecida”.
b. Para que a mãe da ofendida pudesse com ela falar, o arguido obrigava-a a mandar uma mensagem prévia para o telemóvel daquele a avisar que queria falar com a sua filha.
c. O arguido exigiu que a ofendida deixasse sempre o seu telemóvel desbloqueado de forma a poder ter sempre acesso ao mesmo, nomeadamente controlando as mensagens e chamadas que aquela realizava ou recebia bem como controlava as redes sociais daquela.
d. O arguido dizia à ofendida de que caso esta fizesse queixa às autoridades, a matava.
e. O arguido dizia à ofendida que lhe ia tirar e que ia desaparecer com a filha menor e, por isso, a ofendida acabava sempre por regressar, por medo que aquele o fizesse.
f. Numa ocasião, após ter conhecimento da denúncia de ........2020, o arguido escondeu a menor da ofendida, a qual se viu obrigada a percorrer o ... à procura da menor.
g. Quando o arguido lha entregou, este proferiu as seguintes expressões “desta vez foi assim, para a próxima é pior.”.
h. No dia ........2020, o arguido foi até à casa da mãe da ofendida, e após aquele lhe ter dito que iria ficar sem a menor caso não voltasse para ele, a ofendida acabou por regressar para junto daquele.
i. No dia ........2021, na sequência de mais uma agressão, a ofendida voltou a sair de casa do arguido e regressou para a casa da sua mãe, onde esteve até ao dia ........2021, data em que regressou a casa daquele.
j. No dia ........2021, a ofendida voltou a sair de casa do arguido e regressou a casa da sua mãe onde permaneceu até ao dia ........2022, data em que regressou para a casa do arguido.
k. Em ..., para a humilhar, o arguido disse à ofendida que estava com outra mulher.
l. Os actos sexuais ocorriam semanalmente, normalmente ao fim-de-semana.
m. Em consequência de o arguido ser portador de herpes genital, doença sexualmente transmissível, a ofendida passou também ela a sofrer de herpes genital, tendo ainda sofrido várias infecções vaginais.
n. A ofendida tinha receio que o arguido publicasse as fotos e as filmagens que tinha como modo de retaliação quando aquela queria terminar com a relação e o afastava da filha de ambos.
o. Em datas não concretamente apuradas, mas sempre que a menor chorava, ainda era recém-nascida, o arguido atirava-a para o ar para a calar, criando o risco de a deixar cair ou de ir embater contra elementos sólidos.
p. Em datas não concretamente apuradas, já a menor tinha mais de um ano, o arguido tapava a boca da menor para que esta deixasse de chorar.
q. Em data não concretamente apurada, na sequência de lhe ter sido tapado a boca, o arguido foi mordido na mão pela menor.
r. Pese embora a sua tenra idade, a ofendida CC sentiu-se desprotegida, humilhada, nervosa e teve medo, diminuindo de forma grave a sua auto-estima.
s. Por via das agressões corporais e psicológicas do arguido, as quais foram sendo praticados desde a sua tenra idade, meses de vida, da sua dependência emocional e económica, a ofendida CC não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação daquele, circunstância de que se aproveitou no sentido descrito.
t. O arguido bem sabia, ainda, que, agindo como descrito, atingia a integridade física, magoava e causava lesões e dores à ofendida CC, desde a sua tenra idade, o que quis e conseguiu. u. Ao atuar do modo acima descrito, o arguido quis maltratar a ofendida CC, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a nos seus sentimentos de segurança, o que decidiu fazer no interior do domicílio comum e conseguiu, muito embora soubesse que, na qualidade de pai da ofendida, sobre ele impendia um dever acrescido de respeito para com esta, bem como de cuidar do seu bem-estar físico e psíquico.
لا
A restante matéria alegada não foi considerada provada ou não provada, por não ter relevância ou interesse para a decisão da causa ou consubstanciar matéria de direito ou matéria conclusiva.”.
**
II.3. Apreciação do recurso
II.3.1. Erro de julgamento, quanto à subsunção dos factos ao direito
O recorrente põe em causa o acórdão proferido e a condenação efectuada, alegando, em síntese, que se baseou na ‘presença da menor’ aquando da prática dos factos, de forma meramente conclusiva, sem referência a outro facto que ateste essa presença, por forma a considerar agravado o crime de violência doméstica de que vinha acusado (e que foi condenado em relação à ofendida BB), nos termos do artigo 152º, n.º 1, al. b) e c) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
Dispõe o aludido artigo que:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
(…)
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
No crime de violência doméstica, o bem jurídico tutelado pela incriminação é complexo e abrangente e engloba a saúde física, psíquica, mental e moral.
O tipo legal de crime em apreço, integrado no título I dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no capítulo III, relativo aos crimes contra a integridade física, na sua redacção inicial (anterior à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/09) tinha como ratio, não a protecção da comunidade familiar e conjugal, mas sim a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Como refere Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pp. 329 a 339, maxime pág. 332, “O bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultam o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente,(...) ou que afectem a dignidade pessoal do cônjuge”.
As condutas previstas e punidas por este artigo podem, assim, configurar, maus tratos físicos (ou seja, ofensas corporais simples) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças) – Taipa de Carvalho, op. cit., pág. 333.
No entanto, em qualquer das vertentes referidas, o tipo de crime em análise pressupunha uma reiteração das respectivas condutas, para que se pudesse considerar que estava preenchido o tipo legal do art. 152º do CP e não outro tipo que com ele estivesse em concurso aparente.
Actualmente, tal circunstância de necessidade de reiteração, já não ocorre e por expressa determinação da lei, que prevê para o art. 152º referente à violência doméstica, a sua punição, quer o acto seja praticado de forma reiterada ou não (o que também acontece com o crime do art. 152º-A referente a maus tratos propriamente ditos, que abrange os menores como vítimas e outras pessoas particularmente indefesas).
É precisamente no seio da família que as condutas descritas no tipo legal do art. 152º do CP actual, ganham maior acuidade.
Assim sucede, sem margem para dúvidas, no caso sub judice.
*
Tendo em consideração o expendido, temos de ter presente que resultou, nomeadamente, provado na decisão recorrida que (factos 6º, 8º, 13º, 22º, 33º, 39º, sublinhado nosso):
“6. Durante algumas discussões o arguido atingiu o corpo da ofendida no interior do domicílio comum, empurrando-a, o que provocava a sua queda, e desferindo-lhe bofetadas na cabeça e na face.
(…)
8. Em datas não concretamente apuradas, mas durante a relação, por duas vezes, uma na cozinha e outra no quarto, na sequência de discussões, para além de a empurrar e de lhe desferir bofetadas, o arguido agarrou a ofendida pelo pescoço, com as suas duas mãos e apertou-o com força.
(…)
13. Sempre que chegava a casa, o arguido confrontava a ofendida com os seus passos, questionando o porquê de ter estado em determinado local, o que originava uma discussão, por achar que tinha estado com outros homens.
(…)
22. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do mês de ..., o arguido agrediu a ofendida durante o sono daquela, desferindo-lhe uma bofetada na face com violência.
(…)
33. O arguido sabia dever uma especial obrigação de respeito à ofendida, por ser sua companheira e mãe da sua filha, e que, ao praticar os actos acima descritos no interior da residência da família, e na presença da menor, os tornava particularmente gravosos.
(…)
39. À data dos factos, o arguido residia com o pai, AA, com ofendida, BB, e a filha de ambos, CC, em apartamento arrendado com boas condições acomodação. Actualmente o arguido mantem residência com o seu pai.”
Refere-se, ainda, na decisão recorrida, quanto ao enquadramento legal:
“A pena em causa é agravada, nos termos do nº 2, al. a), da citada norma se o facto for praticado pelo agente na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
Esta incriminação almeja, não a proteção da comunidade familiar, mas sim a proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana, pelo que o bem jurídico protegido se deverá reconduzir à saúde, que se traduz num bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afetado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afetem a dignidade pessoal do cônjuge – Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, t. I, Coimbra Editora, 1999, p. 332, em anotação ao crime de maus tratos, aplicável ao caso em virtude de o bem jurídico protegido não ter sido alterado.
Trata-se de um crime específico, impróprio, pressupondo que o agente se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo daqueles comportamentos (vide Teresa Pizarro Beleza, in Maus Tratos Conjugais: o art.153º, nº 3, do Código Penal, AAFDL, 1989, p. 21).
Constituem elementos objetivos deste tipo legal de crime, a produção de uma ação pelo agente que, por qualquer modo, provoque uma ofensa no corpo ou na saúde ou no equilíbrio psíquico da vítima - atos que afetem a integridade moral ou o sentimento de dignidade.
O mesmo é afirmar que são constitutivos quaisquer atos suscetíveis de perturbar, modificar ou alterar desfavoravelmente o estado de equilíbrio psicossomático da pessoa – maus tratos físicos (ofensas corporais simples) e maus-tratos psíquicos (humilhações, provocações, ameaças, injúrias), que se refletem na saúde física e psíquica e/ou no desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar da pessoa.
A atual previsão legislativa basta-se, tão-só, com um único ato para se integrar o tipo legal de crime em referência; desde que o mesmo, por si só, atinja o bem jurídico violado. Assim, torna-se mister que, em casos em que não ocorra reiteração da conduta a mesma se restrinja a casos de especial violência.
Trata-se, não de um crime continuado, mas de um crime de execução duradoura.
No que concerne o elemento do tipo subjetivo, este ilícito é essencialmente doloso (conhecimento da factualidade típica e da vontade de realização do tipo legal de crime), em qualquer das suas modalidades - direto, necessário ou eventual -, por aplicação da norma geral do artigo 14º do Código Penal, importando o conhecimento da relação de proteção, assistência e respeito relativamente ao sujeito passivo.
(…)
Nestes termos e pelos argumentos aduzidos, fica demonstrado e provado que os factos provados não podem deixar de subsumir-se à previsão do crime de violência doméstica agravado, na forma consumada, na pessoa de BB, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. b) e c), e nº 2, al. a), do Código Penal.”.
Como vimos, a agravação da alínea a) do n.º 2 do art. 152º do CP pode advir da prática do facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.
Ou seja, perante os factos provados, mostra-se preenchida a circunstância qualificativa prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 152º do CP. Isto porque, os quatro pressupostos aí aludidos são autónomos, distintos e não cumulativos (daí a conjunção ‘ou’, que significa alternativa): facto praticado ou contra menor, ou na presença de menor, ou no domicílio comum, ou no domicílio da vítima.
No caso concreto, independentemente da presença da menor, que apenas foi dada como provada sem indicação de uma data concreta (mas que não se pode considerar como um facto meramente conclusivo), o certo é que também se provou que os actos praticados contra a ofendida BB, o foram no domicílio comum, no interior da residência da família. E tanto basta para preencher a agravante em causa, como de facto preencheu, agravando a moldura sancionatória no seu limite mínimo.
E no que respeita à agravante de praticar os factos no domicílio comum, como se afere do Acórdão do TRL de 12/07/2022, processo n.º 386/20.0PBVIS.C1, in www.dgsi.pt: “São, pois, duas ordens de razões que conduzem à agravação: por um lado, um maior aproveitamento da confiança e sentimento de segurança por parte da vítima decorrente de estar numa posição de maior tranquilidade [menos desperta para eventuais agressões]; por outro lado, a maior aptidão do “espaço” a obstaculizar a perceção de outros membros do grupo social.”
Afigura-se-nos que as razões que conduziram à agravação acima apontadas também estão presentes nesta situação, porquanto, a vítima sente-se naturalmente mais confiante e protegida estando na sua residência ou mesmo numa área reservada no exterior da sua residência, sentimentos de segurança e tranquilidade que o domicílio (incluindo a área reservada exterior) lhe proporciona.
Verifica-se, pois, que o enquadramento legal efectuado pela primeira instância, não merece reparo.
Improcede, nesta parte, o recurso.
**
II.3.2. Da subsequente alteração da medida da pena
Fruto da alegação da falta de preenchimento da agravante da alínea a) do n.º 2 do art. 152º do CP, veio, ainda, o arguido requerer a alteração da medida da pena, ajustada à sua pretensão de exclusão da norma agravante.
Como vimos, tal pretensão do arguido não mereceu provimento, assim como não merece este segundo segmento recursivo, que se indefere, pois mantendo-se o enquadramento legal da decisão recorrida, inexistem motivos para alterar a medida da pena encontrada.
**
II.3.3. Da medida da pena acessória
Na aplicação das penas acessórias, o julgador está vinculado aos mesmos critérios e elementos de ponderação utilizados aquando da determinação concreta da sanção penal principal, designadamente, a adequação dessa sanção acessória à gravidade da infracção (censurabilidade do facto) e da culpa (censurabilidade do agente), fazendo com que a sua aplicação não seja automática, mas sim norteada e balizada por critérios legais de necessidade, de adequação e de proporcionalidade.
A finalidade da pena acessória “reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral.” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal) – cfr. o Ac. da RG de 02/11/2015, processo n.º 167/15.3GBBCL.G1, in www.dgsi.pt.
“A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.” – cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/02/2015, processo n.º 59/14.3GTVIS.C1, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, a decisão recorrida é do seguinte teor quanto a esta matéria:
“O arguido foi acusado nos termos do artigo 152º, nº 4 e 5, do Código Penal, que prevê as penas
acessórias aplicáveis aos crimes de violência doméstica.
Estabelece o artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal que, em caso de condenação pelo crime de violência doméstica, pode ser aplicada a pena acessória de proibição de contacto com a vítima pelo período de seis meses a cinco anos. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (artigo 152º, n.º 5, do Código Penal).
No caso dos autos, considerando todos os fatores supra expostos, designadamente a gravidade concreta dos factos que incidiram sobre a vítima, o período ao longo do qual perdurou e o impacto que esse comportamento assumiu na integridade física, sexual, psíquica e emocional da mesma, importa garantir a ausência de contactos entre ambos, por período que permita a quebra do padrão de relacionamento que assumiu no passado, afastando ainda o perigo de violência associado a este tipo de criminalidade.
Deste modo, impõe-se que seja imposta ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com BB, na qual se inclui o afastamento da residência e do local de trabalho, pelo período de 5 (cinco) anos, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do disposto no nº 4 e 5 do artigo 152º do Código Penal.”
Verifica-se, pois, que o acórdão recorrido justificou adequadamente a aplicação da referida sanção acessória (nomeadamente, pela necessidade de quebra de padrão da conduta do arguido e necessidade de prevenção quanto à violência que este tipo de crime acarreta, não relevando que, eventualmente, após esses factos não tenham surgido outros incidentes, uma vez que os ocorridos são o bastante para a determinação operada), o que, perante a gravidade dos factos provados, nos parece equilibrada e ajustada, tanto mais que o arguido foi condenado numa pena de três anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período (também) de cinco anos, sujeita a regime de prova, que preveja a frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos a definir pela DGRSP.
Note-se que os factos dados como provados assumem uma gravidade considerável, impondo o afastamento determinado pela 1ª instância, por forma a permitir à ofendida BB restabelecer a sua vida (de entre os factos provados, consta, designadamente, que: “5. Na sequência de tais discussões, em datas e frequência não concretamente apuradas, mas durante a relação, o arguido dirigia a BB expressões como “puta, vaca”, acusando-a de querer estar com outros homens. 6. Durante algumas discussões o arguido atingiu o corpo da ofendida no interior do domicílio comum, empurrando-a, o que provocava a sua queda, e desferindo-lhe bofetadas na cabeça e na face. (…) 11. Face a ciúme que sentia, o arguido controlava a vida da ofendida, controlando todos os passos que a mesma dava durante os seus dias. 12. Para tal, o arguido instalou uma aplicação de GPS no telemóvel da ofendida de forma a conhecer a sua localização e todos os locais que frequentava. 13. Sempre que chegava a casa, o arguido confrontava a ofendida com os seus passos, questionando o porquê de ter estado em determinado local, o que originava uma discussão, por achar que tinha estado com outros homens. (…) 14. O arguido proibiu a ofendida de falar com outros homens ou de para eles olhar. 15. Se olhasse e se apercebesse de tal olhar, o arguido iniciava uma discussão, dizendo à ofendida que se estava a olhar, era porque queria ir para a cama com eles. 16. O arguido proibiu a ofendida de se maquilhar, e quando esta o fazia, dizia-lhe que só o fazia para chamar a atenção dos outros homens, o que originava discussões. 17. Com medo do arguido, a ofendida deixou de falar com homens e de se maquilhar. 18. O arguido controlava as chamadas que a ofendida recebia, impedindo-a de comunicar com quem quer que fosse, sem o seu conhecimento. 19. O arguido não queria que a ofendida trabalhasse, o que fez com que, em ..., aquela se despedisse da loja onde trabalhava e que se situava em .... 20. Ao longo da relação, o arguido impediu a ofendida de voltar a trabalhar, fazendo com que a ofendida ficasse na sua dependência financeira. 21. No dia ........2020, na sequência de uma agressão, a ofendida foi para casa da sua mãe, tendo, nesse mesmo dia apresentado queixa contra o arguido. 22. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no início do mês de ..., o arguido agrediu a ofendida durante o sono daquela, desferindo-lhe uma bofetada na face com violência. 23. Desde esse episódio, a ofendida deixou de conseguir dormir, com medo do arguido. 24. Em ........2022, a ofendida deu entrada no ..., tendo desmaiado, devido ao cansaço físico e mental que sentia, por não conseguir dormir desde aquela agressão. 25. O arguido obrigava a ofendida a manter sexo oral e sexo anal, o que aquela não queria. 26. Perante a recusa, o arguido dizia-lhe que tinha de o satisfazer sexualmente uma vez que era mulher dele e que era o seu dever sujeitar-se. 27. Em data não concretamente apurada, com o seu telemóvel, o arguido filmou aquela a praticar nele sexo oral, sem o seu consentimento, alegando este que era para mais tarde recordar, ao que, por medo, a ofendida acabou por ceder. 28. No final da gravidez, sempre com o seu telemóvel, o arguido fotografou a ofendida, totalmente despida, em posições íntimas e sexuais, contra a vontade daquela, acabando novamente por ceder por medo. 29. Fruto de todos actos praticados pelo arguido, a ofendida encontra-se desgastada e com medo do arguido. (…) 35. Como consequência do comportamento do arguido, e da violência utilizada, a ofendida viveu num estado de ansiedade, angústia e de temor permanente.”
Assim, a necessidade de o arguido interiorizar o desvalor da conduta e iniciar um período de restabelecimento normativo e, sobretudo, com aprendizagens que o regime de prova lhe permitirão, pelo aludido período de cinco anos, ajustam-se, também, a que a pena acessória, de proibição de contacto com a vítima BB, monitorizado por meios técnicos de controlo à distância, se efectue, igualmente, pelo aludido período de 5 (cinco) anos.
Improcede, assim, o recurso interposto nesta parte, mantendo-se, também, a pena acessória aplicada.
**
III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 9ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC’s (artigo 513º, n.º 1, do CPP e artigo 8º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Notifique.
**
Lisboa, 25/09/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Paula Cristina Borges Gonçalves
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Cristina Luísa da Encarnação Santana